quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

As armas e os barões assinalados

As armas e os barões assinalados deste rectângulo à beira-mar plantado vêm amiúde a terreiro dizer ai e ui e oi. Raramente os seus raciocínios vão além dos "soundbytes", mas raramente lhes pedem mais do que isso. E os "soundbytes" representem o rol de ideias feitas que tem sustentando o nosso "status quo" nas últimas décadas.

Não se encontram diferenças substantivas entre o que diz Mário Soares ou Freitas do Amaral, hoje em dia, e uma pessoa pergunta-se quais as grandes batalhas travadas por estes personagens quando estavam no seu auge. Quais as grandes divergências, de um ponto de vista fundamental, que moviam o debate político.

De qualquer forma, as circunstâncias levaram a que haja finalmente um debate público sobre a reforma do Estado, bem como sobre cortes na despesa. É bastante claro onde se encontram os grandes senadores do regime. É também bastante claro onde se encontram muitos comentadores, que por entre mágoas carpidas sobre a necessidade de mudança, acabam invariavelmente por fazer a apologia de mudanças cosméticas e da manutenção do "status quo".

Não têm que se esforçar muito. Quando António Arnaut, por exemplo, diz alguma coisa sobre o Serviço Nacional de Saúde ou sobre o sistema de Saúde, e invariavelmente diz sempre que tem de ficar tudo na mesma, é tratado como o alfa e o omega da opinião sobre o tema. Quem defenda ideias diferentes tem de se contentar com insultos ou insinuações, como se só se pudesse organizar um sistema de Saúde de uma só maneira e ser um democrata.

As armas e os barões assinalados agem como se fossem donos do regime. A democracia, em toda as suas vertentes, o Estado, em todas as suas vertentes, todo o regime, tudo tem de mudar para melhor, certamente - mas só se ficar tudo na mesma. Freitas do Amaral, Mário Soares, António Arnaut e outros têm hoje dos discursos mais simplistas que se encontram na comunicação social, e a reverência que lhes é dada é desproporcionada à substância do contributo que dão, hoje em dia, ao debate público.

O mundo mudou. O regime forjado em 1974-1976 e que tem sobrevivido até hoje tem problemas que têm de ser resolvidos, que vão desde o sistema eleitoral à estrutura do Estado. O debate deve ser alargado. Ficar agarrado ao que dizem estas pessoas para pouco mais serve que ficar na mesma. No fim, pagamos todos. Mas os ilustres continuam a ser reverenciados, como se o estatuto fosse um eterno posto, uma posição de autoridade inabalável.

A autoridade daquelas pessoas não é inabalável. E quando escolhem intervir publicamente com discursos demagógicos e populistas, que aliás por vezes pouco interesse revelam no regular funcionamento das instituições, encarnam bem a figura de falsos ídolos em busca de adoradores. O seu posto não torna as suas posições intrinsecamente melhores. E chegou o tempo de retirar os grandes ídolos dos seus pedestais, porque mais relevante que esses ídolos e o barro que atiram à parede é construirmos um Portugal melhor para todos.

O Trabalho, Uma Visão de Mercado, de Mário Centeno

Em Fevereiro de 2011, Mário Centeno deu uma entrevista ao P2, do «Público», que ainda merece ser lida, em que falava sobre os problemas do mercado de trabalho em Portugal. Nessa entrevista falou-se da segmentação do mercado de trabalho português, do desemprego estrutural, de «insiders» e «outsiders», e de várias outras disfunções do nosso mercado de trabalho.

Em Abril do ano passado, Mário Centeno e Álvaro Novo publicaram um «paper» sobre estes temas, em que propõem um conjunto de reformas para resolver os problemas que identificaram. Contrariamente ao habitual em Portugal, essas propostas estão fundamentadas e são defendidas de forma consistente, internamente coerente e lógica, com base em dados concretos e em análise económica rigorosa.

O ensaio «O Trabalho, Uma Visão de Mercado», de Mário Centeno (que no texto se refere dever ser considerado um ensaio em co-autoria com Álvaro Novo), de novo trata do tema do trabalho, de novo com base numa perspectiva de mercado.  Quer isto dizer que é feita uma análise da interacção entre a oferta de trabalho, a procura de trabalho e as instituições ligadas ao trabalho de um ponto de vista económico, ao que se segue um conjunto de propostas concretas de reforma para lidar com os problemas identificados.

Esses problemas são múltiplos. Uma legislação laboral demasiado intrusiva e complexa, por exemplo. Ou a existência de um mercado de trabalho segmentando, em que uns são excessivamente protegidos e outros nada protegidos, cuja segmentação apenas tem sido ajudada pelas reformas parciais que têm sido feitas ao longo das décadas. Já para não falar de um sistema de protecção no desemprego que não chega a todos aqueles a que devia chegar e que se foi tornando demasiado generoso, além de tratar todas as empresas por igual, independentemente dos custos que estas que causem ao sistema. Ou, finalmente, um sistema de negociação colectiva demasiadamente assente na relação entre sindicatos e empresas, que vota as comissões de trabalhadores à irrelevância.

Em geral, o ensaio desmonta a forma como a assunção de preocupações «sociais» na regulamentação do mercado de trabalho, acoplada a reformas parciais, tem tido efeitos perversos no seu funcionamento, com o resultados muitos negativos ao nível do nosso desemprego estrutural e dos períodos que as pessoas passam desempregadas. O resultado é a desvalorização dos investimentos que trabalhadores e empresas foram fazendo ao longo do tempo, induzindo menores investimentos, sendo que a segmentação leva a que o conjunto de trabalhadores não-protegidos não só tenha de lidar com essa falta de protecção, como ainda acabe a «pagar» os custos da protecção alheia (daqueles que têm contratos de trabalho sem prazo).

Para lidar com as disfunções identificadas, são propostas medidas concretas. Essas medidas assentam numa lógica de alinhamento de incentivos dos vários participantes no mercado de trabalho, de forma a promover um funcionamento saudável deste, minimizando-se o desemprego de longa duração e facilitando-se o encontro entre trabalhadores e empresas que potencie relações laborais profícuas para ambos os lados. Incluem, por exemplo, contas individuais para protecção no desemprego, a adaptação da TSU em função da política de recursos humanos das empresas, no sentido de as levar a internalizar os custos que causam o sistema de protecção social, um maior poder conferido às comissões de trabalhadores na negociação colectiva, ou a existência de um único tipo de contrato de trabalho (mais simples e mais flexível que o contrato de trabalho sem termo).

As medidas não incluem uma política de baixos salários ou uma desvalorização fiscal. Não incluem a expansão dos contratos a prazo. Antes pelo contrário, é defendido que a competitividade da economia portuguesa virá da criação de um sistema de regulação do mercado de trabalho que facilite a valorização dos investimentos feitos pelos trabalhadores, por exemplo, na sua educação e formação, e que fomente relações laborais assentes, não na formalidade de um contrato, mas na substância de uma relação de confiança e interesses recíprocos entre trabalhador e empresa.

Em Abril de 2011, tive a oportunidade de ouvir uma intervenção de Mário Centeno sobre estes temas na Ler Devagar, no âmbito das tertúlias «Dobrando o Tempo, Dobrando uma Esquina». O título da sessão foi «Como aumentar a eficiência no funcionamento do mercado de trabalho?» Lembro-me bem do rigor com que o tema foi tratado, e as ideias nesse dia transmitidas reverberam no ensaio de que aqui se trata, tal como, aliás, reverbera o mesmo rigor no tratamento da informação.

O objectivo deste ensaio não é conseguir votos, não é ser agradável, e não é repetir ideias feitas. O ensaio, aliás, desmonta essas ideias feitas, não será de agradável leitura dado o diagnóstico que traça, e as propostas que faz têm como objectivo ajudar a resolver problemas, e não serem «politicamente correctas» com base no pensamento político dominante sobre estes temas. Afastam-se de tudo o que vem sendo proposto em Portugal, e, sendo sustentadas de forma rigorosa, são um contributo importante para o debate público sobre este tema.

O ensaio está escrito de forma a que todos o consigam entender. Preocupa-se em explicar os conceitos que vai utilizando, contendo ainda referências para quem queira aprofundar os temas tratados. É um ensaio que nos convida a pensar e a discordar. Recomenda-se leitura pausada, de forma a absorver aquilo que se vai lendo - até porque muito daquilo que se vai lendo tem pouco a ver com o que se costuma ler ou ouvir sobre estes temas na comunicação social.

Resta referir que vai ter lugar um debate «online» sobre este ensaio no «site» da Fundação Francisco Manuel dos Santos, em Fevereiro, e citar, com recomendação de leitura da totalidade do ensaio, as palavras do autor no último parágrafo do Prefácio:

«O convite da Fundação, através de António Araújo, para escrever este ensaio foi um enorme desafio. Se superado, tê-lo-á sido apenas transitoriamente, à espera de mais evidência que o venha questionar. O conhecimento não cristaliza, o erro está na sua essência. Ficamos à espera dele. Por agora, basta-nos a esperança de provocar reacções que tragam novos horizontes à economia portuguesa.»

domingo, 27 de janeiro de 2013

Às turras no PS

Parece que as várias facções do PS decidiram envolver-se em lutas internas na praça pública. Os problemas e as divisões não parecem causados por divergências relativas ao programa político a apresentar, visto que nenhuma das facções parece ter ideias para o país. Como sempre (em outros partidos é parecido), os problemas parecem causados por tricas e alianças pessoais, por lutas entre vários grupos caracterizados por serem variações sobre o vazio.

A imagem que me fica é de António José Seguro aos gritos na TV, berrando chavões na defensiva. Fala-se em congressos do PS. Fala-se em António Costa decidir sobre se vai avançar para a eleição como novo Secretário-Geral do PS ou para uma recandidatura à Câmara de Lisboa. Fala-se no processo político, nas tricas, nas guerrinhas internas. Mas não vi ninguém tentar clarificar as divergências programáticas entre António José Seguro e António Costa. E isso interessa - interessa muito.

Não basta bradar pelo Estado Social. É preciso dar explicações, exequíveis, para como iria funcionar esse Estado Social, incluindo em relação a financiamento, e basear essas explicações em mais do que conversa fiada. É este trabalho de casa que a Oposição tem de fazer. É suposto o PS estar a fazê-lo com o "Laboratório de Ideias para Portugal", e veremos o que sairá dali. Tendo em conta a retórica sobre "project bonds", duvido que saia alguma coisa de muito diferente do que se tem feito cá nas últimas décadas.

