quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Não quero que a Troika se Lixe!

Importa antes de mais começar fazer uma declaração de interesses. 
Sou filiado e membro do Partido Social Democrata com as quotas em dia.
A minha adesão é recente e a história é longa e não interessa para aqui. 

Não vou à Manifestação do próximo dia 2 de Março convocada pelo Movimento 15 de Setembro. 

As minhas razões:

Primeiro: O Governo responde perante o Parlamento! Existem, muitas coisas mal. Um erro óbvio, foi o aumento do IVA para a restauração e poderia dar muitos mais, que radicam na forma mal preparada como nos fomos ajoelhar perante essa mesma Troika a pedir o dinheiro. Que alternativas tem a Oposição dado?

Segunda: Se o Governo cair como muitos pedem, a Esquerda está mais próxima hoje de uma Grande Coligação do que estava em 2009? 

Terceira: Para onde nos querem levar com esta Manifestação. Que ideologia tem este movimento 15 de Setembro? Ao ler por exemplo este texto de Paulo Varela Gomes um intelectual que muito prezo, fico estupefecto com este final de frase

"o lugar mais honroso onde podem estar Jerónimo de Sousa ou Catarina Martins é a prisão." 

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Como estagnar

1. Ler apenas textos com que se pensa que se concorda à partida e não ler textos com os quais à partida não se pensa concordar.

2. Não tentar compreender as posições dos outros, não estudar os argumentos contrários e não tentar entrar em formas de pensar diferentes.

3. Argumentos de autoridade constantes, insultos e distorções em vez de debates com o lado contrário.

4. Usar conclusões como premissas.

5. Não re-examinar o que se pensa periodicamente.

6. Apenas falar com gente do mesmo círculo e com que se concorde de antemão ou com quem se faça um juízo de que se vai concordar.

7. Não estudar os assuntos para além de slogans que soem bem ou de que se goste por serem bem intencionados.

8. Falácias lógicas e distorção de dados para "ajudarem" argumentos.

9. Repetição acrítica de supostas autoridades.

10. Auto-proclamar opiniões como sendo objectivas.

Tudo formas de evitar desafiar aquilo que pensamos, de forma a continuarmos sempre a pensar o mesmo. Tudo formas de arrasar debates pela raiz, impedindo frutíferas trocas de ideias.

No fundo: assumir que se tem sempre razão, e tudo o resto vem por acréscimo. Chegar primeiro a conclusões de que se gosta e depois tudo fazer por ignorar aquilo que as contrarie, apenas prestando atenção àquilo que pareça útil para as substanciar.

Com esta forma de proceder, fica-se estagnado, as ideias ficam ocas e enfraquecem por falta de exposição a ideias contrárias, tornando-se mais frágeis à medida que nos esquecemos da sua base de sustentação.

Debater com quem parte dos pontos acima é candidatar-se a ser insultado e ter as suas motivações questionadas, por gente que até se poderá dizer incrivelmente humilde e interessada em debates vigorosos e substantivos. Debates tão vigorosos e substantivos como aqueles que Lancaster Dodd pretende ter no filme "The Master".

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Grândola Vila Morena e outras breves histórias

1. A carta de António José Seguro não tem conteúdo útil. Não passa de uma manobra política interna, show off para o país e para dentro do PS, irrelevante internacionalmente, que nada contém de interessante em termos de ideias para resolver problemas concretos e reais. Vem na senda do «Documento de Coimbra» (ex-«Portugal Primeiro»), cujas 27 páginas se resumiam a dizer que o PS continua a querer as mesmas políticas económicas que já queria antes, só que com uma federação europeia. Ora, eu sou federalista, e também quero uma federação europeia. Mas não tenho qualquer interesse no modelo de desenvolvimento económico proposto pelo PS.

