segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Contra o Miserabilismo

Sabemos que é preciso mudar. Todos concordam que é preciso mudar. Mas depois, sendo propostas potenciais soluções, invariavelmente alguém diz que a solução nunca funcionaria em Portugal. A pessoa até pode pessoalmente concordar com a solução, mas vai afirmar que para a implementar, teríamos de mudar a mentalidade do país primeiro, e que isso torna a solução impraticável. Se aquele género de política for normal noutro país, por exemplo a Dinamarca, a resposta é "não somos dinamarqueses".

De facto, "não somos dinamarqueses". Ou suecos. Ou britânicos. Ou americanos. Somos portugueses. Sermos portugueses não torna impossível fazer reformas de fundo à forma como funciona o país, e esperarmos por uma "mudança de mentalidade", como quer que seja possível medir isso, é adiarmos eternamente mudanças extremamente necessárias para o país. Até porque as mentalidades também são afectadas pelo sistema actual - se nada mudar, como é que se mudam as mentalidades?

O miserabilismo português é um enorme obstáculo à mudança. A descrença de que a mudança é sequer possível num país "como o nosso", inevitavelmente apelidado como "atrasado" ou "pobre" ou parecido, é um enorme obstáculo a essa mesma mudança, porque significa que mesmo pessoas que apoiam as novas políticas não vão necessariamente acreditar que é possível implementá-las. Logo, há menor motivação da parte daqueles que querem mudar, o que dá uma vantagem a quem quer que fique tudo na mesma. No final, tende a ficar tudo na mesma.

Para quebrar este ciclo vicioso, é preciso verdadeiramente implementar mudanças. É preciso coragem política para o fazer? É. Talvez não tanta como por vezes se pensa, mas é. No entanto, tem de ser feito, e o que tem de ser, tem muita força. Não podemos eternamente esperar por Godot ou por D. Sebastião (quer venha ou não). Temos de deixar de pensar que "somos portugueses" e por isso não dá para fazer nada por isto. 

Os dinamarqueses nem sempre foram os dinamarqueses que são agora. Também "lá fora" foi preciso mudar, e houve mudanças. Os portugueses não são menos que os outros. É preciso deixar de pensar que somos, e simplesmente agir.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Governabilidade no sector da Educação

Ao ler-se os livros recentemente publicados por dois ex-ministros da Educação (Eduardo Marçal Grilo e David Justino), confirma-se a percepção de que a educação pública se encontra num estado de alguma não governabilidade. Os ministros têm na prática pouco poder, e em qualquer decisão importante que possam querer tomar estão demasiado dependentes da vontade do Ministério e dos sindicatos. Abaixo deixo algumas passagens que relatam a visão decorrente da realidade que viveram estes ex-ministros. Como ultrapassar esta situação? A resposta não é óbvia para nenhum deles, mas para ambos é incontornável a necessidade de negociação, e a tomada de passos pequenos em períodos alongados, muito superiores a uma legislatura, como alternativa à impossibilidade de realização de reformas. Ser Ministro da Educação não é fácil. Quem sai prejudicado, para já, são os alunos.


“O Ministério da Educação não é particularmente favorável à ideia [de autonomia das escolas, uma ideia actualmente practicamente consensual como necessária para a melhoria do ensino português], porque ela implica uma modificação significativa dos hábitos instalados e corresponde, na aparência, a uma perda de poder, o que não é fácil de aceitar por parte de quem gosta de usar o poder (...)

Igual posição reticente para com a autonomia têm os sindicatos, que sentem que o seu papel se pode diluir e esfumar, uma vez que deixam de ter a capacidade para exigir e reivindicar”

Eduardo Marçal Grilo, “Se Não Estudas, Estás Tramado”, Abril 2010


“a permanente conflitualidade em que vive o sector (...) tem origem em dois fenómenos principais: no movimento sindical dos professores e na excessiva mediatização do sector. (...) Dificilmente será possível imaginar um problema do ensino que não envolva directa ou indirectamente o papel do professor e é com base nesta realidade que o movimento sindical se assume como interlocutor do Ministério da Educação em todas as suas políticas. (...)

Não chega elaborar e aprovar diplomas legislativos. Essa é a parte fácil dos processo de mudança (...). O mais difícil é aplicar esse normativos, fazê-los cumprir de forma eficiente, mobilizar os diferentes agentes (...). Se estas condições não forem reunidas, não passa de um mero acto de voluntarismo bem-intencionado, mas que geralmente se salda por um aumento da inércia.

Neste contexto, teremos de reconhecer que a educação se tornou quase irreformável. Admito que seja regenerável, mas, neste caso, a quem queira tomar em mãos esse processo aconselho a não falar de reformas, lançando-as sem lhes dar esse estatuto simbólico.”

David Justino, “Difícil é Educá-los”, Setembro de 2010

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Manifesto Ensino Superior

As instituições de ensino superior devem ser consideradas como o espaço privilegiado para a geração de conhecimento, e a principal fonte de desenvolvimento económico de um país. Se pensarmos por exemplo nos Estados Unidos da América, verificamos que grandes empresas surgiram precisamente no contexto académico (e.g. Facebook ou a Google). Em Portugal, existem também alguns casos de sucesso, como por exemplo o portal Sapo (criado na Universidade de Aveiro).

No entanto, as Universidades e Politécnicos Portugueses ainda ficam aquém de outros países, no que diz respeito à contribuição para o desenvolvimento económico e social do país. È por isso urgente uma reforma no ensino superior, que permita uma maior afirmação da investigação e ensino. Esta reforma, deve seguir os seguintes princípios:

Mais e melhor investimento no ensino superior

Um dos problemas com que as instituições de ensino superior se deparam actualmente prende-se com o investimento. Este facto deve-se, em grande parte às limitações financeiras do governo central. Neste sentido, propomos que um aumento do investimento, na componente formativa, se processe através de uma transferência dos custos, dos contribuintes para os principais interessados, os estudantes.

Por outro lado, defendemos que deve existir uma maior autonomia das instituições no que diz respeito à investigação (científica e aplicada), sendo que devem ser estas a avaliar a viabilidade e qualidade dos projectos e não uma entidade central. Para que isto aconteça, as verbas alocadas à investigação devem ser atribuídas não a projectos específicos, mas sim às instituições, e respectivas unidades de investigação, tendo em conta a sua avaliação (e.g. número de patentes registadas por projecto, número de publicações por doutorado, etc.).

Os estudantes devem ter informação que permita uma escolha informada

A maioria dos candidatos ao ensino superior, não têm informação disponível que lhes permita escolher o curso e a instituição de ensino de uma forma responsável. Esta escolha é, tradicionalmente, feita tendo em conta critérios não relacionados com a qualidade da instituição e com a empregabilidade dos cursos e das instituições de ensino superior (e.g. proximidade, preconceitos, etc.).

Neste sentido, torna-se essencial criar mecanismos de informação que permitam os candidatos ter acesso não só, como actualmente, às médias de entrada de um determinado curso e instituição, mas também a aspectos como a taxa de empregabilidade, reputação científica e técnica, ligações a outras universidades/politécnicos europeus, etc.

A frequência do ensino superior deve estar acessível a qualquer pessoa

A frequência do ensino superior deve depender exclusivamente da motivação, interesse e capacidades de uma pessoa. Apesar de hoje em dia o ensino superior estar acessível a muito mais gente do que estava há 20 anos atrás, a verdade é que ainda existem muitos jovens impossibilitados de frequentar um curso superior (ou que têm de desistir a meio) devido à sua condição financeira.

Deve por isso, ser criado um sistema que permita o apoio a todos os jovens que pretendam frequentar o ensino superior, com especial destaque para aqueles que vêm de meios mais desfavorecidos. Neste apoio deve estar, não só incluído o apoio aos estudos, mas também o apoio em relação aos custos de vida dos estudantes durante a frequência do ensino superior.

