quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O plâncton de free-riders

Para começar a reduzir a quantidade de free-riders não me parece nada má ideia começar pelos literais...

As mudanças, relativamente pesadas (ou por outra, relativamente leves) que tiveram lugar nos preços finais e na subsidiarização dos transportes públicos, que se acabaram por propalar como um “caso”, representam quanto a mim um passo importante na caminhada que trilhamos.

Temos discutido com particular fervor, claro, o papel que o megacéfalo Estadão que se criou terá tido na geração das deficiências estruturais que a nossa economia evidencia. Porém, independentemente de sermos menos partidários deste - como seremos todos neste espaço - ou mais, é inegável que a forma como, desde o princípio da 3ª República, essa “estatização” foi levada a cabo está na génese de muitas das ineficiências, cujos custos reais nunca conheceremos realmente.

Ora, uma das manifestações disto passa exactamente por uma proporção manifestamente elevada de free-riders. Basicamente, (please correct me if I’m wrong) o conceito de free-rider, transversal à economia e à sociologia, figura relevante no estudo da chamada collective action, é particularmente importante na análise de mecanismos de provisão de bens públicos: quando um grupo relativamente grande se combina para assegurar em conjunto a provisão de um bem comum, torna-se racional do, chamemos-lhe assim, ponto de vista estritamente individual de cada um dos elementos do grupo, deixar de contribuir para o “bolo”. Isto torna expectável o aparecimento dos free-riders, os elementos que usufruem de uma parcela ou porção do bem, sem terem contribuído para a provisão do mesmo.

Os utilizadores dos nossos transportes públicos (pelo menos, os públicos públicos), constituem um exemplo bastante concreto deste conceito. Por razões que poderão ir desde a tal criação e subsequente gestão atabalhoada do welfare state à portuguesa, bem como de pressões habituais das intersindicais, associações de utilizadores, et cetera, o facto é que a sustentabilidade da larga maioria dos nossos sistemas de transportes pertence já quase ao domínio do mitológico, uma vez que o gap entre, digamos, a parte do seu financiamento de carácter redistributivo (assegurada pelo Estado lui-même) e da respeitante às receitas operacionais (pelos utilizadores-pagadores), vem crescendo, numa proporção só superada pelo galope do volume da dívida dos operadores.

Ou seja, para além de serem sermos free-riders literalmente, somo-lo também numa acepção bastante livre do termo económico, no sentido em que usufruímos de um bem cuja provisão nos organizámos, juntamente com o resto dos 10.5m, para garantir, sem no entanto participar nisto numa medida ajustada ao facto de sermos os seus utilizadores efectivos, ao contrário da maioria daqueles que contribuem. Ao andar de autocarro pagando uma "lembrancinha" estamos a alimentar um pequeno redemoinho por onde, como sociedade, perder "potencial económico". Isto assume contornos mais graves ainda visto que uma parte destes últimos estaria disposto a pagar bem mais do que o preço final de um L123 para ter um transporte público decente a menos de umas dezenas de quilómetros de distância...

Formamos um denso plâncton em movimento pendular: pelo menos, de acordo com a opinião “da rua”, existe algo cuja obrigação moral e quiçá legal é a de financiar este caldo, (é que estes aumentos são “um autêntico roubo aos nossos bolsos”). Devem estar a referir-se ao Sol. Só pode.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Reformas dos Beatles garantidas pela UE

A União Europeia aprovou recentemente uma extensão dos direitos de autor sobre gravações sonoras de 50 anos para 70 anos após a primeira publicação. Isto quer dizer que o ano de 2012 já não trará consigo a entrada no domínio público de uma série de obras significativas de artistas variados, essencialmente qualquer coisa gravada antes de 1962 o que inclui um vasto e lucrativo catálogo musical. Note-se que se trata aqui de direitos sobre gravações, os textos encontram-se sob um regime diferente. A UE suporta a decisão afirmando que o termo anterior de cinquenta anos deixava muitos artistas com uma falha de receitas na idade em que estes mais precisam delas. Estando o estado social europeu a falhar, é naturalmente imprescindível assegurar o futuro financeiro de alguns pobres pensionistas da música como Paul McCartney ou Mick Jagger.

A medida vem essencialmente suportar ou as editoras que possuem os direitos sobre estas gravações ou os poucos artistas que obtiveram sucesso suficiente para renegociarem os seus contratos ou até mesmo adquirir de novo a totalidade dos direitos sobre as suas actuações. Os restantes verão pouco ou nenhum benefício, já que os contratos de distribuição tendencialmente deixam muito poucas margens para os artistas o que é compreensível dado o esforço financeiro das editoras na produção e distribuição das obras.