2. Defender a liberdade de expressão impedindo outras pessoas de falar, incluindo cantando o «Grândola, Vila Morena», é um contra-senso. Defender a liberdade de expressão passa por deixar os outros falar e por lhes responder. Fazer isso denota cultura democrática e interesse em particular no processo deliberativo democrático. Tentar impedir os outros de falar denota falta de cultura democrática, aparente desprezo por opiniões contrárias, e impede, não promove, o debate público. Mas uma coisa boa veio disto tudo: ao decidirem tentar impedir outros de falar, aquelas pessoas mostraram ao que vêm e como pensam de forma muitíssimo clara. E de forma também muitíssimo clara, não podia estar mais longe do entendimento que aquelas pessoas parecem ter daquilo que é a promoção da liberdade de expressão na nossa democracia.

3. O movimento "Que se lixe a troika!" não representa o «povo». Representa os seus membros. Os representantes do povo não o são por auto-proclamação. São-no pelo voto. No nosso sistema, têm assento na Assembleia da República. Vivemos num sistema de democracia representativa. Pela amostra, alguns apoiantes da «democracia real» (o que quer que ela seja) pretendem-se representantes do «povo» porque sim, porque eles, humildemente, decidiram que falavam por toda a gente do país que não seja banqueiro (e portanto, por definição, maléfico) ou político (e portanto, por definição, corrupto) ou «rico» (e portanto, por definição, um inimigo). Mas, por muito que gostem de pensar que falam, não falam. Falam por eles próprios. E não vejo qualquer legitimidade para que falem em nome de quaisquer outras pessoas.

4. Continuamos a assistir a gente a exigir ao Ministro das Finanças o dom de adivinhar o futuro. Constantemente se vêem capas de jornais sobre previsões económicas neste sentido. Depois, pinta-se uma imagem do Ministro, com base na opinião de comentadores que nem dominam os temas, nem provavelmente conhecem o Ministro. E, finalmente, põe-se em causa a credibilidade e competência técnica do Ministro com acusações baseadas na tal noção de que ou ele é adivinho, ou ele é incompetente. Só que esta noção é um disparate. O nosso Ministro está a fazer o trabalho dele, que por sinal é o de equilibrar as contas públicas em tempos de crise e num contexto em que cortar na despesa é um inferno e aumentar os impostos é, claro, impopular. Claro que há quem pense que as contas públicas estarem em ordem não é relevante, só que foi precisamente com esse pensamento que chegámos até aqui. E não é com pensamento mágico que vamos sair do buraco onde estamos.

5. Muita gente que comenta o tema das previsões económicas fá-lo claramente com base no «achismo». Não tem previsões nenhumas. Pelo que nunca poderá «enganar-se». Mas estará sempre pronta para falar dos terríveis enganos dos outros, naturalmente. E, também naturalmente, ninguém está preocupado em que esses comentadores prestem contas e sejam confrontados com aquilo que dizem ou disseram. Como ficamos sempre no domínio das frases ocas e nos apelos sem conteúdo, também seria difícil fazê-lo. É muito mais fácil mandar postas de pescada do que tomar decisões (que por definição implicam escolhas) em tempo de crise. E para que não restem dúvidas - essas decisões são sempre criticáveis. E, como vivemos em democracia, existe liberdade de expressão e há pluralidade de opiniões, vai haver sempre críticas. Acontece que as opiniões dos comentadores também são criticáveis. Só que criticá-las muitas vezes é difícil. Afinal, as ideias feitas e as trivialidades abundam, e é difícil desmontar coisas vazias de conteúdo sem acabar sugado para uma enorme discussão vazia e sem conteúdo.

6. «Apostar na Economia» não tem de significar despejar dinheiro público na mesma. Pode também significar retirar barreiras desnecessárias que o Estado cria, por exemplo. Também pode significar baixar as taxas e simplificar o sistema fiscal, cortar na despesa pública, e até mesmo promover uma reforma do Estado com pés e cabeça. Pode até significar fazer todos os esforços para que se consiga mesmo um acordo de comércio livre entre os EUA e a União Europeia, por exemplo. Mas ai de quem diga que quer fazer isto. Leva logo com insultos, incluindo as famosas acusações de «fascismo» ou «salazarismo». No fundo, há gente que considera que a democracia consiste em aplicar políticas com que ela concorda. O resto é, por definição, ilegítimo. E há quem julgue que, sendo o resto ilegítimo, o que há mais a fazer é cantar o «Grândola, Vila Morena» para impedir os outros de falar.