Os estudantes apenas devem pagar depois de começarem a trabalhar

Como já foi referido, devem ser os estudantes os principais financiadores do ensino superior (em vez de todos os contribuintes). Por outro lado, actualmente, é pedido um enorme esforço financeiro aos estudantes, que se vêm obrigados a recorrer a empréstimos bancários ou às suas famílias, para financiar os seus estudos. Rejeitamos esta abordagem.

Defendemos que os estudantes devem começar a pagar apenas quando começarem a trabalhar, através de um plano financeiro. Neste sentido, o custo da formação superior deve ser suportada pelo estudante e não pela sua família. Por outro lado o estudante, ao não ter que pagar adiantadamente, não se sente obrigado a recorrer a um empréstimo bancário.

Os pagamentos dos estudantes devem ser suportáveis

Um grau académico deve ser visto como um investimento, como tal o sistema deve ter a preocupação de garantir o retorno aos estudantes. Neste sentido, deve existir um limite salarial abaixo do qual os antigos estudantes estão isentos de pagamento. Isto permitirá uma responsabilização do sistema, a qual se deve reflectir nas instituições de ensino superior.

Desta forma o pagamento do aluno deve ser feito através de um plano financeiro que tenha por base os seus rendimentos (por exemplo através de uma percentagem do seu ordenado). Por outro lado, devem ser tidas em conta não só as despesas com a educação mas também as despesas relacionadas com o custo de vida (e.g. alojamento, alimentação, etc.).

Outras formas de financiamento

Devem ser criados mecanismos para a existência de outras formas de financiamento do ensino superior. À semelhança do que já acontece nos Estados Unidos da América, deve ser incentivado o sistema de donativos através do qual antigos alunos e “amigos” transferem directamente dinheiro para as instituições de ensino superior.

Outro mecanismo possível passa, à semelhança do que acontece com as instituições de utilidade pública, pela possibilidade dos cidadãos encaminharem parte do seu IRS para uma instituição de ensino superior à sua escolha.

(exemplo daquilo que podia ser um manifesto liberal para o ensino superior, inspirado em: www.independent.gov.uk/browne-report )

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O futuro constrói-se com as nossas acções

O futuro constrói-se com as nossas acções. Se queremos mudar alguma coisa, não devemos ficar parados. Temos de agir, temos de tentar mudar o que consideramos estar errados. Se todos ficarmos à espera de que o outro faça alguma coisa, as coisas vão ficando na mesma, vão-se cristalizando, e o problema até pode tornar-se maior por causa disso.

Mudar as coisas é difícil. Muito difícil. Não basta querer com muita força. É preciso agir, e agir de forma concertada. É evidente que as coisas mudam por si, por pura e simples interacção entre as pessoas e o meio. Mas esta evolução tende a cristalizar certas formas de fazer as coisas, e só reage verdadeiramente a choques. Veja-se o que está a acontecer neste momento no Norte de África e em outros pontos do Mundo Islâmico ou, de forma diferente, mas análoga, à economia portuguesa perante a crise internacional.

Há coisas mais difíceis de mudar que outras. Em Portugal, é preciso mudar o modelo de desenvolvimento económico de raiz, se queremos verdadeiramente ter desenvolvimento económico, social e cultural no nosso país. Mas há muita gente a viver das rendas do actual regime, e não abdicarão facilmente dessas rendas. Aí entra a necessidade de agir, de forma a retirar que actualmente vão para alguns, independentemente do seu mérito, e libertar esses recursos para serem aplicados de forma mais eficiente e justa.

Se esperarmos por uma mudança de mentalidade, esperaremos para sempre, porque as mentalidades não se mudam esperando, mudam-se agindo. As novas gerações têm visto os seus futuros hipotecados pelas gerações anteriores, devido a investimentos públicos mal aplicados e a dívida pública excessiva, à falta de competitividade das empresas, e as regras que foram sendo criadas apenas servem para reforçar este estado de coisas.

É preciso coragem para mudar alguma coisa. A mudança implica um risco. Mas numa altura em que vemos o resultado prático do sistema actual, está na altura de tomar esse risco. Está na altura de surgir algo novo, uma verdadeira alternativa ao que existe agora. Está na altura de, com as nossas acções, construirmos um novo futuro. Um futuro mais liberal, para todos.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Bloco? Daqui planeta terra

Para o bloco, uma moção de censura contra 199 dos 230 deputados da assembleia, não é um fracasso.
Sim, é isto mesmo.

«Se o Socialismo está realmente "fora da História", se o seu projecto deixou de seduzir por nada ter de sedutor, nenhuma magia o restituirá ao esplendor das suas ilusões, àquele momento momento que se supôs "luz da História" e seu fogo reparador. Mas nenhuma História está escrita salvo a morta. O Socialismo não se regenerará por uma cosmética política copiada do seu adversário com muita publicidade e internet. O Socialismo precisa de ser reinventado para poder ser ainda - se tal for possível - o actor da História e a alma do futuro que imagina para o comum dos homens. O Socialismo é filho da História e o que a História lhe deu a História lhe tira» Eduardo Lourenço, "Esquerda na encruzilhada ou fora da História?", Finisterra, 2002.

   Creio que estas palavras de Eduardo Lourenço deveriam ser o princípio da reflexão de qualquer líder de esquerda, que diga ser verdadeiramente de esquerda, deve ter em relação à sua consciência do que é a esquerda ela mesma. Se existe uma esquerda-essencial a que Francisco Louçã quer apelar, um imperativo Histórico da sua mesma existência como força política, a consciência dessa realidade deve impelir o pensador Francisco Louçã a fazer algo mais que uma moção contra ele próprio. E quanto mais o fizer, mais fora da História ele mesmo, e a esquerda-ideia que procura transportar, se encontrarão aos olhos de quem procura pensar política numa cidadania mais profunda.
   Ou não será o desejo de uma cidadania mais profunda uma ideia de esquerda?

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Egypt: 1989 and all that [The Economist]




«Any promotion of democracy in the Arab world cannot avoid the encounter with some form of Islamism. And this is Europe’s second error: its failure to distinguish between different currents of political groups inspired by Islam. Not all groups bearing the name of “Islamic” are puppets of Iran’s mullahs, or comrades of Osama bin Laden. Hamas may be the violent Palestinian offshoot of the Muslim Brotherhood, founded in Egypt. But the Egyptian branch declares itself to be non-violent and democratic, and is hated by al-Qaeda. At the very least, its democratic credentials should have been tested through greater dialogue.»

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Despedimentos na função pública

Há dias o dirigente socialista Capoulas Santos acusou o PSD de ter uma agenda escondida conducente ao despedimento de funcionários públicos. O Primeiro-Ministro reforçou a posição dizendo que com o PS não haveria despedimentos. O líder parlamentar do PSD, Miguel Macedo, acusou Capoulas Santos de mentir em relação à intenção do PSD. Já o PP veio afirmar que poderia fazer sentido os despedimentos nalguns casos, com a obtenção de um acordo favorável a ambas as partes.

Mas afinal, se se admitem despedimentos em empresas, porque é que eles não são admissíveis no sector público? Porque deve o contribuinte pagar um ordenado a um funcionário público cujo trabalho já não é essencial, só porque um dia alguém o decidiu contratar em nome do Estado?

O argumento é proteger o trabalhador das vicissitudes. Ou o de garantir um nível aceitável de equidade entre classes.

É importante proteger o trabalhador de azares que não controla (e mesmo em parte dos que controla). Mas será o não despedimento o instrumento mais adequado para o fazer? E, sendo-o, há alguma razão para o Estado ser mais protector do que as outras entidades?

