terça-feira, 30 de agosto de 2011

Contra preços máximos para combustíveis fósseis

Uma externalidade negativa consiste na capacidade que alguém tem de tomar uma decisão sem pagar o custo total dessa decisão, por passar parte desse custo para um terceiro, sendo que essa passagem não é feita de forma voluntária. Sem intervenção externa, o terceiro ou se suportaria o custo, ou teria de pagar ele para lidar com esse custo. Ora, ninguém tem o direito de forçar os custos das suas decisões sobre terceiros.

O Estado tem um papel regulador no que toca a externalidades negativas, através de medidas que visam a internalização dos custos por parte de quem toma decisões com esse tipo de externalidades. Um exemplo típico de externalidade negativa é a poluição. Um exemplo de poluição é a poluição produzida por automóveis com motores de combustão que usam combustíveis fósseis. Outro exemplo é a emissão de dióxido de carbono por parte de fábricas.

Sem entrar na questão de causas humanas para o aquecimento global, a poluição deste tipo tem efeitos nefastos ao nível da saúde, causando, por exemplo, doenças respiratórias várias. 

O Bloco de Esquerda, que se diz muito progressista e, imagina-se, ambientalista, tem sistematicamente proposto a imposição de preços máximos para combustíveis fósseis. Uma proposta assente na noção de que temos que ajudar os pobres - neste caso, os «pobres» que tenham pelo menos um automóvel, que não considerem ter alternativa ao dito automóvel, e que não tenham a capacidade de se adaptar a aumentos no preço da gasolina ou do gasóleo (por exemplo, através de car-pooling). 

Os preços máximos do BE traduzir-se-iam num incentivo a poluir, e tornariam os combustíveis fósseis mais apelativos face à utilização de tecnologias alternativas, menos poluentes. Trocado por miúdos, a proposta do BE constituiria um verdadeiro incentivo à poluição.

Além disso, a medida do BE constituiria um incentivo a continuar a apostar-se na mobilidade, e não na acessibilidade. O resultado dos incentivos à mobilidade são a desertificação dos centros das cidades, a poluição, e gastos desnecessários de energia, entre outros. 

Já para não falar que o BE acoplaria a esta sua proposta a nacionalização completa da GALP. Em vez de criar condições para que a GALP deixe de ter o monopólio que hoje tem, quereria nacionalizar esse monopólio, numa lógica soberanista e proteccionista. Os preços máximos teriam efeito ao nível da rentabilidade desta GALP pública, com os resultados conhecidos.

A medida teria também como efeito provável o fomento de um mercado negro de combustíveis fósseis. Esse mercado surgiria para que quem quisesse comprar gasolina e gasóleo, mas não tivesse acesso devido às restrições à produção impostas pela restrição de preço, tivesse acesso a gasolina e gasóleo. Para o pessoal da fronteira que tivesse este problema, provavelmente limitar-se-ia a ir a Espanha (a não ser que Espanha aplicasse medida parecida).

Em suma, os preços máximos para combustíveis fósseis são uma medida demagógica, com importantes e inaceitáveis custos sociais e ambientais. Ao propô-los, o BE define-se, não como um partido progressista e ambientalista, mas como um partido populista. E a lógica soberanista inerente à nacionalização da GALP apenas serve para sublinhar esse epíteto. 

Privatizações

Primeiro, nacionaliza-se a empresa, em nome do «interesse nacional», ou então cria-se a empresa pública de raiz. Depois, a empresa passa a servir o «interesse nacional», o que parece sistematicamente incluir:
  • a desorçamentação de dívida da entidade que criou a empresa, seja o Estado ou uma autarquia local, para a empresa; 
  • a criação de diversos cargos de chefia, que serão ocupados por gente de confiança do Governo para executar as políticas de defesa do «interesse nacional» que a empresa prossegue;
  • a criação de regras de preços para a prestação dos serviços que significam que se torna quase impossível haver retorno financeiro da empresa, o que por sua vez significa que o Estado vai ter intervir financeiramente para manter a empresa à tona - com dinheiro muitas vezes emprestado.

Em tempo de vacas gordas, vai havendo dinheiro para manter as empresas à tona, e quem quer que aponte para os vários problemas das empresas públicas é acusado de desprezar o «interesse nacional» que elas servem. Diz-se que não é relevante que não tenham retorno porque prestam um «serviço público», e isso é que interessa.

O resultado é que ficamos a financiar uma rede alargada de empresas, com dinheiro emprestado, empresas essas que sistematicamente são usadas para os fins acima enunciados.

Chega um momento em que esta situação, insustentável financeiramente, estoira.

Em tempo de crise financeira, mantém-se, no entanto, o argumento do «interesse nacional», mas agora também por vezes conjugado com a ideia de que não convém privatizar numa altura de aperto. Isto porque não se conseguirá um preço muito bom e, em termos contabilísticos, poderá mesmo significar que se fica com uma situação financeira ainda pior, porque se vai vender «um activo». Será melhor, se se quiser privatizar de todo, esperar por um período de vacas gordas.

Este argumento esquece que, de facto, teria sido melhor privatizar em período de vacas gordas, mas que isso não aconteceu. Como isso não aconteceu, agora temos uma crise financeira entre mãos que implica uma reestruturação do Estado (em sentido lato). Temos de reestruturar o Estado para libertar que recursos que andam a ser usados para criar esquemas de desorçamentação de dívida (já para não falar do escândalo que são as empresas públicas de gestão de património imobiliário), de forma a que estes recursos possam ser utilizados para fins, espera-se, bem mais rentáveis e produtivos.

Até este momento de crise muito séria, tinha-se conseguido aguentar o forte das empresas públicas com a história do «interesse nacional». Mas agora chegámos a um ponto em que ou vai, ou racha. Vai mesmo haver privatizações. Infelizmente, não vai ser privatizado tudo o que devia ser. Mas a situação financeira do país tornou-se de tal forma grave que já não dá para adiar mais.

Sim, teria sido melhor termos feito reformas estruturais antes do Estado entrar em colapso financeiro. Mas não o fizemos. Adiar as reformas agora à espera de melhores dias, quando essas reformas são necessárias para que esses melhores dias surjam, é brincar com dinheiro dos contribuintes numa altura em que o tempo para a brincadeira acabou, e o tempo para ser sério, que devia ser sempre, se tornou incontornável.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Quem tem medo do lobo mau?

Independentemente do que acontecer, o artigo Warren Buffet agitou as águas congeladas da discussão à volta da taxa de tributação dos mais ricos. Ao longo das últimas décadas muitos têm agitado a figura do “lobo mau” para enterrar esta discussão. Vivia-se (e muitos ainda vivem) com a premissa que tal tributação levaria a uma fuga de capitais que destruiria as nossas economias.

Não posso negar que uma tributação mais elevada (de parte do rendimento até agora isento) levaria a uma fuga dos capitais. A questão é: seria esse impacto tão profundo que o nosso mundo, as we know it, desapareceria? Não me parece. E se até há uns anos este tema teria encontrado elevadas barreiras, este é o contexto ideal para implementar a necessária reforma para acabar com esta injustiça.

Antes de mais, o que está em causa é o seguinte:

But what I paid was only 17.4 percent of my taxable income — and that’s actually a lower percentage than was paid by any of the other 20 people in our office. Their tax burdens ranged from 33 percent to 41 percent and averaged 36 percent.