Só que têm azar. Porque há quem preze a liberdade de expressão. E não se cala.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Pensamentos soltos sobre a governação

Tornou-se passatempo entre os opositores deste Governo vir dizer que o Primeiro Ministro se deve demitir e que o Governo não tem legitimidade para governar. A alternativa seria uma variação de promessas várias de soluções supostamente indolores para a crise financeira e económica. Pelo meio, o Governo é criticado por não prever o futuro com a exactidão de um mago com poderes de divinação por gente que não parece perceber o que são previsões económicas, é criticado por querer cortar despesa e, ao mesmo tempo, por uma minoria, por não cortar o suficiente e no imediato (gente que parece literalmente achar que a despesa se corta riscando entidades no Orçamento do Estado a eito e já está). Sistematicamente temos ainda sido brindados com brincadeiras políticas desinteressantes dentro da própria maioria, enquanto o principal partido da Oposição definha (como é típico dos principais partidos da Oposição) sem mais do que uns quantos «slogans» popularuchos que vai repetindo alegremente.

Tudo somado, eu quero ver cortes na despesa e uma reforma do Estado, porque me parece que são a melhor forma de lidar com os nossos problemas. Não espero as alterações feitas do dia para a noite, dado que não espero que problemas acumulados de décadas sejam resolvidos de uma assentada. Este Governo já fez algumas reformas interessantes, vindas do Memorando de Entendimento, que incluem por exemplo a nova lei quadro das ordens profissionais, o processo especial de revitalização ou a nova lei das rendas. Fizeram alterações ao Código do Trabalho que estiveram longe da revolução que se andou por aí a anunciar (e a criticar), e que não vão no sentido de resolver um dos principais problemas do nosso mercado de trabalho, que é a segmentação. Mas têm continuado a aproximação de regimes entre o trabalho privado e o trabalho público, o que me parece meritório.

Claro que depois também propõe coisas como um imposto sobre as transacções financeiras ou um banco de fomento público, com as quais eu não concordo, mas pelo menos não parecem ter o fascínio pelas grandes obras públicas a torto e a direito de Governos anteriores (ajuda o estado das nossas finanças públicas e a existência do Memorando de Entendimento). Pelo contrário, o PS parece ter como estratégia para ultrapassar a crise o país continuar com exactamente o mesmo tipo de políticas económicas que nos trouxeram problemas, só que com uma federação europeia. E isto também não me parece factor particularmente distintivo, tendo em conta as posições que o Governo tem tomado, por exemplo, no que toca à união bancária ou na participação de Paulo Portas numa tomada de posição conjunta no ano passado em que o federalismo é expressamente mencionado. Preferiria uma posição menos inequívoca, mas a verdade é que também não me revejo particularmente no tipo de federalismo que o PS parece defender.

Estou numa terra de ninguém. Mas tendo em conta aquilo que vejo na Oposição, parece-me claramente preferível que este Governo continue no poder até ao final do seu mandato. Esta, aliás, tende a ser a minha preferência em geral. Estou longe de considerar boa ideia deitar Governos abaixo e de ser fã da abertura de crises políticas, o que aliás me faz tender a ser favorável a medidas como a moção de censura construtiva (em suma, quem apresentar uma moção de censura tem de apresentar uma alternativa de Governo - imagine-se o impacto desta medida aquando do Governo anterior). Sou particularmente avesso à transformação das crises políticas, com todas as consequências e graves custos que têm, em meras partes de joguinhos políticos sem conteúdo.

Li que o «guião» para a reforma do Estado que vai ser apresentado pelo Governo estará a cargo do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas. Este vai ter a hipótese de mostrar que vale mais do que aquilo que parece valer até agora, depois de todas as suas jogadazinhas políticas. Todo o Governo vai ter a hipótese de demonstrar que a reforma do Estado vai mesmo avançar, com base em princípios claros e em propostas estudas, bem pensadas, estruturadas e sérias. Como diz Pedro Pita Barros, as reformas vão demorar tempo a ter efeito, mas é preciso começá-las o quanto antes.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Julgamentos mediáticos sumários sobre pessoas e ideias

Há quem pareça pensar como se as opiniões devessem ser respeitadas como únicas possíveis, legítimas e que não traem segundas intenções ou agendas escondidas. Há quem pareça pensar que é objectivo, ou que como cita supostas autoridades que considera credíveis, a sua opinião passa a ser objectiva, sem qualquer enviesamento, e que, de novo, quem tenha opinião contrária ou é ingénuo ou é um malandro.