Não e não.

Para proteger o trabalhador dos azares serve o subsídio de desemprego, que garante a estabilidade económica da pessoa e permite uma passagem suave para um futuro de trabalho mais útil para a sociedade e por isso também (na generalidade dos casos) mais gratificante para a própria pessoa. Quase toda a gente conhece casos de funcionários públicos que pouco fazem no respectivo trabalho, não necessariamente porque não gostem de trabalhar mas porque a sua posição se tornou obsoleta ou porque a instituição em que trabalham é tão só ineficiente. Não há razão para manter um trabalhador nessa situação, se seria muito mais útil, por exemplo, numa empresa.

Garantir a equidade (na medida que se entenda desejável) faz-se através da formulação dos impostos e subsídios. Para quê utilizar o mecanismo do não despedimento, que para além de ineficiente, só beneficia a parte da população que trabalha na função pública? Porque é que os trabalhadores da função pública devem ser mais protegidos e melhor remunerados (na relação com o que produzem) do que todos os outros?

É natural que partidos que defendam a estatização da generalidade das actividades achem normal manter trabalhadores em situação de não aproveitamento, e achem normal a protecção desigual dos funcionários públicos face aos outros. O mesmo não se pode dizer de partidos como o PS ou o PSD. Ao afirmar-se “não há despedimentos”, em particular num momento de crise financeira do Estado, está-se a ser simplesmente irracional.

PS e PSD fazem-no porque são partidos do poder, que não podem abdicar de votos para dizer coisas racionais às pessoas. O PS optou agora por aproveitar-se, de forma populista, para fragilizar o PSD perante a opinião pública. O PSD tem efectivamente medo de dizer o que pensa, e omite a inevitabilidade dos despedimentos nas políticas de redução do peso e aumento da eficiência do Estado que (bem) defende.

Têm de ser as pessoas, pessoas informadas, antes dos partidos do poder poderem apoiar coisas racionais. Fazem falta partidos que digam e defendam coisas racionais, independentemente dos votos, ou contanto apenas com os de uma minoria. Fazem falta partidos que informem as pessoas. Faz falta um partido liberal em Portugal.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Instituições europeias (II)

[Instituições europeias (I)]

A interpretação do Direito da União Europeia é competência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral (ex-Tribunal de Primeira Instância), órgãos jurisdicionais por excelência da UE. São estes tribunais, cuja jurisdição é obrigatória, que decidem casos de incumprimento de legislação europeia por parte de Estados Membros. O Tribunal de Justiça trata também de casos de reenvio prejudicial. (Estes últimos são casos em que o Tribunal responde a dúvidas que os tribunais nacionais possam ter relativamente à aplicação do Direito da União num certo caso concreto.)

No âmbito desta última competência, o Tribunal desenvolveu paulatinamente um sistema de precedente e, no âmbito de todas as suas competências, um corpo doutrinário de extrema relevância para o desenvolvimento do Direito da União e da União Europeia. O Tribunal foi responsável directo pela doutrina da supremacia do Direito da União, pelo aprofundamento do mercado único, pelo efeito directo do Direito da União (que significa que este é invocável directamente pelos cidadãos e pelas empresas), pela capacidade dos tribunais nacionais de aplicarem directamente Direito da União, e pela criação de protecções de direitos humanos no direito da então CEE.

A importância do Tribunal no que concerne ao aprofundamento do mercado único não pode ser exagerada. Foi o Tribunal que, numa série de decisões importantes, e utilizando doutrina mencionada no parágrafo anterior, levou a que os Estados Membros se vissem «forçados» a implementar legislação europeia (em particular, os Tratados) que estes pretendiam protelar, compensando assim o estado enfraquecido da Comissão durante os anos 70. Também importantes foram as também já mencionadas decisões, nos anos 80, que introduziram preocupações com direitos humanos no (então) direito comunitário, à data tendencialmente virado para a integração económica. As protecções relativas a direitos humanos mantiveram-se jurisprudenciais até à entrada em vigor da Carta de Direitos Fundamentais da UE com o Tratado de Lisboa.

Vários outros princípios poderiam ser aqui discutidos, mas cada um deles merece maior atenção do que um ou dois parágrafos. A questão fundamental é perceber a importância da existência de um Tribunal eminentemente independente como forma de resolver litígios de forma pacífica, promover a aplicação dos Tratados e do Direito da União por parte dos Estados Membros, e promover a aplicação uniforme deste Direito num contexto nacional. De uma perspectiva mais genérica, no entanto, este Tribunal é um exemplo da importância dos tribunais num regime constitucional.

São os tribunais que desenvolvem o Direito, ao formularem normas de conduta que regulam situações concretas da vida, quer dos Estados, quer das empresas ou das pessoas singulares. A independência dos tribunais é uma condição necessária para uma boa aplicação do poder jurisdicional, mas esta deve ser complementada com uma consciência, por parte dos tribunais, do seu verdadeiro poder, e de uma ética jurídica que os leve a utilizá-lo de forma justa e equitativa.

O sistema jurisdicional europeu não é isento de críticas, muitas relativas à sua lentidão, outras relativas a regras específicas do seu funcionamento. É uma matéria bastante técnica, mas com importância vital para o bom funcionamento das instituições e para o futuro da União. Gostaria que este tipo de temas não fossem apenas abordados na universidade, por quem neles se especialize, mas também mais cedo, na própria escola secundária. Se é verdade que as instituições europeias estão muitas vezes afastadas das pessoas, não me parece menos verdade que pouco se aprende sobre o seu funcionamento em devido tempo, o que não ajuda a torná-las mais acessíveis.

É preciso que as pessoas ganhem consciência de como funciona a União Europeia, para serem intervenientes informados num debate fundamental: o debate sobre o futuro da UE.

Haverá mais artigos nesta série, que abordarão vários temas relativos a este debate. Este artigo, no entanto, fica por aqui!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Egipto, América, Europa (e Whitman)

«(...)Chant me the poem, it said, that comes from the Soul of America, chant me the carol of victory
And strike up the marches of libertad, marches more powerful yet,
And sing me before you go the throes of Democracy
(Democracy, the destin'd conqueror, yet treacherous lip-smiles everywhere,
And death and infidelity at every step.) (...)», Walt Whitman, By Blue Ontario's Shore, I, 1856