Ou seja, estamos a falar de passar a taxa de tributação para um nível (pelo menos) idêntico a quem recebe menos que os “super-ricos”. Não é por uma questão de ilegitimidade em se ser rico, mas sim por uma mera questão de justiça. Aliás é o mesmo motivo pelo qual o “imposto sobre os ricos” que se defende, também se impõe. Num momento em que se pede um sacrifício adicional a todos os portugueses, este deveria ser mesmo sobre TODOS os portugueses e não apenas uma parte da população. Uma vez mais, seriam os que tem maiores rendimentos que passariam ao lado deste sacrifício.

Eu sei que é difícil incorporar os argumentos do texto do Buffett, uma vez que o mesmo pertence à “matilha”. De repente, um lobo dizer para não ter medo do próprio, quando durante décadas muitos carpiam para ter medo, desorienta qualquer um. Mas acho que já é altura de deixarem de estar desorientados. Se é verdade que alguns capitais sairão, também é verdade que:

People invest to make money, and potential taxes have never scared them off. And to those who argue that higher rates hurt job creation, I would note that a net of nearly 40 million jobs were added between 1980 and 2000. You know what’s happened since then: lower tax rates and far lower job creation.

Só fico triste é que se esteja a perder esta oportunidade. O que se adivinha é a criação de mais um imposto que terá pouco impacto nos cofres públicos, para além dos danos colaterais que existirão.

No contexto europeu, a abordagem a esta temática não deveria ser local, mas sim a nível europeu. Aliás, eu iria um pouco mais longe e consideraria uma abordagem que incluísse os países ocidentais - e mesmo outros - e aproveitaria para abordar definitivamente a questão dos paraísos fiscais.

P.S. 1 – As declarações de Amorim são ridículas. Ele devia de ter o mínimo de vergonha e ter-se abstido de comentar. Triste sina a nossa quando a nossa “elite” é assim tão paupérrima.

P.S. 2 – Não se trata de voluntariedade mas sim de garantir que todos têm as mesmas condições. Se apenas fosse uma acção voluntária, quem teve este gesto estaria em desvantagem para com não tivesse esse gesto. Ou seja, o mero voluntarismo cria um desincentivo a esse gesto voluntário.

Empreendedores e Empreendedorismo


Ia escrever um artigo sobre empreendedores e empreendedorismo. Provavelmente, ainda o escreverei. Mas este «artigo falado» de Miguel Gonçalves no Prós & Contras (ignore-se, como de costume, Fátima Campos Ferreira) diz muito, muito, muito sobre o que é ser empreendedor e sobre o empreendedorismo.

Retirem-se as barreiras públicas a que pessoas com esta mentalidade arrisquem e gerem negócios, e temos uma economia efervescente, que gera riqueza, que cresce. Deixemos de considerar os empresários como terríveis opressores capitalistas, que devem ser penalizados pela ousadia de arriscar e trepar por montanhas de burocracia.

Esta intervenção lembrou-me uma outra, no Prós & Contras sobre a chamada «geração à rasca». Estava lá um jovem empresário que disse que pagava bem aos seus colaboradores, inclusivamente pagando mais a um colaborador do que a ele próprio, tentando dar-lhes boas condições. Explicou ainda o seu sucesso: tinha tido sucesso porque tinha arriscado, porque tinha saído da sua zona de conforto. 

Quando este jovem empresário sugeriu que outros que quisessem ter sucesso fizessem o mesmo, que arriscassem, saindo da sua zona de conforto, foi vaiado e apupado por certa parte da audiência. «Sai tu da tua zona de conforto» (cito de memória), ouvi atrás de mim, depois do jovem empresário ter dito precisamente que o tinha feito.

Quando uma pessoa tem um objectivo, deve procurar atingi-lo, o que significa procurar oportunidades, sem ter medo de arriscar, tentando sempre aprender com quaisquer erros que cometa. Nesta crise, continua a haver por aí empregos, continua também a haver oportunidades de negócio, mas é preciso sair da nossa zona de conforto para encontrar esses empregos ou essas oportunidades de negócio. Para as aproveitar, é preciso trabalhar.

Bem sei que há quem ache que fala pelos jovens portugueses que pareça pensar que aquilo de que todos os jovens portugueses precisam é de mais subsídios. Bem sei que há jovens portugueses que parecem achar isso mesmo. Mas depois há os jovens portugueses que, em vez de andar a clamar por mais subsídios, andam aí à procura de oportunidades, e a tentar criar oportunidades para eles próprios sem «ajuda» estatal. 

Há jovens portugueses empreendedores. Muitos emigram, mas outros tantos ficam cá. Não precisam de subsídios públicos e de ser tratados como coitadinhos. Precisam mesmo é de, como disse Miguel Gonçalves, trabalhar.


domingo, 28 de agosto de 2011

Magistratura Activa


A «magistratura activa» do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva é parte dos sacrifícios que os portugueses, e a economia portuguesa, vão tendo de suportar desde a sua reeleição.



Mas nem só de apelos a novos impostos se faz a «magistratura activa» do Presidente da República. Também se faz da emissão de opiniões no Facebook, como por exemplo esta:

«Constitucionalizar uma variável endógena como o défice orçamental – isto é, uma variável não directamente controlada pelas autoridades – é teoricamente muito estranho. Reflecte uma enorme desconfiança dos decisores políticos em relação à sua própria capacidade de conduzir políticas orçamentais correctas.»

De facto, é extremamente estranha a enorme desconfiança que há em relação aos decisores políticos de que têm capacidade de conduzir políticas orçamentais correctas. Mais estranha ainda se torna quando nos lembramos de que nunca tivemos um orçamento equilibrado em democracia, de que nos endividámos até ao tutano, de forma insustentável, e de que temos por passatempo despejar dinheiro público na economia em projectos de obras públicas de interesse muito duvidoso.

De facto, é muito estranho que tenha sido preciso uma crise com a gravidade que esta tem para que os decisores políticos tenham chegado à conclusão de que tem havido desvario orçamental, e de que seria talvez boa ideia fazer reformas estruturais, como foi sendo prometido ao longo dos anos, mas não cumprido. E de que, «teoricamente», ou mesmo «na prática», talvez fosse interessante tentar limitar a capacidade do Estado de fazer asneiras e passar a factura para as gerações futuras.

Eu conheço a efusiva crença que existe na capacidade dos défices orçamentais para «estimularem» a economia. Nada como uma simpática política orçamental pró-cíclica para criar crescimento insustentado, com os resultados práticos que se conhecem. E claro: nada como aumentar os impostos durante uma recessão. Por razões de «equidade», claro está. Ou não conhecesse o Presidente da República tão bem os «sacrifícios dos portugueses» e os seus limites.

O programa da Troika vai ser difícil de cumprir, mas uma maior liberalização da economia portuguesa não é um mero «conjunto de sacrifícios». Implementando este programa, Portugal terá um Estado mais eficiente e uma economia mais flexível e com maior capacidade de gerar riqueza. Um legado que as gerações futuras agradeceriam, em vez do legado de dívida a que sucessivas «gerações futuras» se foram habituando.

P.S. Parece que o Governo também entrou na conversa sobre o «imposto sobre as grandes fortunas», que tanta cobertura tem recebido na comunicação social (propaganda sempre extremamente isenta, claro, e nada reveladora das opiniões de quem a transmite). Já, felizmente, ouvi quem falasse da fuga de capitais que viria associada a esta grande ideia. Mas já se sabe que este tipo de considerações é irrelevante, porque a riqueza está lá para ser taxada. Ser-se rico é, por si só, ilegítimo.