Essa minha suspeita de que o PS vai dizer mais do mesmo aplica-se a todas as facções internas do PS. O pluralismo interno parece ter muito a ver com personalidades e pouco a ver com ideias, o que, de novo, faz sentido, porque as ideias não abundam. De qualquer forma, parece que a campanha para as autárquicas vai ser apimentada por estas extremamente excitantes manobras políticas de grandes mentes políticas no PS, às quais acrescerão sem dúvidas brilhantes estratégias no PSD e noutras paragens.

Já entrámos no circo político das eleições. Deixo à escolha do leitor quem são os palhaços, quem são os acrobatas, quem são os domadores de animais, etc. Vai variar dependendo das preferências de cada um. A única coisa certa é que nós não podemos ser apenas espectadores passivos. Temos de intervir. Temos de participar. Temos de votar.

E, principalmente, temos de pensar.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Eu não quero o D. Sebastião

Há quem acredite em salvadores da pátria. Há quem deseje ardentemente e espere por um homem ou uma mulher providencial que, dotado ou dotada de uma panóplia infindável de virtudes, resolva todos os nossos problemas de uma só vez. Alguém que ponha tudo na ordem, que pense por todos, que não cometa erros e que esteja coberto de autoridade.

Eu não acredito na segunda vinda do D. Sebastião. O que menos quero é um Salazar em cada esquina. Não quero candidatos a Sidónio. Quero um sistema descentralizado, de pendor federalista, em que todos sejam chamados a intervir na coisa pública, sem apostas cegas em supostas entidades omniscientes e absolutamente clarividentes - porque essas pessoas não existem, dado que ninguém é perfeito e dado que, em princípio, quem está na melhor posição para decidir para si é cada um de nós, e não uma suposta autoridade terceira.

Eu quero um sistema virado para corrigir erros, em que haja debates intensos sobre os temas, em que seja possível a todos dar opinião. Um sistema em que as liberdades de cada um de nós sejam respeitadas, em que as maiorias não destroem as minorias. Um sistema pacífico de tomada de decisão ao nível da comunidade que tenha em conta a existência de externalidades, e portanto envolva, na medida do possível, todos os cidadãos que queiram participar activamente no processo de tomada de decisão.

Estar à espera do D. Sebastião, quer venha ou não, é não resolver problemas e fugir às nossas responsabilidades na sua resolução. Nas manhãs de nevoeiro que vivemos, temos de ser nós a conseguir as luzes de nevoeiro. Ninguém o fará por nós. E nem é muito desejável que fizesse.

Há Greve?

Fica aqui um link útil, do sitio Há Greve?. Para que as greves não apanhem ninguém de surpresa.

Pergunto:  Não deveria ser quem convoca a greve a informar os seus utentes e se existem ou ao serviços mínimos?

*Com a Devida Vénia ao Cho Costa pela referência.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Martelar factos em debates, emigração e outros temas

1. Uma das piores coisas que se pode fazer num debate é martelar factos para encaixar uma determinada narrativa, quer alterando números ou dando factos errados deliberadamente, quer omitindo factos que não interessam à posição que se defende, quer retirando factos do seu contexto, quer comparando coisas que não sejam propriamente comparáveis naqueles termos, quer qualquer outra forma de fazer isto de que eu me esteja neste momento a esquecer. Martelar factos para encaixar uma determinada narrativa de forma deliberada é uma forma de fraude, e a utilização negligente de factos, desenquadrando-os ou apresentando-os de forma enviesada porque simplesmente não se fez o trabalho de casa, também é um problema. Retira legitimidade ao argumento e, portanto, enfraquece-o. Sendo que existindo Internet e comunicação social de massas, factos martelados são, mais tarde ou mais cedo, descobertos e denunciados.

2. Tempos houve em que para emigrar era preciso uma autorização. As pessoas estavam presas no país e não podiam sair sem que o Estado as deixasse. Felizmente, estes tempos são parte do passado, e neste momento é possível emigrar sem autorização. Essa liberdade existe e está garantida por lei. Mais: neste momento temos a União Europeia, com a sua liberdade de circulação de pessoas, além de termos melhores meios de transporte e de comunicações (para encontrar oportunidades, por exemplo).

A emigração é uma forma importante de resolver problemas: ajuda a diminuir o desemprego e a reduzir tensões sociais, por exemplo. Insultar os emigrantes, dizendo que estes «abandonaram o país» (não terá sido o país que os abandonou a eles/elas?), em nada resolve os nossos problemas, e é uma mera manifestação de desrespeito e desprezo por gente que está no seu pleno direito de exercer a sua liberdade como lhe aprouver, e o que está a fazer sem implicar com os direitos dos outros. Além de que substituir impedimentos legais à livre circulação de pessoas por ostracismos sociais soa-me demasiado à velha história das uvas que estavam verdes e que ninguém podia tragar.

Anunciar, em tom épico, que não se pretende emigrar, que se pretende ficar cá em Portugal, como se isto fosse algo de intrinsecamente grandioso ou heróico, não me impressiona particularmente. Também não me parece servir de muito ao país, nem me parece necessariamente mais «patriótico» que escolher emigrar - especialmente se for acompanhado de exigências de que tudo fique na mesma.

Os emigrantes enviam remessas de volta a Portugal e poderão voltar no futuro, com novas ideias para melhorar o país. O diálogo cultural que permitem, bem como a imagem que deixam por onde passam, têm impacto no nosso desenvolvimento e na capacidade que o Estado Português tem de agir internacionalmente. Podem também ser importantes para atrair investimento para Portugal.

Em suma, os emigrantes são pessoas que procuram melhores oportunidades lá fora, porque não as encontram cá dentro. O enfoque devia estar em fomentar que essas oportunidades se encontrem cá dentro, e não em anunciar que não se vai emigrar, ou que os emigrantes «desistiram do país».

3. Um artigo no Forte Apache sobre o pedido do Governo para Portugal ter mais tempo para pagar o empréstimo da «troika» que fala da diferença entre pedir mais tempo para pagar o empréstimo e pedir mais tempo e mais dinheiro para implementar o programa de ajustamento - sendo que o Governo se tem recusado a fazer a segunda, mas está agora a fazer a primeira. Claro que o facto de haver este artigo no Forte Apache e outras breves explicações sobre o tema não vai evitar que se diga trinta por uma linha sobre este tema, porque, como sempre, este Governo não sabe falar em público.

Mais importante e interessante seria se o Governo fosse criticado, e aí muito justamente criticado, em relação aos truques contabilísticos que está a tentar forçar no que toca à concessão do serviço público e à privatização da ANA (ver aqui, aqui e aqui). Estes malabarismos do Governo são um erro crasso, que tem tudo para lhe explodir na cara, prejudicando o país - completamente desnecessariamente - no processo. É um jogo perigoso com as nossas finanças públicas, em que o Governo não as está a consolidar tanto como diz, e depois vai ser forçado a «surpreender» a população, subitamente, com medidas adicionais.

4. Este Governo tem legitimidade para fazer cortes na despesa e reformas ao Estado - foram eleitos a prometer uma consolidação principalmente à base de cortes na despesa, e têm uma agenda reformista prevista no programa de Governo aprovado pela Assembleia da República. De qualquer forma, o relatório de uns técnicos do FMI é o relatório de uns técnicos do FMI - aquilo que é relevante é o relatório e o pacote de medidas que o próprio Governo apresentar. Apenas aí se vai saber o que pretende o Governo fazer em relação à reforma do Estado - e se começar a implementar essas medidas, apenas aí se vai ter a certeza de que o Governo estava a falar a sério.

A constante tentativa de dizer que este Governo não tem legitimidade começou logo após as eleições, e esta nova encarnação é tão convincente como as anteriores. E se o PS decidir continuar o seu jogo de rejeitar cortes estruturais na despesa pública, o Governo deve avançar com os referidos cortes, e tem legitimidade para tal. Seria apenas útil, razoável e sensato que houvesse um acordo mais alargado relativamente a este tema para lhe conferir maior certeza. Mas parece que isso é esperar muito do Governo e do principal partido da Oposição.

5. O BE continua igual a si mesmo, pretendendo dar lições de como ser de Esquerda ao PS e ao PCP. O facto de Francisco Louçã, José Manuel Pureza e João Semedo pretenderem criar uma corrente interna nova chamada «Socialismo» é interessante. Lembra-me o episódio da saída dos militantes que depois vieram a criar o MAS (e que querem uma frente eleitoral MAS-BE-PCP-PS - como primeiro passo para a união das esquerdas, decidiram sair do BE). Lembra-me como o BE é um partido tão bom e tão mau com qualquer outro, em termos de querelas e politiquices internas, apesar das suas veleidades em contrário (que já me pareceram mais pronunciadas).

6. Este Governo tem mandato para alterar o sistema eleitoral, mas ainda não se mexeu nesse sentido. Faz mal. O sistema eleitoral tem impacto na qualidade da democracia, e o nosso sistema eleitoral, excessivamente fechado e que confere demasiado poder às direcções partidárias, é parte do nosso problema, afastando as pessoas do regime democrático em que vivemos. Claro que esta questão seria provavelmente tratada pelo Ministro dos Assuntos Parlamentares. E o Ministro dos Assuntos Parlamentares está demasiado ocupado a não fazer uma verdadeira reforma do Poder Local e a não privatizar a RTP nos moldes que tinha sido prometido.

7. O Governo, além de não saber falar em público, com a sua má estratégia de comunicação a servir constantemente de empecilho, não parece funcionar como uma equipa coesa, e expõe demais o Primeiro Ministro e o Ministro das Finanças, o que é uma má ideia, desgastando constantemente figuras que não se podem desgastar mediaticamente da forma que o fazem. No sistema português, seria geralmente o Ministro dos Assuntos Parlamentares a tratar desta relação com a opinião pública, penso eu. Mas o Ministro dos Assuntos Parlamentares actual não tem a capacidade de cumprir essa função, e também não parece cumprir uma função de coordenação política do Governo. Aliás, uma pessoa pergunta-se quem é que verdadeiramente cumpre essa função de coordenação política do Governo, que não parece muito oleada (para usar um eufemismo), e que tão importante é para que este tenha uma actuação eficaz.

A Cobardia da CNN!



No aceso debate que se tem desenrolado nos Estados Unidos da América, a CNN através do seu pivot Piers Morgan tem inovado.
Neste trecho, Piers chama cobarde a Jesse Ventura.