  E agora, que considerações tirar, que especulações elaborar, e que vocábulos conceptualizar para um mundo que viu dois regimes ditatoriais árabes subvertidos? Um 1989 árabe para aqueles que não acreditavam na possibilidade das nações de maioria muçulmana quererem algo mais ocidental? Ou uma revolução islâmica? Esfumar-se à nos próximos meses ou um dominó de Vietname-que-nunca-aconteceu invertido e recortado para a segunda década do século XXI? Uma certeza eu tenho: estes fenómenos são sempre de tal maneira complexos que as visões simplistas serão sempre jornalistas e os olhos da História escolhem ler apenas tudo o resto que realmente compreende os homens. Daí o meu cepticismo epistemológico dos media pundits e talking points. .
  Os sistemas ideológicos das sociedades aceitam os seus regimes conforme esses mesmos reflectem os respectivos paradigmas morais, éticos e estéticos do complexo. Nestes termos, o regime ideal-sem-face será sempre o que de belo, certo e bom cada um de nós acredita, em grupo procura implantar, e a sua decadência seria o resultado de um desencontro entre os dois, uma vez tendo mudado o regime ou a sociedade. Será tal válido para reflectir sobre o nosso insucesso aparente em democracia? (ou como poderíamos nós, portugueses, aspirar a uma democracia sem democratas para a construir e educar?).
  Tenho ainda as minhas dúvidas sobre a democratização do mundo como em teoria um mito-ocidente quereria, não porque ache que o povo egípcio é incapaz de o fazer ou outro qualquer, mas porque duvido que no próprio ocidente o regimen democrático e o ethos democrático dessa mítica sociedade dos homens livres exista de facto, não como uma super-potência, mas super-potencialidade. Hoje não somos mais os belos, os bons e os certos do mundo, nem os nossos regimes reformaram-se com o mundo e educaram-nos, gerações-devir, como democratas. Que moral, que ética, que estética podemos consequentemente projectar e exportar para o mundo quando a nossa auctoritas desvanece e a potestas é contestada? Triste ocidente que esta revolta das pirâmides invertidas apenas alimenta a sua negação.
  Se a actuação da administração Bush deitaram a terra esse poder ideológico, essa marca-ocidente, pondo em causa não só a politica externa, mas também a interna, roubando eleições e pervertendo o sistema democrático, social, e a opinião publica, se America does not stand for greatness anymore, então o que resta? Ou noutras palavras, se a actual plataforma do partido republicano chegar ao poder em 2012, tornar-se-à séria a proposta do PCP para sair da NATO? E que democracia para o Egipto? E mais grave, que ocidente para o Egipto?
  Sou europeísta. Para mim o estado do ocidente é muitíssimo grave. O sistema geográfico que o definia desapareceu, e ainda bem, porque os valores europeus, ocidentais e liberais não devem ser tidos como privilégio ou consequência de um qualquer. Contudo, o sistema político que o permitiu está obsoleto. A marca ocidente não se venderá correctamente com a Europa na sombra dos EUA, com esses mesmos Estados ditos Unidos discutindo a melhor maneira de destruírem as suas próprias liberdades e qualidades de vida, e uma Europa esquecendo-se de si e reduzindo-se à fiscalidade, sem democratas no ocidente, sem liberais no ocidente, sem ocidentais no ocidente.
  Em meu entender qualquer solução passará claramente pela Europa. Daí a minha afirmação, com toda o orgulho possível: sou europeísta. Necessitamos de reformar a nossa própria potestas e reclamar para nós a auctoritas moral, ética e estética do ocidente-mito, cada vez mais um ocidente-mundo. Temos de saber formar uma geração de europeus democratas, promover uma integração transparente e democrática sem os erros dos EUA, e saber vender o modelo europeu de globalização.
  Depois da chanceler Merkel o primeiro-ministro Cameron tomou posse desse talking point do falhanço do “Mulitculturalismo” nos seus países e na Europa. Pois bem, esse modelo falhou porque era a ausência de modelo. Tal como em todas as outras áreas das políticas europeias a cacofonia dessincronizada à sombra dos EUA provocou ausência de modelos e de consequente auctoritas. O maior desafio não é ter a coragem conservadora de apontar essa ausência ou a coragem socialista de preservar essa ausência, mas sim a coragem liberal de propor e construir, com todos e com os nossos valores, um verdadeiro modelo europeu. Depois podemos falar de exportar a nossa não-existente marca para o Saara.

To a Foil'd European Revolutionaire, Walt Whitman, 1856

Courage yet, my brother or my sister!
Keep on - Liberty is to be subserv'd whatever occurs;
That is nothing that is quell'd by one or two failures, or any number of failures,
Or by the indifference or ingratitude of the people, or by any unfaithfulness,
Or the show of the tushes of power, soldiers, cannon, penal statutes.

What we believe in waits latent forever through all the continents,
Invites no one, promises nothing, sits in calmness and light, is positive and composed, knows no discouragement,
Waiting patiently, waiting its time.

(Not songs of loyalty alone are these,
But songs of insurrection also,
For I am the sworn poet of every dauntless rebel the world over,
And he going with me leaves peace and routine behind him,
And stakes his life to be lost at any moment.)

The battle rages with many a loud alarm and frequent advance and retreat,
The infidel triumphs, or supposes he triumphs,
The prison, scaffold, garrote, handcuffs, iron necklace and leadballs do their work,
The named and unnamed heroes pass to other spheres,
The great speakers and writers are exiled, they lie sick in distant lands,
The cause is asleep, the strongest throats are choked with their own blood,
The young men droop their eyelashes toward the ground when they meet;
But for all this Liberty has not gone out of the place, nor the infidel enter'd into full possession.

When liberty goes out of a place it is not the first to go, nor the second or third to go,
It waits for all the rest to go, it is the last.

When there are no more memories of heroes and martyrs,
And when all life and all the souls of men and women are discharged from any part of the earth,
Then only shall liberty or the idea of liberty be discharged from that part of the earth,
And the infidel come into full possession.

Then courage European revolter, revoltress!
For till all ceases neither must you cease.
I do not know what you are for, (I do not know what I am for myself, nor what any thing is for,)
But I will search carefully for it even in being foil'd,
In defeat, poverty, misconception, imprisonment-for they too are great.

Did we think victory great?
So it is - but now it seems to me, when it cannot be help'd, that defeat is great,
And that death and dismay are great.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Pelo fim da desresponsabilização da gestão pública

Ao ler o Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2009, recentemente publicado pelo Tribunal de Contas, não consegui esconder o sentimento de frustração e indignação que me invadiu como cidadão Português...Em Portugal, estamos já habituados a ouvir demasiadas vezes que a impunidade é marca registada do nosso país, todavia o estado de (des)graça de Portugal é bem patente pela passividade com que a socidade civil responde às evidências inequívocas do estado de (des)governo com que os seus impostos são aplicados pela máquina devoradora estatal criada pelos Governos das últimas décadas...

Atente-se a algumas conclusões enunciadas no referido relatório para se perceber a gravidade dos factos:

“Em 2009, doze anos após a sua aprovação, o Plano Oficial de Contabilidade Pública (POCP) continuou a não ser aplicado pela generalidade dos serviços integrados do Estado...”

“Não é possível confirmar o valor da receita inscrito na Conta Geral do Estado de 2009...Esta impossibilidade é consequência de incumprimento dos princípios e regras orçamentais...”

“Continuam a ser realizadas despesas sem dotação orçamental suficiente...”

“A conta consolidada do Estado...continua a apresentar deficiências já assinaladas em anteriores pareceres...em resultado de erros significativos...”

Estas são algumas das “pérolas” reportadas no Parecer, em minha opinião totalmente inconcebíveis e inaceitáveis. Numa qualquer empresa privada um estado de desgoverno desta índole desencadearia certamente processos de demissão sumários de toda a equipa de gestão com justa causa...todavia, quais as consequências desta gestão danosa em Portugal? A resposta é fácil: rigorosamente nenhuma!!! Chegámos a um tal ponto de passividade e conformismo que os cidadãos assumem como natural o descontrolo das finanças públicas, a má execução orçamental, o não cumprimento dos mais elementares princípios de gestão financeira e, por conseguinte, quando confrontados com a constatação dos factos já nem esboçam uma reacção... O País, que nem um doente em estado paliativo sem esperança no futuro, imbui-se da ideia que é utópico esperar e exigir critério, rigor e excelência à Administração Pública! Esta dormência latente na sociedade civil tem também efeitos no Estado, a começar pelos políticos que convivem bem com o desgoverno das finanças públicas, não sentindo o mínimo de embaraço, aparentemente, pela maneira como (não) governam o dinheiro de todos nós!