O mais problemático desta tendência, que não é exclusivamente Europeia, é que vai lentamente transformando um incentivo à criação num esquema de garantia de rendas vitalícias. As leis de protecção de propriedade intelectual devem fomentar o acto criativo mas se este monopólio sancionado pelo estado for vitalício, como é agora para todos os efeitos o caso, então esse mesmo incentivo desaparece. Os direitos de autor são um contrato entre a sociedade e os criadores. Nenhuma obra nasce no vácuo, ela inevitavelmente deriva de algo que veio antes e com o passar do tempo deixará a sua marca tornado-se mais do que a propriedade de um só individuo ou empresa passando a fazer parte de uma herança cultural comum.

Infelizmente é improvável que este processo abrande tão cedo já que poucos partilham desta leitura pouco ortodoxa do conceito de propriedade intelectual. No futuro será simplesmente melhor garantir todos os direitos de autor e todas as patentes (que naturalmente irão cobrir todo os processos mentais imagináveis) de forma perpétua para que finalmente os criadores possam ter direito às suas merecidas reformas e os piratas sejam devidamente castigados.



http://www.europarl.europa.eu/oeil/FindByProcnum.do?lang=2&procnum=COD/2008/0157


domingo, 25 de setembro de 2011

Crise de valores?

A sociedade está sempre em declínio. A moral está sempre em decadência. As novas gerações nunca sabem apreciar o que veio antes, querem sempre mudar o que está bem e não sabem ver o que está mal. A mudança é sempre para pior, as tradições nunca são o que já foram e o futuro nunca é risonho por causa da terrível crise valores que vivemos mas que não vivíamos antes.

Ao mesmo tempo, a sociedade está sempre em ascendente. A moral está sempre a mudar para melhor. As novas gerações revolucionam o mundo com cada nova descoberta e moda, encontram soluções para problemas antigos e fazem críticas penetrantes ao «status quo». A mudança é para melhor, ainda bem que as tradições já não são o que eram e o futuro é risonho por causa de todas as mudanças.

Pessoalmente, vejo uma sociedade aberta como estando em crise de valores permanente. É uma consequência dela ser aberta, de haver liberdade de pensamento, de expressão e de associação. Essa crise de valores permanente é o resultado de haver um confronto sistemático e sistémico entre formas de pensar radicalmente díspares dentro da mesma sociedade e é um dos motores internos da evolução dessa mesma sociedade.

Não há um resultado final. A sociedade não está, em absoluto, quer em declínio, quer em ascendente moral. Está, sim, em permanente evolução. Ideias e valores tornam-se mais fortes ou mais fracos à medida que o tempo passa. Aqueles cujas ideias e valores estejam na mó de baixo, numa sociedade aberta e livre, têm a oportunidade de continuar a lutar por elas e, possivelmente, «conquistar» a geração seguinte.

As «crises de valores» não vão parar numa sociedade verdadeiramente livre. A geração, ou a geração a seguir a essa, vai pôr em causa o que aprendeu e vai ser acusada de destruir tradições importantes. A geração mais antiga vai ser acusada de ser conservadora e de querer manter tradições antiquadas e desnecessárias.

A grande questão é se a crise de valores permanente vivida numa sociedade livre não a leva a auto-destruir-se. Se a liberdade e abertura da sociedade não serão usadas para a sua própria destruição.

Há quem queira proteger a sociedade aberta e livre através da censura e da imposição das suas regras morais aos outros através do Estado. Há quem diga que o Estado, por definição, apenas serve para isso, e que a resposta correcta seria simplesmente aboli-lo. Finalmente, há quem defenda o Estado de Direito, que penalize agressões à liberdade de outrem, mas não o pensamento.

Esta última é a minha posição. Penso que deve existir Estado, que deve garantir liberdade de pensamento, de expressão e de associação. Sou contra a censura. E penso que deve existir um Estado de Direito, que ajude a resolver pacificamente litígios entre membros da sociedade e que puna acções consideradas criminosas.

Não cabe ao Estado impor a moralidade de alguns a toda a sociedade. E quem queira acabar com a crise de valores permanente em que vivemos, quer também, na minha opinião, acabar com a sociedade livre e aberta que tantos séculos levou a evoluir.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Federalismo Europeu (II)

A estrutura complexa e confusa da União Europeia é frequentemente objecto de críticas. É considerada pouco transparente, pouco intuitiva e muito afastada dos cidadãos. Finalmente, a UE é sistematicamente acusada de ter um défice de legitimidade democrática.

Todos estes problemas estão interligados e, a meu ver, têm uma causa comum: a soberania nacional. A estrutura é complexa, confusa, pouco intuitiva e pouco transparente porque no seu ADN permanece uma preocupação com a defesa da soberania nacional dos Estados Membros.

 É a soberania nacional que justifica regras de maioria qualificada bizantinas. É a soberania nacional que justifica a existência do Conselho Europeu. É a soberania nacional que justifica a existência de um mecanismo de controlo da aplicação do princípio da subsidiariedade que envolve os parlamentos nacionais.

A constante preocupação em salvaguardar a posição dos Estados Membros enquanto tal na estrutura da União Europeia torna-a, portanto, mais complexa. Torna também mais difícil tomar decisões enquanto União Europeia em questões fundamentais, como seja a resolução da crise das dívidas soberanas.

