segunda-feira, 30 de abril de 2012

Ainda o Tribunal de Portalegre

O leitor Tino Dantas encontrou aquilo que procurávamos - a decisão do Tribunal! - e muito simpaticamente colocou-nos o «link» no Facebook.

Também o vou colocar aqui (caso queira saltar a notícia, clique aqui), para quem tenha interesse.

Ainda não consegui ler tudo como deve ser, mas espero conseguir fazer uma análise em breve (possivelmente, poderei também aproveitar para falar mais das figuras jurídicas mencionadas, de forma a que todos entendam - a área da «divulgação do Direito», ao estilo da «divulgação científica», é um tema de que ando a querer falar mas ainda não falei).

O Apache Luis Naves sobre França!

Prefiro muitas vezes dar a ler os outros, mesmo que não concorde a 100% com eles do que produzir conteúdo inócuo.
Uma boa análise de Luis Naves do Forte Apache sobre a questão da austeridade e as eleições em França.

Aqui.

domingo, 29 de abril de 2012

A sentença de um juiz de Portalegre

Foi publicada ontem no DN um notícia relativa a uma sentença de um juiz de 1ª instância de Portalegre, que terá decidido que a entrega da casa seria suficiente para saldar o empréstimo à habitação que os devedores contrairam.

Leia-se aqui a notícia:

http://www.dn.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=2446449


e em maior desenvolvimento aqui:

http://economia.publico.pt/noticia/tribunal-diz-que-entrega-da-casa-ao-banco-salda-toda-a-divida-1543931


Esta decisão está a ser considerada importante, pois poderá criar uma nova linha de raciocínio a que outros tribunais podem aderir (como o João C. Mendes já referiu neste blogue, a jurisprudência deste tribunal não vincula outros , ficando para outro dia a minha opinião sobre a forma como a imprensa apresenta notícias de "teor jurídico").

Não tive acesso à sentença, nem conheço alguém que tenha tido. Assim, falta um elemento fundamental para debater o assunto do ponto de vista jurídico, se bem que talvez haja algo que já é possível dizer do ponto de vista económico e das expectativas das pessoas que tenham contraído e/ou que no futuro venham a contrair créditos à habitação.

Na sequência desta notícia, vi surgir uma série de comentários na internet sobre a sentença, todos a favor da decisão deste juiz de Portalegre, por ex:

http://boasnoticias.clix.pt/noticias_Portalegre-Entrega-de-casa-liquida-empr%C3%A9stimo-_10893.html

ou ainda

http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=2447034&seccao=Ferreira%20Fernandes&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco

Custa-me a perceber como é que ninguém tentou equacionar os vários lados da questão (isto é: porque deve responder a totalidade do patrímónio dos devedores pela dívida e não apenas a habitação dada como garantia?) e as consequências da adopção generalizada do entendimento do tribunal de Portalegre por outros tribunais.

Na decisão de concessão de crédito tudo se reduz a uma medição de risco. O risco será tanto maior quanto menos garantias os devedores oferecerem.

Ora, o banco, como qualquer credor, procura sempre ter as melhores garantias possíveis do seu lado, designadamente, hipotecas (essencialmente por: a) garantirem dívidas específicas b) dando a certos credores (os credores hipotecários) prevalência em relação a outros créditos, entre outras vantagens.

O banco terá contado (para este e para todos os financiamentos semelhantes), na sua análise de risco, com o restante património do devedor e não apenas com o valor do imóvel (que com a generalização desta decisão passaria a constituir a única e total garantia de ressarcimento do crédito ao banco).

Análises que agora estariam, inelutavelmente, erradas.

O facto de apenas o imóvel responder pelo incumpimento de um financimento para a habitação deverá fazer com que o risco de incumprimento dos empréstimos (concedidos e a conceder) suba consideravelmente (menos património que garanta os empréstimos) e que os bancos tenham de fazer uma de várias coisas:
1) Emprestem significativamente (ainda) menos (ou exigindo entradas maiores ou recusando, tout court, o empréstimo);
2) Aumentem significativamente as taxas de juro cobradas;
3) Exijam mais garantias aos devedores ou a terceiros (cujos custos correrão, certamente, pelos devedores).

Chegados a este ponto vemos um paradoxo interessante na opinião pública:

Ora, por um lado, quer-se que os bancos coloquem liquidez na economia (falta financiamento às empresas, às famílias, etc...), por outro, diminuem-se as garantias do crédito cuja análise de risco tinha em conta a totalidade do património dos devedores (e que neste caso, possivelmente, significaria não ter emprestado os montantes em causa ao casal).

Parece, por tudo isto, que este é um problema sensível e complexo.

De um lado, a possibilidade de amenizar, em casos limite, as dificuldades sociais que resultam da incapacidade das pessoas cumprirem as obrigações de financiamento contratadas numa altura de crise, e por outro, que acautele também as preocupações das instiuições financeiras de forma a que continue a existir um certo financiamento à economia (e se garanta a solvabilidade dos bancos que, todos sabemos, se tiverem problemas financeiros terão de ser pagos pelos contribuintes).

Parece-me, por tudo isto, que a complexidade e as ramificações deste tipo de situações carecem de uma reflexão pelo poder legislativo, não parecendo correcto imputar ao poder judicial essa responsabilidade.

O que mais me surpreendeu, confesso, foi certeza e a facilidade com que vi tratar este assunto nos media. Tratar um assunto complexo e potencialmente com capacidade para abalar maior sector de crédito do país com palavras de ordem é, geralmente, mau sinal.

PS- Este é o meu primeiro post no Cousas Liberaes, blogue que acompanho desde o seu início. Agradeço o convite para contribuir, o que tentarei fazer com a assiduidade possível.

sábado, 28 de abril de 2012

Entregar a casa - III

[DESACTUALIZADO - não vou retirar o artigo, mas está totalmente desactualizado neste momento, visto que finalmente, devido ao leitor Tino Dantas, finalmente tivemos acesso àquilo de que está a tratar.]

http://expresso.sapo.pt/tribunal-decide-que-entrega-de-casa-ao-banco-salda-divida=f722228

Parece que não é preciso criar um sistema de precedente em Portugal. Segundo os nossos jornais, já existe. E mais - basta um tribunal de primeira instância de decidir de uma maneira e «faz jurisprudência».

Espalha-se tudo isto, mas em Portugal não há sistema de precedente. E mesmo que houvesse, não é assim que funciona o precedente. O precedente não se cria em tribunais de 1.ª instância e com «wishful thinking» da imprensa.

E seria pedir muito que os jornais não citassem apenas outros jornais e fizessem investigação própria?

Mas parece, segundo esta peça, que o que o tribunal decidiu foi mesmo que entregar a casa é suficiente - e caso contrário há um «enriquecimento injustificado».

Fica por saber porque é que o Tribunal considera que existe esse «enriquecimento injustificado».

Entregar a casa - II

[DESACTUALIZADO - não vou retirar o artigo, mas está totalmente desactualizado neste momento, visto que finalmente, devido ao leitor Tino Dantas, finalmente tivemos acesso àquilo de que está a tratar.]


http://www.dn.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=2446449

«Sentença inédita no tribunal de Portalegre, já definitiva, pode fazer doutrina e salvar muitas famílias à beira de perder teto. 

Um juiz do tribunal de Portalegre decidiu que em caso de incumprimento, a entrega de casa ao banco liquida todo o empréstimo em dívida. E esta decisão pode vir a fazer toda a diferença para muitas famílias, num momento em que estão a ser entregues 25 casas por dia aos bancos por pessoas sem capacidade para continuar a pagá-las.» (Não li o resto, não comprei o DN.)

Bom, aqui já «faz doutrina». Não sei como é que vai salvar imensas famílias, mas o jornalista lá saberá.

O que seria útil?

Um PDF da sentença.

Seria pedir muito ter acesso a um PDF da sentença?