Face a isto, é legítimo perguntar: será este comportamento alienado do comum cidadão face às más práticas de gestão públicas completamente irracional? Ou haverá alguma racionalidade subjacente a este tipo de atitude? Estou em crer que, apesar da aparente contradição face aos parágrafos iniciais, existe alguma racionalidade associada a este comportamento à luz do que a teoria das boas práticas de corporate governance no mundo empresarial nos ensina. É relativamente consensual que uma empresa cotada em bolsa cuja estrutura accionista apresente um núcleo duro de accionistas com um peso significativo (isto é, um grupo de accionistas reduzido em número mas com uma posição combinada na empresa suficientemente importante para condicionar a actuação da equipa de gestão, sem todavia deter uma posição de controlo), tende a mitigar o problema de agência (por problema de agência entende-se a não convergência de interesses entre gestores e accionistas, levando os primeiros a agir em benefício próprio em detrimento do interesse dos segundos) face a uma empresa em que esse núcleo duro não exista e a estrutura accionista esteja representada por posições atomizadas de centenas, milhares de accionistas. Neste último caso, a equipa de gestão tende a ter maior liberdade e tende a estar menos condicionada, face à maior dificuldade e aos maiores custos que acarreta uma eventual concertação de pequenos accionistas no escrutínio e monitorização das práticas da gestão. Nesta situação, existe portanto alguma racionalidade por parte do pequeno accionista, que face aos elevados custos associados a uma coordenação com outros pequenos milhares de accionistas, racionalmente opta por assumir os encargos do custo de agência...

Ora, o Estado, se pensarmos bem, pode ser analogamente associado a esta situação: milhões de “accionistas” (cidadãos), sentem dificuldade em coordenar-se e em alcançarem plataformas de pressão e escrutínio da actuação da “equipa de gestão” (detentores de cargos públicos) na aplicação do seu “capital investido” (impostos cobrados a todos nós). E portanto face a estes custos de associação existe alguma racionalidade nesta aparente apatia esboçada pela reacção da opinião pública e não exigência de responsabilidades políticas aos esbanjadores do seu capital.

Uma visão liberal para o País não pode deixar de constatar pragmaticamente a existência deste custo de agência associado à gestão pública e assume que a maneira mais eficaz de atacar este problema é a de reduzir a dimensão do Estado! Esta é indubitavelmente a maneira mais eficaz de conseguir mitigar este custo de agência para os cidadãos, pois esse custo tenderá sempre a existir, e como tal a maneira de o contornar será reduzir a dimensão dos recursos a gerir pelos “agentes” – o Estado. A redução do peso do Estado deverá ser a prioridade, mas esta deverá ser complementada com uma profunda reforma das práticas de gestão pública. Estou em crer que na agenda de uma alternativa liberal devem ser promovidas, entre outras, as seguintes medidas:

(1) . Instituir a cultura de gestão por objectivos, assegurando a definição de dashboards anuais e plurianuais para o Governo e para cada um dos Ministérios, com indicadores objectivos, mensuráveis e facilmente quantificáveis. O Primeiro-Ministro e cada um dos seus Ministros responderiam pela concretização dos respectivos objectivos e deveriam ter a sua remuneração indexada à performance do seu dashboard. Estes dashboards deveriam ser desagregados para todos os demais organismos públicos sob a tutela de cada Ministério

(2) . Garantir autonomia na formação das equipas de cada direcção-geral à respectiva liderança, exigindo em contrapartida uma gestão orientada a objectivos e responsabilidades em caso de incumprimento

(3) .Assegurar remunerações de cargos dirigentes da função pública competitivos com o sector privado, assumindo sem demagogia e dogmas ideológicos que os custos de uma gestão amadora são bem maiores para todos os cidadãos

(4) .Probir, para a maioria dos departamento estatais, derrapagens orçamentais – não havendo dotação orçamental, não se efectua a despesa e a mesma terá de ser adiada

(5) . Desenvolver a cultura contínua de “orçamento zero” – a existência de qualquer organismo e de qualquer rubrica orçamental deve ser questionada anualmente, acabando com a situação vigente de cópia “automática” dos mapas orçamentais de muitos organismos de um ano para o outro.

Estas são apenas exemplos de medidas necessárias para contrariar o cenário actual de cultura de desresponsabilização e de estabilidade na mediocridade da nossa gestão pública...Haja vontade política para o fazer!

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

[Off day] A ligação do PS a Mubarak

Deixo o link para a carta da Internacional Socialista (de que o PS faz parte) a expulsar o partido de Mubarak datada de 31 de Janeiro de 2011. Ou seja, entre 1989 e Janeiro de 2011 PS e o partido de Mubarak fizeram parte da mesma familia politica.

http://www.socialistinternational.org/images/dynamicImages/files/Letter%20NDP.pdf

Censos 2011

A maior operação estatística realizada em Portugal está de regresso e começará já no mês de Março, dez anos depois do último recenseamento da população e alojamentos. Apesar da inovação que o Instituto Nacional de Estatística faz questão de destacar no seu site (como e e-censos, em que as pessoas poderão responder aos inquéritos através da internet), o certo é que serão necessários milhares de recenseadores dispostos a fazer o serviço porta a porta.

Como muitos estudantes universitários (que pagam propinas avultadas), também eu me candidatei a um lugar de recenseador. À conversa com um dos coordenadores da minha Junta de Freguesia, apercebi-me que os dados relativos aos candidatos constituem um bom retrato do estado do (des)emprego no nosso país: para as cerca de 23 000 vagas concorreram 50 000 pessoas; grande parte destes indivíduos está desempregada (mais de 1/3), sendo que 17% são jovens licenciados; a média de idades ronda os 30 anos.

Esta «corrida aos censos», infelizmente, em nada nos surpreende numa altura em que a taxa de desemprego assume valores recorde (10,9%). Só espero que, se em virtude desta mega operação os valores do desemprego diminuírem ligeiramente (afinal, os desempregados candidatos a recenseadores ainda representam quase 0,3% da população activa), o sr. primeiro-ministro José Sócrates não tenha o descaramento de tentar tirar proveito da situação, como já nos habituou, tentando desesperadamente dar alguma credibilidade às políticas que o seu governo tem vindo a seguir.

As novidades

Este ano, e pela primeira vez, será possível responder aos inquéritos através da internet, as uniões entre homossexuais serão observadas e será feita uma georreferenciação, em suporte digital, dos edifícios de alojamento destinados à habitação.

A despesa

Segundo o Público, o orçamento total desta operação ronda os 50 milhões de euros, dos quais 2,5 milhões serão gastos em campanhas de publicidade em vários meios de comunicação, tais como «televisão, rádio e outros».

O modelo espanhol

O Público avança também que a Espanha irá este ano alterar o seu método de recenseamento, esperando poupar cerca de 300 milhões de euros. «Rompendo com o critério da universalidade, o Instituto Nacional de Estatística Espanhol inquirirá apenas 10% dos cidadãos, em vez de distribuir os inquéritos casa a casa, extrapolando depois os resultados à restante população».

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A democracia não é uma economia de mercado: cidadania e descentralização precisam-se!

Num mercado que funcione bem, os interesses do indivíduo alinham-se com os interesses do colectivo. Do mérito e do trabalho, o indivíduo terá normalmente a sua recompensa. E do mérito e do trabalho desse indivíduo, a sociedade beneficia. Todos ficam satisfeitos. É sabido que existem limitações a este modelo um pouco utópico de funcionamento da economia, mas ele é suficientemente próximo da realidade para reconhecermos que esta é a melhor forma de ter uma economia a funcionar, com alguns ajustes.

A democracia política não funciona assim. A probabilidade de algum dia um voto nosso fazer a diferença numas eleições é pouco maior do que nada. Para quê o aborrecimento, então? Ainda assim muitos de nós vão votar, por uma questão de consciência cívica. Se isto por um lado prova que a assunção homo economicus de egoísmo puro no comportamento humano tem mesmo limites, por outro lado indica-nos que o esforço e o mérito da acção do cidadão, na política, serão tremendamente menos estimulados do que numa economia de mercado...