P.P.S. A todos os multimilionários que gostem da ideia lançada por Warren Buffett, lembro que ninguém os impede de, voluntariamente, ajudarem a pagar a dívida pública. Basta que façam uma doação. 

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Uma História Partilhada

(Parte 1 de 4 de um artigo que introduz alguns pontos importantes sobre a relação entre a China e o Japão.)

A civilização chinesa desenvolveu-se na planície do norte da China ao longo do Rio Amarelo e no séc. XVI a.C. encontramos já um modo de vida introspectivo e confiante que se expandiu lentamente pelas regiões e reinos circundantes. A perspectiva chinesa coloca-se no centro do mundo e mantém uma noção de superioridade relativamente aos povos vizinhos. Foi nesta sociedade agrária que nasceu o confucionismo, uma filosofia que estabelecia uma estrutura hierárquica rígida sem possibilidades de mobilidade social ao mesmo tempo que legitimava e reforçava as dinastias reinantes tanto na China como nos domínios do leste asiático onde esta tinha influência.

Foi durante o domínio dos Han que se consolidaram as principais características das relações da China com os seus vizinhos. O imperador chinês, o filho dos céus, era assim não só o governante dos chineses, mas de toda a humanidade. A sua capital representava o centro da civilização sendo que quanto maior a distância deste centro maior a barbárie. Foram estas noções que dominaram a visão chinesa do mundo até ao fim do reinado da Dinastia Qing no princípio do séc. XX.

O golpe de estado dos Taika no ano 645 da nossa era é geralmente visto como o inicio de uma adopção consciente dos valores, sistemas e tecnologias chinesas por parte dos japoneses, coincidindo com a centralização do poder no estado de Yamato e a emergência de uma nobreza que se entrincheirava nos círculos de poder. Simultaneamente, o Budismo ganhava cada vez mais adeptos no arquipélago depois das suas variantes chinesas terem sido importadas por via da península coreana.

Esta fé com origem no subcontinente indiano havia sido introduzida à China por volta do séc. III a.C, tendo sofrido varias transformações durante este processo de assimilação e adoptando assim características e práticas chinesas. Chegado o séc. VI, o Budismo estava já profundamente enraizado tanto no reino do meio como na Coreia, tendo-se tornado num poderoso instrumento político nas mãos da dinastia T'ang.

A sua assimilação por parte dos habitantes das ilhas que hoje constituem o Japão moderno não decorreu de forma inteiramente pacífica já que os clãs que dominavam a região derivavam a sua legitimidade das seitas animistas locais sendo que esta nova e subversiva religião tinha o potencial para minar a sua base de poder ao substituir-se ao animismo no panorama religioso local. O assunto ficou contudo mais ou menos resolvido quando o clã Soga, budista, derrotou o seu principal adversário, os Mononobe.

A partir do séc. IX os japoneses deram inicio a um processo de distanciamento da China ao concentrarem-se nas suas próprias divisões internas. A duas tentativas, sem sucesso, de invasão por parte da dinastia mongol que conquistara a China, os Yuan, contribuiu ainda mais para o reforço da convicção japonesa de que o seu isolamento perante o exterior era o melhor caminho a seguir. Mais tarde, um édito dos Ming a proibir todo o comércio directo entre a China e o Japão destruiu todo o contacto oficial entre as duas civilizações. Durante quatrocentos anos estes dois povos passariam a lidar um com o outro exclusivamente por meio de intermediários como os Portugueses, os Espanhóis e sobretudo os Holandeses.


sábado, 20 de agosto de 2011

Entrevista a Huerta de Soto: A Crise Económica Internacional

Na seguinte entrevista Huerta de Soto comenta, em dez minutos, os problemas que afectam a economia internacional, europeia e espanhola deixando importantes lições para o futuro.

Mais liberdade, menos Estado, mais mercado.

http://www.juandemariana.org/video/4680/huerta/soto/diario/noche/310510/

Um agradecimento ao Instituto Juan de Mariana pela disponibilização do vídeo no seu site, instituto que, por certo, terá nos proximos tempos um contribuidor a escrever neste blog.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Taxar as transferências para as offshores

Se a proposta do PSD que o João Mendes apresentou (aqui) é nonsense puro e duro, não é o único ato de nonsense que por lá acontece. Esta pequena prendinha é-nos oferecida pelas mãos dos deputados Pedro Filipe Soares, Catarina Martins, Francisco Louçã, Luís Fazenda, Cecília Honório, Rita Calvário, João Semedo e Mariana Aiveca do BE.

“O Bloco de Esquerda pretende assim, à semelhança do já efectuado em outros países europeus, introduzir uma taxa única de 25% sobre todas as transferências realizadas, por singulares ou entidades colectivas, para regimes fiscais claramente mais favoráveis.”

À primeira vista tudo parece optimo. É claro que, se existirem transacções para determinados locais com o intuito de fuga aos impostos, os mesmos devem ser tributados. Eu iria mais longe, tal comportamente é um crime fiscal e deverá ser punido. A questão das offshores é um dos temas mais importantes de serem debatidos na atualidade. O que eu gostava (e se calhar sou demasiado exigente) é que tal fosse feito de uma forma séria e não com medidas que – e à falta de melhor adjectivo – são ridículas.

Se qualquer um dos deputados do BE tivesse pensado ¼ de segundo na proposta que estão a fazer iriam logo ver que não serve para nada. Talvez eles pensaram: “Ah, se nós fizermos esta lei está resolvido!” e foram à sua vida contentes a imaginar que conseguiram obrigar as pessoas que efetuam estas transações a pagar impostos.


Consigo ver uma dessas pessoas a ler esta proposta e a entrar em pânico. Certamente exclamará: “Raios, malditos deputados do BE!!! Agora é que me apanharam! Vou ter mesmo de pagar impostos!!!”. Claro que no meio desta exclamação, a pessoa mais burra à face da terra... reformulo... a segunda pessoa mais burra à face da terra irá ter com ela e dirá: “Oh meu amigo, utilize um país intermediário que assim deixará de pagar esta taxa”.

Dando o benefício da dúvida, talvez os deputados do BE tenham sido enganados pelo título da lista de paraísos fiscais: “lista dos países, territórios e regiões sujeitos a um regime fiscal mais favorável”. É que com o elevado nível de fiscalidade que existe em Portugal, eles devem ter pensado que iriam aplicar esta taxa a qualquer transacção com o estrangeiro...

P.S. E enquanto esta estúpida proposta deverá dar algum debate público, esta importante questão que o deputado João Semedo faz ao governo deverá ser ignorada pela opinião pública...

Os bordados de Tibaldinho

No dia 6 de Julho, surgiu um projecto-lei, vindo do grupo parlamentar do PSD, que tem de ser lido para se acreditar que existe.

O Centro para a Promoção e Valorização para os Bordados de Tibaldinho (que seria uma pessoa colectiva de direito público, tendo em atenção o art. 1.º/2 do Projceto de Lei) teria a sua sede no Concelho de Mangualde, «podendo abrir delegações em qualquer localidade do território nacional» (ver art. 2.º do Projecto de Lei).