Até porque se já transitou em julgado (gostava de saber porque é que o banco não recorreu), não devia ser difícil pedir uma cópia da sentença, para se perceber o que estava em causa e como é que o juiz decidiu o que decidiu.

Entregar a casa ao banco não liquida empréstimo

[DESACTUALIZADO - não vou retirar o artigo, mas está totalmente desactualizado neste momento, visto que finalmente, devido ao leitor Tino Dantas, finalmente tivemos acesso àquilo de que está a tratar.]


Li o título desta notícia e achei estranho:


Isto não está de acordo com a lei portuguesa, que diz (simplificando) que se se entregar a casa ao banco e o valor da casa for inferior ao valor do empréstimo, é preciso pagar o que falta. 

Entretanto, li a notícia. Descubro que o título é profundamente enganador. O que está em causa é o momento da avaliação da casa. Ou seja, a regra mantém-se a mesma - não basta entregar a casa ao banco para liquidar o empréstimo. O que está em causa na decisão é o momento da avaliação da casa para saber qual o valor a considerar para efeito de liquidação do empréstimo - e isto não é a mesma coisa.

(Se a decisão for aquela que está na notícia, sem mais, tenho sérias dúvidas em aceitar que seja «enriquecimento injustificado» [terá o tribunal falado de «enriquecimento sem causa»?] querer avaliar a casa no momento em que esta vai ser entregue para ver se cobre o valor do empréstimo. Certamente essa decisão será agradável para quem se queira livrar do empréstimo - mas isso não a torna justa por definição.)

Mas há mais! A notícia diz que a decisão poderá «fazer jurisprudência noutros casos». Ora, em Portugal não há precedente. Isso não impede os tribunais de, apesar disso, acabarem a seguir as mesmas correntes interpretativas. Mas a decisão não se torna um precedente, que é o que fica implícito com aquela notícia. Simplesmente, os tribunais fazem isso.

Mas vejam só: o Bloco de Esquerda, que quer que a entrega de casa ao banco seja suficiente para liquidar o empréstimo, emitiu um comunicado, que diz o mesmo que a notícia, incorrendo naquilo que me parecem exactamente os mesmos erros. 

Fiquei curioso de ler a sentença do Tribunal de Portalegre. É que com este nível de notícias, uma pessoa fica com a ideia de que, de facto, essa sentença existe (não chegariam ao ponto de a inventar). Mas quanto ao conteúdo, é mesmo preciso ler.

EDITADO: Ver aqui a parte 2.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Insider Trading Político!

Um ex-secretário de estado, Henrique Gomes critica neste momento, o acesso priviligiado, de um ex-ministro das Obras Públicas que é actualmento CEO da EDP, a um estudo encomendado à Universidade de Cambridge.

Noticia aqui.

Isto é, António Mexia, defendeu a sua Dama e bem, com conhecimento de informação que ainda não era do domínio público. 

Quem lhe terá telefonado? 

Como eleitor, contribuinte e consumidor de electricidade, gostaria de saber se existiu insider trading político.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

A discriminacao dos muculmanos na Europa

A discussao e importante: a Amnistia Internacional (AI) publicou um estudo no qual defende que os muculmanos sao discriminados na Europa. Analisou uma serie de paises e focou-se no acesso ao emprego e a educacao. Ainda nao li o estudo, que e extenso (115 paginas) e nao tem executive summary, mas ja tive oportunidade de ler uma resposta muito interessante, escrita por uma professora belga (um dos paises analisados pela AI).  Nao o reproduzo aqui, porque esta em frances e a reproducao requer autorizacao, mas pode ser consultado nesta pagina.

Nota: obrigado ao Igor Caldeira pela divulgacao via Facebook.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Defendamos a democracia

Vivemos em democracia.

As democracias são regimes que exigem muito de quem lá viva porque vivem em permanente tensão. Vivem da troca e do confronto de ideias díspares sobre a organização da sociedade. Estão constantemente sujeitas a desvarios populistas e à própria degeneração em ditaduras.

Nada é eterno. As democracias não são eternas. Não podemos dar a nossa por adquirida. Não podemos dar por adquirido que seja possível pela força do voto, e não das armas, trocar os Governos. Não podemos dar por adquirido que seja possível debater livremente, livrando-nos do pensamento único coercivamente imposto.

Há quem se auto-proclame representante do povo - quer à esquerda, quer à direita - e reclame novas revoluções. Acontece que vivendo nós numa democracia, não precisamos de novas revoluções para mudar as coisas. E há coisas que, de facto, precisam de ser mudadas. Muitas, até. E há diferenças de opinião sobre o rumo a seguir.

É dessas diferenças de opinião que vive a democracia. Disso, e da possibilidade de haver alterações políticas de modo pacífico. Há quem pense que as democracias apenas são democracias quando está no poder a facção com a qual se concorda. A partir do momento em que está o outro lado no poder, passamos a viver em ditadura.

Este tipo de tomada de posição mina a democracia pela base. E enquanto supostos defensores da democracia se entretêm a trocar acusações sobre o quão vis são as intenções da parte contrária, aqueles que querem de facto acabar com o pluralismo e com as liberdades conquistadas, instaurando novo regime autoritário, esfregam as mãos de contentes.

Enquanto os democratas se consomem uns aos outros, os extremos aproveitam. E quando os democratas começam a ceder aos extremos, adoptando as suas posturas e cavalgando nas suas batalhas, os extremos anti-democráticos vencem sem ter qualquer necessidade de sequer eleger alguém. Venceram a batalha principal: a batalha pelo centro político.

Defender a democracia é muito mais exigente do que se possa pensar. Exige ser capaz de aceitar que haja gente bem intencionada e que mesmo assim pretende aplicar políticas com as quais nada se concorda. Exige ser capaz de aceitar que terá legitimidade para o fazer. Exige ser capaz de lidar com estar em minoria no Parlamento e mesmo assim defender essa instituição de ataques populistas.

Defendamos a democracia. Defendamos o pluralismo.

A democracia não se defende a si própria. E se nos esquecermos de a defender, aí sim, ela cai.

25 de Abril de 1974

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Os donos da democracia somos todos nós

A Associação 25 de Abril, Manuel Alegre e Mário Soares consideram-se donos da democracia em que vivemos. Mais: consideram que a aplicação de um programa económico e financeiro com o qual não concordem significa que deixamos de viver em democracia.

Nos EUA também há um conjunto de pessoas que se consideram «donos» da democracia e da constituição. A atitude é essencialmente a mesma: demonizar o lado contrário e dizer que tudo o que esse lado faz é ilegítimo, anti-democrático, destruidor de liberdades, etc.

Claro que, tendo os fundadores dos EUA morrido há dois séculos, a situação está em níveis diferentes. No caso português, há pelos vistos conjuntos de indivíduos que se consideram donos pessoais do regime e da democracia portuguesas pelos simples facto de terem vivido o 25 de Abril de 1974. Nos EUA, naturalmente, ninguém mentalmente são reclama a condição de dono do regime nos mesmos termos.

Mas em ambos os lados do Atlântico, grupos vários de pessoas esquecem-se que não são donas da democracia nem da constituição. Cá, temos gente de esquerda. Lá, temos gente de direita. Defendem que só um programa tem legitimidade democrática e constitucional: o deles. Todos os outros não têm, nem podem ter.

Esquecem-se que democracia plural em que vivemos não se reduz às opiniões de uns ou de outros. Vive, precisamente, do confronto entre as várias tendências e opiniões. Não lhes pertence apenas a eles, pertence a todos, por muito antagónicas que sejam as posições defendidas.

Há democracias em que o pluralismo não é bem visto. Não são democracias em que eu queira viver.