Para votar bem não é suficiente saír do sofá no Domingo à tarde e fazer uma cruz. Para votar bem (e ser exigente e justo com quem votamos) é necessário estar atento, passar da análise superficial, perceber a complexidade da política e escrutinar em consciência dos factos. Isto dá muito trabalho, e requer mérito, ao cidadão. Os nossos media de horário nobre, essencialmente superficiais e inúteis, são um resultado do oposto. O cidadão médio português em geral aprofunda pouco a sua análise política, e não é exigente com os políticos (queixume não é exigência, para se ser exigente é preciso conhecer a realidade, e ser crítico na crítica).

Em democracia, temos que contar com a exigência do voto uns dos outros. Mas porque a democracia não funciona como uma economia de mercado, isso só poderá acontecer através de uma maior consciência cívica*. Mais Cidadania, precisa-se!

E uma democracia torna-se mais parecida com uma economia de mercado se as pessoas tiverem mais influência nas decisões tomadas. As pessoas terão também melhor informação sobre os políticos – e com ela poderão ser mais exigentes – se estiverem próximas das acções deles. Por isso, Descentralização, precisa-se!


* Não ir votar pode ser entendido como um sinal de desresponsabilização do cidadão, e de fraca exigência para com os políticos (e eles sentem isso). Um colega deste blog argumentava que qualquer cidadão tem a liberdade de não votar. É verdade, mas nesse caso pode fazer sentido criticá-lo, porque entre outros a cidadania também pode ser estimulada pelo poder da crítica.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Acerca do acordo Governo/Colégios Privados

Esta semana não consegui preparar o texto que queria, escrever um texto pressupõe, não só uma etapa de geração de ideias, como também uma fase de maturação. Infelizmente as ideias que tinha para partilhar esta semana não maturaram o suficiente.

De qualquer forma, hoje tive uma conversa que me permitiu uma reflexão interessante e que impede que este espaço fique em branco.

Em conversa com o Administrador de uma empresa detentora de vários colégios dizia-me ele algo do género:

"Defendo que as escolas privadas devem funcionar como empresas, se existir procura justifica-se a sua existência, se não têm simplesmente de fechar"

É interessante verificar esta posição por parte de uma pessoa que tem todo o interesse em que os colégios privados se mantenham abertos, acontece que existe a ideia errada que todos os beneficiados pelos subsidios estatais concordam com esta situação. Este é o caso de uma pessoa com responsabilidades numa empresa que defende o fim dos subsidios à mesma.

Por outro lado, o mesmo Administrador fez a seguinte queixa:

"O problema foi o governo anunciar esta medida depois de termos feito as contratações para este ano lectivo. Tivemos de dispensar várias pessoas que estavam a contrato."

Esta afirmação é bastante elucidativa de dois grandes problemas existentes em Portugal. Por um lado, as medidas politicas são apresentadas de forma avulsa sem estarem enquadradas numa estratégia de desenvolvimento económico, social e politico do país, sendo meramente circunstanciais.

Por outro lado, saltam à vista os problemas que as empresas têm devido à rigidez da lei laboral portuguesa. Em caso de necessidade de redução do número de trabalhadores, as empresas têm de escolher aqueles que têm vinculos mais permanentes e não os talentos. Ou seja, as empresas além de perderem produtividade por verem o seu número de trabalhadores reduzido, correm o risco de perdas adicionais pelo risco de terem que dispensar os melhores.

Esta situação é injusta para os trabalhadores e para as empresas,não privilegia o mérito e contribui para a diminuição da produtividade das empresas portuguesas, com os custos económicos e sociais que todos conhecemos.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Instituições europeias (I)

Ponto prévio: sou europeísta. Aliás, sou mesmo federalista. E sou-o por ser liberal, por defender as liberdades individuais e a economia de mercado como fundamentais para a existência de paz e prosperidade a longo prazo. A União Europeia é uma garantia desta paz e prosperidade, interligando as economias dos Estados Membros através do mercado único, e criando mecanismos de resolução pacífica de conflitos.

Para atingir as suas várias atribuições, a União Europeia possui um conjunto de instituições e órgãos. Neste âmbito, ouve-se habitualmente falar na Comissão Europeia, no Conselho e no Conselho Europeu, no Parlamento Europeu e no Tribunal de Justiça. Também se ouve falar do Banco Central Europeu, mas fará mais sentido discuti-lo no contexto do euro e da política monetária comum.

A distribuição de poderes na União Europeia não foi feita de acordo com o modelo clássico da separação de poderes. Cada poder foi distribuído por várias instituições, de forma a garantir um equilíbrio de poderes que levasse à participação das várias instituições no processo de tomada de decisão.

A Comissão Europeia é constituída por Comissários, um por Estado Membro, que não podem receber quaisquer ordens e instruções dos Estados, devendo sempre agir de forma independente. Tem o poder de iniciativa legislativa (que já foi um monopólio, mas desde o Tratado de Lisboa as coisas há uma excepção), que lhe foi conferido precisamente por ser independente dos Estados Membros, tem o poder de processar Estados por incumprimento dos Tratados (é a “guardiã dos Tratados”), e tem o poder de aplicar e fiscalizar a aplicação de normas europeias (p.ex. as normas relativas à Concorrência).

O Conselho é constituído por representantes dos Governos de cada Estado Membro, reunindo-se em várias configurações dependendo do tema a tratar. Tem poderes no âmbito do processo legislativo, onde começou por ser o único co-legislador, com a Comissão, mas também poderes executivos, através de vários comités (a chamada “Comitologia”). O Conselho delibera cada vez mais por maioria qualificada (que foi tendo várias encarnações), sendo a deliberação por unanimidade residual. Há um sistema de presidências rotativas do Conselho, que permitem a cada Estado Membro presidir ao Conselho durante seis meses.

O Conselho Europeu começou por ser uma reunião do Conselho ao nível de Chefes de Estado e de Governo, mas transformou-se com o Tratado de Lisboa numa instituição própria. O Presidente do Conselho Europeu tem um mandato de dois anos e meio, renovável uma vez. O Conselho Europeu tem por objectivo deliberar sobre a orientação política da União Europeia.

Finalmente, o Parlamento Europeu é, neste momento, co-legislador com o Conselho em todas as áreas (salvo política externa). Começou por ser uma Assembleia, de cariz meramente consultivo, na qual se reuniam representantes dos Parlamentos nacionais. Passou a ser eleito directamente pelos cidadãos nos anos 70, e as suas competências têm-se expandido exponencialmente desde então. O Parlamento Europeu tem também competência para aprovar o Presidente da Comissão Europeia e Comissários, bem como votar moções de censura à própria Comissão já em exercício de funções. Estes poderes estiveram em evidência quando a Comissão Santer se demitiu, antecipando-se a uma moção de censura que não lhe ia ser favorável, e também com a rejeição de candidatos a Comissário durante a Presidência de Durão Barroso.

(Continua.)   

[Off-day] Cadernos do Muro

Um fenomeno que merece desprezo. E combate.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O Falhanço do Multiculturalismo e o Financiamento das Religiões

"Let's properly judge these organisations: Do they believe in universal human rights - including for women and people of other faiths? Do they believe in equality of all before the law? Do they believe in democracy and the right of people to elect their own government? Do they encourage integration or separatism?

"These are the sorts of questions we need to ask. Fail these tests and the presumption should be not to engage with organisations"


Depois de Angela Merkel, é a vez de David Cameron pôr o dedo na ferida: o multiculturalismo falhou.


A questão não está em dizer que a convivência de múltiplas culturas, o pluralismo cultural, tenha falhado. A questão está em dizer que:
a) a "cultura" não é um bem em si
b) ela deve submeter-se a princípios que estão acima dela, como sejam os direitos humanos
c) a relação entre o Estado e as religiões tem de ser repensada.