Acusação estranha de fazer a alguém que foi um Fuzileiro na Guerra do Vietname.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Breves, vários e curtas

1. Governo e PS não têm programas integrados e claros para a reforma estrutural do Estado. A partir do momento em que isto é verdade, é difícil que façam mais do que assistir a um debate entre gente que tenha, de facto, posições a este respeito, enquanto trocam insultos e fazem jogos políticos.

2. Começou a campanha para as eleições autárquicas, que como sempre vão ter influência nacional e vão ter interpretações e impacto a nível nacional apesar da sua natureza local. Se a confusão no debate público tem sido geral até agora, com o aproximar das autárquicas a confusão ainda vai ser maior. Vamos ter o modo «campanha eleitoral» ligado durante uns tempos, com tudo o que de bom e mau isso acarreta.

3. António José Seguro diz que nos surpreenderemos com os nomes que tem para um potencial Governo PS. Por mim, prefiro não ser surpreendido e conhecê-los já. É por essas e por outras que gosto de Governos Sombra - trazem clareza, responsabilização e identidade política pública e mediática a gente de quem é esperado que apresente a posição da Oposição sobre um determinado tema. Há mais gente para além do líder a falar e sabe-se quem é que, em princípio, ocupará que pasta após umas eleições. António José Seguro, em vez de criar «suspense» e prometer surpresas, devia criar um Governo Sombra. Seria mais útil, embora menos cinematográfico.

4. Quero ver o PS a criticar o Governo em relação aos aumentos de impostos agora que o seu Secretário-Geral disse que não podia prometer baixá-los. Mas é preferível que ele diga isto que uma promessa para não cumprir de baixar impostos. Até porque também tem resistido a cortar na despesa - embora me pareça que, tal como François Hollande, um Primeiro Ministro do PS poderia bem ver-se forçado a cortar na despesa, incluindo onde não preferiria fazê-lo, neste momento. Mas como (e torno a insistir) nunca ninguém exige um Orçamento Sombra à Oposição, ficamos sem saber exactamente o que é que o PS quer ou deixa de querer.

5. A reforma do Código Penal, do Código do Processo Penal, do Código do Processo Civil e do mapa judicial está aí, apresentada pela Ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz. Li comentários de magistrados e advogados dizendo que a eficácia da reforma poderia ser mitigada pela nossa cultura judicial. O que é interessante, considerando que aquelas pessoas fazem parte, precisamente, dessa cultura. O que eu gostaria de saber, então, é o que planeiam fazer para potenciar a eficácia das reformas em causa. Teríamos de discutir o Centro de Estudos Judiciários, os cursos de Direito, a Ordem dos Advogados e os Conselhos das Magistraturas - em particular o CEJ e os cursos de Direito, ou seja, a parte do ensino, que poderá bem ter impacto relevante na manutenção da tal cultura vigente. O objectivo tem de ser potenciar as reformas, de maneira a que o nosso sistema judicial melhore.

6. O Governo está desde Junho de 2011 no poder. Logo nesse altura devia ter começado um debate sério sobre a reforma do Estado. Aliás, esse debate já devia vir de trás, de um trabalho de casa feito durante os tempos de Oposição, em que PSD e CDS-PP deviam ter preparado programas claros sobre um tema que é premente há anos, e que apenas passou a ser mais com a crise. Isto porque um programa de reforma do Estado implica estabelecer prioridades em relação à actuação do Estado, bem como definir como é que o Estado prossegue as suas atribuições (e mesmo quais as atribuições que o Estado deve ter, embora essa parte do debate seja neste momento razoavelmente impossível), se deve ser o Estado central ou o Poder Local a fazer alguma coisa, etc. E é preciso ter isto bem presente quando se vai fazer cortes, ou tentar poupar dinheiro tornando as coisas mais eficientes. 

Acontece que não foi isto que aconteceu. Os partidos da maioria não tinham um programa de reforma do Estado antes das eleições e continuam a não o ter agora. Dizem que querem cortar 4 mil milhões de euros mas tudo tem de ser preparado em contra-relógio. E agora o CDS-PP escreve uma carta à «troika» em que, entre outras coisas, fala da «rigidez» do Memorando? Talvez a «rigidez» do Memorando não fosse um tão grande problema se as coisas tivessem sido feitas quando deviam, até porque já sabia que a consolidação, para ser sustentável, teria de ser feita principalmente do lado da despesa. Claro que o objectivo desta carta, enviada por representantes do CDS-PP enquanto tal (e não do Governo), é o de distanciar o CDS-PP do Memorando, em mais uma tentativa deste partido de passar por entre os pingos da chuva durante a tempestade da crise. E é mais um episódio que diz muito sobre o CDS-PP.

7. Há gente de tal forma embrenhada em preconceitos e que se coloca a si própria num pedestal moral tão elevado que nem com um megafone argumentativo se vai lá. Ou é como falar com um gravador programado para repetir o mesmo, ou é como falar com uma parede, ou é simplesmente falar com alguém que, por vezes reclamando-se extremamente humilde e aberto, vai passar o seu tempo a inventar razões novas para provar que não cometeu erro nenhum apesar de ter errado. São dos debates mais cansativos, mas podem ser uma oportunidade para apurar e esmiuçar os argumentos próprios. E isso pode ser útil para quando se fale com alguém mais arejado. Apesar de serem aborrecidos, dá jeito fazer uns debates destes de vez em quando. É melhor que treinar sempre sozinho. Tem é de se ter sangue frio e não perder a compostura, ir desmontando falácias, e tentar que o investimento de tempo seja útil.

8. O ponto não é apontar o dedo aos outros e dizer que eles estão embrenhados em preconceitos. O ponto é mesmo argumentar. Quanto a apontar o dedo, de vez em quando torna-se difícil resistir, ou mesmo quase incontornável; e devemos tentar ser os primeiros a apontar o dedo a nós próprios, e estar cientes que também nós temos preconceitos e enviesamentos, e também nós vamos tender a presumir ter razão quando podemos não ter. E se virmos num debate que temos de rever posições, tanto melhor. Também é para isso que servem debates.

9. Um coisa útil para se fazer de vez em quando é tentar perceber a lógica contrária à nossa posição para tentar conhecê-la tão bem ou melhor que os seus proponentes. Dá trabalho, implica ler textos que nos podem causar grande urticária, mas permite antecipar argumentos e fortalecer a nossa própria posição. E pode ser que cheguemos à conclusão que estávamos errados e mudar de opinião.

domingo, 20 de janeiro de 2013

A sôfrega busca pelos argumentos a dar para defender posições que já se tem à partida (e outras histórias)

Pensamento crítico e próprio é difícil. Exige um esforço no sentido de aprender sobre o tema em questão, ponderar aquilo que se vai aprendendo, e finalmente chegar a uma conclusão, com base no que se aprendeu - conclusão essa que poderá mudar tendo em conta novos dados. Exige assumir a responsabilidade de tomar posição e assumir o risco de pura e simplesmente estar errado. Exige assumir o risco de a conclusão a que cheguemos não seja politicamente correcta ou particularmente popular. E, principalmente, exige trabalho e tempo.

É bem mais simples seguir a posição de outros que, dotados de aura de autoridade, supostamente já fizeram esse trabalho prévio todo. O problema é que, sem algum trabalho prévio próprio, é difícil avaliar qual opinião seguir, a não ser por factores que não estão particularmente relacionados com a substância do que está a ser discutido, como a boa disposição e a simpatia da tal autoridade, ou o seu CV. No final, tem-se uma opinião para repetir, e repete-se essa opinião, e na prática delega-se nessa autoridade o poder de pensar pela pessoa que se limita a repetir aquilo que ouviu ou leu.

É também bem aborrecido argumentar e desmontar argumentos contrários. É bem mais simples questionar a integridade e a idoneidade moral da parte contrária. Da conjugação das duas facilidades temos debates entre supostas autoridades que ecoam pelos cafés do país, em modo de jogo do telefone estragado. Para tornar as coisas mais obscuras, adicione-se o facto de raramente serem claras as premissas, os julgamentos de valor e os próprios puros e simples preconceitos que estão subjacentes àquilo que é dito pelas supostas autoridades - tornou-se moda que as ideologias são coisas feias, e portanto o que temos são afirmações banais e triviais para promover a boa disposição e não grandes esclarecimentos substantivos.

Acabamos a discutir pessoas e não ideias. Acabamos com gente a procurar argumentos para sustentar conclusões a que já quer chegar à partida, ignorando os outros lados todos do argumento como irrelevantes. Acabamos com muito boa a gente a arrogar-se o conhecimento de verdades absolutas e inquestionáveis. Não conseguimos chegar a compromissos porque qualquer compromisso é visto como uma traição, porque todo e qualquer ponto, por mais miserável que seja, é tratado como se fosse essencial. Não podem existir negociações porque isso implica cedências, e toda e qualquer cedência é encarada como uma derrota e será amplamente difundida enquanto tal.

Mas voltemos a isto: encontramos gente a procurar sofregamente argumentos para suportar as conclusões a que quer chegar. Aliás, é engraçado acompanhar debates sobre legitimidade e ver o quão útil é subitamente invocar o argumento da legitimidade para considerar «ilegítimo», por motivos nobilíssimos (naturalmente), aquilo de que, por qualquer motivo, não se gosta. E acompanhar debates em que se torna claro que a democracia apenas parece funcionar quando está no poder alguém com que se concorde - caso contrário, tudo o que se tente fazer é ilegítimo, ou inconstitucional, ou anti-democrático, ou toda uma panóplia de categorizações equivalentes.

É também interessante encontrar gente a criticar as banalidades e as trivialidades que pululam nos nossos debates políticos, mas depois quem saia da banalidade e da trivialidade facilmente será crucificado e humilhado em praça pública, apontado como herege em relação à narrativa habitual (e portanto, um alvo a abater - e de notar que este tipo de práticas se encontram à Esquerda e à Direita).

Ao mesmo tempo, é engraçado reparar em certas coisas, como por exemplo a forma como a fraude e a evasões fiscais foram condenadas da boca para fora durante anos. O combate à fraude e à evasão fiscais tinha de ser uma prioridade. E agora, com os impostos a aumentar (acumular dívida dá nisto), o cerco do combate à fraude e à evasão fiscal apertou, mas parece que agora já não devia ser uma prioridade. Aliás, tenho visto a pequena fuga aos impostos ser activamente incentivada, como forma de protesto (já para não falar daqueles que a tratam como um imperativo moral).