Bom dia

E a isto juntou-se isto

domingo, 22 de abril de 2012

Da importância da retórica perante o pai natal

Em continuidade do meu colega João Mendes:

«Um debate de ideias frutuoso é informativo e esclarecedor, levando a que se compreendam melhor as várias posições em disputa. Chamar ao lado contrário «ingénuo» pouco ajuda neste contexto. Principalmente quando aquilo a que se está a chamar uma posição ingénua não passa de uma descaracterização da posição efectivamente assumida pela parte contrária.»

Pedir a definição prévia das regras do jogo no debate, para que ele seja esclarecedor e produtivo, é sempre controverso. Ou não teremos nós direitos a nos expressarmos como bem desejamos sobre que assunto seja, mesmo que de forma criticável? Quem está na posse de uma tal autoridade, a ponto de ter  licença para impedir alguém de falar da pior maneira possível sobre a melhor das pessoas que exista? Um limite à liberdade de expressão não se pode encontrar quer na sua forma quer no seu conteúdo, correndo o risco de se contradizer com o princípio da própria.

Consequentemente é forçoso questionar, se é possível defender uma opinião perante atitudes que espelham mais as falhas de carácter do orador que os seus erros discursivos. Acredito na resposta é positiva. Se o erro está no carácter, que ele seja sublinhado e o que ele disser é enfraquecido. Se o erro está no que é dito, que ele seja contra argumentado e o que ele disser é igualmente enfraquecido. E também a nossa apresentação como possuidores de um carácter oposto, e a construção dos nossos contra-argumentos com as virtudes discursivas opostas às do nosso opositor: Se o erro está no carácter, pareceremos melhores, e o que dissermos será fortalecido. Se o erro está no que é dito, o que dissermos aparecerá melhor, e é igualmente fortalecido. E à audiência resta julgar as ideias em discussão, sendo contrabalançados, de uma das quatro formas sugeridas, os ataques que, em nossa opinião, são dignos de censura, mas que são dignos de respeito, em opinião da lei.

Existindo licença para tudo dizer, há necessidade de uma maior formação no que é dito. É necessário construir melhores argumentos, e apresentá-los de modo mais convincente. A situação apresentada por João Mendes apenas reforça esta questão. Podemos criticar o que é dito, não podemos censurar o falar.

E ainda:

Mas a retórica é útil porque a verdade e a justiça são por natureza mais fortes que os seus contrários. De sorte que, se os juízos não se fizerem como convém, a verdade e a justiça serão necessariamente vencidas pelos seus contrários, e isso é digno de censura. Além disso, nem mesmo se tivéssemos a ciência mais exacta nos seria persuadir com ela certos auditórios. Pois o discurso científico é próprio do ensino, e o ensino é aqui impossível, visto ser necessário que as provas por persuasão e os raciocínios se formem de argumentos comuns, como já tivemos ocasião de dizer nos Tópicos a propósito da da comunicação com as multidões. Além disso, é preciso ser capaz de argumentar persuasivamente coisas contrárias como acontece nos silogismos; não para fazer uma uma e outra coisa - pois não se deve persuadir o que é imoral - mas para que não nos escape o real estado da questão e para que , sempre que alguém argumentar contra a justiça, nós próprios estejamos habituados a refutar os seus argumentos. Ora nenhuma das outras artes obtém conclusões sobre os seus contrários por meio de silogismos a não ser a dialéctica e a retórica, pois ambas se ocupam igualmente dos contrários. Não porque os factos de que se ocupam tenham igual valor, mas porque os verdadeiros e melhores são pela sua natureza sempre mais aptos para os silogismos e mais persuasivos. Além disso, seria absurdo que a incapacidade de defesa física fosse desonrosa, e não o fosse a incapacidade de defesa verbal, uma vez que esta é mais própria do homem do que o uso da força física.
E se alguém argumentar que o uso injusto desta faculdade da palavra pode causar graves danos, convém lembrar que o mesmo argumento se aplica a todos os bens excepto à virtude, principalmente aos mais úteis como a força, a saúde, a riqueza e o talento militar; pois, sendo usados justamente, poderão ser muito úteis, e, sendo usados injustamente, poderão causar grande dano.

Aristóteles, Retórica. Trad. Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena, 4ª edição, Lisboa, INCM, 2010, 1355a-1355b.

sábado, 21 de abril de 2012

Acreditar no Pai Natal e a Democracia

Há por aí quem ache que chamar aos outros «idealista» é essencialmente o mesmo que chamar-lhes «ingénuo». Neste caso, o objectivo é enfraquecer a posição do outro reduzindo-a implicitamente (ou até explicitamente) a um desejo irrealizável e que não assenta na realidade. Geralmente isto segue-se à apresentação de uma caricatura da posição da outra parte (ou até uma descaracterização) ou à apresentação de uma série de «argumentos» que mais não são do que dizer ao público aquilo que o público quer ouvir.

Neste caso, a pessoa que diz que o outro é «ingénuo» (ou «idealista) não nega necessariamente que ela própria tenha uma ideologia. O que faz é apresentar-se como eminentemente pragmática, como uma pessoa que tem em conta a realidade, aquilo que acontece, todas as provas disponíveis, enquanto que o outro apela a «ideais» teóricos muito bonitos, mas que não funcionam no mundo real. E portanto, não acusa necessariamente a outra ideologia de ser ilegítima, mas torna claro que é essencialmente o mesmo que acreditar no Pai Natal.

Claro que, ao essencialmente acusar o outro lado de acreditar no Pai Natal, depois de apresentar uma descaracterização daquilo em que a outra parte defende, aquilo que se acabou de fazer é a mais pura das demagogias e dos populismos. Faz-se apelo ao «senso comum» e às ideias feitas deste mundo e a falácias para obter aplausos, mas não se apresentam argumentos contra a posição contrária. Esta é simplesmente menorizada, menorização essa que pode até ser acompanhada de um paternalista e arrogante apelo a que no futuro a ingenuidade/o idealismo desapareça e seja substituída por uma boa dose de realismo - ou seja, seguir a opinião do outro.

O valor acrescentado deste tipo de tomada de posição em termos de debate público é bastante reduzido. No entanto, são perfeitamente expectáveis, de todos os lados da barricada. Isto porque todos esses lados vão considerar que o outro lado é «idealista» e que aquilo que defende é equiparável a acreditar no Pai Natal.

Mas o principal problema está, a meu ver, na descaracterização constante que se faz da posição contrária em debates (e eu não reclamo perfeição a este respeito, embora tente conhecer os vários argumentos dos vários lados de forma razoável, na medida do possível) - é que essa descaracterização constante impede uma verdadeira troca de ideias. Em vez disso, ficamos com vários monólogos que em vez de responderem aos argumentos do outro lado, os descaracterizam pura e simplesmente.

Um debate de ideias frutuoso é informativo e esclarecedor, levando a que se compreendam melhor as várias posições em disputa. Chamar ao lado contrário «ingénuo» pouco ajuda neste contexto. Principalmente quando aquilo a que se está a chamar uma posição ingénua não passa de uma descaracterização da posição efectivamente assumida pela parte contrária.

Os Dias do Fim da Liberdade de Circulação?