Tem uma lista de atribuições (art. 3.º do Projecto de Lei) que percorre doze alíneas, e que vai desde a importante e vital tarefa de «[d]efinir Bordados de Tibaldinho”, através das suas características materiais, artísticas e estéticas» (al. a)), até «propor legislação adequada à promoção e valorização do Bordado de Tibaldinho» (al. l)), passando por «[i]ncentivar e apoiar a actividade dos Bordados de Tibaldinho» (al. e)) ou «[p]romover e colaborar no estudo e criação de novos padrões e desenhos, no respeito pela genuinidade do Bordado de Tibaldinho» (al. h)).

O Centro teria uma Direcção (art. 4.º), com cinco membros, que incluiria representantes das bordadeiras (art. 4.º/1 e 2). Admite-se desde já que «[a]s despesas relativas ao exercício de funções por parte dos membros da Direcção são suportadas pelos organismos ou entidades que cada um representa.» 

Fica-se a saber, no art. 5.º, que o Centro «integrará a Comissão Nacional para a Promoção dos Ofícios e das micro-empresas artesanais, criada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 136/97, de 14 de Agosto, com a redacção da resolução do Conselho de Ministros nº 4/2000, de 1 de Fevereiro.» Fica-se também a saber que esta Comissão Nacional para a Promoção dos Ofícios e das micro-empresas artesanais existe.

A tutela do Centro seria exercida pelo «Ministério da Segurança Social e do Trabalho» (art. 6.º), o que provavelmente significaria agora o Ministério da Economia e do Emprego. Assim, seria interessante saber se o Ministro Álvaro Santos Pereira concorda que dinheiro público deve ser aplicado nesta iniciativa e noutras iniciativas do género. Será isto que se pretende fazer para promover a célebre «Marca Portugal», em conjunto com a esfera armilar proposta pela JSD?

O art. 7.º trata de «Serviços técnicos e consultadoria» e diz que o Centro «criará serviços técnicos próprios, podendo para isso criar um órgão de consulta» (art. 7.º/1), e que o Centro «poderá recorrer aos serviços de instituições públicas ou privadas para assegurar o exercício das suas funções, designadamente para efeitos de consultadoria» (art. 7.º/2). 

E como será financiado o Centro? A resposta encontra-se no art. 8.º (sublinhados nossos):


«Artigo 8º
Meios financeiros

Constituem receitas do Centro as dotações para o efeito previstas no Orçamento de Estado, bem como receitas provenientes, designadamente, de:
  1. Rendimentos próprios;
  2. Doações, heranças ou legados;
  3. Prestação de serviços nos domínios de actividade do Centro;
  4. Subsídios ou incentivos.»
Ou seja, está prevista a possibilidade de haver dinheiro do Orçamento de Estado, portanto, de todos nós, que vai para este Centro para a Promoção e Valorização dos Bordados de Tibaldinho, bem como «subsídios ou incentivos». O Estado Português deve ser um participante activo no financiamento e no desenvolvimento dos bordados de Tibaldinho, provavelmente com o argumento de que, sem estas ajudas, os bordados não se desenvolviam e não seria possível exportá-los. 

Esta opinião, que leva à proliferação de Centros como este, mostra como não se confia na iniciativa privada em Portugal. Além disso, mostra como não se percebe que a Internet diminuiu drasticamente os custos relativos a divulgação, a quem a souber usar. E que para arranjar alguém que saiba utilizar a Internet e outros meios de divulgação de forma decente não é preciso dinheiro público. Basta que os produtores de bordados em Tibaldinho se juntem para o efeito.

Mas continuando com o Projecto de Lei, chegamos ao art. 9.º, que prevê um Órgão Consultivo, com representantes de uma série de entidades. «Compete ao órgão consultivo dar pareceres técnicos, podendo recorrer aos serviços de instituições públicas e privadas para assegurar o exercício das suas funções» (art. 9.º/2).

O Capítulo II trata da classificação e certificação do bordado de Tibaldinho. O art. 10.º trata da classificação, que deve ser feita tendo em conta a «origem e a qualidade» (art. 10.º/1). O n.º 2 desse artigo prevê que «o Bordado de Tibaldinho deverá, obrigatoriamente, ter inscrito o local de manufactura», e o n.º 3 prevê que «[q]uanto à qualidade, o Bordado de Tibaldinho classifica-se em função dos materiais, do desenho e sua composição, dos motivos, dos pontos utilizados e sua composição, bem como do cromatismo adoptado».

Os arts. 11.º e 12.º tratam da certificação (sublinhados nossos):


«Artigo 11º
Certificação
  1. A área geográfica de produção do Bordado de Tibaldinho susceptível de denominação de origem ou indicação geográfica será proposta pelo Centro à tutela para homologação.
  2. Na determinação da área de denominação de origem ou indicação geográfica deve atender-se aos usos, história e cultura locais, bem como aos interesses da economia local, regional e nacional.
  3. O Centro deverá proceder ao registo nacional e internacional do Bordado de Tibaldinho nos termos do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 36/2003, de 5 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 143/2008, de 25 de Julho.
Artigo 12º
Condições de acesso à certificação

Para efeitos de acesso à certificação, os artesãos e as unidades produtivas artesanais devem reunir os requisitos previstos no Decreto-Lei nº 41/2001, de 9 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei nº 110/2002, de 16 de Abril, e respectivos regulamentos.»

Ou seja, o Centro, que é uma entidade pública da administração autónoma do Estado Português, vai registar a propriedade intelectual dos bordados de Tibaldinho, entre outras coisas. Não querendo entrar aqui na controvérsia relativamente à propriedade intelectual ser algo de positivo ou negativo, e admitindo apenas que ela existe, neste momento, a questão que se coloca é: porque é que não se cria uma associação, de direito privado, para este fim? Porque é que o Estado tem intervir?

O mesmo se aplica à certificação. Tem de ser feita por uma entidade pública? Porque não por uma entidade privada, uma associação, possivelmente até uma associação local, dedicada a isto? Acho importante que os consumidores tenham acesso a informação relevante sobre os produtos que consumem, e isso inclui o ponto de origem, mas será mesmo necessário que o Estado Português (e outros Estados, diga-se) se dediquem a este tipo de coisas com o dinheiro de todos os contribuintes?

Chegando às disposições finais e transitórias, encontramos prevista uma Comissão Instaladora.

Antes que esta chegue a ser constituída, alguém explique a João Figueiredo, Teresa Costa Santos, Pedro Alves e Maria Ester Vargas, deputados e deputadas do PSD, o seguinte:

  • os interesses comerciais privados devem ser defendidos por privados;
  • o Estado Português está numa situação financeira de ruptura;
  • essa situação financeira de ruptura levou a que Portugal tenha de aplicar um programa de contenção orçamental, bem como de reestruturação económica, no sentido da liberalização da economia portuguesa;
  • a parte mais relevante do programa de contenção orçamental passa por cortar despesa supérflua e desnecessária, o que também se traduz em acabar com várias instituições públicas;
  • isso deverá incluir várias pessoas colectivas de direito público do tipo deste Centro;
  • e portanto, neste contexto, vir propor a criação de um Centro para a Promoção e Valorização para os Bordados de Tibaldinho, é algo que ultrapassa a imaginação.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Literatura, Cultura e Cosmopolitismo

Imaginemos um sistema em que havia mais autonomia curricular ao nível das escolas, e mais autonomia na escolha das escolas.