O discurso dominante ainda é o de tapar o sol com a peneira e dizer que o mal não está nas religiões, mas nas pessoas. Está errado. Se uma ideia (como o nazismo, o comunismo, o cristianismo ou o islamismo) sistematicamente conduz a situações catastróficas, então o mal não pode estar apenas nas pessoas. O próprio sistema de ideias em causa é inevitavelmente mau.

Mas não precisamos de ir tão longe. Podemos fingir que o cristianismo e o islamismo são compatíveis com a democracia e os direitos humanos. Porque o que conta é a posição entre o Estado e as "culturas". Deve o Estado apoiar e financiar ideologias ou culturas particulares? Se sim, com que critérios?

A minha resposta, claramente, é não. Mas vou fazer ainda outra concessão. Aceitemos que o Estado financie, por exemplo, crenças religiosas. Deve fazer-lo indiscriminadamente? Deve dar o mesmo a todas? Deve ter em conta a antiguidade de cada uma no território nacional? Deve ter em conta o número de aderentes? Deve dar sem nada pedir em troca?

Resposta à primeira pergunta: não conheço ninguém que o defenda. A segunda pergunta reflecte aquilo que, por exemplo, está inscrito na lei portuguesa, o que, sendo um mecanismo de defesa contra cultos e seitas, não deixa de ser injusto para com as escolhas religiosas dos indivíduos. A terceira é a mais plausível, mas aferir o número de aderentes de determinado culto é difícil. Talvez a única forma seja pelos censos - o que coloca a questão de saber para onde iria a fatia do dinheiro dos ateus e agnósticos. Na Bélgica, existe o que se chama "laicidade organizada", gozando do mesmo estatuto das religiões tradicionais.

A quarta pergunta vai ao cerne do problema. Quem paga por algo, paga em troca de alguma coisa. Faz sentido um Estado democrático e liberal financiar igrejas ou seitas extremistas que pretendem acabar com esse mesmo Estado? Por que motivo pode o dinheiro público ser entregue a imãs radicais e gente da Opus Dei, mas não a gangues de skinheads? Qual é, ao fim e ao cabo, a diferença fundamental entre alguém que prega e pratica o ódio em nome de uma ideologia nascida há dois mil ou há mil e quinhentos anos, e alguém que prega e pratica o ódio em nome de uma ideologia nascida há oitenta anos? Pode a antiguidade fazer da imbecilidade uma virtude?

A questão que Cameron coloca resolver-se-ia se o Estado deixasse de promover culturas, religiões ou estilos de vida. Um Estado verdadeiramente liberal solucionaria o problema garantindo as mais amplas liberdades individuais, direito de organização dos cidadãos em comunidades autofinanciadas e repressão de qualquer tentativa de coarctar as liberdades alheias em nome de ideologias.

Tigres de papel ou belas adormecidas?

Por razões laborais, não foi possível escrever o artigo de ontem. De qualquer modo, não queria deixar de aproveitar para sugerir mais uma mui interessante leitura. Desta vez, o tema é o papel dos Parlamentos Nacionais no sistema político europeu pós-Tratado de Lisboa. Como creio ser do conhecimento geral, os parlamentos de cada País terão a possibilidade de desempenhar um papel supostamente importante no contexto do sistema político europeu. O advérbio não está lá por acaso: importa perceber qual - se alguma - poderá ser, na prática, a relevância desta intervenção. É essa a temática do artigo de Kaczynski, investigador num dos grandes centros de estudos políticos europeus da actualidade, CEPS

PS.: Declaração de interesses: o CEPS é o meu local de trabalho, mas a análise é mesmo boa.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Educação, Inovação e Desenvolvimento

Defino uma economia de sucesso como aquela capaz de se organizar e expandir, através da criação de riqueza, tendo por base o conhecimento. É a economia com gente capaz de criar os seus próprios métodos de trabalho, capaz de inovar e de aplicar essa inovação às suas actividades, tornando-se mais competitiva. É a economia com gente com visão estratégica, que olha para a globalização como uma fonte quase inesgotável de oportunidades e não de problemas. É a economia com gente capaz, em que se valoriza o mérito e se aproveita de forma eficiente o melhor de cada um. É a economia, no final de contas, de gente empreendedora.

Mas uma economia de sucesso não existe porque a sorte assim o ditou ou porque (como alguns dizem, leia) certos povos estão geneticamente melhor capacitados para atingirem o êxito. O sucesso advém, principalmente, de um esforço prévio em formação, de uma séria aposta na educação e inovação e de um investimento contínuo no capital humano.

Num mundo cada vez mais «tecnológico» e globalizado, como o dos dias que correm, em que os valores das trocas internacionais são colossais e os mercados cada vez mais dinâmicos e competitivos, inovar é palavra de ordem! Inovar pela qualidade, oferecendo novos bens e serviços ou pela criação de métodos de produção e gestão mais produtivos.

Os indivíduos, os seus conhecimentos e as suas capacidades (os únicos agentes habilitados para inovar) são, sem dúvida, o factor de produção mais importante dos nossos dias. Apostar na nossa formação é, portanto, uma aposta ganha, desde que tenhamos em conta que esta não se esgota nos bancos das escolas e universidades. A formação deve acompanhar-nos ao longo de toda a nossa vida profissional, de modo a mantermo-nos sempre trabalhadores actualizados, capazes de responder com sucesso aos constantes desafios lançados pelo progresso tecnológico e por consumidores cada vez mais exigentes.

A educação é o pilar do crescimento económico e do desenvolvimento e tal pode ser facilmente confirmado comparando os níveis de educação com os níveis de produtividade de qualquer país. Citando Stiglitz (Prémio Nobel da Economia em 2001), «não é o fosso entre recursos, mas sobretudo o fosso em relação ao conhecimento, que separa os países desenvolvidos dos menos desenvolvidos».

O primeiro grande passo rumo ao desenvolvimento (e a minha esperança para os muitos países que não se libertaram ainda das malhas do subdesenvolvimento) é perceber tudo o que sumariei nas linhas acima; o segundo, e talvez o mais difícil, é delinear uma estratégia vencedora, capaz de orientar todos os meios (quase sempre escassos) na alfabetização e escolarização dos indivíduos.

Importa ainda relembrar que uma melhor educação traz não só benefícios económicos, como também tem efeitos positivos ao nível das liberdades individuais. Uma sociedade mais informada e mais instruída é também uma sociedade com mais espírito crítico, capaz de pôr em causa e lutar contra aquilo que considera errado nos sistemas vigentes.

Portugal melhora em Inovação

Desde 2006 Portugal subiu 7 posições no European Innovation Scoreboard.

O país continua, no entanto, muito aquém da média europeia nos itens «investimento das empresas» e «recursos humanos».

«Portugal is one of the moderate innovators with a below average performance. Relative strengths are in Open, excellent and attractive research systems, Finance and support and Innovators. Relative weaknesses are in Firm Investments, Intellectual assets and Outputs.

Positive growth is observed for most indicators and in particular for Business R&D expenditure, PCT patent applications in societal challenges and Community designs. A substantial decline can be observed for Venture capital and Non-R&D innovation expenditure over the 5 year reference period, although Venture capital has almost doubled in 2009 with respect to 2008. Growth performance in Open, excellent and attractive research systems, Linkages & entrepreneurship and Intellectual Assets is below average. In other dimensions it is below average».

Dados retirados do European Innovation Scoreboard

O que me parece, e em sequência de um dos artigos anteriores, é que em Portugal, apesar de todos os sucessos no campo da Investigação e Desenvolvimento que conhecemos através da televisão e dos jornais, o medo de arriscar e ser inovador está ainda muito presente entre o tecido empresarial português. Atrair talentos e profissionais dinâmicos (incluindo os nossos próprios bons profissionais portugueses) e acabar com a dependência dos subsídios do Estado é o que país precisa.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Constrangimentos Biológicos à Liberdade Intelectual (2ª parte)

“O luxo não tem importância, ter a capacidade de pensar é o único luxo importante”

A frase é de um simples cozinheiro argentino conhecido no nosso país, mas chama a atenção para importância da nossa liberdade intelectual. A semana passada falava em como os nossos condicionamentos biológicos constrangem essa liberdade.