Numa carta conjunta à presidência do conselho europeu, os ministros do interior francês e alemão propuseram que os estados membros do espaço Schengen pudessem fechar as suas fronteiras por um período de trinta dias de modo a conter vagas de imigração caso um dos outros estados membros falhe as suas obrigações no que diz respeito ao controlo fronteiriço. O tratado prevê que só as fronteiras externas do espaço sejam vigiadas, sendo que internamente os cidadãos podem circular livremente. Até agora competia à Comissão decidir se um estado poderia ou não fechar as suas fronteiras, como sucedeu em Portugal durante o Euro 2004. Quando o ano passado a Dinamarca decidiu incorporar controlos fronteiriços ouviu-se muito barulho dos restantes estados membros mas nenhuma acção concreta, como de costume. Desta vez temos os dois pesos-pesados europeus a contemplar a ideia, mesmo que seja apenas vinda de dois ministros. Nestes dias de atmosfera apocalíptica para o projecto europeu seria de esperar que se começassem a ouvir vozes favoráveis à abolição deste ou daquele pilar da UE e este concretamente é dos mais importantes. Para mim pessoalmente é provavelmente o mais importante. Mais até do que poder viajar sem trocar de moeda (nalguns estados, pelo menos) é a possibilidade de poder viajar sem passaportes e controlos fronteiriços e de não me ter que preocupar com limites à minha estadia (este último não verdadeiramente dependente do tratado em questão). Como se voar hoje em dia não fosse já suficientemente insuportável, mais um controlo não ajudará de certo. Em breve quem sabe também já nem poderei abastecer o carro em Espanha quando me encontrar perto da fronteira.

Essencialmente, isto demonstra mais uma vez a necessidade de um controlo fronteiriço verdadeiramente europeu, ou seja em vez de serem os estados limítrofes e com fronteiras marítimas a exercer o controlo, mesmo que sob regras comuns, seria desejável ver uma polícia fronteiriça comum para que não fossem necessárias estes birras ocasionais quando a França se mostra insatisfeita com as vagas de imigrantes provenientes do norte de África que chegam à Itália. Para além disso serviria para fortalecer muito mais a liberdade de circulação já que dificultaria atitudes unilaterais como a da Dinamarca que tal como esta recente carta, são apenas actos de cariz eleitoralista. Obviamente que este tipo de propostas não são feitas, ou se o são não se ouvem pois é naturalmente um terrível atentado à soberania dos estados. Se estes já abdicaram de fronteiras dentro do espaço é questionável o que mais teriam a perder com a medida. Um artigo do semanário Spiegel acaba com a lamentação de que estas medidas nos aproximarão da Grã-Bretanha, cujas obsessões com a fronteira são aparentemente motivo de gozo por parte do continente. Se já nem da Inglaterra podemos rir, a que estado teremos nós chegado...


Notícia aqui.

Asneiras que Iremos Fazer?

Às vezes, não é preciso escrever muito para se estar certo.
Temo que o texto linkado aqui, de João Miranda, do Blasfémias sobre as asneiras que ainda não fizemos em termos económicos, será para alguns um guião nos próximos tempos.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Iniciativa Legislativa dos Cidadãos (Em Portugal)

Em Portugal, existe a possibilidade de um conjunto de cidadãos não eleitos apresentar na Assembleia da República uma proposta de lei, a «iniciativa legislativa dos cidadãos».

A iniciativa legislativa dos cidadãos encontra-se, em primeiro lugar, prevista na própria Constituição:

"Artigo 167.º 
Iniciativa da lei e do referendo 

1. A iniciativa da lei e do referendo compete aos Deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo, e ainda, nos termos e condições estabelecidos na lei, a grupos de cidadãos eleitores, competindo a iniciativa da lei, no respeitante às regiões autónomas, às respectivas Assembleias Legislativas.
(...)"

A lei de que fala o art.º 167.º é a Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho.

Quem ler a referida lei notará que existem alguns limites à utilização desta faculdade por parte dos cidadãos, incluindo, por exemplo:
(i) A necessidade de recolher 35.000 assinaturas;
(ii) Limites relativos ao objecto material da proposta (por exemplo, não podem ser propostas alterações constitucionais);
(iii) A necessidade de dar o número de cartão de eleitor.

Há quem pense, e eu concordo, que estes requisitos devem ser alterados.

Quanto às 35.000 assinaturas, o número é claramente excessivo. As 7.500 propostas, o número necessário para que alguém se candidate a Presidente da República, afigura-se um número bem mais razoável.

Quanto aos limites relativos ao objecto material, não consideram que tenha sido por aí que a figura não foi muito usada (penso que o primeiro entrave teve muito mais impacto), mas também não me choca que existam propostas de cidadãos à Assembleia da República nas várias matérias cobertas pelo actual art.º 164.º da Constituição, pelo que se poderia eliminar a alínea d) do art.º 3.º da Lei acima mencionada sem que me parece existir grandes problemas.

Continuando pela lista, o número de cartão deixou de fazer sentido agora que o recenseamento é automático e que existe o cartão do cidadão. Deixar de ser necessário dar este número faz todo o sentido.

Finalmente, propõe-se que seja possível fazer a recolha de assinaturas por via electrónica o que, a meu ver, é do mais elementar bom senso.

Para quem esteja interessado nesta ILC sobre ILCs, basta clicar no «link» acima ou aqui.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

TED: Frans de Waal: Moral Behavior in Animals

Ver aqui. Vale a pena ver.

Já aqui escrevi sobre reciprocidade. Fica também o link.

Precedente

Em Portugal, não há sistema de precedente. Há «acórdãos de uniformização de jurisprudência», mas não é a mesma coisa.

Ora, o precedente parece-me ser a melhor solução se quisermos ter um ordenamento jurídico único à escala nacional. Ao invés, o sistema português cria a maior das confusões, com tribunais a decidir de forma diferente em situações análogas simplesmente por seguirem doutrinas diferentes.

Dir-me-ão, aqueles que conhecem o sistema, que existem os tais «acórdãos de uniformização de jurisprudência». Pois existem. Mas tendo em conta que se reconhece que existe esse problema, que tal criar uma solução bem mais simples: as decisões dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça têm de ser seguidas quer pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça, quer pelos tribunais inferiores, em situações análogas.

Assim, os Tribunais de Primeira Instância e os Tribunais da Relação teriam imediatamente de seguir as indicações do Supremo Tribunal de Justiça a partir do momento em que existisse um caso que decidisse uma situação análoga à situação que se encontrasse perante eles. E o Supremo Tribunal Justiça poderia alterar o sentido do precedente mas, claro, teria sempre de o fundamentar.

No fundo, a última palavra sobre a interpretação e aplicação da lei em Portugal seria sempre o Supremo Tribunal de Justiça, e os outros tribunais teriam de a seguir. Penso eu que isto ajudaria a acabar com as variações que se vêem por aí, muitas vezes assentes em os juízes seguirem doutrina diferente (leia-se, Professores de Direito diferentes), e parece-me estar mais de acordo com o princípio da igualdade (tratar igual o que é igual; tratar de forma diferente o que é diferente, na medida da diferença) - a lei passaria a ser igual para todos, não variando de acordo com o tribunal em que se interpusesse a acção.

Claro que, até se estabelecer um precedente, poderia existir variação. Mas não seria necessário um recurso extraordinário para lidar com isso. Bastaria que o Supremo decidisse uns quantos casos sobre o tema. A questão ficaria mais assente e a posição do Supremo teria de ser seguida.

(Não entro aqui em conta com o Tribunal Constitucional para não complicar demais o artigo. Mas se alguma vez escrever um artigo mais extenso sobre este tema, como gostaria, também falarei da possibilidade de extinguir o Tribunal Constitucional e alterar a forma de designação dos juízes do Supremo. Mas fica para outra altura.)

terça-feira, 17 de abril de 2012

O colapso da civilização ocidental

Primeiro decidimos quais as características que queremos generalizar a um conjunto alargado de pessoas para criar uma «civilização». Depois anunciamos ao mundo que essas características que nós definimos estão em risco de ser destruídas por críticas internas e por ameaças externas. E no fim temos mais um anúncio do colapso da civilização ocidental.

O alarme contra críticas internas é um apelo ao conformismo. O alarme contra ameaças externas é um apelo ao medo, e portanto à obediência em busca de segurança. Portanto, de novo, é um apelo ao conformismo: aliás, pensar pela nossa própria cabeça parece ser uma constante ameaça à «civilização ocidental». Põe em causa as suas tradições e os seus valores.