Num sistema como este, eu escolheria escolas em que as pessoas aprendessem literatura (além de textos não-literários) como parte do estudo da língua. Não porque os programas definissem o que é "boa" literatura ou "má" literatura, ou que definissem que se tem de gostar de certos livros ou não gostar de outros (isso é com cada um), mas porque a língua não é apenas um conjunto de regras de gramática. É uma emanação cultural, sendo a literatura uma aplicação da língua cujo estudo ajuda a aprender a cultura da qual a língua é uma emanação, e que portanto ajuda a compreendê-la melhor.

Em casa, exporia também os meus filhos a outros livros, a outras ideias, e quereria contar com a escola como um aliado na minha tentativa de lhes expandir os horizontes para além, se possível, daqueles que eu próprio tenha conseguido atingir. Mas claro, eu tenho os meus gostos e as minhas preferências, o que tenderia a toldar aquilo a que os meus filhos estariam expostos. E eu considero que os meus filhos têm direito a ter acesso a conhecimento que eu não tenha, não sendo limitados pelos meus gostos e pelas minhas preferências.

Em suma, quereria que a escola fosse minha aliada no meu propósito de que os meus filhos adquirissem a capacidade de compreender e criticar obras literárias e não-literárias, além da capacidade de escrever textos de ficção e de não-ficção, expandindo-lhes os horizontes, se possível, até para além dos meus.

Quereria isso por dois motivos principais:
1) Considero que o conhecimento e a capacidade de processar conhecimento são importantes por si só;
2) Nos tempos que correm, as pessoas precisam cada vez mais de se diferenciar das outras para conseguirem um emprego e a vida que desejarem, e para isso precisam de vantagens comparativas; esta capacidade de raciocínio é uma vantagem comparativa importante.

Mesmo que os meus filhos fossem para algo que pouco tivesse a ver com literatura, a capacidade de interpretação e de elaboração de textos de qualidade continuaria sempre a jogar a seu favor. Da mesma forma que a lógica matemática me ajudou, e me tem ajudado, enquanto jurista.

(Nota: tudo o que eu disse está pensado para toda e qualquer língua, e eu quereria que os meus filhos aprendessem mais do que português, claro está.)

De um ponto de vista da comunidade como um todo, considero que maximizar o nível de literacia da população tem impactos relevantes ao nível da qualidade de vida e dos empregos que se criam e aos quais se tem acesso. Tem ainda impacto relevante na capacidade que a comunidade tem de se reinventar. E tem, finalmente, impacto ao nível da capacidade que os filhos têm de se emancipar, enquanto indivíduos, das restrições colocadas pelo «background» dos pais.

Isto, combinado com a aprendizagem de diversas línguas, o que significa exposição a várias culturas diferentes, promove o diálogo cultural e a abertura de espírito. Promove um certo cosmopolitismo que eu considero desejável, e que tem faltado nos dias que correm.

Entre os mil e um projectos que me correm pela cabeça, e que um dia gostaria de implementar, um deles é precisamente fundar, ou auxiliar, uma associação vocacionada para este tipo de fins. Mas o tempo, infelizmente, não dá para tudo.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

The Double Edged Sword of Political Knowledge

What you know might hurt you.

Not really, however the old adage of what you don’t know can’t hurt you is clearly a false premise. And when you think you know a lot and you’re missing pertinent information, that’s when you’re most at risk.

Americans, as a whole, are extremely un-knowledgeable about politics, though I don’t believe this is an inherently American problem. In representative democracies people elect politicians to be knowledgeable exactly because real life gets in the way of spending time learning about all the issues of the world. It seems common sense that people would understand local and national politics better than international politics because they have more direct interactions with the consequences of national politics. (See Miroslav Nincic) But this limited knowledge of politics doesn’t make people irrational, nor does it make them as quick to change opinions as they are to change moods. The theory of the volatile irrational public was a common viewpoint in academia in the mid 20th century, explicitly discussed academics Gabriel Almond and Walter Lippmann. However, more recent studies on American public opinion have formed a general consensus finding the American public to be quite reasonable and rational, changing positions when the political environment changes. But, how does this mesh with the fact that most Americans don’t actually understand politics that well? Which types of people are most likely to be misinformed, and which types of people are more likely to incorporate new information into their understanding of politics?

In his analysis “Political Ignorance and Collective Policy Preferences”, Martin Gilens argues that there are two types of political policy knowledge, general and specific, and those two different types of knowledge lead to two very different types of people. There are those without a specific political knowledge, but who have general political knowledge. They use ideologies and party lines as a proxy as for their opinions. This means that they don’t tend to be swayed by new information, are hard to convince they are wrong, but, they’re not likely to be duped by media and political misinformation. Then there are those who have a good general knowledge of politics, as well as a good understanding of specific politics. They are at once more willing to incorporate new evidence into their viewpoint, that is, they are willing to change their minds if they receive contradictory evidence, but they are also more vulnerable to misjudging the evidence they know because they believe they have a strong base of political knowledge. (For some alternate opinions about the politically informed public, see John Zaller and James Stimson)

What I found most interesting in the Gilens study is the double edged sword of political knowledge as well as the lack thereof. In a practical sense, if Gilens study is correct, it implies two things about those with more or less specific political knowledge. First, when we think we know a lot, that’s when a lack of evidence can be most harmful to our understanding of issues. People are fallible. We almost never really know enough about all sides of an argument. Thus, ideally our most knowledgeable citizens should be our most humble, understanding that for everything an individual knows, there is probably much more he or she doesn’t know. Second, as for changing the views of those who you know to be wrong because they are too likely to blindly follow a political ideology or they don’t have specific political knowledge on a given subject? Give up. Unless you plan on a full on assault of general and specific political knowledge, then your efforts are better spent on those who have at least some specific knowledge about politics.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Individualismo e Subjectivismo

O individualismo e o subjectivismo são termos que julgo serem fundamentais para entender aquilo que é o pensamento Liberal. Por vezes pode existir alguma confusão entre estes dois conceitos, a verdade, é que de uma forma geral, aquilo a que se chama individualismo deve ser chamado, na minha opinião, subjectivismo. A compreensão destes dois conceitos é fundamental para entender aquilo é que o pensamento liberal contemporâneo.

Interessa por isso, começar por definir cada um dos conceitos. O individualismo diz respeito ao entendimento que existe acerca da unidade básica social, sendo que os individualistas consideram o indivíduo como unidade básica do sistema social. Desta forma, um sistema individualista opõe-se aos sistemas colectivistas conservadores os quais defendem que a unidade básica social é família, e aos sistemas colectivistas socialistas que consideram a unidade básica a sociedade ou, no limite, a classe social.

Em Portugal a influência do colectivismo é bastante visível, por exemplo, na forma como são apresentados pela comunicação social os problemas sociais: “cada vez mais famílias endividadas”, “o aumento do IVA vai ter repercussão na vida das famílias”.

Por outro lado, os subjectivistas defendem que cada indivíduo tem uma concepção própria daquilo que é bom para si, uma vez que detém ambições, desejos, sentimentos e experiências únicas. É importante referir que o subjectivismo não se opõe ao objectivismo, nomeadamente aquele defendido por Ayn Rand, estamos certamente num plano de análise diferente. O subjectivismo, tal como aqui apresentado opõe-se, por exemplo, à engenharia social e aos modelos Keynesianos. Ou seja, enquanto os subjectivistas defendem que deve ser permitido ao indivíduo fazer as suas escolhas individuais (aquelas que não chocam com a liberdade de outrem), já os adeptos da engenharia social e do Keynesismo defendem a existência de seres humanos “iluminados” (normalmente os governos) que devem decidir por todos os indivíduos da sociedade. Os adeptos Keynes entendem que os indivíduos são desprovidos de qualidades que os permitam decidir acerca da sua própria vida.