No fundo, uma pessoa pergunta-se o porquê de haver eleições - bastaria, ao que parece, pedir a opinião a essas pessoas, que tudo sabem de forma objectiva, e aplicar o que elas digam. Claro que muitas dessas pessoas não dão o passo seguinte, procurando colocar-se numa posição em que possam tentar implementar as suas ideias. Afinal, não são políticos! E é aos políticos, presumidos culpados de todos os vícios e crimes, que compete implementar as ideias que eles defendem. Se não o fizerem, de novo, ou são ingénuos, ou são malandros, com clara preponderância para serem categorizados como criminosos corruptos a soldo de sabe-se lá quem (varia dependendo do acusador).

Esses julgamentos de carácter sumários são muito ajudados pela comunicação social. E não são só as figuras públicas que são sujeitas a este tipo de julgamentos sumários. As ideias também o são. Não fiz qualquer estudo empírico, mas o que observo é o formar consistente de uma posição qualquer dominante sobre um determinado tema, agressivamente defendido um pouco por todo o lado. Depois, há uma sondagem qualquer em que se indica que «a maioria dos portugueses» também defende essa posição dominante entre comentadores profissionais e divulgada na comunicação social.

Tudo isto tem custos. Afasta pessoas interessantes da política, por não quererem a catalogação imediata inerente à condição de político, criando um círculo vicioso. Os temas não são tratados com profundidade, demasiadas vezes são tratados com erros, e as pessoas acabam por manter-se alheadas de debates importantes. Também demasiadas vezes, a repetição acrítica e contínua de opiniões de supostas autoridades torna qualquer debate impossível, porque pura e simplesmente não dá para trocar argumentos.

Citar as opiniões de supostas autoridades com as quais se concorda não é ser-se objectivo e argumentos de autoridade não são argumentos válidos num debate. Copiar argumentações que não se entendem (e que por vezes se reproduz com erros relevantes) não ajuda muito a sustentar as posições em causa. Pressupor más intenções com base em inferências e insinuações e insultar pessoas com quem não se concorda não ajuda o debate. Misturar conceitos não ajuda o debate. Fazer julgamentos sumários e ignorar os argumentos contrários não ajuda o debate. 

A presunção de objectividade por parte de uma certa pessoa não a torna objectiva. Em vez de proclamações de objectividade, parece-me preferível tornar claro, à partida, na medida do razoável, as nossas posições de partida. Mostrar as nossas influências. Deixar claro de onde poderá surgir enviesamento. Isso clarifica a nossa posição e ajuda a perceber os nossos argumentos, enquanto proclamações de objectividade apenas servem para obscurecer toda esta base relevante para se entender o nosso pensamento. Claro que as próprias proclamações podem ter leituras, porventura pouco abonatórias, para usar um eufemismo, por parte de outros participantes no debate.

O efeito prático

As ideologias dão hierarquias de valores e ajudam a estabelecer objectivos. Ajudam também a seleccionar os meios, dado que criam uma hierarquia de valores que permite aferir quais esses mesmos meios. Mas não ajudam a determinar se um meio é ou não é adequado a um determinado fim. Para se aferir isso, é preciso ou estudar os seus efeitos práticos (caso já tenha sido implementado), ou tentar prever quais poderão ser (com base em experiência e teoria relevantes). E isto inclui ver quais poderão ser consequências indesejáveis de um meio que à primeira vista pareça ser adequado a um determinado fim.

Não basta enunciar um determinado objectivo e depois decidir que se vai utilizar um determinado meio porque se acha que esse meio é adequado. E depois de se implementar aquilo que se defende, é fundamental aferir o efeito prático no terreno daquilo que se implementou, de forma a determinar se está a ter o efeito pretendido ou não, ou se até está a ter efeitos perniciosos e a agravar o problema que é suposto estar a resolver.