A parte problemática é que, pensava eu com os meus botões, cada um poder pensar pela sua própria cabeça é um valor relevante a preservar. A liberdade de quem pensa pela sua cabeça se poder exprimir livremente também. E isto inclui críticas a todo o tipo de tradições possíveis e imaginárias, caso contrário estamos a subordinar a liberdade de expressão à necessidade de nos conformarmos à norma - e isto é a sua negação.

O pluralismo e a crítica constantes podem gerar sistemáticas crises de valores. Mas é precisamente esse pluralismo e essa crítica que estão na base de uma sociedade heterogénea e que portanto se torna bem mais capaz de se adaptar a choques externos e a lidar com questões internas. O pluralismo e a crítica são, também eles, algo a preservar e a defender dos constantes apelos ao conformismo e à homogeneização.

domingo, 15 de abril de 2012

Em constante transição (I)

Cada ser humano está em permanente transformação ao longo de toda a sua vida. As nossas células vão-se substituindo e nós vamos mudando, afectados que somos pelas nossas experiências. Uma pessoa não é um ente estático. É um ente em constante transição.

E se é um ente em constante transição, até que ponto é que decisões tomadas no passado devem vincular um determinado indivíduo no futuro? Até que ponto é que o «eu» passado tem legitimidade para vincular o «eu» futuro de forma atendível pela sociedade em geral? 

Até que ponto é que o «eu» futuro tem legitimidade para se desvincular de promessas feitas pelo «eu» passado? Até que ponto as nossas transformações internas, e não apenas circunstâncias externas, devem ser tomadas em consideração nas relações que mantemos com os outros?

Aliás, até que ponto é que se pode falar de um só «eu» ao longo do tempo? 

Para responder a estas questões, é preciso não esquecer que também os outros são entes em constante transição e que também as suas expectativas devem ser tuteladas. É preciso ter em consideração o impacto na sociedade em geral da norma. É preciso ter em atenção que as pessoas vão revelando as suas preferências nas suas acções e na forma como auto-regulam o seu comportamento. É preciso ter em atenção que objectivos se pretende atingir.

Mas ficam as perguntas. E as respostas vão sendo dadas, um pouco por todo o lado, à nossa volta. Sempre e em constante transição.

sábado, 14 de abril de 2012

José António Saraiva contestário

Durante tempos de crise económica e financeira, José António Saraiva precisou de uma forma de atrair publicidade sobre si mesmo. E eu, penitenciando-me, lá vou dar um pouco mais de publicidade a um seu recente artigo de opinião no «Sol».

José António Saraiva partilha nesse seu artigo a sua enorme preocupação com a aceitação da homossexualidade na sociedade «pós-moderna» e com a forma como jovens usam a homossexualidade como forma de contestação, segundo a sua recente experiência num elevador. 

A dada altura, escreve isto:

«Ora a exposição da homossexualidade é hoje uma delas [sinal exterior de revolta, num erro de concordância do próprio artigo]. E a opção gay é uma forma de negação radical: porque rejeita a relação homem-mulher, ou seja, o acto que assegura a reprodução da espécie. Nas relações homossexuais há um niilismo assumido, uma ausência de utilidade, uma recusa do futuro. Impera a ideia de que tudo se consome numa geração – e que o amanhã não existe. De resto, o uso de roupas pretas, a fuga da cor, vão no mesmo sentido em direcção ao nada.»

Será que, segundo José António Saraiva, as pessoas inférteis são inúteis? Poder-me-ia responder que não o são por escolha (não tomam a «opção gay»), mas e depois? É que também elas não conseguem fazer expandir a espécie. O que fazer quanto a toda esta inutilidade junta?

E o que dizer então de quem não queira ter filhos e, seguidamente, não os tenha, de facto? Ou de todos os padres desta vida que levem a sério o celibato (tomaram a «opção padre», ou «opção priest», para usar terminologia próxima da de José António Saraiva), ou pelo menos usem protecção ou tenham sorte? Todas estas pessoas são inúteis, segundo José António Saraiva? Também aqui, o que fazer com toda esta inutilidade junta?

Isto para não entrar no facto da noção de que os casais homossexuais podem ter filhos - embora não através de uma relação sexual entre os dois, mas e depois? Imaginemos que um casal homossexual deseja ter filhos e outra pessoa torna isso possível - doando esperma, por exemplo. Desde que seja voluntário, o que é José António Saraiva tem a ver com isso? 

Mas claro - a noção de «família» é um conceito imutável e eterno, com milhares e milhares de anos de existência, e a forma como as sociedades se estruturam nunca deve ser alterada. Claro que o conceito de «família» se tem alterado ao longo dos tempos e as sociedades vão alterando a sua estrutura também, e nenhuma estrutura é mais «natural» que outra qualquer.

Segundo José António Saraiva, a liberdade de escolha esgota-se no momento de nós servirmos a espécie. Servimos para transmitir o nosso ADN - é essa a nossa utilidade neste mundo, é esta a forma de assegurar o futuro (da espécie, entenda-se). 

É um conceito de liberdade muito interessante. Uma liberdade que consiste em servir os ditames de José António Saraiva. Que acha que a homossexualidade e escolher vestir-se de preto são alegremente [acrescento: e metaforicamente] comparáveis. 

Confesso que vestir de preto me lembra mais este artigo de opinião de José António Saraiva. Em sinal de luto, naturalmente.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Alfredo Barroso é um herói

Ontem, no jornal das nove da SIC Notícias, dez meses depois da tomada de posse do governo, Alfredo Barroso comparou Pedro Passos Coelho a Hitler. Mas passemos em revista as fantásticas alegações de Alfredo Barroso, com breves comentários.

1. O FT engana-se porque portugal não está a passar por uma revolução tranquila, mas PPC está a fazer uma contra revolução muito perigosa. PPC faz parte de uma direita reaccionária.
Não me lembro de PPC ter começado a carreira com Rolão Preto ou no Movimento Independente para a Reconstrução Nacional.

2. PPC é assim porque destrói o que foi construído nos gloriosos 30 anos do pós guerra, conquistas dos trabalhadores e dos partidos democratas cristãos.
Aqui AB desespera por retornar ao tempo em que Europa tinha colónias, o petróleo estava ao preço da chuva, e a maioria da população mundial não tinha acesso ao mercado livro, ou a qualquer modelo de desenvolvimento que implicasse uma esperança média de vida além dos 40 anos. Ab é um neocolonialista?

3. É portanto necessário mudar o paradigma.
AB passa a sustentar a necessidade de mudar o nosso modelo, para o modelo que não funcionou.

4. Vivemos num estado de excepção em que suspendeu a democracia em Portugal. Como Hitler na república de Weimar e como a nomeação dos ditadores no império romano (sic). É isso, e o medo, que sustenta PPC.
Primeiro, a nomeação dos ditadores é na República Romana. Mas nem vou discutir os anacronismos. Segundo, PPC foi eleito e tem em coligação uma maioria absoluta, e uma plataforma programática (o memorando) assinado por todos os partidos do eixo governamental. Todos eles eleitos. Mas claro que  AB acha que não vive em democracia. AB confunde ditadura e nazismo com perder eleições.

5. Confrontado com a questão de não haver dinheiro para as reformas antecipadas, AB responde que esse dinheiro existe porque o BCE pode emprestar aos bancos 529 mil milhões de euros.
Esta é fantástica, porque AB considera que o BCE deve pagar as reformas.

6.As despesas dos estados europeus não tem relação nenhuma com os gastos do modelo social europeu. (noutras palavras: o défice do estado não tem nada a haver com o défice do estado)
Exemplo extraordinário de esquizofrenia socialista.

7. AB considera estranho que em três meses se destruam 20 anos de prestações sociais e previsões do governo PS para a sustentabilidade da segurança social. Fazendo a deliciosa afirmação «cheira-me a esturro, mas não quer dizer que estejam a mentir».
As destruição de 20 anos de modelo social fizeram-se com 20 anos de más políticas económicas. 