Um exemplo claro desta engenharia social em Portugal é a lei que impõe limites na quantidade de sal no pão, a qual impede que o consumidor possa escolher qual a quantidade de sal que quer comer, tendo esta liberdade individual sido restringida pela Assembleia da República Portuguesa através de mecanismos legais.

Torna-se ainda fundamental referir que subjectivismo não é o mesmo que relativismo (este sim oposto ao objectivismo). Por exemplo, os relativistas defendem que diferentes culturas valorizam diferentes valores, e que por isso, aspectos como o apedrejamento de mulheres até à morte são condenáveis numa sociedade ocidental mas que devem ser tolerados noutro tipo de sociedades. Desta forma, a principal diferença entre os relativistas e os subjectivistas (liberais) é que estes últimos consideram que o direito à interpretação do real por parte do indivíduo (ou grupo de indivíduos) e os comportamentos destes, devem ter como limite o respeito pela liberdade de terceiros.

Neste sentido, podemos considerar que os Liberais são simultaneamente individualistas, na medida em que encaram o sujeito como unidade básica do sistema social e subjectivistas, uma vez que são contra a intervenção do estado no que diz respeito às escolhas individuais. Em Portugal, como de resto em todo o mundo latino, temos um longo caminho a percorrer. Por exemplo em Portugal, os pais não podem escolher em que escola estudam o seus filhos, os portugueses não podem escolher comprar pão com mais sal, são obrigados a pagar e a obedecer cegamente a Ordens profissionais para exercerem a sua profissão, etc. Nos próximos anos a principal batalha dos liberais portugueses prende-se (ou deverá prender-se) com a difusão do subjectivismo e individualismo, sendo que lhes caberá o papel de exercer o pressing necessário para que a actividade legislativa tenha em conta estes dois conceitos.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Apresentação/Um povo contra si mesmo

Antes mesmo de me apresentar, vejo-me na obrigação de agradecer ao João pelo amável convite para este desafio de participar no Cousas que, concordarão, vem atingindo um nível geral em todos os artigos muito elevado, o que ganha relevo em particular ao compararmo-lo com outros blogs bem mais reputados...

Chamo-me Luís, estou a versar Economia, no ISEG e sou um liberal em formação, em dois sentidos: um, estou ainda a moldar o meu próprio framework ideológico; dois, a aprender sobre o liberalismo, as ideias, autores, mitos e desmitos associados. Se acredito que toda a abordagem séria e não-sofística não passa deste ponto, espero que a falta de sofisticação da minha não dê demasiado peso ao outlier que representarei na minha contribuição para o blog.

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Macroeconomia 101: Uma definição para uma economia eficiente: é aquela em que “todas as oportunidades para melhorar a situação de alguém sem piorar a de outrém são aproveitadas”. Urge não misturar este conceito de eficiência com o de produtividade, principalmente a do trabalho...

Uma das propaladas putativas razões para termos chegado a esta crise é a nossa produtividade muito baixa, que confere uma desvantagem competitiva à nossa economia inserida nos vários mercados globais. Parece óbvio que tudo está por melhorar nesta matéria - é a dita e redita história:

- Não, frau Merkel, o Zé trabalha bem mais do que vós!
- Und? A questão é que arbeitam pior.

E mesmo se olharmos apenas para algo tão redutor como a proxy variable para a produtividade do trabalho, produto/homem-hora, e mesmo se esquecermos milhares de outros factores que contribuem, no nosso caso, para o seu desvalor... não é preciso puxar muito pela cabeça para se lembrar de uns quantos exemplos de conhecidos seus peritos em gerar “homem-horas” perdidas, não é assim?

Isto é, a nossa ética de trabalho, parte integrante da nossa cultura, apresenta-se, ainda que discutivelmente, como uma de muitas causas para este défice de produtividade, o que, importa sublinhar, é sustentado por ser um “problema” comum às culturas ditas mediterrânicas, mais semelhantes à nossa - curiosamente ou talvez não, salvo o caso da Irlanda, as que se vêem mais “aflitas” neste período. Ainda mais curioso é que os próprios dados para o referido e redutor produto/homem-hora são relativamente sugestivos: Grécia, Portugal, Itália e Espanha apresentam todos valores abaixo da média da zona euro e excepto no caso hermano, também da OCDE, cujo valor se situa acima de países como o Reino Unido e a Finlândia.

No fundo, tudo isto vai ao encontro do estéril discurso do “Temos que trabalhar mais, produzir mais e melhor(...)”, também pela brigada do bolo-rei aventado...

“Que monstruoso animal é aquele que se causa horror a si mesmo, que é manchado pelos seus prazeres, como se condena à desdita!”

- Voltaire

(Um dos bónus que traz ler Savater, essa espécie de Carl Sagan, ou já agora, Nuno Crato da filosofia, é que cada capítulo é uma colecção de interessantes citações...)

Agora, convém aferir se é efectivamente “mudar” uma parte de uma forma de estar na vida aquilo que, de um modo geral, a psique do povo português almeja, aliás, if it all came down to this, seria mais que legítimo não ser o caso (na minha opinião, seria até salutar, se não do ponto de vista ético, pelo menos do estético). O que não podemos ter é o que actualmente, mais do que noutras ocasiões, se verifica, que é uma certa existência esquizofrénica - estamos, como um todo, constantemente a surpreender-nos com certas coisas que nada de novo têm, sem querer perceber que cada efeito tem a sua causa.

Queremos passar a ponte para ir à praia sem nos dignarmos a pagar portagem como quem o faz por obrigação. Queremos que nos emprestem dinheiro a juros simbólicos sem nos dignarmos pagar o que já emprestaram. Queremos bons políticos sem nos dignarmos a votar. Queremos ter saúde “à borla”, transportes quase, água e luz baratas, sem nos dignarmos a pagar o básico de impostos. Queremos emprego (direitos), mas não queremos trabalhar (deveres)? Et cetera.

Mais, exigimos.

Basicamente, estamos convictos de que as omoletes têm a obrigação, no mínimo moral, ou até, por vezes, legal, vide a divina lei de St.ª Constituição, de aparecer na frigideira, independentemente de lá pormos ovos ou não. E se por um lado censuramos veemente certas atitudes, principalmente quando limitadas a grupos restritos, temos dificuldade em não compactuar com elas no quotidiano, em consonância com o seu enraizamento cultural.

A génese deste tipo de atitude parece-me a mesma da tal “work ethic” à portuguesa. Ouve-se muito, no entanto, a teoria de que isso é imutável, porque não podemos perder a nossa identidade como povo, somos quem somos e não queremos imitar a “ética protestante”, nem a “ambição americana”, ou a “dedicação oriental”. I don’t buy this - acho que podemos ampliar os numerosos exemplos bem portugueses de trabalho em quantidade e em qualidade, a uma fatia maior da nossa sociedade, sem perder a nossa identidade... mas o facto é que me soa lógico que a nossa situação pode ser melhorada independentemente da propalada melhoria da produtividade.