A União Europeia continuar a ser pensada como um conjunto de Estados, remetendo a cidadania europeia para segundo plano, dificulta a emergência de verdadeiros debates públicos a nível europeu, envolvendo directamente os cidadãos, enquanto cidadãos europeus, e a sociedade civil europeia em geral.

Os problemas europeus são sistematicamente caracterizados como competições entre os diversos Estados-Membros e as negociações como braços de ferro. O nacionalismo é louvado e promovido: os «outros» são diferentes de nós, querem fazer-nos mal, querem dominar-nos e nós não podemos deixar.

 No debate político, as pessoas são enjauladas em «nações», corporizadas num «Estado-Nação», e perdem a sua identidade individual. O conceito de «Estado-Nação», assente numa «soberania nacional», que existe para defender um «interesse nacional», tornou-se tão enraizado que é difícil fazer-lhe frente.

 Neste momento de crise, a União Europeia está a ser posta à prova, incluindo a sua estrutura institucional. Os soberanistas defendem que o problema é integração a mais e não têm tido resposta suficiente de federalistas que digam, preto no branco, que não. Que o problema é integração a menos.

A falta de integração política leva a que seja mais difícil tomar decisões porque o sistema encoraja a cooperação, mas não o suficiente. Problemas europeus são «nacionalizados» e tratados como se fossem problemas de cada Estado Membro, quando na realidade o que se passa num Estado-Membro afecta todos os outros.

A falta de integração política leva à existência de uma estrutura complexa que, se para algumas áreas já consegue dar resposta, para áreas fundamentais ainda não o consegue fazer. Simplificar o sistema torná-lo-ia mais capaz de lidar com problemas complexos e delicados e também mais compreensível para os cidadãos.

Tornando o sistema mais compreensível, seria mais fácil aos cidadãos exercer o seu direito de escrutínio. Da mesma forma que financiar a UE primordialmente através de impostos europeus tornaria mais fácil aos cidadãos aperceberem-se quer do custo da UE, e pedir contas, quer do facto de estarem a contribuir directamente para o funcionamento da mesma com o seu dinheiro.

 Um sistema federal deveria assentar primordialmente, na minha opinião, nos cidadãos europeus e nos seus representantes do Parlamento Europeu, bem como na sociedade civil europeia. A União Europeia não estaria assente numa «nação» mas sim em «cidadãos», cada qual com as suas preferências e ideias.

 O «Estado-Nação», mito com raízes oitocentistas que ainda hoje nos persegue, tem de ser posto em causa. Os ideais proteccionistas e nacionalistas que lhe estão assentes servem para fomentar conflitos, não para os resolver. Servem também para categorizar indivíduos e reduzi-los a meras manifestações de um certo colectivo.

 A União Europeia deve servir para ultrapassar este modelo de organização social. Bem sei que existe o risco de emergir um nacionalismo europeu para substituir os nacionalismos dos Estados Membros, provavelmente caracterizado por um anti-americanismo primário. É preciso, também, resistir a que isso aconteça.

A evolução da União Europeia para uma federação que garantisse liberdade de circulação de pessoas, bens, capital, serviços e tecnologia, que respeitasse o princípio da subsidiariedade e assente num corpo de cidadãos encarados enquanto tal, seria uma solução estrutural para os problemas que nos assolam. Cada passo nesse sentido é importante. Combater o nacionalismo típico das crises, por sua vez, é urgente.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A dogmática da trivialidade

A conversa fiada é uma bela forma de puxar pessoas como se estas estivessem atreladas. Diz-se-lhes o que elas querem ouvir, polvilhado com promessas impossíveis de cumprir, temperado por chavões triviais que soam bem. Pinta-se-lhes algo que as leva a sonhar alto, muito alto, tão alto quanto Ícaro chegou.

Repetir conversa fiada e trivialidades de alguém que é visto como perito é uma forma prática de se passar a ter uma visão do mundo. Repetir conversa fiada e trivialidades é uma forma de ser socialmente aceite entre aqueles que consideremos os nossos pares.

O problema é que com conversa fiada, trivialidades e chavões podemos conseguir puxar pessoas como se elas estivessem atreladas mas se alguma vez chegar o momento da verdade, em que seja preciso operacionalizar aquilo que se defende, a conversa fiada, trivialidades e chavões serão desmascaradas como tal.

Toda a gente é a favor do «bem», da «justiça», da «felicidade». Acontece que é preciso ir bem mais longe do que dizer que se a favor daquilo que é bom e contra aquilo que é mau. É preciso explicar porque é que algo é bom e porque é que algo é mau. E dá jeito que essa explicação seja coerente e estruturada.

As ideologias não são mais do que sistematizações, que se pretendem coerentes e estruturadas, de preferências relativamente à organização da comunidade. A aversão às ideologias leva demasiadas vezes a que se caia na defesa desestruturada de tudo e nada, navegando sem rumo num oceano de banalidades.