Da Esquerda à Direita, houve condenação geral aos aumentos de impostos. Mas a única forma de ter impostos mais baixos de forma sustentável é cortar na despesa. Também aqui é muito popular cortar na despesa. O problema é que a única despesa em que parece ser possível cortar é na despesa relativa à dívida (capital e/ou juros), dívida essa acumulada para pagar infraestruturas que até há bem pouco tempo toda a gente queria (donde a nossa rede de auto-estradas para «desenvolver o interior») e provavelmente ainda quer.

O resultado prático conjunto de muitas posições que se vão vendo defendidas por aí seria um modelo em que nos endividaríamos até não poder mais, só os ricos e as grandes empresas pagariam impostos, existiria investimento público a rodos, e quando já não desse mais diríamos que a culpa era dos credores, reestruturaríamos a dívida (ou não a pagaríamos na totalidade, dependendo de com quem se fala) e tudo recomeçaria como se nada fosse. Quem diga que isto não funcionaria bem assim deve preparar-se mentalmente para tentativas de assassínio público de carácter e tentativas de humilhação pública - da Esquerda à Direita. Este tipo de comportamentos mesquinhos, entretanto, serve de desincentivo poderoso a que gente interessante e inteligente se meta na política.

No fim, temos uma quantidade razoável de gente a servir de eco ao seu comentador preferido enquanto questiona a seriedade e a honestidade da parte contrária e pouco mais, enquanto os problemas não se resolvem. Depois a emigração aumenta - e os emigrantes são acusados de desistir do país, por gente que parece confundir patriotismo com a tenaz defesa de umas quantas teorias da conspiração ou com a tenaz defesa de trivialidades pouco profundas que pouco ou nada querem dizer. Passamos de um regime em que a emigração necessita de autorização do Estado para um regime em que os emigrantes são sujeitos a ataques públicos ao seu patriotismo ou ao seu carácter - ao mesmo tempo que certos comentadores declaram que Portugal é muito especial e portanto não podemos importar soluções lá de fora, como se fosse impossível adaptar boas ideias à realidade portuguesa, e como se tentar encontrar as melhores ideias onde quer que elas se encontrem não fosse uma boa forma de tentar melhorar as coisas.

É tudo mau? Não, não é tudo mau. Mas demasiadas coisas são más e têm de melhorar - em Portugal,  na Europa e no mundo. Para isso é preciso entrar de cabeça no debate público, consciente que muitos não vão concordar connosco e vão usar tudo o que puderem contra nós.

Mas é assim a vida. É preciso aprender a lidar com tudo isso. Porque não vai mudar tão cedo e porque, provavelmente, sempre foi ou será assim.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Ontem no Afeganistão, Hoje no Mali. Obrigado França!



Um video em Homenagem a alguns dos soldados Franceses caídos no Afeganistão.
Porque por vezes temos que lutar pela Liberdade que temos, e alguns não conseguem regressar a casa.

Muito tenho criticado Hollande, mas revelou-se um estadista ao assumir para a França no Mali uma responsabilidade que deveria ser europeia.

Esperemos que o Mali não seja um Afeganistão para os Franceses.

Obrigado aos Caídos!

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Chatham House Rules, nova histeria, dinâmica negativa e o Eurostat continua a não colocar o nosso défice em risco

1. Houve mais um episódio de histeria colectiva e de rasgar de vestes. Desta vez, foi por o Governo se ter dedicado a dizer que ia ter um grande debate sobre a reforma do Estado Social e termos tido um debate sob Chatham House Rules (ver também aqui). Isto não é um ataque à liberdade de imprensa, é uma forma de promover debates melhores, em que as pessoas não têm de passar mais tempo a pensar em como é que o que dizem vai «soar» do que a trocar ideias - basta ver a forma como o que se diz pode ser facilmente distorcido ou retirado do contexto para ver como exigir que se peça autorização para atribuir afirmações ajuda. O problema é que o Governo prometeu um grande debate público - e isto não é um grande debate público. Aquilo que o Pedro Pita Barros descreve neste seu artigo é que seria um exemplo de um grande debate público. E isto já devia ter começado há bastante tempo - mas é, de qualquer forma, claramente algo a planear e a aplicar na prática.

2. Este tipo de situações fazem com que a minha atitude perante uma notícia escabrosa seja sempre de suspeita - presumo sempre que falta ali qualquer coisa. Presumo isso porque já foram demasiadas as vezes em que quando fui ver a fonte, descobri que sim, que faltava qualquer coisa, e que essa coisa era importante para se perceber o que estava em causa - e que, portanto, faltava o contexto, ou tinha havido um puro e simples erro (que parece normalmente evitável). Combine-se isto com as chinfrineiras que agora se tornaram habituais em relação a todo o tipo de temas que não entram na cabeça de ninguém (houve uma pessoal a ser entrevistada sobre um anúncio em que dizia que queria uma mala Chanel de forma considerada fútil?!) e torna-se difícil acompanhar a actualidade política, social e económica em Portugal - ou se tem de fazer sempre investigação própria (e por vezes não é fácil), ou então já se fez, e simplesmente notam-se os erros técnicos que induzem em erro ou tornam mais difícil a compreensão de um assunto qualquer. Isto não quer dizer que seja tudo mau - mas a tendência para a gritaria na nossa vida política torna as coisas, por vezes, difíceis de suportar.

3. O PS e o Governo continuam com uma péssima dinâmica em que o Governo tenta ficar com os louros de uma recuperação bem sucedida (se tudo correr bem) e o  PS tenta chegar ao Governo criticando de forma vazia o Governo (se tudo correr mal). O que nós precisamos é de um compromisso alargado em que se construa um novo modelo de desenvolvimento e de Estado para o país. Em vez disso, temos trocas de insultos, trocas de acusações, jogos políticos e uma absoluta incapacidade, do Governo e da Oposição, de fazerem mais do que isto. As reformas que vão ser implementadas agora só são credíveis se forem feitas para durar e se reunirem apoio suficiente para não acabarem à primeira oportunidade, e essa credibilidade vem de existir a noção de que um Governo que venha a seguir não volta atrás com tudo o que este Governo andou a fazer - incluindo no que toca à consolidação orçamental. Mas em vez de um grande debate ideológico-constitucional com tendência para chegar a um compromisso, temos uma gritaria.

4.O Governo continua a insistir num malabarismo contabilístico (ver aqui e aqui) não admitido pelas regras do Eurostat e pelo rigor técnico com que estes temas devem ser tratados no que toca a tentar usar dinheiro recebido com a concessão da gestão dos aeroportos à ANA para 'abater' ao défice, e não à dívida, do ano passado. Pior: continua o seu jogo perigoso de avançar com a medida, e pressionar o Eurostat a não recusar aquilo que devia recusar, por motivos puramente políticos - sujeitando-se a que o Eurostat faça o que deve, diga que não, e depois o Governo tem mais um problema para resolver, que andou a adiar - o que nos prejudica a todos. Como é um tema muito técnico, e como malabarismos destes são prática corrente, incluindo em Governos PS, não tem sido muito falado - até porque ainda não rebentou, verdadeiramente.

Este tema devia ser mais falado. O Governo devia ser penalizado por estar a fazer um jogo tão perigoso com as nossas finanças públicas numa altura em que é fundamental recuperarmos a nossa credibilidade e em que é fundamental não empurrarmos mais o problema com a barriga a ver se passa. A única coisa que passa são navios, que nós ficamos a ver, no meio da água, enquanto nos afundamos, e enquanto nos entretêm com malabarismos que não resolvem o nosso problema.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

É o Poder Estúpidos!

Leio aqui, um artigo do Professor Adriano Moreira, sobre a hierarquia dos Estados, numa óptica realista e em que faz uma óptima análise da realidade e do poder relativo dos Estados na ONU no pós Segunda Guerra Mundial.
Também refere de soslaio o declínio europeu.
Lede, estudai e tirai as Vossas conclusões.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Contra o Fascismo Liberal Global!

Vi há uns anos uma apresentação de Jonah Goldberg no Daily Show de John Stewart de um livro sobre o Fascismo Liberal que me fez pensar.

Os ataques que se sofre por defender as nossas ideias, seja aqui no blogue, nos tribunais, na rua ou em qualquer outro sitio é um preço que tenho pago de boa vontade.

Hoje leio aqui, que saiu ontem mais um relatório da FREEDOM House em que se demosntra que a Liberdade que gozamos é um Bem cada vez mais escasso. Contai Comigo!

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Reforma do Estado num minuto e meio!

Leio aqui, que a Conferência organizada por Sofia Galvão do PSD, para ouvir a sociedade civil tem limitações aos jornalistas. Não podem gravar, nem citar sem expressa autorização dos próprios intervenientes. A organização prontifica-se a oferecer minuto e meio de imagem e som! Percebia isto se se estivesse a tratar de algo interno ao Partido, mas nesta questão é dificil de defender. Se bem entendo a sociedade civil que pode participar e ouvir o que ali se passa é aquela tem a vida para estar presente no local. Uma élite que pode tirar a terça-feira e não precisa de trabalhar e de governar a vida. Quando o César me explicou o que era o PSD não era nada disto...

domingo, 13 de janeiro de 2013

Parte 2 - O nosso azar


Da Esquerda à Direita, o nosso azar é ainda haver gente que estudou os assuntos para falar sobre eles, para as pessoas que formam opiniões com base em argumentos terem fontes para começar o seu próprio estudo e para desenvolver as suas opiniões críticas sobre os temas.

O nosso azar é não nos faltarem temas prementes que permitam às pessoas que nos forçam a confrontar ideias feitas e discutir seriamente o futuro do país, argumentando contra ou a favor as várias hipóteses políticas sobre a mesa, sob pena de não resolvermos os nossos problemas.

O nosso azar é, aliás, ainda haver gente disposta a dar opiniões fora do habitual e disposta a lutar pelas suas ideias de forma intelectualmente honesta, a desmontar falácias e a procurar compromissos razoáveis independentemente de questões meramente pessoais.

O nosso azar é que tudo isto aconteça.

Mas se não acontecesse, o que seria de nós e da nossa democracia?

Parte 1 - A nossa sorte

Da Esquerda à Direita, a nossa sorte é haver tanta gente que não estudou os assuntos para falar de cátedra sobre eles, para as pessoas que formam opiniões com base em supostas autoridades terem alguma coisa para repetir acriticamente.

