quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Proibicionismo

O tema das praxes, recorrente na nossa imprensa e sempre sem grandes consequências, está de volta. Devo dizer antes de mais que acho a prática um disparate sem grande interesse e discordo do choradinho que as associações académicas fazem sempre que se ataca a sua tradição sagrada e inviolável. Dizem estas que a praxe é importante para integrar o aluno, para lhe interiorizar a hierarquia, que é feito em todo o lado, entre outros disparates. Não me parece que naquelas instituições onde não há praxe os alunos não estejam integrados, que desrespeitem os professores ou sejam em geral inimigos da ordem pública no campus. Falo por experiência própria de ter estado em mais que uma universidade, tanto cá como no estrangeiro.

No que diz respeito à hierarquia entre os alunos mais novos e mais velhos acho um argumento bastante asqueroso, não devo aos outros alunos, com mais ou menos matriculas um respeito especial que não tenha já pelo comum ser humano no dia a dia em sociedade. Até porque no caso português esses ditos “veteranos” são geralmente gente com mau percurso académico que mais se dedica a estas actividades do que ao estudo. Com a introdução de propinas esse fenómeno decresceu, mas como o grosso dos custos do ensino superior ainda está disperso pelo contribuinte e não recai sobre o beneficiário da educação superior, haverá sempre gente que se pode dar ao luxo de ocupar lugares em instituições públicas durante largos anos.

Dito isto, também não me revejo na obsessão do bloco de esquerda em proibir, que em verdade é uma obsessão nacional de proibir ou regular toda a minúcia da vida humana. Tende-se a achar que é pela criação de mais regras ou proibições que as coisas melhoram, entretendo-se a ilusão que se pode obter controlo através de mais detalhados regulamentos e restrições. Os apoiantes destas medidas não parecem preocupados em explicar como se procederia à fiscalização de tal proibição. O que é praxe? Quando os alunos se reúnem aos berros com camisas a anunciar “praxe” não será muito complicado mas o quão difícil é camuflar esta actividade? Veremos a polícia a deter grupos de indivíduos barulhentos no bairro alto por suspeita de actividades praxistas? Eliminar as associações académicas provavelmente seria o suficiente para eliminar, pelo menos de forma aberta, a actividade em questão mas da última vez que verifiquei havia liberdade de associação em Portugal. Imagino que possamos ver em breve mais uma hemorragia legislativa a procurar apaziguar a opinião pública e gerar alguma propaganda positiva para o governo com o único resultado que tudo ficará na mesma. No fim, teremos a lei menos geral e menos abstracta, menos transparente e mais difícil de aplicar.

A única via que vejo necessária para atacar o problema é a via administrativa. Da minha parte acho inadmissível que instituições do estado (nas privadas a questão é ligeiramente diferente), financiadas em larga medida pelo erário público, tolerem e pactuem com este tipo de actividades. Sim, as praxes são simplesmente empurradas para fora do espaço físico da universidade se as reitorias e os professores fizerem o seu trabalho mas parece-me importante que a instituição dê o exemplo e se distancie não só nas palavras mas pela acção.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

1914

Em 2014, enquanto o líder do CDS estiver a celebrar e a propagandear a sua vitória sobre a troika e enquanto Portugal estiver entretido a celebrar 25 de Abril sempre, uma boa parte da Europa estará no auge de relembrar a guerra de 14-18. Ao contrário do que nos quis fazer crer Vladimir Putin, este conflito foi verdadeiramente a maior catástrofe geopolítica do século vinte, com o fim de quatro impérios e o (re)nascimento de vários estados no leste europeu, principalmente. Nos principais países participantes, ou estados que lhes sucederam, tem corrido muita tinta sobre a importância da Grande Guerra, com inúmeros livros, artigos de jornal e documentários a descrever em pormenor tanto o próprio conflito como os anos que lhe antecederam. Este centenário chega-nos, com o sentido irónico do destino, na mesma altura em que a Alemanha é por muitos lados desta UE, vilipendiada, achincalhada e acusada de estar, pela terceira vez, ocupada com o “espatifar da Europa”, nas palavras infelizes de João Soares há uns largos meses na SIC Notícias.