«If you don't stand for something, you'll fall for everything.» É essa a mais que provável consequência do pensamento desestruturado e acrítico. Palavras apelativas serão suficientes para nos puxar e, sem que nos demos conta, caímos nos mais inacreditáveis sofismas, simplesmente porque soam bem.

A dogmática trivialidade que domina, demasiadas vezes, quem se diz longe das ideologias acaba por, ironicamente, tornar o pensamento mais obscuro, mais desestruturado, mais rígido e menos inteligível. E um debate de ideias assente em trivialidades dogmáticas leva a uma gritaria de surdos, em que só por acaso se conseguirá chegar a algum lado.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Legítima Defesa na Madeira

Alberto João Jardim existe mesmo. Não foi inventado. Pela sua existência, pagamos todos nós. Não apenas financeiramente, mas em credibilidade. Quando finalmente Portugal começava a ganhar alguma credibilidade, eis que a existência de Alberto João Jardim nos trama. A sua subsistência à frente do Governo regional da Madeira, os seus insultos, todas as suas obras públicas, toda a sua dívida, tudo isto nos trama.

Alberto João Jardim mentiu. Ele e os seus comparsas. Em legítima defesa, alega. Sem qualquer dolo, acrescenta. A culpa é de José Sócrates e do seu Governo, da Internacional Socialista, da Maçonaria, mas não dele. Porque os Açores receberam mais dinheiro que a Madeira, e ele queria gastar dinheiro. E o Estado português quer voltar ao tempo de Salazar. Mas ele não. Ele quer gastar dinheiro.

Alberto João Jardim diz que tem obra feita. Enviou propaganda nesse sentido para as televisões. Não duvido que tenha obra feita. Não duvido que todas as empresas responsáveis por todas as obras públicas lhe estejam muito agradecidas. Não duvido que os clubes de futebol madeirenses o adorem. Não duvido que o jornal que paga com dinheiro público lhe teça loas todos os dias.

Alberto João Jardim mentiu. Ele e os seus comparsas. Mas a caminho de eleições, ninguém espera que ele as perca. Apesar da investigação do MP, apesar do dano imenso que a sua mentira causou, a nível financeiro e a nível de credibilidade do Estado português numa altura em que a credibilidade é fundamental. No limite, pagará 25 mil euros. A despesa não reportada passa dos mil milhões.

Alberto João Jardim quer gastar dinheiro. Dinheiro que não tem. Dinheiro de outras pessoas. Para ter obra feita. E por isso endividou o Governo regional da Madeira e depois mentiu. Agora, todos vamos ter de pagar a sua mentira. Agora, Alberto João Jardim diz que é tudo uma conspiração contra a Madeira, que agiu em legítima defesa, por estar em estado de necessidade, e sem dolo.

O grande problema de toda esta situação é que apesar de parecer surreal, não o é. A situação é real. E o Estado Português, em estado de necessidade, vai ter de encontrar meios (leia-se: programas de austeridade) de, legitimamente, se defender dos devaneios dos Albertos Joões Jardins que por aí andam. Com todo o dolo do mundo.

domingo, 18 de setembro de 2011

Federalismo Europeu

Está na altura de discutir federalismo a sério e isso não se resume a discussões sobre mutualização de dívida pública, aumentos do orçamento da UE ou ideias sobre agências de «rating» europeias autónomas. Não, nada disto é discutir federalismo e resume-se apenas a discutir remendos, ainda por cima ineficazes, para a crise das dívidas soberanas.

Em vez disto, está na altura de fomentarmos a emergência de um espaço público europeu, no qual tenha lugar um verdadeiro debate a nível europeu sobre questões europeias. Numa altura em que a UE já tem tanta importância nas nossas vidas, é incompreensível como as questões europeias são sistematicamente ignoradas no debate público em Portugal, quer pelos políticos, quer pela comunicação social. (E quem fala em Portugal, fala do resto dos Estados Membros.)

Está na altura de falarmos não de «eurobonds» e de fortalecimento do orçamento da UE, mas sim de garantir que a UE se consegue financiar junto dos cidadãos europeus, que pagariam impostos europeus para financiar um orçamento europeu mais transparente e com um processo orçamental mais compreensível. (Bem sei que já há «impostos europeus», mas as transferências dos Estados-Membros continuam ser a principal fonte de financiamento da UE e isso tem de mudar.)

A dívida europeia seria dívida de um Estado federal europeu. Existiria um verdadeiro Ministério das Finanças europeu para lidar com questões orçamentais, em relação às quais o Parlamento Europeu passaria a ter importância decisiva. Aliás, o Parlamento Europeu passaria a ter uma influência decisiva em geral, passando a ter poder em todas as áreas de governação, ao passo que o poder do Conselho seria diminuído, acabando-se ainda com a comitologia.

A Comissão Europeia passaria a consistir num verdadeiro Governo europeu, prestando contas perante o Parlamento Europeu (algo que já faz, em abono da verdade). A política externa e a política de defesa seriam federalizadas. Não precisamos de 27 (em breve 28) forças armadas sem grande capacidade para intervir (como se viu na Líbia) e também não precisamos de 27 sistemas de embaixadas e consulados.