A nossa sorte é não nos faltarem temas muito para além de secundários que permitam às pessoas que gostam de julgar os outros mostrarem a sua auto-proclamada superioridade moral apontando a futilidade de ambições alheias e a suposta inferioridade moral de pessoas que não conhecem pessoalmente.

A nossa sorte é, aliás, haver tanta gente à mão de semear para ser sacrificada no altar da indignação moral assolapada das redes sociais e dos meios de comunicação social para todos sabermos que o desprezo, a tentativa de humilhação e a chacota primária podem ser boas coisas, quando usadas contra gente que seja considerada inferior por gente que se considera a si própria bem pensante.

A nossa sorte é que tudo isto aconteça.

Se não acontecesse, o que seria de nós e da nossa democracia?

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Enunciar posições do topo de um pedestal

Há quem ache que enunciar a sua posição é suficiente. Principalmente se for feito num tom que não admite resposta, do estilo «isto é assim porque eu digo e eu sei que é assim e acabou a discussão». Quando alguém contra-argumenta ou levanta uma objecção, a resposta poderá ser a típica descaracterização da posição contrária ou um ataque pessoal qualquer.

Enunciar posições do topo de um pedestal com base em «convicções» do tipo «toda a gente sabe que é assim», ou seja, afirmar alguma coisa com base em rumores como se esses rumores fossem todos muito credíveis (claro que são credíveis - confirmam o que a pessoa quer ouvir, ora pois!), não serve de muito se não se conseguir ir além do diz-que-disse. 

Lamento, mas não basta despejar meia dúzia de ideias feitas para se estar a argumentar. E escrever ou falar num tom muito assertivo também não é o mesmo que argumentar. Principalmente quando roça a arrogância e o tonzinho moralista de quem se coloca a si próprio num pedestal qualquer especial em que, impoluto ou dotado de outra característica mágica qualquer, decide que sabe, e que portanto pode ignorar o que os outros dizem, e em vez disso tentar desqualificá-los.

Adoptar tons solenes e «dignos» não confere automaticamente solenidade ao que se diz. E quando o que se diz é um conjunto de lugares comuns, parece apenas pretensiosismo, e evidencia a futilidade e o vazio, em termos substantivos, daquilo que está a ser dito.

Tudo isto são truques. Nada têm a ver a ver com a lógica nem com a veracidade do que está a ser dito. Mas são formas muito eficazes de manipular a forma como aquilo que se diz é encarado. É uma boa forma de passar mensagens simplistas e fazê-las parecer algo mais do que isso, mas também uma forma de tentar conferir solenidade a ideias que de outra forma seriam atacadas - como a xenofobia ou o racismo.

Parte do debate com pessoas que enunciam posições de um pedestal é mostrar o quão imaginário esse pedestal é. Isso pode ser feito de várias formas. Mas torna o debate mais difícil. Principalmente quando não se tem um pedestal próprio de onde enunciar opiniões - sendo que as opiniões vão sempre divergir acerca de se um pedestal é merecido ou não (e quem veja um pedestal imaginário pode bem considerar que isso retira credibilidade ao que a pessoa diz, mesmo que a pessoa até esteja a dizer algo factualmente correcto). 

Breves notas sobre vários temas

1. Jean-Claude Juncker defende reajustamento do programa português. O argumento é o de que um país que cumpra o programa de ajustamento deve ser recompensado por o cumprir. É importante o Governo português saber gerir esta questão como deve ser, sem as precipitações da última vez que o tema veio à baila. É evidente que seria bom para a nossa recuperação se recebêssemos condições mais simpáticas para nós (mas, já agora, ver aqui e aqui).

2. A Comissão eventual sobre a reforma do Estado que a maioria vem agora propor já devia ter sido lançada. Devia ter surgido logo no início da legislatura. Em boa verdade, devia ter surgido há anos, quando a reforma poderia ter sido feita sem estarmos numa crise, mas isso já teria sido pedir muito. Seria importante o PS deixar de brincar aos «slogans» e entrasse como deve ser num debate a sério sobre a reforma do Estado. Não vi ainda nenhum partido político defender o fim do Estado Social (em Portugal, só em blogues encontro gente a defender isto), embora tenha visto gente a defender outras prioridades ou outras formas de fazer as coisas. Mas isso não é destruir o Estado Social - é reformar o Estado Social.

3. Por muito que isso custe a algumas pessoas (como sempre, à Esquerda e à Direita), não vivemos no século XIX. Não vivemos também nos anos 50 do século XX, ou nos anos 70, ou nos anos 90. E, por muito que isso também custe, o mundo mudou, as condições de vida e expectativas das pessoas mudaram, a tecnologia mudou (e bastante), e a escala mudou - e agir como se não, repetindo «mantras» de tempos passados, não ajuda a resolver problemas.

4. Lançar um debate em torno de um relatório técnico do FMI não é um enorme insulto a quem quer que seja - muito menos à democracia; não é causa para pedir a demissão de um Governo apoiado por uma maioria parlamentar; não significa que o Governo vá seguir exactamente o que está nesse relatório no relatório que apresentar a final. As propostas do relatório não significam que o Memorando falhou ou esteja a falhar. Também não significam o fim do Estado Social (ver acima). E não faz sentido absolutamente nenhum vir agora pedir eleições antecipadas. Um relatório técnico é um contributo para um importante debate alargado sobre a reforma do Estado, nada mais, e o importante é lê-lo e debatê-lo de forma crítica e séria. E, de preferência, deviam surgir outros relatórios deste tipo, sobre este tipo de temas, para também serem parte do debate público sobre o tema.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Relatório do FMI - Parte 1

Algumas notas sobre o Sumário Executivo do relatório do FMI sobre reforma do Estado e cortes na despesa:

1.  O relatório refere três objectivos fundamentais que servem de pano de fundo a todas as propostas: aumentar a eficiência no fornecimento de bens e serviços públicos, enfoque na obtenção de resultados equitativos e o estímulo da actividade económica e do empreendedorismo. 

O relatório não se limita a apontar zonas onde cortar. Aponta também reformas muito concretas para o funcionamento do Estado Social, que vão além de simplesmente decidir cortar aqui ou ali.

2. No relatório refere-se que o Governo já fez o seu próprio trabalho de «benchmarking» para preparar propostas governamentais de reforma do Estado e de corte na despesa. 

O relatório refere também que os técnicos responsáveis pelo relatório estão em grande medida de acordo com esse trabalho do Governo, que deverá ser divulgado quando o próprio Governo apresentar o seu relatório sobre a reforma do Estado Social e sobre cortes na despesa.

Neste ponto, pelo menos, não deve haver grandes divergências entre os relatórios. Aliás, os temas abordados neste relatório são os temas que eu tendo a ver a serem discutidos quando se fala da reforma do Estado Social, e aliás os temas expectáveis - salários, pensões, sistema de Educação, sistema de Saúde...

De referir ainda que o relatório menciona expressamente que o Governo está a tentar identificar as reformas a levar a cabo dentro do enquadramento constitucional vigente.

3. Refere-se expressamente à necessidade de agir relativamente aos salários do Estado e às pensões, que constituem importantes fontes de despesa pública.

Em salários públicos e pensões já este Governo e o Governo anterior cortaram, e esses cortes foram sujeitos ao crivo do Tribunal Constitucional. Estão previstos novos cortes e, de novo, vai haver intervenção do Tribunal Constitucional. É importante a ligação entre este ponto e os dois pontos seguintes.

4. Refere-se que existe excesso de pessoal no sector a trabalhar em Educação e nas Forças de Segurança, bem com um excesso de pessoal pouco qualificado a trabalhar para o Estado; fala-se também especificamente das horas extraordinárias pagas aos médicos.

O excesso de pessoal encontrado está naturalmente ligado à importância que os salários têm no nível de despesa pública. As alternativas aos cortes de salários transversais passam por despedimentos selectivos em áreas que se considere serem excedentárias em termos de pessoal.

Naturalmente que quem lá trabalhe vai dizer exactamente o contrário, e entramos no problema a que eu já me referi aqui e aqui. Toda a gente directamente e indirectamente afectada por estes cortes vai clamar pela sua injustiça, com mais ou menos razão, e toda a gente que paga a factura vai estar demasiado pulverizada para se organizar.

A dificuldade em diminuir o número de funcionários públicos é um problema quer ao nível do corte de despesa, quer ao nível de ser possível gerir o Estado de forma eficiente para os contribuintes. Um Estado que apenas consegue reduzir pessoal através de programas de estancamento de contratações ou ao deixar expirar contratos a prazo não é um Estado que se consiga gerir decentemente

5. O relatório refere a necessidade de que a estrutura de remunerações do Estado seja atractiva para os mais talentos, que haja equidade entre trabalhadores do sector público e do sector privado, e que haja maior mobilidade para dentro e para fora do sector público.

Este ponto é, a meu ver, muito importante. Sendo objectivo cortar na Função Pública, cortam-se salários, mas não aqueles que estejam abaixo de 1500 euros, e os cortes são aplicados de forma progressiva, podendo chegar aos 10%. O resultado é tornar os salários de topo da Função Pública cada vez menos apetecíveis quando comparados com salários do sector privado, ao mesmo tempo que, pelo contrário, os salários mais baixos são mais apetecíveis, quando comparados com os do sector privado.

Isto cria entraves à contratação de gente de qualidade e excelência para cargos de topo na Função Pública (sem desmerecer quem lá está agora), ao mesmo tempo que cria incentivos a que as pessoas com qualificações mais baixas procurem empregos na Função Pública, por ficarem mais protegidas do que no sector privado.

O tema da equidade entre trabalhadores públicos e trabalhadores privados já tem sido abordado mediaticamente. Lembrou-me logo a notícia de que o Governo pretende criar uma espécie de «Código do Trabalho» para Função Pública e aproximar o regime de emprego público ao regime de emprego privado. Lembrou-me também a forma como o Tribunal Constitucional fez tábua rasa do tema na sua decisão sobre salários e pensões (a ler também o que Vital Moreira menciona aqui, embora já sobre o OE 2013).

A ideia da mobilidade para dentro e para fora do sector público liga-se com a ideia de que o Estado deve competir com os privados pelos melhores, com a ideia de que também é importante ter experiência no sector privado quando se trabalha no sector público, e com a ideia de que é necessário ter cuidado para impedir que isto crie relações demasiado íntimas e próximas entre entidades públicas e entidades privadas (a questão coloca-se de forma particularmente premente em relação a entidades reguladoras independentes).