Na historiografia actual mais sóbria, longe do barulho mediático da crise do euro, o papel da Alemanha em 1914 já está bem longe daquele que lhe foi atribuído em Versalhes, ou seja, a Alemanha como a única responsável pelo deflagrar das hostilidades. Admita-se que a Segunda Guerra Mundial, muito mais um conflito entre bons e maus (ou algo mais complicado de descrever no choque de titãs Alemanha-URSS) com a Alemanha Nazi verdadeiramente algo que merecia a destruição e derrota totais, acabou por obscurecer a percepção do primeiro grande conflito industrial europeu. Nesta visão, os Alemães de 14 já eram Nazis, já procuravam o domínio do mundo, e muito provavelmente já procuravam o extermínio de povos considerados inferiores.
A realidade contudo não é tão simples e a constelação de poder em Julho de 1914 é mais complexa do que a de 1939. Todos os participantes europeus eram impérios, todos tinham políticas coloniais, todos alimentaram o fogo do nacionalismo enquanto se confrontavam internamente com o alargamento do sufrágio, o sindicalismo e nos impérios multinacionais, forças separatistas variadas.

Todos tinham razões diversas para marchar para a guerra. Gostava que a imprensa portuguesa e as instituições nacionais se debruçassem mais sobre o tema, uma guerra na qual Portugal participou, com consequências internas devastadores, e onde de forma limitada se deu um ensaio de guerra colonial quando Lisboa enviou tropas tanto para Angola como para Moçambique, ambas colónias adjacentes a territórios alemães. Infelizmente talvez isto seja esperar demasiado dos nossos tudólogos e especialistas da táctica política e das Visões História, com os seus artigos mal escritos e de pesquisa pobre e das nossas chefias, para quem a realidade acaba na fronteira ou, quando não é o caso, se circunscreve à diáspora.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O individuo

Recentemente fui, juntamente com o fundador deste blogue, ver o filme “Captain Phillips”. Nessa película, Tom Hanks protagoniza o titular capitão Phillips e o drama que este viveu quando o cargueiro americano que capitaneava foi tomado por piratas somalis. Mais tarde, o capitão foi feito refém pelos piratas quando estes se escapuliram no barco salva-vidas do cargueiro. Neste permaneceram durante várias horas antes de forças americanas resgatarem o capitão feito prisioneiro. Apenas um dos piratas sobreviveu e apenas porque tinha aceite encontrar-se com um negociador a bordo do vaso de guerra norte-americano encarregue da operação de salvamento. O filme baseia-se no livro escrito pelo próprio Phillips depois da sua epopeia em 2009. Independentemente das liberdades que tomará no acto de adaptação, o filme é, como o João Mendes comentou à saída da sala de cinema, e estou a parafrasear, uma ode à resiliência do individuo quando este enfrenta situações extremas, um tema especialmente apreciado pela cultura americana.

Mais tarde, fui também com o João ver a mais recente obra-prima de Martin Scorsese, O Lobo de Wall Street, uma “queda do império romano” nas palavras de Leonardo DiCaprio que assume o papel do também real Jordan Belfort e a sua meteórica ascensão e queda como corrector de Wall Street ocupado em defraudar investidores em muitos milhões de dólares, o que lhe permitiu a ele e aos que com ele trabalhavam, usufruir de uma vida de excesso até ser detido e após negociações com a procuração, ter cumprido quase dois anos de cadeia. Desta vez, à saída do filme, comentei que esta obra apresentava o reverso da medalha daquilo que vimos retratado em Phillips. A obra de Scorsese retrata o individualismo desinibido e desprovido de regras, a procura desenfreada de acumulação material e a satisfação hedonística de todos os apetites do homem.