Claro que muitas vezes estes debates são complexos. Envolvem conhecer dinâmicas e sistemas também eles complexos, e a forma como as medidas os influenciam não será muitas vezes unívoca. Conseguir simplificar estes debates sem os tornar simplistas é uma tarefa difícil mas importante. Os meios de comunicação social deviam desempenhar um papel relevante neste domínio, ajudando a clarificar posições e argumentos técnicos, de forma simples mas rigorosa, de forma a permitir que mesmo leigos na matéria consigam acompanhar e mesmo participar nos debates de forma mais informada.

Não quer isto dizer que o meu ideal seja um governo de supostos iluminados peritos que em teoria dominem as matérias que se propõem tratar. Longe disso. Mas a intervenção de técnicos qualificados que estudaram os assuntos de forma empírica e o mais isenta possível é importante. Não porque tenhamos de seguir as suas opções políticas. Mas porque ajudam a criar alternativas práticas que se possam seguir tendo em conta os objectivos políticos que se determinaram.

O debate político é inerentemente ideológico. Mas isso não significa que se deva ignorar a parte técnica. Antes pelo contrário. Devemos ter vigorosos debates ideológicos e técnicos sobre as medidas que nos propomos implementar. E depois avaliá-las consecutivamente para ver se estão a ter os efeitos práticos desejados.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Pensamentos soltos sobre políticas públicas, o indivíduo e a comunidade

Não estudar os assuntos não torna as opiniões mais puras ou objectivas. Também não torna as propostas melhores ou piores por definição - a questão é como defender essas propostas se não se sabe do que se está a falar. Como tentar explicar as consequências quando não se estudou aquilo que se vai mudar?

As políticas públicas têm objectivos políticos e têm subjacentes hierarquias de valores. Mas aplicá-las ou desenvolvê-las com base em crenças cegas pouco ajudará a que elas tenham os resultados pretendidos, da mesma forma que eu querer muito voar não me permite atirar-me de um penhasco nu e conseguir voar.

"Wishful thinking" não é uma boa base para políticas. Puros preconceitos também não. E quem diz políticas públicas, diz também políticas privadas, mas aí cada um decide por si - e há que defender quem não o consegue fazer. Os problemas não se costumam resolver por decreto, principalmente quando esse decreto tem consequências negativas inesperadas e que não se pretendem.

Claro que o que é negativo para uns é positivo para outros, e o que é ilegítimo para uns é legítimo para outros. Existindo uma sociedade plural e diferenças de opinião, é preciso arranjar uma forma pacífica de lidar com isto. Claro que as pessoas já têm tendência para se juntar em grupos com os quais se identificam. A questão é como lidar com entradas e saídas nesses grupos e como lidar com relações entre pessoas dentro do mesmo grupo, entre pessoas de grupos diferentes e entre grupos diferentes.

Uma forma de lidar com tudo isto é esquecer o indivíduo, erigir barreiras e ter grupos extremamente homogéneos. Outra forma e dar poder (liberdade) ao indivíduo e criar condições para que este se desenvolva com a maior autonomia possível, entrando os grupos como mecanismos de resolver problemas que não se resolvem individualmente. E há uma panóplia de formas de organização social que tentam regular da melhor forma possível a relação entre o indivíduo e a comunidade e as relações entre indivíduos.

Há quem tente legitimar as suas preferências a este nível como sendo as únicas possíveis e as únicas legítimas. Há quem tente argumentar com base nas consequências daquilo que propõe. E eu tendo a preferir esta segunda via, por muito que isto leve a um debate perpétuo, até porque eu tendo a ver o debate como fundamental na vida de uma comunidade.

Como individualista, defendo mecanismos de protecção do indivíduo e das diferenças face à comunidade e à maioria. Defendo que as crianças não pertencem aos pais e têm direitos oponíveis aos pais, e que esses direitos têm de ser garantidos. Defendo, em suma, que a base da organização está em direitos humanos, em direitos fundamentais, que protegem a liberdade e a igualdade de oportunidades de cada um.