6. De entre várias opções, o relatório foca-se na necessidade de levar a cabo reduções de pessoal específicas, após análise cuidada. Por outro lado, menciona-se a possibilidade de fusão da Caixa Geral de Aposentações e do sistema de segurança social aplicado ao resto da população, bem como a possibilidade de aplicar a mesma fórmula para calcular as pensões a todos os trabalhadores e a aplicação de um factor de sustentabilidade a todas as pensões.

Aqui fazem-se propostas específicas para reduzir os benefícios específicos de trabalhar na Função Pública, aplicando-se aos funcionários públicos o regime geral, e não um regime especial, ao mesmo tempo que se aplicaria a mesma fórmula de cálculo para toda a gente - mesmo os que tenham entrado para o CGA antes de 1993. A ideia é unificar o sistema de pensões público como forma de promover a equidade e a eficiência do sistema.

A aplicação de um factor de sustentabilidade a todas as pensões era, penso eu, o que estava pensado após a reforma da segurança social do Governo Sócrates, que introduziu o factor de sustentabilidade. Com a crise, no entanto, decidiu-se que o factor de sustentabilidade teria um «chão». O que é proposto é que isto desapareça, de forma a promover a sustentabilidade do sistema.

De notar, neste ponto, que não é proposto um sistema de capitalização, mas sim reformas ao sistema já existente.

7. Menciona-se a necessidade de direccionar melhor os programas sociais (através de «means-testing») e de haver uma consolidação desses mesmos programas. 

A consolidação dos programas sociais torna o sistema menos complexo e portanto mais fácil de administrar e de compreender pelos potenciais beneficiários. Tendo em conta que a opacidade do sistema resulta em que as pessoas não tenham acesso a prestações a que até teriam direito, por desconhecimento ou incompreensão do sistema, e que a dificuldade de administração gera ineficiências e aumentos de custos, esta medida teria, parece-me, impactos benéficos.

O «means-testing» significaria tentar calibrar e atribuir as prestações sociais a quem delas efectivamente precisa, de forma a tentar maximizar a sua eficácia prática. O problema é mesmo fazer essa calibragem e decidir os critérios a aplicar para a obtenção de uma determinada prestação - tendo sempre em conta a importância de manter o sistema simples, sob pena da complexidade criar os problemas referidos acima.

Em suma, portanto, o objectivo seria simplificar o sistema de prestações sociais, de forma a que efectivamente ajudem quem precisa e que sejam fáceis de administrar.

8. Fala-se ainda na necessidade de reformar o sistemas de Educação e Saúde. No caso da Educação, é aberta a possibilidade de reduzir a participação do Estado enquanto prestador do serviço e aumentar a sua função de regulador, que garante «standards», alterar contratos dos professores e criar um sistema de financiamento das escolas em que o dinheiro segue os alunos, e também maior recuperação de custos no ensino terciário (ou seja, universidades, politécnicos, etc.).

Aplicando este tipo de medidas, teríamos, na prática, um novo sistema de Educação em Portugal, assente na concorrência entre escolas por alunos, dado que seriam os alunos a garantirem o seu financiamento. O Estado, entretanto, definiria a base segundo a qual todas as escolas se teriam de reger, e procuraria assegurar que todas as escolas efectivamente se encontravam nesse «standard» previamente determinado.

De notar que se diz também que este sistema não poderia colocar em causa a universalidade do acesso à Educação. Ou seja, o Estado teria de continuar a assegurar que todos, independentemente da sua condição sócio-económica, teriam acesso à Educação.

O financiamento do ensino superior público em Portugal é feito em larga medida através de subsídios do Estado e as propinas em larga medida não reflectem o custo efectivo do curso. Aumentar as propinas nunca é uma medida popular, mas, se se quer ter ensino superior público sustentável, não existindo recursos infinitos, e não sendo estando nenhum sector imune a reformas dada situação financeira do país, então é preciso tomar medidas impopulares.

Outras medidas que tenho visto referidas noutros lados são a consolidação das universidades públicas e a diversificação de fontes de financiamento das universidades, incluindo aumentar a sua autonomia e capacidade de gerar rendimentos próprios. Não sei ainda se são referidas neste relatório, mas querendo-se evitar a pura e simples privatização das universidades públicas, então é preciso que estas comecem a funcionar de forma diferente.

9. Relativamente ao Sistema Nacional de Saúde, põe-se a hipótese de fundir o SNS com o sistema de saúde das forças de segurança, aumentar o nível de cuidados de saúde terciários e recuperar mais custos.

O relatório não propõe a criação de um sistema de seguro público obrigatório (ou facultativo) ou um sistema de seguros de saúde privados que competem entre si, garantindo o Estado acesso universal a esses seguros privados. Propõe o SNS (o SNS, aliás, encontra-se previsto constitucionalmente - cf. art.º 64.º, n.º 2 a) da CRP), mas gerido de forma diferente (p.ex. com ênfase em cuidados de saúde terciários como substituição aos hospitais).

Dada a necessidade de encontrar soluções dentro do enquadramento constitucional vigente, entende-se a proposta da reforma do SNS nestes termos. Reformas mais drásticas possivelmente necessitariam de uma revisão constitucional, que muito pouco provavelmente passaria, e cuja mera proposta seria provavelmente muito custosa politicamente.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

As xenofobias da moda

Ainda há muito xenófobo por aí, mas a xenofobia aberta é menos visível hoje em dia. Em geral, é uma atitude abertamente condenada, mesmo quando secretamente haja quem nelas reveja. Mas nem todas as formas de xenofobia são tratadas da mesma forma. Basta pensar no anti-germanismo e no anti-americanismo que por aí se vêem, assentes nos mesmos medos, preconceitos, invejas e complexos de inferioridade/de inferioridade de sempre.

Insultar «os americanos» e «os alemães» é moda por entre certa malta que, certamente, se considera extremamente inteligente, culta e educada - bem mais do que «os alemães» e de que «os americanos», cuja lista de pecados e falhas colectivas daria, segundo essa douta visão, para escrever vários livros - e também encher colunas de opinião, conversas de rádio e artigos em blogues. Tudo isto tingido com o mesmo veneno vazio de conteúdo.

Os alemães seriam todos, e sem excepção, rígidos, frios e mal educados, sendo os americanos todos burros, ignorantes e desprezíveis. Do alto de um imaginário pedestal onde majestaticamente se colocam, os xenófobos julgam centenas de milhões de pessoas com base em preconceitos e em complexos próprios. Desprezam o indivíduo, desprezam a diversidade, desprezam tudo menos aquilo que convém às suas ideias pré-concebidas. E quando alguma coisa corre mal, toca a usá-la como exemplo de que se está certo.

É chique e está na moda ser contra a Alemanha, tal como já há anos é chique e é moda ser contra os EUA. Do outro lado, claro está, encontra-se o clube de fãs da Alemanha e dos EUA, que apenas vê virtudes na sua actuação. E ainda do outro lado estão as xenofobias mais socialmente aceites nos EUA e na Alemanha, alimentadas pelo mesmo tipo de medo, ignorância, tablóides e políticos demagogos e populistas.

As xenofobias da moda, chiques e politicamente correctas são parte relevante da crise. Afastam-nos de soluções e afastam-nos da resolução dos problemas, focando a atenção em questiúnculas imaginárias que nos impedem de aproveitar todo o potencial da nossa cooperação. E diga-se desde já que estas xenofobias são propriedade da Esquerda e da Direita - ambos os extremos do espectro político têm bem representados os populistas demagogos que se dedicam a atiçar as chamas da xenofobia.

Os EUA e a Alemanha não são países perfeitos. Mas dizer isto é trivial, porque nenhum país é perfeito. Cair em generalizações preguiçosas para encontrar bodes expiatórios é uma enorme perda de tempo e distrai da resolução de problemas sociais, económicos, financeiros e políticos prementes. E isto aplica-se a todas as formas de xenofobia - quer cá, quer na Alemanha, quer noutro lugar qualquer.

Perder tempo a chamar nomes aos alemães, ou os alemães perderem tempo a chamar nomes aos gregos, não vai ajudar ninguém. Mas está na moda. É chique. E muito mais fácil do que resolver problemas.

Nogueira Leite Justifica-se!

Leio aqui , que Nogueira Leite responde aos anónimos que o criticaram e que não regressar ao grupo Mello. Curiosamente, nenhuma das questões a que responde interessa. Aliás às duas desculpas de discordância que inventa, pergunto, o senhor Professor Doutor não lê jornais? Continuo como contribuinte à espera de um balanço. Terei que esperar muito, pelos vistos.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Reforma do Código do IRC

A reforma do IRC, no sentido de baixar as taxas e simplificar a aplicação do imposto, devia ter sido uma prioridade do Governo. A Comissão que iniciará em breve os seus trabalhos deveria ter iniciados os seus trabalhos pouco depois do Governo ter tomado posse, com um claro mandato de rever o Código do IRC de fio a pavio, sugerir simplificações, com base nas melhores práticas a nível internacional, e calcular o impacto financeiro e económico provável das medidas propostas.

De qualquer forma, é melhor tarde do que nunca. Sendo difícil pura e simplesmente abolir o IRC, principalmente por razões políticas e constitucionais, mas também provavelmente financeiras, baixar as taxas do imposto e simplificar a sua aplicação é a melhor hipótese que se segue. O IRC deve ser um imposto de aplicação simples, com taxas baixas, e sem quinhentos benefícios fiscais a criar distorções e a gerar burocracia. 

Os serviços da Administração Tributária e Aduaneira devem ser parte do processo de reforma do imposto, e devem ser preparado direito circulatório relevante para a aplicação do novo Código do IRC com base nas alterações que lhe sejam feitas, que esteja pronto para publicação com a entrada em vigor do Código do IRC. Estas reforma profunda do Código deve ser também um marco, devendo depois o Código do IRC ser deixado em paz durante uns tempos, de forma a cimentar a sua aplicação prática. 

Esta reforma do Código do IRC, a aplicar a todas as empresas, faz bem mais sentido do que as várias ideias do Ministro da Economia e Emprego a este respeito. O objectivo de aplicar uma taxa de IRC a «novos» investimentos com valor acima de 3 milhões de euros, e depois apenas a «novos» investimentos, tinha como grande propósito atrair investimento estrangeiro. 