Nós não comemos «soberania nacional» mas demasiada gente come simplesmente à custa dela e de todos os outros. O proteccionismo que a «soberania nacional» representa serve para agudizar a crise e para retirar legitimidade democrática e transparência ao funcionamento da União Europeia, separando-a dos cidadãos e tornando o seu funcionamento mais complexo, burocrático e ineficiente.

Sobre «eurobonds», este artigo de Otmar Issing parece-me particularmente elucidativo: o que queremos é uma verdadeira união política, transparente e com legitimidade democrática. Concordo plenamente com o que é escrito no artigo e, sendo federalista, não concordo com as «eurobonds» na forma em que estão a ser propostas.

Sobre a agência de «rating» europeia autónoma, em resumo, uma agência de «rating» criada desta forma não teria qualquer credibilidade. E, sendo criada para «ajudar» a UE, não teria nenhum interesse, porque o objectivo deve ser ter «ratings» imparciais. Finalmente, já existem agências de «rating» «europeias» no mercado, incluindo uma portuguesa, e quem quiser usar as suas notações, tem-nas disponíveis.

O objectivo final numa federação europeia seria aproximar a UE dos cidadãos europeus, não criar mais entidades burocráticas como esta agência europeia de «rating». Seria transformar a UE numa entidade mais eficiente, mais transparente, mais capaz de actuar como um garante de paz e prosperidade no continente europeu, seus objectivos últimos desde a sua fundação.

Um verdadeiro debate sobre federalismo europeu, fundamental neste momento de crise das dívidas soberanas, em que é necessário debater mudanças estruturais não apenas nos Estados Membros, mas também na UE, passa pelos vários temas que eu listei acima. Mas não são estes os debates que temos tido, mesmo da parte de federalistas.

Poder-se-á considerar que esta agenda é demasiado radical. Poder-se-á pensar que a soberania nacional não pode ser posta em causa por questões de pragmatismo político. Mas se não forem os federalistas a levantar estas questões, colocá-las em cima da mesa e, no fim, tentar ganhar o debate, quem o fará? Preferimos mesmo continuar a ver a UE evoluir de forma afastada dos cidadãos europeus, facilitando a vida de eurocépticos de várias estirpes, que se aproveitam da nossa ausência para promover todo a espécie de mitos nefastos sobre a UE?

P.S. Sobre este tema, a ler também este artigo de Wolfgang Münchau no FT.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Portugal, Portugal

Eu não me canso de Portugal, porque sempre que me canso vou embora para outro Portugal.

São dois países aqui no mesmo sítio, com culturas diferentes e arrisco-me até a dizer com línguas diferentes.

O primeiro é feito por pessoas completamente loucas que só falam em montar empresas e negócios, sendo que muitos deles não têm sequer dinheiro para o fazer. Mas têm ideias, uma vontade inabalável e falam imenso sobre a importância do Networking, do Entrepreneurship e outros termos em inglês.

Discutem se o futuro de Portugal passa por um modelo semelhante ao de Sillicon Valley ou ao de Londres. Querem conhecer o Mundo para trazer ideias e levar a nossa cultura aos 5 continentes.

Eu falo com estes loucos e dizem-me que em Portugal não há crise, mas sim um conjunto de oportunidades e vão lá fora dizer que Portugal é fantástico e atraem e criam em Portugal acontecimentos espetaculares com o melhor que há no mundo.

Estas pessoas reúnem-se em eventos para construir sonhos megalómanos e colocar o país no lugar que lhe é devido: no centro do Mundo. Olhe-se para o mapa-mundo e veja-se.

Este nível de inovação, insanidade e entusiasmo a roçar o infantil só tem uma explicação. Estes portugueses descendem directamente dos navegadores de outros tempos.

E quando eu me farto deste espírito positivo, de acreditar que podemos fazer algo de extra-ordinário viro-me para o outro Portugal.

Neste outro Portugal só há desgraça. Quando um português vai trabalhar para o estrangeiro é uma catástrofe. Quando um estrangeiro vem trabalhar para Portugal, é uma invasão. E quando levantamos à janela uma bandeira nacional estamos a ser fascistas.

Os grandes problemas são o apoio que uma empresa dá na reabilitação de uma estação e do nome em inglês que lá é colocado. O divertimento é enviar lixo pelo correio a uma empresa que disse mal de nós.

Jamais chamaria a estas pessoas de Velhos do Restelo, porque na sua maioria são jovens, que eu vejo nesta atitude que apenas seria considerada aceitável a alguém abatido pela idade.

Mas por vezes sabe bem, lamentarmo-nos da vida, culpar os políticos dos nossos problemas e ir para o rossio fazer terapia de grupo e achincalhar aqueles que trabalham em duras condições para nos proteger.