Esta face da moeda será provavelmente parte da justificação dada, geralmente pelo estado, para as variadas limitação à expressão e responsabilização individual. O individuo, egoísta e desprovido de moralidade inata, carece de uma força que o contenha e moralize de modo a que possa coexistir pacificamente em sociedade. O estado, e muitas vezes as autoridades religiosas que com ele pactua ou até se confundem, assumem este “fardo”, justificando assim toda a espécie de restrições à liberdade de acção dos cidadãos. Em Portugal em particular, as corporações e a televisão e rádio públicas, entre outros, são muitas vezes vistas como essenciais baluartes da moral pública. Entre a anarquia e o estado totalitário, ambos formas de tirania, existe mesmo assim amplo espaço de manobra no que diz respeito ao grau de liberdade que cada comunidade política está disposta a permitir aos seus súbditos.

Tendencialmente o Estados Unidos, pelo menos em teoria se nem sempre na prática, favorecem a liberdade individual com todas as vantagens e responsabilidades que isso acarreta. No domínio da liberdade de expressão, são a meu ver ainda a referência a nível mundial. Na Europa, o espírito das leis e das mentalidades tende a vacilar para o outro lado desta equação e prefere-se geralmente restringir fortemente o raio de acção de cada um através de políticas paternalistas que fazem transparecer uma grande desconfiança no individuo, sendo a França um caso particularmente gravoso. Durante o próprio filme comentei que apreciava as possibilidades dadas às empresas quando procuram financiamento, quando este retratava os mercados de participações secundários onde se trocam acções de pequenas empresas, as chamadas “penny stocks”, um fenómeno que em Portugal não ocorre, sendo que temos empresas altamente endividadas e extremamente carentes de capital. Reflectirá provavelmente a atitude geral que mais vale proibir de modo a impedir excessos futuros, do que autorizar e responsabilizar para em caso de abuso fazer uso das instituições de justiça, numa lógica de que os possíveis ganhos que advêm da liberdade acrescida não ultrapassam os custos do policiamento de actividades potencialmente prejudiciais para o interesse público. No entanto, em casos em que a proibição é preferida, a procura poderá ser tanta que contornar a lei se torna rotineiro, algo que em Portugal já se torna habitual.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

O desencanto ao entrar em 2014

2014 vai ser mais um ano duro. A troika sair (ou não) não vai alterar isso. O cronómetro em contagem decrescente do Sr. Vice-Primeiro Ministro diz mais sobre o Sr. Vice-Primeiro Ministro e o seu amor por golpes publicitários do que sobre o futuro do país. É cronometragem fiada, que interessa tanto como o "novo ciclo", anunciado e, claro, inexistente.

Em 2014, não teremos falta de quem se entretenha a prometer balas de prata. Ou a falar como se o Estado português tivesse poderes mágicos e a capacidade para implementar medidas sem custos, de forma totalmente independente do resto da União Europeia ou do mundo. Ou a dizer que basta fazer voz grossa e os problemas desaparecem. 

Em 2014 continuaremos a ter conjuntos alargados de tudólogos a dedicar o seu tempo a reduzir o mundo a um conjunto de histórias simplistas. E cada Ministro continuará a agir de forma independente e sem coerência entre si, como o "Estado Melhor" do Sr. Vice-Primeiro Ministro (que só o Prof. Pedro Pita Barros parece ter analisado com o máximo de profundidade que aquele pobre documento permitia) apenas veio confirmar que já está a ser feito.

2014 trará eleições europeias, que podiam ser utilizadas para discutir a União Europeia, e serão ao invés muito provavelmente utilizadas para continuar a contar histórias da carochinha sobre "casos mediáticos" sem substância. E isso será considerado irrelevante pelos encartados tudólogos da nossa praça, que serão aliás os primeiros a alimentar ou ajudar a criar os tais "casos mediáticos".

2014 traz a promessa de mais do mesmo. Será mais um ano desencantado de uma crise duradoura, com as mesmas cantilenas e promessas de sempre. Será um ano novo em trajes velhos. E será, é esta a minha razoavelmente emocional previsão, um ano duro.