Nem toda a gente que se diz liberal defende o que eu defendo. Óptimo. Nem seria de esperar outra coisa. Até porque eu olho para muita gente que se diz liberal em Portugal e noto mais o seu conservadorismo que o seu liberalismo. Da mesma forma que há quem goste de me chamar fascista e acusar-me de querer as piores patifarias. Ou de ser socialista, por não cumprir os requisitos de pureza liberal que essas pessoas defendem.

É daquelas. Sou liberal, sou democrata e sou federalista. Tenho vários textos que, no seu conjunto, tento que sejam coerentes e mostrem como é possível conjugar todas estas vertentes daquilo que eu penso. Se há quem, em vez de discutir isso, prefere discutir o rótulo, confesso que não acho essas discussões das mais interessantes. Mas estou preparado para as ter.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Confusões em contínuo - reforma da comunicação social

Confundir uma linha de mercadorias com o TGV é um erro grosseiro que lança a confusão relativamente a um tema que teria bastado prestar o mínimo de atenção à política de transportes do Governo para se perceber que não fazia sentido. A linha de mercadorias não é novidade. Que tem por profissão acompanhar estes temas tinha a obrigação de saber isto, ou pelo menos de investigar o assunto (tal como no caso Baptista da Silva, não seria uma investigação complicada). Em vez disso, tivemos comentários a comentários a notícias e a comentários a uma notícia que estava, pura e simplesmente, errada.

Pior: mesmo depois de se perceber que está em causa uma linha de mercadorias, o tema continuou a ser tratado (pelo menos, foi o que eu ouvi), por certos títulos, com referências ao TGV, que, naturalmente, induzem em erro quem as lê. Nada disto contribui para um debate público saudável, nem para a credibilidade da comunicação social. Se subitamente nos virmos na contingência de investigar por nós próprios as notícias que lemos por nos parecer que há ali qualquer coisa que não faz sentido, em que medida é que a comunicação social estará a cumprir o seu papel de nos poupar, pelos menos em larga medida, esse trabalho?

Confusões em contínuo geram mais confusões, numa altura de crise em que finalmente se debatem temas tão fundamentais como a reforma do Estado, políticas orçamentais a médio e longo prazo, bem como aumentos de impostos e cortes na despesa de uma forma genérica. Conjugar estas confusões com o empolamento e a distorção de citações fora de contexto em que pessoas de carne e osso são caricaturadas sob a forma de terríveis vilões (Fernando Ulrich, Isabel Jonet) diminui a nossa capacidade de debater temas fundamentais (que também incluem, por exemplo, a reforma da UE). Acabamos a gastar recursos a desfazer confusões (ou a tentar, o que por vezes se revela complicado) e a clarificar afirmações tornadas polémicas e não a discutir as nossas opções de futuro.

É evidente que quaisquer afirmações públicas vão ser sujeitas a escrutínio público. É assim que as coisas funcionam quando há liberdade de expressão. Mas o tratamento jornalístico é um filtro que medeia aquilo que acontece e as pessoas, e que vai ajudar, e muito, a moldar e a balizar o debate, incluindo a definir prioridades no debate público. Confusões geradas pelo filtro geram confusões no debate, pelo que seria importante que os meios de comunicação social assumissem os erros que cometem e expliquem como vão tentar melhorar no futuro. E deve haver pressão para que existam essas melhorias, tendo em conta a situação do debate público em Portugal, a credibilidade da comunicação social, e mesmo a sua actual situação financeira e comercial.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Ignorar o que o outro lado diz

Uma forma de lidar com os argumentos contrários é ignorá-los. Por vezes, os argumentos são ignorados porque não são compreendidos. Demasiadas vezes, os argumentos são ignorados porque o objectivo é repetir uma mensagem várias vezes até que entre, e não verdadeiramente debater com o outro lado. Sendo que uma forma de fazer o público ignorar os argumentos contrários é passar por cima deles e fingir que não existem.