E neste segundo Portugal, fala-se e critica-se muito o provincialismo nacional, a nossa mesquinhez e inferioridade. Percebo que o façam pois vejo muito disso quando estou nesta realidade.

É por isso que gosto de passar mais tempo na outra cultura portuguesa.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Limite Constitucional em Espanha

Aqui fica o texto, em espanhol, do novo Artigo 135 da Constituição espanhola:


«1. Todas las Administraciones Públicas adecuarán sus actuaciones al principio de estabilidad presupuestaria.

2. El Estado y las Comunidades Autónomas no podrán incurrir en un déficit estructural que supere los márgenes establecidos, en su caso, por la Unión Europea para sus Estados Miembros.

Una ley orgánica fijará el déficit estructural máximo permitido al Estado y a las Comunidades Autónomas, en relación con su producto interior bruto. Las Entidades Locales deberán presentar equilibrio presupuestario.

3. El Estado y las Comunidades Autónomas habrán de estar autorizados por ley para emitir deuda pública o contraer crédito.

Los créditos para satisfacer los intereses y el capital de la deuda pública de las Administraciones se entenderán siempre incluidos en el estado de gastos de sus presupuestos y su pago gozará de prioridad absoluta. Estos créditos no podrán ser objeto de enmienda o modificación, mientras se ajusten a las condiciones de la ley de emisión.

El volumen de deuda pública del conjunto de las Administraciones Públicas en relación con el producto interior bruto del Estado no podrá superar el valor de referencia establecido en el Tratado de Funcionamiento de la Unión Europea.

4. Los límites de déficit estructural y de volumen de deuda pública sólo podrán superarse en caso de catástrofes naturales, recesión económica o situaciones de emergencia extraordinaria que escapen al control del Estado y perjudiquen considerablemente la situación financiera o la sostenibilidad económica o social del Estado, apreciadas por la mayoría absoluta de los miembros del Congreso de los Diputados.

5. Una ley orgánica desarrollará los principios a que se refiere este artículo, así como la participación, en los procedimientos respectivos, de los órganos de coordinación institucional entre las Administraciones Públicas en materia de política fiscal y financiera. En todo caso, regulará:

a) La distribución de los límites de déficit y de deuda entre las distintas Administraciones Públicas, los supuestos excepcionales de superación de los mismos y la forma y plazo de corrección de las desviaciones que sobre uno y otro pudieran producirse.

b) La metodología y el procedimiento para el cálculo del déficit estructural.

c) La responsabilidad de cada Administración Pública en caso de incumplimiento de los objetivos de estabilidad presupuestaria.

6. Las Comunidades Autónomas, de acuerdo con sus respectivos Estatutos y dentro de los límites a que se refiere este artículo, adoptarán las disposiciones que procedan para la aplicación efectiva del principio de estabilidad en sus normas y decisiones presupuestarias».

Existe ainda uma disposição adicional, na lei que alterou a Constituição, que também será importante reter:

1. La Ley Orgánica prevista en el artículo 135 de la Constitución Española deberá estar aprobada antes del 30 de junio de 2012.

2. Dicha Ley contemplará los mecanismos que permitan el cumplimiento del límite de deuda a que se refiere el artículo 135.3 de la Constitución Española.

3. Los límites de déficit estructural establecidos en el artículo 135.2 de la Constitución Española entrarán en vigor a partir de 2020.

O doze de Setembro e a voz da Europa.

Acordou-se da década perdida do ocidente. E agora?

Bin Laden está morto e com ele todo o dano colateral. Uma crise militar e uma crise económica mostrarão um ocidente decadente em ponto de não-retorno? No entanto pediu-se liberdade em Tahir e os mais islamitas do Magrebe sabem que sem eleições não sobrevivem. Uma hybris esperada e um deus ex machina subvalorizado. A força do ocidente é, foi, e só assim continuará a ser a força das ideias. A força da Europa é a ideia de Europa. Mas o berço da democracia, e vamos referi-lo assim para termos uma noção do que estamos a falar, no dia doze de Setembro, viu-se hipotecado a juros de 100%.

É alarmante como o projecto europeu está posto em causa. Mas afinal o que faz a força deste continente? É uma união fiscal como fim em si mesmo ou uma união política? Ou não serão estes aspectos, económicos e políticos, apenas travões a serem resolvidos para poder a Europa ter voz? É que essa mesma voz é o seu maior trunfo. É a voz da tolerância, da responsabilidade, da democracia.

O que assusta aos ditadores, aos terroristas, aos que estão do outro lado da História, aos Bin-ladens, Maos e Cheneys não é que a Europa encontrando um rumo encontre um exército comum, uma política fiscal a sério, uma pujança económica e uma influência política, mas que encontrando isso tudo encontre a sua voz. Tudo o resto é-lhes irrelevante porque não é o trunfo da Europa. Encontre ela sua albarroante força cultural fenómeno sem comparação na história da humanidade, e então há um problema. Porque enquanto todos essas condições primeiras podem apelar aos líderes, pode dar alavancagem em negociações, pode fazer bonitos discursos, a outra apela aos povos e alimenta os seus desejos de liberdade, de igualdade e de justiça. 