8. Ninguém esperava esta política do governo e da troika fizesse subir o desemprego acima dos 15%.
Toda a gente esperava.


9. PPC tem uma grande insensibilidade social porque faz decretos às escondidas. Mário Crespo depois contra argumenta que AB foi membro de um governo que fazia desvalorizações da moeda nas sextas feiras à noite. Mas AB considera que isso não pode ser anunciado por antecedência, e devia o governo dado instruções para não serem dadas.
Brilhante. Porque um decreto lei que as impede não são instruções para não as dar?

10. PPC está feliz, na opinião de AB, por suspender as reformas inesperadas. Isso foi um tiro no pé. Mas AB depois diz que não quer dar conselhos ao primeiro ministro, porque deseja, e passo a citar «que se afunde o mais que puder».
Esta merece palmas. Revela o tipo de homem de esquerda responsável que AB é.

11. Este primeiro ministro está a fazer tudo aquilo que disse que não fazia na campanha eleitoral. E isso é algo que o faz pior que Sócrates.
PPC e o seu governo executam o que assinam no memorando, e vai mais longe que o documento tendo dito na campanha que queria ir além das reformas impostas. José Sócrates foi o que se sabe nas promessas e nas execuções. AB está a confundir primeiros ministros?

12. Os meios de comunicação social estão dominados pela direita, e as vozes de esquerda são poucas e raras.
Como se os meios de comunicação social estivessem a fazer a vida fácil a este governo. E como se os governos do PS não tivessem tido a relação que tiveram com os media. (Nisto Mário Crespo ri-se e elegantemente diz que discorda, perguntando se tem lido a imprensa recente e ainda acha que está dominada pela direita. )

13 «como diz Homero 'Ad parent rari nantes in gurgite vasto'»
Homero não escrevia em latim. Isto porque AB estava a citar Vergílio.

14. O perigo da ditadura na Europa é a tecnocracia, como o comunismo e o fascismo. Mario Monti e Papademos são exemplos. Vitor Gaspar é o nosso tecnocrata impostos, que alias, segundo AB, manda no governo.
AB está no total desespero com esta afirmação.

15. Mario Crespo questiona se AB não poderá ser criticado por transparecer a ideia de que tem o «monopólio da virtude democrática». AB discorda, diz que não é Savonarola, e até cita pessoas de direita portanto...
AB não entendeu o que Mário Crespo lhe pergunta. O Cousas Liberaes reformula: Alfredo Barroso, não considera que faz parte de uma esquerda que se considera não só a única a detentora da verdade, mas também a única história possível para a democracia? Aqui no Cousas Liberaes recomendamos a AB que leia o seguinte livro de Eduardo Lourenço.


16. Ninguém ouviu os que diziam que Portugal não devia entrar no Euro. O povo devia ser chamado a legitimar a permanência da União Europeia. E devia rejeitar o Pacto Fiscal imposto pela Alemanha.
Finalmente o espírito de AB revela-se: devemos todos votar no Bloco e no PCP!

Qual a razão de AB para tal? Promover um livro sobre a crise da esquerda europeia. 


Quod erat demonstradum. 

link

terça-feira, 10 de abril de 2012

Princípio, meio e fim

«Os fins não justificam os meios.»

Ouve-se isto muitas vezes.

Mas então, o que justifica os meios?

Porque é que alguém usa certos meios senão para atingir certos fins?

Ou seja, os fins justificam os meios - mas não todos.

Porquê? 

Porque há mais do que um fim. Há mais do que um objectivo a atingir. Há mais do que um valor a proteger. Pelo que nem todos os meios são legítimos para atingir um determinado fim.

Assim, os fins justificam alguns meios - aqueles que não ponham indevidamente em causa outros fins que também se pretenda atingir.

Fundamental, então, é decidir que fins se quer atingir, que valores se quer proteger e porquê. Porque isso é a justificação última para os meios que vão ser utilizados. Mas também porque há recursos escassos e nem tudo se pode fazer.

Assim, porquê esses fins e não outros? E é aqui que vão surgir as diferenças fundamentais entre ideologias. Não curiosamente, é ao nível dos valores que querem proteger e que consideram legitimar o seu modelo de comunidade.

É importante que esses fins sejam tornados claros para todos e bem explicados. O cerne do debate político está aqui, nesta discussão sobre fins e valores. Quanto mais clara for essa discussão, mais claro se torna aquilo que está verdadeiramente em causa e mais claro se torna a escolha que existe.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Liberdade de Imprensa À Grega!

Li no JN aqui(sim é alguém que lê o JN ao Sul do Tejo é raro mas existimos.), uma notícia de um ataque a um jornalista em plena emissão.



Fui investigar, como decerto muitos foram, e qual foi o crime deste senhor?
Entrevistou o líder de uma partido de extrema-direita lá do Burgo a "Madrugada Dourada". Que pelo que vejo na wikipedia aqui , não são meninos-de-coro.

O Problema parece ser não, a entevista, mas o facto de que estes tipos têm hipótese de ganhar representação Parlamentar.
Logo quem é o culpado? O Jornalista...

Se calhar as agremiações políticas a que estes senhores do iogurte, pertencem deveriam pensar porque é as pessoas não se revêem nelas e querem soluções musculadas para resolver problemas.

domingo, 8 de abril de 2012

O Ser Humano e a Natureza

Os seres humanos são tão naturais como todos os outros animais, todas as plantas, todas as bactérias, todos minerais que existem no universo. A consciência que temos de nós mesmos, a nossa razão, as nossas emoções, todas as nossas acções são naturais. Os arranha-céus que construímos são tão naturais como os ninhos construídos por andorinhas ou que túneis escavados por toupeiras.

Os seres humanos não são, em absoluto, o centro do universo, que por sua vez não gira à nossa volta, nem foi criado especificamente para nós. O universo simplesmente existe e nós somos parte dele. O que fazemos com a nossa existência é connosco. O sentido da vida é connosco. Cada um de nós tem de definir o seu, da forma que lhe aprouver. E cada um de nós é tão natural como o outro ao lado.

Os seres humanos não são, então, superiores à natureza. Nem o são as normas que regulam o seu comportamento, quaisquer que elas sejam. Não há comunidades humanas organizadas de forma mais natural que outras. Todas elas se organizam de forma natural. A forma como se organizam pode ser mais ou menos congruente com aquilo que um determinado sujeito considera como a forma ideal de organizar uma comunidade, ou com os valores que defende. Mas isso não torna essa organização menos natural

Um comportamento desviante em relação à norma não é menos natural que um comportamento mais de acordo com a norma. Não existem sistemas morais ou jurídicos mais naturais que outros, mas sim sistemas morais ou jurídicos mais ou menos congruentes com os sistemas morais ideais preferidos por cada um de nós. E as razões que nos levam um ou outro sistema como preferível são todas igualmente naturais.

Certos jusnaturalistas proclamam que as suas posições são as mais congruentes com a «natureza humana». Primeiro, seriam no limite mais congruentes com a noção dada pelos referidos jusnaturalistas ao conceito de «natureza humana». Segundo, o conceito de «natureza humana» acaba por representar simplesmente um conjunto de valores que os referidos jusnaturalistas consideram dignos de defesa, conjunto esse tão natural como todos os outros conjuntos de preferências possíveis. Sob o manto da «naturalidade», que se pretende objectiva, esconde-se a subjectividade intrínseca a todas estas escolhas.

Cortar na despesa

Primeiro, anuncia-se um corte em alguma coisa.

Depois, quem é directamente afectado e prejudicado pelo corte vem dizer que é imediatamente e directamente prejudicado pelo corte, que o corte é cego e injusto, que aquilo que vai ser cortado é essencial, e que portanto devia cortar-se noutro lado.

Diz-se que se deve cortar nas «gorduras».