Ser confrontado com alguém que ignora a nossa argumentação pode ser desmotivador. Pode ajudar a que o outro lado "ganhe" por cansaço. Não ajuda a esclarecer nada e acaba por servir para pouco mais que para evangelizar - muitas vezes enquanto se acusa o lado contrário de fazer isso mesmo, por se ignorar por completo o que esse lado diz.

Tentar perceber o outro lado e as suas premissas é mais difícil do que ignorá-lo. Responder a argumentos pode ser bem mais cansativo e fingir que eles não existem. O resultado são monólogos tipo comício, e não uma verdadeira exploração daquilo que aproxima ou separa várias posições. Para se conseguir chegar a alguma conclusão sobre os méritos relativos de várias posições é importante vê-las em confronto, é importante ver as respostas e contra-respostas que faltam nestes monólogos em que se ignora o lado contrário.

Claro que pode bem acontecer que se ignore aquilo que não se percebe - algo que por vezes se torna desagradável quando é embebido num tom de incomparável soberba. Soberba essa que se torna particularmente insuportável quando o que está em causa é pura e simples desonestidade ou preguiça intelectual - a pessoa percebe mas finge que não, ou a pessoa ignora porque nem faz um esforço por perceber. Geralmente, essa soberba apenas ajuda a que se fique na mesma, faltando a humildade mínima necessária a um debate relevante.

Usar truques para obscurecer a posição contrária não torna a posição defendida mais forte ou mais válida. O uso desses truques pode até ser sinal do contrário, da fraqueza da posição em causa. Enquanto parte do público, é importante estar alerta para estes truques, e ouvir ou ler muito bem o que todas as partes dizem ou escrevem. Isso é uma ajuda poderosa a, com espírito crítico, pensamento estruturado e reconhecimento dos nossos próprios preconceitos, formarmos as nossas próprias conclusões da forma o mais livre possível, ajudando a que possamos pensar por nós próprios, e não apenas seguir cegamente outros.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Adolfo Mesquita Nunes torna-se Secretário de Estado do Turismo

Adolfo Mesquita Nunes tornou-se Secretário de Estado do Turismo. Tem agora a hipótese de provar que quer mesmo cortar na despesa, fazendo propostas muito concretas de redução de despesa na Secretaria de Estado do Turismo, e apostando, não nos gastos públicos com o turismo, mas sim na redução de encargos públicos sobre as actividades turísticas.

Será interessante ver se Adolfo Mesquita Nunes propõe, ou não, a extinção do Imposto sobre o Jogo e se propõe, ou não, a extinção do Turismo de Portugal, I.P. Será interessante ver se tenta ou não subsidiar programas públicos de incentivo ao turismo, ou se defende a redução de burocracias (embora mantendo análises de impacto ambiental relevantes) com que a actividade turística em Portugal se tenha de debater. Será interessante ver se faz propostas de redução da dotação orçamental a atribuir à sua Secretaria de Estado com base em planos concretos para redução de despesa com o mesmo.

Chegou o momento, pois, de ver se Adolfo Mesquita Nunes, agora no Governo, faz mais do que discursos teóricos sobre os benefícios dos cortes na despesa, e começa a propor, e implementar, cortes bem concretos na despesa pública. Bem sei que será condicionado por todo um rol de interesses instalados, formas antigas de fazer as coisas, pressões políticas contrárias à redução na despesa (possivelmente mesmo dentro da coligação) na área do turismo. Mas também sei que tem a hipótese de ser consequente com o que tem defendido, e tentar, com a inteligência que se lhe conhece, levar a sua avante.

Está na altura de provar que o vale um agora ex-deputado que tem credenciais liberais, mesmo em temas nos quais o CDS-PP é, no geral, tudo menos liberal. Veremos, pois, o que acontece ao turismo em Portugal sob a tutela de Adolfo Mesquita Nunes.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Miguel Poiares Maduro sobre o Caso Icesave

Convém ler o que escreveu Miguel Poiares Maduro no seu Mural do Facebook sobre o Caso Icesave, para evitar cair em algumas conversas que se ouvem e lêem por aí sobre este caso:

"O Daniel Oliveira escreveu hoje um artigo no Expresso sobre o caso Icesave fazendo paralelismos com a situação portuguesa que apenas posso explicar por ignorância ou, pior, manipulação.
http://expresso.sapo.pt/os-islandeses-nao-aguentam=f783684

Como alguns de vós sabem eu fui o consultor jurídico da Islândia nesse processo. Por essa razão e apesar de o processo se ter concluindo com a decisão do Tribunal, mantenho alguma reserva em falar do caso mas não posso resistir a clarificar algumas coisas.