Isto é, por um lado, seria importante caminhar no sentido de apaziguar a esquizofrenia de expectativas, isto é, não tem mal nenhum sermos, como levemente referi, “assim e pronto”, desde que aceitando o que isso acarreta, ou vivendo apenas com o que isso permite.

Por outro, é sobretudo no aumento da eficiência da nossa small open economy que devemos pensar. Parece óbvio, mas a verdade é que, embrulhando-nos noutras discussões, amiúde este ponto a meu ver essencial é esquecido. O próprio “triunvirato” referiu isto como fundamental (simbolicamente falando, o termo eficiência aparece 20x no memorando de entendimento, vs. 1x produtividade). Sob uma lógica de maior abertura e transparência dos mercados, aumentando simultaneamente a liberdade de escolha não no demagógico-conservador, mas no verdadeiro sentido do termo, dos consumidores e empresas, para as quais as guidelines para as reformas em sectores como o da justiça e o da supervisão, o energético, ou o dos transportes apontam, o aumento da eficiência na nossa economia, ou daquilo que conseguimos ganhar e fazer com o que ganhamos, atendendo ao que a nossa work ethic e cultura, que se traduzem, também, em demasiados free riders, nos permitem.

Naturalmente, mesmo por aqui, alguns velhos hábitos se atravessam no caminho...

sábado, 6 de agosto de 2011

Literacia Financeira e a Comunicação Social

Tradicionalmente, salvo raras e honrosas excepções, a formação base dos gestores portugueses (Licenciaturas) privilegia a componente da gestão financeira e contabilística em detrimento de outras áreas técnicas, por exemplo marketing ou comportamento organizacional, e mais ainda em detrimento da formação de soft skills (e.g. liderança, comunicação, etc.). Seria por isso de esperar um enorme rigor quando se falam de operações financeiras em Portugal.

Bem sei que os jornalistas e opinion makers portugueses não têm, de uma forma geral, formação em gestão ou contabilidade. No entanto, não vi nenhum gestor português a desmascarar publicamente as seguintes noticias que vieram a público e que revelam uma forte iliteracia financeira e contabilística.

Passo a explicar:


Caso Roberto


O primeiro caso diz respeito ao negócio do guarda redes Roberto que passou pelo S.L. Benfica na época 2010/2011 (normalmente o desporto é fantástico para abordar temas relacionados com a gestão e a performance). Segundo a comunicação social, este guarda-redes foi comprado ao Saragoça por um preço de 8,5 milhões de euros em 2010. Segundo esta mesma imprensa, anuncia que o Benfica lucrou 100 mil euros ao vende-lo por 8, 6 milhões de euros. Parecem contas fáceis de fazer, aos 8,6 milhões subtraem-se os 8,5 milhões o que dá um lucro de 100 mil euros, acontece que o dinheiro gasto com este profissional não se prende apenas com a compra do seu passe. Mesmo ignorando aspectos económicos, por exemplo a taxa de inflação, nunca o cálculo do lucro pode ser feito desta forma tão redutora.


Consideremos por exemplo que Roberto recebia um ordenado de 50 mil euros/mês (valor fictício):


Resultado= 8 600 000 - ((14x50 000)+ 8 500 000) = - 600 000


Adicionando apenas o ordenado pago observa-se uma alteração no resultado final, com apenas estas variáveis (verba paga, verba recebida e ordenado) o valor altera-se para um prejuízo de 600 mil euros. Poderíamos, ainda, considerar outros factores como por exemplo o número de camisolas vendidas, ou medidas mais intangíveis como por exemplo a «performance» desportiva do atleta.


Caso BPN e Orey Antunes


Num caso bem mais relevante, uma vez que se trata de dinheiro público e não dinheiro privado como no caso anterior, considere-se a eventual venda do BPN por 45 milhões de euros. Neste caso, muitas vozes se levantaram dizendo que o preço de 45 milhões de euros é um preço de saldo, no entanto, o valor de 45 milhões de euros pouco diz acerca da qualidade do negócio.


Para percebermos a qualidade de um negócio deste género temos de saber, por exemplo o passivo do banco. Imaginemos (valores fictícios) que o passivo do BPN é de 500 milhões de euros, neste caso vender passivo de 500 milhões de euros por 45 milhões de euros pode não ser mau negócio, uma vez que quem vende “enriquece” em 545 milhões de euros. Por outro lado se o passivo é de apenas 1 milhão de euros, quem vende apenas “enriquece” 46 milhões de euros, o que não será com certeza tão positivo.


Este tipo de operações que aparentemente envolvem pouco dinheiro mas que na verdade abrangem muitos milhões não é totalmente inédito no mundo empresarial. Por exemplo, em 2009 a Orey Antunes comprou o BPP por apenas 1 euro, sendo que na altura o banco tinha um passivo de alguns milhões de euros.


Não pretende este artigo avaliar se nos casos apresentados foram feitos bons negócios, o principal objectivo é, por um lado, dar a conhecer a complexidade das operações de venda e aquisição de empresas, e por outro, a falta de rigor da comunicação social e dos opinion makers portugueses. Se no caso do Benfica e da Orey Antunes, instituições privadas, isto não me perturba muito, já no caso do BPN tornou-se impossível a existência de uma discussão séria acerca do negócio uma vez que este foi inflamado pela desinformação do costume.

BREAKING NEWS: S&P downgrades US credit rating

A Standard & Poor's decidiu fazer «downgrade» do «credit rating» dos EUA de AAA para AA+.

Ver aqui.

Passar o tecto de dívida com um acordo bastante vago e muito pouco sólido não foi o suficiente (ver também aqui). Pagar a dívida no curto prazo com nova dívida não foi suficiente.

Com níveis de dívida e défice extremamente elevados, problemas com a sua infraestrutura, também os Estados Unidos enfrentam a necessidade de fazer reformas estruturais, que incluem potenciais cortes quer na Defesa (o que pode ter impacto na Europa), quer na Segurança Social.

Aguarda-se o que farão a Fitch ou a Moody's.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O País do voucher

Não sei qual será a justificação para este curioso aspecto da cultura belga, mas, na Bélgica, é seguro dizer que o voucher é rei quase omnipotente, estando presente nas diversas actividades diárias do empregado médio belga. São normalmente distribuídos pelas empresas, com o fito, presumo, de pagar ao empregado através de um sistema não sujeito, pelo menos para o empregado, a tributação fiscal. Até hoje, já me deparei com vouchers de três tipos: o voucher para a lavandaria, que leva a que, na cidade de Bruges, por exemplo, pôr uma camisa a engomar sem o papelinho mágico custe cerca de 36 cêntimos por minutos; o voucher para refeições ou compras, também ele muito comum (e que eu frequentemente utilizo); e, finalmente, o voucher ecológico, também conhecido como eco-cheque.

Debruçar-me-ei sobre este porque os outros dois são apêndices salariais na realidade belga, ao passo que o eco-cheque pertence mais ao domínio da fantasia burocrática flamengo-valã. Mas o que é um eco-cheque? Confesso que não investiguei por aí além, com receio – real – de ficar ainda mais aterrorizado, tendo em conta que o que descobri foi mais do que suficiente para me deixar perplexo. Ao que parece, o Estado belga, para incentivar à compra de produtos ditos “ecológicos”, oferece (e o termo é mesmo este) cem euros em eco-cheques aos empregados de certas empresas. Não sei quais são os critérios que estão na base da selecção das ditas. Sei que nem todas distribuem os papelinhos pelos empregados. Se ficam com eles e o que lhes fazem foi caminho pelo qual não atalhei. Estou certo, porém, que os motivos serão nobres. O próprio cheque, aliás, é todo um tratado sobre o combate à pegada ecológica, sobre o despesismo burocrático e sobre a infantilização do indivíduo.