Seguidamente, há uma cedência, e anuncia-se que se vai cortar noutra coisa.

E de novo, quem é directamente afectado e prejudicado pelo corte vem dizer que é imediatamente e directamente prejudicado pelo corte, que o corte é cego e injusto, que aquilo que vai ser cortado é essencial, e que portanto devia cortar-se noutro lado.

Diz-se que se deve cortar nas «gorduras».

Há nova cedência, e anuncia-se que se vai cortar ainda noutra coisa.

E assim por diante.

Pelo meio, sempre quem anuncie os cortes vai ser chamado de «fascista», «ultraliberal», vai-lhe ser dito que não tem consciência, que é imoral, que odeia criancinhas, pobrezinhos e velhinhos, e que tem por objectivo beneficiar poderes privados ocultos, os ricos ou os estrangeiros - a escolha de vilões é vasta.

Análises várias serão feitas a provar que o colapso da civilização ocidental, o fim do Estado Social e a morte de milhares de pessoas advirão necessária e absolutamente por causa dos cortes anunciados, que é tudo demasiado economicista, e que há soluções milagrosas e sem qualquer custo para o povo que resolvem todos os problemas.

No fim, há cedência generalizada e não se corta na despesa.

É este o ciclo que tem sido tão difícil de se quebrar, mas que vai ter de ser quebrado.

E já agora, que essa quebra seja acompanhada de um debate sério sobre o papel do Estado na economia. Porque convém explicar e debater as reformas estruturais que se vão fazendo, mesmo que estas aconteçam a um ritmo vertiginoso.

Santíssima Troika de Comentadores


Marcelo Rebelo de Sousa: Encarnação do vazio. Entidade paradoxal por excelência, é objecto de culto de massas (em particular, do esparguete).

Miguel Sousa Tavares: Escreve sobre futebol, fala sobre política e tem livros publicados. Causa impressão fugaz, excepto em quem não goste de José Sócrates ou do Futebol Clube do Porto - quanto a esses, tende a causar desprezo visceral.

sábado, 7 de abril de 2012

Como criar um caso mediático

Alguém diz qualquer coisa.

Essa coisa é tirada do contexto e colocada em títulos de jornais de forma distorcida.

Opositores de quem disse a dita coisa são convidados a comentar e distorcem eles próprios o que foi dito, possivelmente até de forma diferente à dos títulos dos jornais.

Alguém aliado de quem disse a coisa tirada do contexto vem dizer qualquer coisa que pensa que a população em geral quer ouvir.

Opositores insistem na distorção.

Analistas debatem afincadamente interpretações várias das afirmações originais, mesmo que não as tenham lido ou ouvido, e sem necessariamente falarem do contexto.

Ao fim de uns dias, poucos, o interesse esmorece e passamos ao caso mediático seguinte.

Isto significa que todos os casos mediáticos são desprovidos de interesse? Não. Mas mesmo esses tendem a ser empolados e as descaracterizações tendem a acontecer aí também. Tudo fica pela rama e pouco ou nada de concreto se fica a saber sobre o que se passou.

Vamos criando casos mediáticos em vez de termos debates sérios sobre coisas sérias. O que ganhamos com isto? Nada. Mas há quem pense que é assim que se vendem jornais e que é assim que se faz verdadeira e boa política.

Back Down South se Allah Quiser!



Seja nas Américas ou nas Europas as terras do Sul são sempre outra coisa.

Se tudo correr bem, esta tarde estarei em Terras de Santa Maria!

sexta-feira, 6 de abril de 2012

As graças dadas por Manuel Alegre

Manuel Alegre dá graças por não ter sido eleito Presidente.

Ao fazê-lo, dá mais argumentos a quem desde sempre não apoiou a sua eleição.

Ser um bom Presidente significa ter o estômago e a força anímica necessários para lidar com a adversidade. O que Manuel Alegre nos está agora a admitir é que não os tem, ao mesmo tempo que mostra todo o nacionalismo soberanista de um conservador (o que, para alguns, será algo de positivo; para mim, nem por sombras).

Manuel Alegre admite ainda cabalmente que por muito que considere que existe uma «ditadura dos mercados» e «poderes invisíveis e não sufragados» (discurso superficial e populista, já agora, mas isso é só a minha opinião), dá graças por não ser Presidente da República - ou seja, dá graças por não estar numa posição em que teria mais capacidade para fazer alguma coisa em relação àquilo em que acredita em tempo de crise.

Manuel Alegre dá graças por não ter sido eleito Presidente? Eu também. Por muito que não esteja particularmente satisfeito com quem foi realmente eleito.

Liberdade para Azawad

Sei que o Direito Internacional, não lhes dá razão, e é em nome pessoal como sempre que aqui assumo esta posição.

Que os tuaregs, consigam finalmente ter um espaço onde não sejam perseguidos.
O aumento do racismo e a intolerância na Líbia, para com os Negros que combateram por Kadaffi deu nisto.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

A culpa é do árbitro

Em Portugal, os jogos de futebol ganham-se e perdem-se por causa do árbitro. Ou pelo menos, assim parece pelos comentários futebolísticos típicos. A arbitragem é debatida como duvido que o seja em muitos outros países. As imagens de lances «polémicos» são passadas triliões de vezes, de forma a provar cabalmente que o árbitro, naquela fracção de segundo, devia ter visto o que se viu várias vezes em repetições e de ângulos diferentes: que a decisão devia favorecer a equipa de que o comentador do momento apoia.

Em Portugal a clubite não é aguda - é crónica, embora não conste que diminua a esperança média de vida. Mas numa coisa todos os que sofrem de clubite crónica parecem concordar: os árbitros são todos corruptos e estão comprados pelos rivais para falsear o jogo. Os rivais são levados ao colo. A própria equipa é sempre um mártir, que tem de lutar contra a adversidade para atingir os seus legítimos objectivos, num mundo injusto e sem tréguas.

Entretanto, recentemente, o clima de crispação contra os árbitros entrou em modo turbo. Toda a gente atacava os árbitros com a garra de quem não quer assumir responsabilidades por resultados negativos. E depois os dados pessoais de certos árbitros começaram a circular na Internet. De tal forma se teme agora os resultados potencialmente nefastos de tal circulação para a segurança e integridade físicas dos árbitros que as nomeações passaram a ser secretas, para defender os árbitros até aos dias dos jogos.

É absolutamente ridículo, além de deplorável, que se chegue a este ponto. E é interessante ver como os jogos de futebol e a política são tratados de forma similar, principalmente na torrente de «casos mediáticos» sobre penáltis mal marcados ou foras de jogo não assinalados que frequentemente nos assolam. Esses casos mediáticos encontram paralelo nos casos mediáticos políticos que também nos vão entretendo. E também na política todos são assumidos como corruptos, a culpa é sempre dos outros e ninguém parece muito interessado em assumir responsabilidades.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

A guerra pelas palavras (II): Os puros e a ideologia

Os «puros» não se querem «sujar» com quaisquer compromissos, acusando de ser traidor quem o faça. Fazem ainda outra coisa, no entanto. Enquanto ideologias extremistas procuram apropriar-se e distorcer o sentido habitual de conceitos como «democracia» e «liberdade», procurando através dessa apropriação legitimar o seu discurso, os «puros» defendem, passe o pleonasmo, a mais perfeita «pureza ideológica». Que é como quem diz: os «puros» são donos e senhores das ideologias que professam e dos conceitos que as definem. E quem se desvie um milímetro do que é defendido pelos «puros», pura e simplesmente defende outra ideologia qualquer - e é visto como um perigo para a «pureza» da ideologia em causa.