Primeiro, tem-se confundido em Portugal o caso do Icesave com uma recusa dos Islandeses em intervir para salvar os bancos. Na verdade, não era disso que se tratava. Do que se tratava no processo era, em primeiro lugar, saber se existia uma obrigação jurídica, decorrente de uma Directiva europeia, em os Estados garantirem os valores mínimos dos depósitos (nessa altura 20.000 euros) quando os fundos de garantia (impostos por essa directiva) não tinham os fundos suficientes. O Tribunal entendeu que não seguindo a argumentação que apresentámos e não vou repetir. Isso não significa, como notou também o Tribunal, que os Estados não possam intervir para salvar os bancos. Não têm é uma obrigação jurídica (mesmo em relação aos depósitos mínimos garantidos). A ironia, em contradição com o que diz o Daniel Oliveira, é que o Estado Islandês na verdade interviu para salvar os bancos (na prática nacionalizando-os) embora o tenha feito apenas em relação às agencias desses bancos na Islândia e não aos depósitos no estrangeiro. Esta era a segunda questão no processo: consistia isto em discriminação proibida pelos Tratados ou não? Na "nossa" opinião não era porque, tal como tem acontecido noutros Estados (incluindo, bem ou mal, no diferente tratamento do BPN e BPI em Portugal) um Estado tem uma larga margem de discricionaridade em decidir quais os bancos que são ou não fundamentais em termos sistémicos para garantir o funcionamento do seu sistema financeiro. O Tribunal não entrou nesta questão aceitando um outro argumento que apresentámos e que dizia respeito à forma como a questão da hipotética discriminação foi suscitada pelas outras partes (poupo-vos os detalhes jurídicos).

Isto é, in a nutshell, o caso Icesave. Como daqui se retiram as conclusões que retira Daniel Oliveira no seu artigo não sei. Repito: a Islândia interviu para salvar os seus bancos mas a nível nacional porque entendeu que tal era necessário para salvaguardar o funcionamento do seu sistema financeiro (a questão das agencias e depósitos no estrangeiro e o seu diferente tratamento era relevant na Islândia, mas não num caso como o português, porque os bancos islandeses tinham tido uma política muito agressiva de estabelecimento e abertura de depósitos noutros Estados). Mais, os próprios depósitos estrangeiros acabarão por ser pagos com base na massa falida desses bancos visto que foi dada prioridade a esses créditos e uma vez que os depósitos nacionais tinham sido transferidos para os novos bancos nacionalizados. Uma outra ironia, como me dizem alguns amigos islandeses, é que esses depósitos acabaram por ser mais beneficiados a longo prazo por serem denominados em euros. É que os depósitos nacionais sofreram uma perda enorme com a desvalorização da moeda islandesa e a obrigação imposta aos seus detentores de não os poderem movimentar.

E isto leva-me à imagem que se quer passar de que os Islandeses não sofreram ou sofreram muito menos do que nós. O Pedro Lains há poucos dias trazia um artigo interessante no The Economist que acabava por concluir que simplesmente é complicado de comparar as situações. Na minha opinião a grande diferença é esta: os Islandeses tiveram uma quebra brutal do seu PIB e rendimento per capita (à volta de 40%) e tendo hoje uma moeda muito desvalorizada podem voltar a crescer (mas pouco, 2,5%) mas não têm dinheiro para comprar produtos importados como automóveis cujos preços duplicaram. A nosso sofrimento é muito mais moderado (por comparação com o deles) mas mais longo. Ainda estamos longe no entanto da queda de rendimento que eles tiveram. Podem confirmar isso aqui:
http://data.worldbank.org/indicator/NY.GNP.PCAP.CD/countries/IS--XS-PT?display=graph."