Para que se perceba, o processo é o seguinte: o Estado belga cobra uma fortuna em impostos, parte dos quais são anualmente redistribuídos sobre a forma destes chequezinhos. Com este papelinho, uma pessoa vai à loja, seleccionada, também ela, segundo determinados critérios (que desconheço), e é levada a comprar apenas um determinado tipo de produto: aquele no qual poderá descontar o cheque. Não interessa que a pessoa não tenha interesse em comprar nada. O que realmente importa é que compre o produto ecológico.

Pessoalmente, não sei como classificar a situação: parte de mim – a liberal – deseja gargalhar; a outra parte – a laboral – prefere as lágrimas. Para todos os efeitos, uma parte significativa do meu salário vai para esta medida que poderá ser muita coisa, mas não é, certamente, correcta. Como indivíduo, creio fervorosamente no meu direito de escolha e, sobretudo, na responsabilidade que advém dessa escolha. Ao criar para o indivíduo um, digamos, benefício que condiciona a sua escolha, o Estado belga está também a condicionar a sua responsabilidade e, ao invés de criar um indivíduo que escolhe livremente o produto ecológico porque compreende o benefício deste, ou que não o escolhe porque se está nas tintas e sofre, tal como os outros todos, as consequências dessa escolha, o Estado belga cria uma marioneta acéfala – ainda que muito green - sujeita a estímulos que têm por base papelinhos coloridos. Parabéns, senhores: Pavlov não faria melhor.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

"The Case for Gold"

Este post é uma resposta ao seguinte artigo, escrito por João Cardiga no seguimento de uma discussão no Facebook sobre o tema.

Agradeço desde já o post do João Cardiga sobre esta temática, já que considero que a mesma será um dos desafios e escolhas que teremos de analisar perante o Estado de crise no qual se encontram as moedas fiduciárias, nomeadamente o Euro e o Dólar. Decidi-me por este nome para a resposta em honra dos autores do livro, que desde já recomendo, “The Case for Gold”, Ron Paul e Lewis Lehrman. Muito me elucidaram em relação à questão, e é com prazer que analiso as problemáticas aqui apresentadas. (Ver aqui.)

A minha firme oposição ao “papel dinheiro” per se tem dois fundamentos, o económico e o moral, questão que já aderecei, do ponto de vista dos ciclos económicos, no post referido no fim do texto. Neste vou simplesmente apresentar os pontos nos quais penso que o texto do João não faz uma análise apropriada do problema.

As duas razões enumeradas como justificação para a menor eficiência económica do padrão ouro estão expostas sinteticamente nos dois pontos enunciados, após os quais o João concluí que o sistema europeu conjuga os benefícios e elimina os malefícios de tal sistema. Não considero que sejam válidas qualquer uma das premissas, concordo no entanto que o nosso sistema monetário, centrando-se na inflação, é menos perigoso que o Krugmanismo militante da Reserva Federal Americana, apesar disso, nos últimos tempos o BCE deixando a inflação passar (e muito) dos 2% dá-nos motivos para preocupações.

Responderei, agora, ponto por ponto, quer às duas enumerações, quer à conclusão:

1) Neste ponto penso que há um engano em relação à questão da preferência temporal e aos seus efeitos. O consumo futuro tem de ver com os bens presentes transformados em bens de capital, e não em bens de consumo presentes (simplesmente usados… em consumo). A primeira opção permite mais investimento, o que aumentará a capacidade productiva futura. A segunda opção, o consumo, proporcionará maior consumo presente, mas impede o crescimento dos meios futuros.

Pensem, por exemplo, que uma pessoa, em vez de usar uma reserva alimentar para ir passear pelo parque, a usa para poder construir uma rede de pesca e conseguir apanhar peixes no futuro. É disso que se trata.

O facto do consumo presente ser menor é o que possibilita o acrescento na quantidade de bens de capital, e consequentemente um output X futuro maior que o presente. Este output, por sua vez, será subdividido em bens de capital e bens de consumo através da quantidade de poupança acumulada voluntariamente pela comunidade. Isto significa mais bens de capital, e mais bens de consumo.

Dizer que mais consumo presente significa mais bens de capital futuros é simplesmente um oxímero, já que o consumo de bens impossibilita o seu uso como bem de capital. E o uso como bem de capital impossibilita o seu consumo.

Como se pode constatar pelos seguinte gráficos, é a poupança (abstenção de consumir) , e não o consumo, que está profundamente vinculada à produção de bens de capital.







Esta relação profunda é uma das grandes responsáveis pelo chamado “Milagre Japonês”, no qual uma economia em profunda carência manteve taxas de poupança a rondar os 30%, 40% e assim conseguiu um aumento exponencial do seu PIB potencial, enquanto que os países ocidentais, por várias razões, apresentavam poupanças mais baixas e consequentemente acrescentos de capital menores.

2) Dizer que não há intermediários num sistema creditício baseado na poupança não tem, a meu ver, razão de ser. Existem vários mecanismos de controlo do risco, que passam por seguros sobre divida, depósito de fundos em instituições bancárias, associações mutualistas etc. Não vejo o porquê deste ponto no texto do João. Quanto à “poupança não utilizada” igual, não vejo o porquê, numa economia mais sólida e com menos risco devido à estabilidade monetária, dos bancos e cidadãos quererem sentar-se sobre pilhas de dinheiro. A mesma lógica é válida para qualquer outro recurso, se por alguma razão arbitrária os senhores dos cafés deixarem de servir café isso levará “a um desperdício tremendo de recursos existentes”.

Se bem que no caso da moeda não é tão grave pois não é um bem de consumo, devo lembrar que a escassez leva a maior oferta, logo fundos não aplicados na economia levariam à valorização da poupança ainda mais, o que produziria mais fundos para empréstimo pressionando assim os “poupadores sentados em cima de uma pilha de dinheiro” a usá-lo ou então a sofrer com o aumento do crédito disponível. Penso que neste ponto esquece-se do sistema de incentivos.

Chego então a uma conclusão diferente da do João, menos risco, pelo sistema monetário, e mais recursos para investir derivados da poupança significam mais bens de capital e consequentemente a exploração de novas possibilidades económicas. Facilmente, com mais recursos para investir, ainda por cima mais baratos, poderíamos arriscar em telefones sem fios ou Internet.

Além deste argumento, puramente económico, há o argumento histórico. O fim do século XIX, a idade no qual o padrão ouro era o sistema monetário internacional, foi o período no qual a inventividade humana pôs aviões no ar, carros na estrada, e criou os navios a carvão; foi o período no qual o bem estar humano mais subiu comparativamente. Como podemos ver, o argumento económico é acompanhado pelo histórico.

Poupança é riqueza, é investimento, é crescimento e inventividade; tudo isto potenciado e possibilitado por um sistema monetário previsível o qual estabelece as bases para a acumulação das mesmas, evitando a expropriação governamental perseguida com persistência por governos e bancos, de forma a financiarem-se retirando valor aos recursos monetários dos agentes produtivos.

Notas:

1- Quem estiver interessado na análise da relação entre o crédito artificial e os ciclos expansão-recessão pode ler o meu post sobre o tema clicando aqui.