Os puros não querem apenas que o mundo seja feito à sua imagem e semelhança - ou à imagem e semelhança das suas ideias - mas também que as ideias que defendem sejam cabalmente vistas como as únicas verdadeiramente representativas da ideologia que professam. Aqueles que se reclamem defensores da ideologia em causa mas não partilhem a visão purista são encarados como perniciosos agentes infiltrados de outras ideologias, temíveis vírus ideológicos que ameaçam destruir a verdade dos conceitos puristas. E claro: apenas o conjunto de ideias dos «puros» é válido, lógico, legítimo e aceitável - todos os outros são de alguma forma contra natura e objectivamente errados.

Se por um lado temos extremistas a querer utilizar conceitos positivamente encarados pela população para legitimar e mascarar as suas ideias, por outro temos os «puros» (outros extremistas?) a querer reduzir as ideologias que defendem àquilo que eles pensam. Enquanto um grupo pretende apropriar-se de conceitos para lhes alterar o significado, o outro pretende-se proprietário de certos conceitos e portanto o único grupo legitimado a defendê-los e até a defini-los. E ao fazê-lo, vão acusar quem quer que com eles discorde em relação a essas questões de deturpar a pureza dos conceitos.

Não é isso que pretendo fazer, note-se, quando reclamo que devemos intervir no debate público no sentido de clarificar conceitos e posições. Eu não me considero dono dos conceitos de «democracia» ou «liberdade». Mas considero que esses conceitos podem ser equívocos, e que é preciso explicar bem o que se entende por «democracia» ou «liberdade» ao utilizá-los. E entendo também que esses conceitos podem bem ser usados como máscara para esconder outras ideias, e que também isso tem de ser trazido à luz do dia.

Para que o debate público funcione devidamente, as cartas têm de estar em cima da mesa. É preciso que se perceba o que está a ser dito e com que fundamentos. Daí a importância de procurar clarificar conceitos e posições, por muito que nunca se consiga atingir a perfeição a esse respeito. É que apenas percebendo o que está a ser dito e porquê será possível fazer uma escolha informada. E as escolhas informadas dos cidadãos são a fonte de legitimidade por excelência em democracia.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O que o PS devia fazer e não faz

O Boletim Económico do Banco de Portugal recentemente publicado inclui um artigo de Mário Centeno e Álvaro Novo intitulado «Segmentação». No artigo fala-se do mercado de trabalho em Portugal, com foco na forma como este se encontra segmentado entre dois grupos - um grupo que beneficia de toda a rigidez do nosso Código de Trabalho e outro que tem um nível de flexibilidade imenso. O artigo inclui ainda uma série de propostas relativas a uma reforma profunda do nosso Código do Trabalho, em particular das condições de cessação do contrato de trabalho.

O PS, entretanto, anuncia que se vai abster na generalidade mas fazer uma quantas propostas na especialidade. Mais uma vez, tal como já aconteceu no Orçamento, e tem sistematicamente acontecido, o PS não tem um programa próprio. Limita-se a esperar pelo Governo e a apresentar propostas de alteração aqui e ali. É preciso virem dois economistas do Banco do Portugal para apresentar uma alternativa sistematizada, não a tudo, mas a parte daquilo que o Governo está a propor. E com dados por trás para fundamentar aquilo que propõem.

O que o PS devia fazer, e não faz, é este tipo de coisa. Dir-me-ão que o Laboratório de Ideias vai apresentar um programa para o PS lá para 2015 e que isso é aquilo que eu quero. O problema é que o que o PS deve fazer não é simplesmente apresentar programas para eleições. É ir apresentando propostas alternativas às do Governo, bem estudadas e fundamentadas, e com base nisso fazer as suas críticas. Porque aquilo que António José Seguro fez, essencialmente, ao anunciar o Laboratório de Ideias, foi declarar que o PS pura e simplesmente não tem programa nos próximos anos - o que é inaceitável para o principal partido da Oposição, especialmente em tempo de crise.

Ainda para mais, os deputados que foram eleitos pelo PS nas últimas eleições foram eleitos com um certo programa por trás. O que António José Seguro fez foi esquecer-se que depois de eleitos, mesmo em minoria, permanece um dever para com quem votou neles de defenderem o programa que se tinham proposto defender, em vez de o ignorarem. O facto de terem nova liderança não afasta esta responsabilidade. E não torna aceitável que o principal partido da Oposição se coloque na posição confortável de ir na onda, não tendo programa durante tempos difíceis, esperando simplesmente esperando que o Governo se vá desgastando pelas medidas impopulares que toma.

Claro que, entretanto, o PS também se entretém com guerras internas entre adeptos da anterior liderança e adeptos da actual. E apresenta propostas de alteração na especialidade a propostas do Governo e da maioria.

Resultado? Dois economistas do Banco de Portugal fazem mais e melhor «oposição» ao Governo num artigo do que o PS tem feito desde as eleições.

Sobre a Não Limitação dos Mandatos

Nas minhas andanças blogosféricas encontrei aqui, no Blasfémias um texto na mouche sobre a questão da limitação dos mandatos.

Que como todos sabemos é uma falsa forma de abordar a questão.

Existe incoerência institucional em Portugal com regras pouco claras.
Por exemplo não se percebe porque é que um Presidente da República tem uma limitação e por exemplo tenhamos Presidentes de Governo Regional há mais de 30 anos.

Outro exemplo, os Presidentes da Câmaras, com tudo o que o caciquismo tem de mau, poderão ou não concorrer nas Cãmaras limitrofes?

Isto tudo porque naturalmente os partudos são máquinas de conquista e menutenção do poder como ensina o Professor Sousa Lara na esteira do Grande Adriano Moreira.

O problema na minha opinião está na não aceitação desta realidade e do seu fechamento ao não aceitarem que independentes entrem nas corridas intra-partidárias para a nomeação.

domingo, 1 de abril de 2012

A guerra pelas palavras (I)

As palavras não são inócuas. Nós usamos as palavras para pensar e para comunicar, pelo que o seu significado é relevante, muito relevante, bem como a relação emocional que estabelecemos com elas. Pelo que a forma como uma ideia é apresentada e estruturada, incluindo as palavras que são usadas para a apresentar, não é irrelevante à forma como é entendida - o que é aproveitado por todos os que queiram transmitir uma ideia para tentar transmitir a sua ideia da forma mais socialmente aceite e da forma mais positiva possível.

Isto pode bem gerar uma autêntica guerra pelas palavras. Palavras como «liberdade», como «democracia», como «igualdade», como «justiça», todas elas têm uma conotação positiva. Mas todas elas podem ser definidas de forma diferente, embora todas as definições estejam ligadas entre si por um qualquer fio condutor. Geralmente, as lutas semânticas são vistas como algo de inconsequente, mas a utilização sistemática de conceitos de forma idiossincrática, promovendo a sua progressiva redefinição, pode bem ser uma forma de tornar aceitáveis e «mainstream» ideias e valores até então relegadas aos extremos.

Quando grupos extremistas (de direita ou de esquerda) se apropriam de conceitos como «liberdade» e «democracia» para defender a violência, a intolerância, e até mesmo a abolição dos conceitos originalmente aceites de «liberdade» ou «democracia» ou «Estado de Direito», as consequências podem ser graves. Através da distorção de conceitos, legitimam-se ideias que as corroem no seu sentido original. Os conceitos são levados a definir uma coisa e o seu oposto, gerando-se a confusão no debate público. (Esta apropriação torna-se particularmente mais fácil de fazer quando os conceitos em causa apenas são do conhecimento de alguns, no seu sentido original, tendo a vasta maioria da população apenas uma ideia difusa daquilo que esses conceitos tendem a significar.)

A guerra pelas palavras importa. E isso significa que os defensores da Liberdade e da Democracia Liberal devem participar, no sentido de impedir ou mitigar a confusão semântica. Porque os debates públicos em que a confusão reina servem para apenas para tornar ainda mais atraentes os populismos e as demagogias desta vida. Porque na terra da confusão, quem é dono da simplicidade (mesmo que aparente) é rei.