Porque se a Europa encontrasse a sua voz e promovesse os seus critérios como fazer valer os interesses económicos sobre as vontades das comunidades políticas se a ideia de Europa é a res publica? Porque se a Europa encontrasse a sua voz como negar o aquecimento global em plataforma partidária se a ideia de Europa é a razão? Porque se a Europa encontrasse a sua voz como poderia a América, na sua sociedade tão anti científica e conservadora atrair os cérebros do mundo se a ideia de Europa é filosófica? Porque se a Europa encontrasse a sua voz como fazer guerra sem critérios se a ideia de Europa é a paz?

Mas a voz da Europa não é uma voz qualquer. Não é um tom monocórdico do caos organizado como a América. Mas não pode ser a cacofonia que tem assistido, berrando consigo mesma, dividindo-se, hipócrita e esquecendo-se dos seus valores. É uma voz de muitas vozes, de muitos sons, antigos e novos, reinventados e conservados, cruzando-se na sinfonia que a faz tão atraente. É a voz da reflexão dos homens ao longo dos séculos, do diálogo entre os vivos e os mortos, entre os modernos e os clássicos, os progressistas e os conservadores.

Esta ideia de reduzir o debate Europeu aos insultos catárticos à chanceler Alemã ou à Hélade é um sinal de perversão da ideia de Europa. É reduzir-nos ao jogo absurdo dos talking-points à americana e tentar marcar pontos enquanto o barco afunda. Por outro lado, também fazer do fim do projecto europeu um político, económico ou militar é perverter a sua voz. Essas vertentes do projecto europeu são imperativas, não nego, mas são-no porque sem elas não é possível potencializar ao máximo a livre expressão dos povos deste continente, a sua cultura, em toda a sua beleza, variedade, antiguidade e originalidade, que faz a sua maior força.

Na entrevista Euronews Dimitri Medvedev dizia que nem todos os manifestantes da Síria querem uma “requintada democracia europeia” e que por isso há que agir com calma. Mas o que assusta a Dimitri Medvedev não é que hajam extremistas entre os manifestantes, mas exactamente que haja quem peça uma “requintada democracia”. Porque essa é a voz da Europa ressoada na classe média emergente do outro lado do mare nostrum. E essa voz, para todos os que estão do lado errado da História, é mais assustadora que os bombardeiros americanos.

A América perdeu a oportunidade de liderar a ocidentalização do mundo, em todas as oportunidades que teve. A Europa tem de conquistar a sua. E tem de arrumar a casa. Mas não pode esquecer da sua bússola histórica. Do seu espírito essencial. A tal “requintada democracia”. Chamemos-lhe pelo nome próprio: Polis.

Pensámos que o ocidente seria um som mais ribombante quão mais originais fossem os produtos financeiros e as botas no deserto, mas nunca foi esse o som que inspirou os revolucionários de hoje, de ontem, e esperemos, do futuro. Na verdade é o som da Polis. É o som do livre debate e da tolerância, o som da responsabilidade cívica e o som da escala humana do mundo. É o som da Europa. Temos de aprender a substituir os telepontos pelo eco dos Maiores e pela capacidade do diálogo no projecto europeu.

Esta Europa que nasceu dos escombros do fascismo arrisca-se agora a se a desintegrar nas ruínas do seu próprio silêncio. Não só não fala como ninguém sabe falar por ela. Perdidos na lógica eleitoralista temos estado a sacrificar a ética e as reformas necessárias chamando pragmatismo a taticismo. Tal como sem essa voz nunca conseguirá mudar e reformar o que necessita de mudar, como sem essas mudanças arrisca-se este continente a ser mudo.

E no dia doze de Setembro os juros do berço da democracia chegaram aos 100%. Temos de salvar a Grécia para nos salvarmos. Mas temos de resgatar a Europa do atoleiro do absurdo porque é um imperativo histórico. E para um liberal esse imperativo é ainda maior, porque enquanto o capitalismo ou os modelos autoritários poderão subsistir, o liberalismo afundará com o fim da Ideia de Europa.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Estação Baixa-Chiado PT Bluestation

Ver aqui.

O Metro procurou uma nova fonte de financiamento para fazer face aos seus problemas financeiros e o resultado foi uma estação de Metro renovada, com Internet de graça (do ponto de vista do utilizador) e com informações para os utentes do Metro. Em troca, a PT pagará não se sabe quanto dinheiro e ficará com o nome "PT Bluestation" associado ao nome da estação.

Pessoalmente, acho óptimo. O nome extra ser em inglês é-me indiferente, o facto da publicidade à marca se fazer por associação de nomes também. Não me parece um atentado à cultura portuguesa, que aliás não é definida por decreto, é algo que se vive todos os dias e que constantemente evolui. 