Só que escapou ao Ministro que o problema não são simplesmente as taxas - é a complexidade e porosidade do Código, que ainda por cima é alterado todos os anos em questões relevantes (ainda no OE 2013 foram alteradas, do nada, as regras de sub-capitalização). Escapou ainda ao Ministro que não basta atirar números para o ar - é preciso saber se a medida era comportável. E, finalmente, escapou ao Ministro (nas suas intervenções públicas, pelo menos) que esta seria uma boa oportunidade de fazer uma reforma de fio a pavio do Código do IRC para o tornar mais fácil de aplicar.

A reforma do Código do IRC, como vai ser feita, é uma ideia muito melhor do que a ideia original lançada por Álvaro Santos Pereira. É também positivo que a liderar a Comissão esteja alguém do CDS-PP. É natural que o CDS-PP se queira «ligar» a uma medida como esta, mas por outro lado, se a Comissão fizer propostas de mais difícil aplicação, o CDS-PP fica ligado à Comissão, o que a torna mais politicamente difícil de ignorar. Por outro lado, também o PSD quer colher os frutos de baixar impostos enquanto Governo, e Lobo Xavier como Presidente da Comissão é uma forma de dar alguma coisa ao CDS-PP.

Veremos quem serão os outros membros da Comissão e o que sairá das suas propostas. O relatório que apresentar deverá ter um destino mais proveitoso que o da Comissão presidida por João Duque para estudar o serviço público de televisão, no entanto, pelos motivos apontados no parágrafo anterior. E esta é uma oportunidade de tomar uma medida que, de facto, ajude a tornar Portugal mais competitivo - uma de muitas que são necessárias.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Privatização da RTP e Reforma do Poder Local

O Ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, tinha dois «dossiers» principais em cima da mesa: a privatização de um canal da RTP e a reforma autárquica. Ora, neste momento, é já claro que não vamos ter reforma autárquica que se veja - apenas o fim de uma série de freguesias - e parece cada vez menos provável que vamos ter a privatização de um canal da RTP. 

No caso da reforma do poder local, seria uma reforma importante se fosse bem feita. Não o seria se redundasse num mero corte aleatório do número de autarquias. Este seria um bom momento para olhar para a distribuição de tarefas entre o Estado central e o Poder Local e pensar se não seria boa ideia transferir atribuições e competências do Estado central para o Poder Local. Após o que se poderia pensar em qual a escala mais razoável para as autarquias mais autónomas, inclusivamente a nível fiscal.

Uma verdadeira reforma do Poder Local envolveria tudo isto, e poderia ter consequências relevantes quer a nível de ganhos de eficiência e cortes na despesa, quer a nível de transferência de poder para mais perto das populações, quer para aumentar o nível de responsabilidade e autonomia das autarquias. Em vez disso, acabamos com a redução do número de freguesias e o que, pelas notícias, me pareceu ser um fundo de resgate de autarquias - esperemos que um fundo que acautele os incentivos perversos que esse tipo de fundos podem gerar.

No que toca à privatização de um canal da RTP, as coisas são simples. O programa de Governo prevê a privatização de um canal da RTP. O CDS-PP está ligado a esse programa de Governo e, se não gostava, então não tinha entrado no Governo. Está lá no programa que o Governo se comprometeu a cumprir, e já o PSD tinha proposto esta privatização durante as eleições. Não estar no Memorando da Troika não retira legitimidade à proposta e à implementação da medida.

Infelizmente, no entanto, para quem, como eu, apoia a privatização da RTP 1 (e bem mais do que isso, mas a privatização da RTP 1 já seria uma vitória), este «dossier» foi mal gerido do início. O grupo de trabalho chamado a pronunciar-se sobre o assunto foi ignorado, o seu relatório esquecido, e não lhe foi dada qualquer cobertura política pelo Ministro que tinha pedido o relatório - tudo por causa de uma frase de João Duque na imprensa. Depois, tivemos a histeria em torno de declarações de António Borges sobre o tema. Agora, ouvi na rádio, o tema está com o Primeiro Ministro, que discute o tema com o Ministro dos Negócios dos Estrangeiros, com o Ministro dos Assuntos Parlamentares no meio.

O modelo em que a RTP 1 era privatizada e a RTP 2 permanecia pública, mas sem financiamento publicitário, parece-me um compromisso razoável - outro compromisso poderia manter a RTP 2 pública mas com maior ênfase em recursos próprios. Mas o essencial seria privatizar um canal - foi com isto que o Governo se comprometeu, por muito que isso angustie Paulo Portas, e é isto que Miguel Relvas devia estar a preparar, por muito difícil politicamente que fosse. Entretanto, pouco nas notícias me dá esperanças que se acabe a privatizar, pura e simplesmente, a RTP 1.

Mesmo faltando ainda tempo para o final do mandato, é bastante claro que estes dois «dossiers» são dois falhanços, e falhanços claros, de um Ministro que devia ser dos mais fortes politicamente deste Governo. Junte-se a isto os problemas de coordenação e falhas de comunicação do Governo e temos essencialmente um pleno no que toca à actuação do nosso Ministro dos Assuntos Parlamentares, que além disso tem sido dos mais fustigados por motivos extra-governação.

No entanto, não parece credível que Miguel Relvas saia do Governo, apesar do balanço da sua actuação acima descrito. A reforma do Poder Local, que poderia ser uma reforma histórica, fica por fazer, e mal se percebe o que acontecerá com a RTP. O Governo continuará com problemas de coordenação e comunicação. E Miguel Relvas continuará Ministro.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Bicicleta, liberdade e economia



Em Portugal, a liberdade não existe em relação à utilização de um dos modos de transporte mais eficientes, baratos e universais que podem existir: a bicicleta. No nosso país, quem queira utilizar a bicicleta para fins utilitários, enfrenta uma legislação que o desprotege, infraestruturas e regulação de trânsito desadequadas, uma mentalidade vigente de alguma hostilidade por outros utilizadores das vias de comunicação e, sobretudo, falta de segurança, um direito fundamental previsto na nossa Constituição. Do ponto de vista da equidade, a gravidade desta falta de liberdade é acentuada pelo facto de a bicicleta ser acessível à população independentemente do seu nível de rendimento, ao contrário do automóvel, o modo de transporte que quase monopolizou a utilização do espaço público e que afasta dele utilizadores de bicicleta e diversos outros grupos. O assunto torna-se ainda mais grave se considerarmos as vantagens que o desbloqueamento das barreiras à utilização da bicicleta teriam para a nossa economia. Sobre este último assunto escrevi para a MUBi um artigo, que aqui replico:

A utilização da bicicleta melhora a economia de Portugal
A utilização da bicicleta em Portugal para fins utilitários catalisa um melhor desempenho económico do país.As condições deficientes para a utilização da bicicleta representam uma barreira à adoção deste modo de transporte. Tal como qualquer barreira à entrada de concorrentes, ela representa uma distorção no mercado da mobilidade. Essa distorção  causa ineficiência e um desempenho inferior da economia. As barreiras à utilização da bicicleta impedem o aproveitamento das suas diversas vantagens, incluindo várias que são economicamente tangíveis. Vejamo-las!
Menores custos de deslocação. Entre os modos de transporte mais utilizados e excluindo o andar a pé, a bicicleta é o mais barato, e de muito longe mais barato que o automóvel. Todos os custos incluídos, cada quilometro percorrido em bicicleta custa à volta de 10 vezes menos que de automóvel. Mais bicicleta representa menos despesa com a deslocação das pessoas, e mais rendimento disponível para outras atividades económicas.
Poupança de tempo Num raio de cerca de 5 km em meio urbano, a bicicleta é em média o modo de transporte mais rápido que existe[1]. Quando utilizada em conjunto com outros modos de transporte, o seu raio de acção com vantagem de tempo sobre outras opções de mobilidade pode aumentar para as centenas de km. A não utilização da bicicleta implica também um maior uso de automóvel, cuja utilização excessiva causa problemas de congestionamento e consequente empolamento das perdas de tempo dos utilizadores da infraestrutura. Estima-se que na Europa os custos do congestionamento representem 1% do PIB[2]. Estas perdas são ainda maiores considerando as necessidades de semaforização devido à presença do automóvel. As barreiras à utilização da bicicleta agravam assim negativamente a produtividade da economia por via da redução do tempo disponível para outras atividades.
Menores custos de construção e manutenção de infraestrutura A bicicleta implica custos de construção e manutenção de infraestrutura muito inferiores aos de outros modos de transporte. A bicicleta necessita de menos espaço, e menos solidez da infraestrutura. Cada automóvel provoca anualmente 20€ de custos variáveis em manutenção de estradas[3]. A utilização da bicicleta provocará uma redução dos custos de construção e manutenção de infraestrutura, e a inerente redução dos impostos necessários para os cobrir.
Melhoria do saldo da balança comercial O saldo negativo da balança comercial de Portugal tem sido um dos factores causadores da atual crise económica. Cerca de 20% das importações realizadas correspondem a petróleo e automóveis ligeiros de passageiros. A utilização da bicicleta irá aliviar este peso através de menos importações de petróleo e automóveis, contribuindo para o necessário equilíbrio da economia nacional.
Redução da dependência energética e risco de abastecimento A dependência energética de Portugal face ao exterior causa custos concretos no presente e custos potenciais no futuro. O petróleo que importamos provém de países com elevado grau de instabilidade política, e a escassez deste combustível e o desejável crescimento de economias emergentes resultará previsivelmente num aumento crescente do seu preço. Existem por isso riscos elevados de carências futuras de abastecimento e preços mais elevados. No presente, a presença destes riscos obriga à existência de mecanismos de proteção (como as reservas de petróleo), causando custos concretos. No futuro, potencia custos difíceis de prever. A utilização da bicicleta diminui a nossa dependência do petróleo e oferece um eficaz mecanismo de resiliência face a prováveis carências energéticas no futuro.
Indústria nacional e emprego A grande fatia da produção nacional relacionada com a utilização local dos transportes é capital-intensiva (concretamente, a refinação de produtos petrolíferos), o que significa que oferece oportunidades relativamente reduzidas de emprego comparativamente ao respetivo volume de negócios. A transição da atividade económica para outros setores cria oportunidades de emprego. Por outro lado, existe um potencial para aumentar o volume de negócios da importante indústria nacional de produção de bicicletas, a qual já representa 7% da produção de bicicletas a nível europeu[4](face aos nossos 2% de peso no PIB da Europa). Este tipo de produção industrial tem maior intensidade de trabalho do que as outras atividades de produção relacionadas com a utilização local do automóvel. Assim, da maior utilização da bicicleta em Portugal poderá esperar-se mais emprego.
Diminuição dos custos com saúde A bicicleta promove o exercício físico, que melhora a saúde e reduz a necessidade de recorrer aos serviços de saúde. Por oposição, a vida sedentária promovida pelo automóvel contribui para o agravamento dos custos de saúde. Um estudo empírico demonstrou que as pessoas que se deslocam de bicicleta para o trabalho têm um risco de mortalidade 40% inferior às restantes[5]. Adicionalmente, ao contrário do automóvel e de outros modos de transporte, a bicicleta é livre de emissões poluentes que danificam a saúde das pessoas. A utilização da bicicleta irá reduzir os custos do país com saúde.
Segurança e produtividade A preservação da integridade física dos portugueses tem impactos, também, na sua produtividade económica. Ao contrário do que é intuitivo pensar, o aumento da utilização da bicicleta aumentará a segurança. Está demonstrado que com o aumento de utilizadores de bicicleta vem a diminuição dos acidentes graves neste modo e entre outros modos de transporte. A alteração das regras de segurança (como os limites de velocidade) e do comportamento dos utilizadores do automóvel  promove o menor envolvimento destes em acidentes. A bicicleta potencia a produtividade também por via da segurança.
Bem-estar e produtividade Por razões de saúde, de menor índice de stress, e em geral de uma maior positividade perante a vida devido à autonomia e humanismo promovidos pela bicicleta, as pessoas que se deslocam de bicicleta são mais produtivas no seu trabalho. Estes benefícios de produtividade estendem-se também aos não utilizadores de bicicleta que beneficiam de locais mais agradáveis e saudáveis para viver. Por último, o estilo e qualidade de vida promovidos pela utilização da bicicleta são fatores de atração para o país de capital humano com elevado índice de criatividade e diferenciação.
Os efeitos positivos da utilização da bicicleta na economia são, como dizem os ingleses, uma constatação “no brainer”: os benefícios são tão evidentes que ela só não é mais utilizada devido a barreiras cerradas à sua utilização, legais, de infraestrutura e de mentalidade. Uma das medidas mais eficazes que se poderá tomar para a melhoria da nossa economia é, certamente, a remoção das barreiras à utilização da bicicleta.
1 Dekoster, Schollaert (1999) Cycling: the ay ahead for towns and cities, European Commission.
2 Christidis, Ibanez Rivas (2012) Measuring Road Congestion, JRC Technical Notes, IPTS.
3 HEATCO (2006), Developing Harmonised European Approaches for Transport Costing and project
Assessment, European Commission.
4 COLIBI – COLIPED (2012) European Bicycle Market.