Podemos, no entanto, controlá-los melhor ou usá-los a nosso favor. Aliás, temo-lo feito abundantemente à medida que evoluímos como homem. Os meus avós por vezes comentam comigo que no tempo deles, no meio rural em que viviam, as pessoas eram “selvagens, brutas, como animais”. No espaço de apenas duas gerações terá havido uma evolução enorme. Hoje, as pessoas conseguem dominar melhor os seus impulsos. Geração após geração, os filhos recebem os ensinamentos dos familiares e resto do meio que os rodeia. E, para além dos ensinamentos e exemplos directos que recebem, têm a possibilidade de evoluir sozinhos, se lhes for dada essa capacidade. Para tal, a educação e a disseminação da informação tiveram um papel fundamental. A melhoria do acesso à educação pública foi, em poucas décadas, enorme. O meio relativamente pequeno em que as pessoas viviam tornou-se mais vasto, e as fontes de informação e de exemplo multiplicaram-se.

A conquista da liberdade intelectual tem, no entanto, ainda um caminho longo a percorrer. Há pelo menos década e meia tornou-se relevante no meio da psicologia e fora dele o tema da “inteligência emocional”, amplamente celebrizada pelo livro com o mesmo nome (de Daniel Goleman). Nele se explora o papel das emoções no nosso comportamento e a inteligência com que conseguimos lidar com elas, fulcral para o nosso desenvolvimento enquanto seres humanos. Emoções instintivas como o medo, a preferência das escolhas de curto face às de longo prazo, ou o sentimento de rivalidade e competição face aos outros, induzem comportamentos forjados evolucionisticamente à medida da realidade dos nossos antepassados, e não da nossa. Os perigos que enfrentamos hoje já não são, em geral, de sobrevivência. E já não se justificam os sentimentos de medo que temos face aos outros. Os bens e recursos que possuímos têm um risco muito menor de se destruir ou perder, por exemplo nalguma emboscada de uma tribo rival ou pelo mau tempo, do que acontecia aos nosso antepassados, e por isso hoje deveríamos em termos racionais dar muito mais valor aos benefícios de longo prazo do que (emocionalmente) lhes damos. A reprodução – objectivo último de todas as espécies bem sucedidas – já não justifica hoje de todo o anseio permanente de emulação perante os outros.

Poderão ser úteis as políticas públicas na busca deste tipo de liberdade? Está já significativamente explorado o modo como o podem realizar, de uma forma mais ampla do que já fazem. O meio de intervenção mais útil será, evidentemente, e mais uma vez, o da Educação. A idade mais jovem é aquela em que melhor absorvemos ensinamentos, ainda mais aqueles que se referem à nossa natureza emocional. É por isso que, provavelmente, num futuro tão próximo quanto possível, a “formação” em inteligência emocional faça parte de forma mais constante e abrangente dos currículos do pré-escolar e primeiro ciclo. Nesta fase, as crianças poderão aprender deste cedo o valor de adiar a recompensa, as vantagens da cooperação, e da desvalorização da rivalidade pela rivalidade, a não formar julgamentos precipitados (pelo medo) do outro e das suas intenções, ou a pensar autonomamente. Em idades mais avançadas, é possível ensinar aos indivíduos por exemplo os benefícios da auto-análise, do pensamento positivo ou da interacção empática com os outros. Pode-se aplicar este ensino quer nos ciclos mais avançados do ensino, quer também no sistema de saúde. Neste último meio, os ensinamentos da inteligência emocional podem assistir os doentes a enfrentar melhor os seus problemas de saúde e psicológicos.

Já agora, os políticos poderão também, na sua acção, aprender com as noções dos constrangimentos biológicos à liberdade intelectual, e da inteligência emocional. É possível aplicá-los tanto na sua relação com os parceiros e adversários políticos, mas em especial com a dos cidadãos. Barack Obama foi até agora mestre nisso nas relações internacionais, na forma como soube afastar a desconfiança e o medo entre nações e culturas, com resultados fabulosos à vista, quer tangíveis – e.g. acordos nucleares – quer intangíveis – sentimentos dos povos entre si.

A liberdade intelectual é, por fim, também um factor de saúde da democracia, da economia, da ciência e de todos os elementos da esfera da intervenção política. Em Portugal, vivemos numa democracia desde há 36 anos e hoje a maioria da população vive acima de um limiar mínimo de conforto. Podemos arriscar-nos a dizer que, tivéssemos tido a possibilidade de dar mais liberdade intelectual às nossas pessoas há mais tempo, e teríamos conquistado essas outras liberdades em semelhante medida. Aproveitemos agora esse potencial.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Descentralização, um caminho para o desenvolvimento económico

A discussão acerca da descentralização em Portugal é recorrente, seja pelo facto da constituição da república prever a implementação de regiões administrativas seja pela necessidade sentida pelas populações, fora dos dois grandes centros urbanos (Lisboa e Porto), de controlarem as políticas de uma forma mais próxima. Porém, parece-me pertinente começar por distinguir dois conceitos que surgem muitas vezes, erroneamente, como um só: regionalização e descentralização.

A descentralização consiste, de forma muito resumida, numa transferência de poderes e responsabilidades de um nível territorial superior (nível nacional) para sub-níveis territoriais. Por sua vez, a regionalização é apenas uma das formas de organização territorial que, apesar de implicar um maior ou menor nível de descentralização, não encerra em si todas as possibilidades descentralização.

Neste sentido, quando falamos de um processo de regionalização em Portugal, estamos a referir-nos apenas a uma forma possível de descentralização, que consiste na criação de um nível administrativo intermédio, entre os municípios e o poder central. Existem, no entanto, outras formas de descentralização, como por exemplo através do sistema municipal. Neste caso, a descentralização opera-se através da transferência de poderes e responsabilidades do poder central para o poder autárquico.

Independentemente da forma adoptada para a descentralização, parece cada vez mais evidente a existência de uma relação positiva entre o nível de descentralização e o desenvolvimento económico. Exemplo disso são os resultados de um estudo levado a cabo pela Assembleia das Regiões (2009), segundo o qual existe uma relação directa entre o nível de descentralização (neste caso foram analisadas as regiões e não os municípios) dos países e o seu desenvolvimento económico.

Este estudo teve em conta o índice de descentralização a três níveis: descentralização administrativa (por exemplo se existe um conjunto de funcionários públicos com tabelas salariais próprias ao nível regional), descentralização funcional (i.e. poder das regiões para implementar as politicas, por exemplo, politicas educativas), descentralização política (por exemplo, a existência de um governo regional), descentralização vertical (i.e. a autonomia das regiões para a distribuição do poder de forma hierárquica) e descentralização financeira (por exemplo, a possibilidade das regiões criarem impostos).

No que diz respeito a Portugal, este estudo incidiu apenas nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, uma vez que não existem outras regiões (ou municípios) autónomas. Em termos de resultados globais, Portugal apresenta um nível de descentralização inferior ao da média europeia, sendo que apresenta valores superiores apenas no sub-índice descentralização funcional e descentralização política.

Tendo em conta os resultados deste estudo, parece evidente que o caminho para o desenvolvimento económico do país tem de passar por uma maior descentralização. Isto é ainda mais evidente quando as regiões nacionais que foram estudadas, são vistas em Portugal com elevado nível de descentralização, mas pelo comité das regiões com um índice de descentralização abaixo da média.



Estudo da Assembleia das Regiões