sábado, 29 de março de 2014

Coitados dos aristocratas do regime!

O regime democrático português inclui um conjunto de pessoas que se comportam como seus donos. Defensores tenazes do 'status quo', bramam contra qualquer mudança que seja proposta. O que está, tem de ficar, e quem disser o contrário é intelectualmente indigente, além de ter motivos sinistros para discordar. Apenas os aristocratas do regime são virtuosos. Apenas os aristocratas do regime sabem o que é melhor para todos. E portanto, os aristocratas do regime têm o direito a ser honrados, saudados, exaltados e adorados.

Eis que, por vezes, há quem não concorde com os aristocratas do regime. Inacreditavelmente, há quem tenha a distinta lata de contra-argumentar, de defender que o que os aristocratas do regime defendem não é o melhor para o país, de não se prostrar, em êxtase, aos pés dos auto-proclamados salvadores da Pátria. Essas pessoas, naturalmente, são traidores, que querem censurar os aristocratas do regime, para continuarem a destruir o país - ou a defender a destruição do país - por dogmaticamente acreditarem em horríveis ideologias (os aristocratas do regime acreditam na Verdade) e por estarem a soldo de sinistros interesses.

José Pacheco Pereira, barbudo herói pátrio, tem um programa de televisão a título individual, participa na Quadratura do Círculo, escreve num blogue e escreve em jornais, e ninguém o impede de o fazer, mas ai Jesus que a atitude perante ele é censória. Não lhe prestam vassalagem, como deviam. Não anunciam as suas 'ideias' com trombetas. Não levam Manuela Ferreira Leite ou António Bagão Félix em ombros, como deveriam. Não há uma celebração permanente de todos aqueles que se dignaram juntar para anunciar ao mundo que há uma alternativa, sem nunca especificar muito bem como concretizá-la (ou, sequer, sem especificar grandemente no que consiste a alternativa, para lá de umas generalidades que nem alternativa são).

Pobres vítimas que são os aristocratas do regime. Pobres coitados, que quando vêm a público não recebem as palmas unânimes que gostariam de obter. Pobres coitados, que não recebem as alvíssaras que lhes pensam ser devidas. Coitados que são, que há quem não concorde com o que dizem ou com o que fazem. Que não têm o devido respeito pela Verdade aristocrática. Que não dão valor aos Grandes Timoneiros, que nos pretendem guiar a um Amanhã sempre solarengo.

Coitados dos aristocratas do regime.

sábado, 8 de março de 2014

A saída da Troika

O fim do PAEF não vai significar senão isso: o PAEF acaba. Não vai iniciar-se um novo ciclo. Não vai, por magia, mudar tudo de um dia para o outro. Não vamos passar a ter as condições que existiam pré-crise, interna ou internacionalmente. E no entanto, o momento da saída da Troika não deixará de ser um momento importante. Terminando a implementação oficial do programa, pode fazer-se um balanço do que foi feito e do que ficou por fazer. Daquilo que se conseguiu e daquilo que não se conseguiu. Um balanço importante para o período pós-PAEF, em que se terá de partir dessa análise para tentar melhorar em relação ao que se fez até agora.

Uma coisa que não se fez até agora e que toda a gente parece supostamente achar muito necessária é a famosa reforma do Estado. O nosso Vice-Primeiro Ministro fez o favor de apresentar um documento em que lançava umas ideias soltas, sem grande fio condutor, no qual, por entre chavões, se encontravam algumas ideias que poderiam ser mais exploradas. Desde então, o relatório sobre a reforma do Estado parece esquecido. Aliás, parece ter sido redigido e apresentado por mera obrigação. Algo feito à pressão, numas horas, em cima do joelho, apenas e só porque tinha sido anunciado que ia sair um relatório.

Que eu tenha reparado, apenas o Prof. Pedro Pita Barros, no seu blogue, levou a sério o relatório apresentado pelo Vice-Primeiro Ministro. As análises não foram mais além porque o documento não o permitia. E infelizmente não surgiu mais nada para densificar o relatório original. E claro, ninguém exigiu a ninguém que fosse mais além. Nem ao Governo, nem à Oposição. Ninguém exigiu ao Governo, e continuou a exigir, que apresentasse mais do que aquilo que apresentou. E ninguém foi atrás dos partidos da oposição para apresentarem alguma coisa que se visse, além das habituais críticas ocas.

A saída da Troika não vai curar nada disto. Apesar de termos um período exigente, não há exigência com quem nos governa e com quem nos quer governar. Análises como as de Marcelo Rebelo de Sousa continuarão a ser debatidas como tendo conteúdo e continuará a ser dada imensa credibilidade aos Nicolaus Santos deste mundo, talvez em busca do novo Artur Baptista da Silva. Continuaremos a ver "liberalismo" confundido com "fascismo". Continuaremos a não ver um debate mediático alargado sobre a UE, apenas mais insultos à Alemanha por entre exigências de que a "Alemanha pague a crise" (a versão a nível europeu de "os ricos que paguem a crise").

Esperamos pela saída da Troika e eu assisto a tudo isto. Assisto a tudo isto e não consigo evitar pensar que estou a assistir ao estrebuchar de um regime que vive de ilusões e de fanfarronices, em que o pavão com o melhor chavão tem o poder na mão - geralmente, quando o pavão anterior cai de podre. Vejo muito a ser feito a tentar manter o mais possível aquilo que já existe, mas não vejo uma tentativa de rejuvenescer, revigorar ou mesmo refundar a democracia portuguesa. E penso que, devendo sempre ser esse o ímpeto, poderia ser o que faríamos após a saída da Troika.