5 Andersen L, Schnohr P, Schroll M and Hein H (2000) All-cause mortality associated with physical activity during leisure time, work, sports, and cycling to work, Archives of Internal Medicine, 160, pp. 161-168
Publicado 03-01-2013 MUBi.pt

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Debate constitucional

Pedro Pita Barros escreveu um breve comentário às declarações de Eduardo Catroga sobre a necessidade de haver uma revisão constitucional, relativamente ao qual eu publiquei uma resposta que acabou por ficar com tamanho suficiente para a colocar aqui:

«Concordo. Uma constituição, por definição, numa democracia liberal e num Estado de Direito, serve precisamente para impor limites ao exercício do poder, pelo que o argumento de que se deve alterar a constituição para impedir limites ao exercício desse poder é fraco quando formulado dessa forma.
Não nos seria possível viver sem constituição, no entanto. Uma constituição consiste, numa definição sumária, no conjunto de normas e princípios jurídico-políticos que rege uma determinada comunidade. Onde exista uma comunidade, existe uma constituição – que, aliás, não tem de ser escrita ou de alguma forma codificada (veja-se o Reino Unido).

Deste ponto de vista, aliás, que pessoalmente tendo a considerar a melhor forma de encarar as constituições, a própria União Europeia tem uma constituição – tal como uma qualquer associação (os seus estatutos).

De qualquer forma, de facto, o argumento de que a Constituição da República Portuguesa deve ser alterada porque dá jeito a um determinado Governo numa determinada altura não colhe. Também concordo que a Constituição deve ser alterada, mas por considerar que várias normas nela constantes são problemáticas por uma questão de princípio, por considerar que as coisas devem ser organizadas de forma diferente.

Outro argumento que também considero falacioso e que é muito invocado em debates constitucionais, que neste caso não foi mencionado mas que em outros casos é (veja-se o debate sobre inserir a regra de ouro na Constituição), é o argumento de que uma medida não pode ser inserida na Constituição por ser demasiado ideológica. Ora, a ideologia consiste precisamente num conjunto de ideias/princípios/valores sobre como se deve organizar a comunidade. Qualquer constituição tem subjacente uma determinada ideologia, mesmo que híbrida ou que resulte de diversos compromissos ao longo do tempo, que lhe confere a sua coerência.

Ou seja, um debate constitucional, como qualquer debate político, tem necessariamente cariz ideológico, de todos os lados. Isto não é algo de negativo. Negativo, aliás, é ver o debate político dificultado por afirmações que tentam esconder a ideologia que se lhes encontra subjacente, tentando passar por factual aquilo que é uma opinião e um julgamento de valor.

Concordo que os nossos constitucionalistas, e demais juristas, têm um papel importante a desempenhar neste campo. Mas também não podemos cair (e sei que não é isso que é sugerido) numa pura e simples aceitação daquilo que os (por vezes supostos) peritos dizem. É importante que, além da actuação pedagógica de constitucionalistas, exista uma população que tenha tido uma verdadeira formação para a cidadania, que a meu ver deveria incluir noções básicas sobre, pelo menos, a República Portuguesa e a União Europeia – o que, por definição, implicaria algum estudo, crítico, da Constituição.

O debate público tem de viver da capacidade dos cidadãos de nele intervirem de forma informada e crítica, além da participação de peritos em determinados assuntos. Claro que nunca chegaremos a um mundo ideal com debates públicos perfeitos e cidadãos plenamente informados, mas pelo menos o desenvolvimento do espírito crítico seria muito relevante – especialmente quando, com a Internet, a informação está aí ao virar da esquina.»

Black Rebel Motorcycle Club - Beat The Devil's Tattoo



Feliz Ano Novo!

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Inconstitucionalidades em França

Numa altura em que o Presidente da República enviou diversas normas do Orçamento do Estado para 2013 para serem analisadas pelo Tribunal Constitucional, não deixa de ter alguma piada ler notícias sobre a declaração de inconstitucionalidade de algumas medidas fiscais de François Hollande (e, indirectamente, sobre os níveis de inconstitucionalidade em França). (Uma versão da notícia em português pode ser lida aqui, e aqui fica também um artigo do Guardian sobre o tema.)

De notar que o Conselho Constitucional não declarou a inconstitucionalidade da taxa de 75% com base na taxa em si, mas sim na forma como era calculada a base de incidência do imposto. De notar ainda o impacto orçamental da medida, bem como os níveis a que chegam os impostos em França. Finalmente, é sempre engraçado ver a Esquerda defender o «patriotismo» de pagar impostos, enquanto reclama contra aqueles que «desistem do país» - que é a melhor forma das pessoas começarem a pensar que o país desistiu foi delas.

François Hollande lá vai continuando o seu passeio pela realidade, enquanto a França continua também em crise. Não bastou François Hollande ser eleito para o mundo mudar, o crescimento surgir, e a crise acabar, e não é por António José Seguro ir a França falar com François Hollande que podemos ficar descansados que a situação portuguesa iria melhorar - basta ver a posição do Governo francês relativamente à ideia de Portugal ver menos oneradas as condições para os seus empréstimos.  

François Hollande ganhou as eleições contra Nicolas Sarkozy com uma mão cheia de medidas emblemáticas e grandes juras de amor ao investimento público. As medidas emblemáticas provaram ser o que eram. Os cortes na despesa mostraram-se incontornáveis. O Governo francês aplicou uma desvalorização fiscal. E, em parte, vários aumentos de impostos foram agora declarados inconstitucionais.

É evidente que não se podia esperar de François Hollande que resolvesse todos os problemas da França em tão pouco tempo. Mas a rapidez com a qual acabou «apanhado» pelos bitaites que mandou quando teve de governar foi a esperada - da mesma forma que pouco se ouve falar nas «gorduras do Estado» em Portugal por parte do PSD ou do CDS-PP (ou mesmo do PS). Governar é bem diferente de mandar bitaites, inventar «slogans» e ganhar eleições. Governar implica fazer escolhas e tomar medidas, algumas impopulares - e, em tempos de crise, muitas delas provavelmente impopulares.

As inconstitucionalidades em França vêm, de qualquer forma, lembrar que também aumentos de impostos podem ser declarados inconstitucionais - e que essas declarações de inconstitucionalidade têm impacto político, mesmo quando estão em causa apenas medidas emblemáticas (e mesmo que o cerne da questão não tenha sido o valor da taxa ser 75%).

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

O pensamento mágico

O pensamento mágico é muito aberto. Tão aberto que entra lá tudo e mais alguma coisa, excepto aquilo que é previsível e empiricamente demonstrável. Entra, principalmente, a noção de que basta acreditar e querer muito para as coisas acontecerem.

O pensamento mágico é tentador. É aplicado a tudo e mais alguma coisa, por entre insultos e acusações a quem tente manter os pés assentes na terra. Aplicado à Economia, resulta no princípio de que existem almoços grátis. Aplicado ao Direito, resulta na ideia de que o risco pode ser eliminado. Em Medicina, resulta na abundante venda de banha da cobra.

O pensamento mágico é perigoso. Cria ilusões e evita que problemas sejam resolvidos, a nível individual ou colectivo. A supressão da racionalidade facilita a submissão acrítica a todo o tipo de crenças, bem como o seguidismo puro e duro. Os problemas ficam por resolver, com tendência para piorar, e as pessoas ficam convencidas que tudo está bem.

Aqueles que promovem o pensamento mágico podem genuinamente acreditar no que dizem ou simplesmente estar a aproveitar-se. Em ambos os casos, aquilo que fazem é um problema, que pode facilmente destruir vidas, sem que ninguém seja responsabilizado.

O pensamento mágico não nos vai tirar da crise. As ilusões são agradáveis, certamente, por fingirem tornar simples problemas que são complexos. Mas os problemas não são simples por nós querermos e acabamos sem os resolver.