Mais provinciano que achar que tudo o que é de fora é bom são tiques de chauvinismo cultural, tratando a cultura portuguesa como a aldeia do Astérix (embora sem poção mágica). A atitude tremendamente conservadora de tratar a cultura como algo estático, nacional e a defender a todo o custo da mudança é uma boa receita para a estagnação, não para o desenvolvimento cultural.

Acho particularmente interessante este negócio porque é um exemplo de como é possível procurar financiamento noutras fontes, o que é particularmente importante nestes tempos de crise financeira. Se o projecto funcionar, poderá ser expandido, inclusivamente a entidades não-empresariais, o que ajudaria a limitar as transferências de entidades públicas para este tipo de projectos, libertando recursos.

domingo, 11 de setembro de 2011

A (falta de) alternativa de António José Seguro

António José Seguro vive num mundo em que não existe o programa da Troika, num mundo em que Portugal não está a passar por um período de implementação de um programa de desalavancagem da sua economia, num mundo em que não houve anos e anos de atrasos nas reformas estruturais. Pelo menos, é isso que retiro desta sua intervenção.

António José Seguro exige uma estratégia pública para o crescimento económico, e aponta o caminho: linhas de crédito comercial e seguros de crédito, QREN, exportações e AICEP (de onde o PS foi buscar Basílio Horta para as suas bancadas parlamentares). Critica ainda o Governo pelo seu ênfase na austeridade, dizendo que o ênfase deve estar, isso sim, no crescimento económico (leia-se, crescimento do PIB, imagino eu).

Este género de retórica demonstra que o actual Secretário Geral do PS ou não percebeu o que se passa em Portugal, ou então finge muito bem. Portugal passa neste momento por um processo de reestruturação da sua economia e do seu Estado para evitar a insolvência. Adiámos até não poder mais as reformas estruturais que agora temos de fazer, e das quais António José Seguro não tem falado, mas agora não dá para adiar mais.

De facto, teria sido razoável fazer as reformas estruturais em período de crescimento económico. Mas em período de crescimento económico, ninguém sente a necessidade de se mexer. Há recursos para distribuir por várias empresas privadas de construção civil, entre outras, e também para distribuir por um sector público cada vez maior, pelo que ninguém liga à necessidade de resolver problemas estruturais.

Claro que, com isso, o crescimento potencial português se foi tornando cada vez mais miserável, tal como o crescimento efectivo. Mas como havia crédito barato, ninguém ligou nenhuma. O que interessava era encorajar as pessoas a endividarem-se, o que interessa era o Estado acumular défices e dívida pública, o que interessava era gastar recursos que não se tinha. Amanhã, um amanhã que nunca viria, pensar-se-ia nas consequências.

As consequências foram as conhecidas. O Estado português foi resgatado pela UE e pelo FMI, e adoptou um programa de reformas estruturais cujo objectivo é aumentar o potencial de crescimento da economia portuguesa, tornando-a mais flexível e eficiente. Em vez de acumularmos dívida ao estrangeiro, queremos agora atrair investimento directo estrangeiro, por exemplo. Queremos aumentar a competitividade da economia portuguesa expondo as empresas aqui instaladas a mais concorrência, também.

Para atingirmos estes objectivos, e outros, temos de fazer reformas estruturais, e essas reformas incluem acabar com o fomento do endividamento insustentável característico do anterior modelo de desenvolvimento da economia portuguesa. Este ajustamento para uma economia menos endividada não é compatível com as propostas de António José Seguro, que passam, essencialmente, por incentivar o endividamento, e por tornar o Estado português garante de uma quantidade razoável de dívida privada.

As reformas incluem também acabar com a política de défices sucessivos e da acumulação insustentável de dívida pública. O Estado português ter as contas públicas em ordem é, também, importante para o crescimento económico. O custo de oportunidade do desperdício a que têm sido votados os recursos públicos tem sido imenso. É fundamental canalizar esses recursos para actividades bem mais produtivas que sucessivas gerações de rotundas, de auto-estradas desnecessárias, de serviços públicos desnecessários. Para que isso aconteça, os recursos têm de ser libertados pelo Estado.

Em vez de andar a falar de linhas de crédito, António José Seguro devia estar a apresentar as propostas do PS para a reestruturação do Estado, o que incluiria propostas para cada uma das áreas em que o Estado se encontra neste momento presente. Devia ainda apresentar um documento de estratégia orçamental alternativo. E devia também ler o programa de Governo, para fazer críticas mais concretas e mais interessantes.

Há muito a dizer sobre o programa do Governo. Mas a conversa da «austeridade a mais» não significa nada. E se o PS quer ser uma Oposição a sério, tem de ir bem mais além do que propor o modelo de desenvolvimento cavaquista-guterrista-socrático que agora se encontra em colapso. É que esse já foi tentado, e nós sabemos o que acontece no fim.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A escolha de António José Seguro

António José Seguro é contra as políticas do Governo. De vez em quando, mostra preocupação com a falta de crescimento económico, e diz que defende que exista crescimento económico. E lá vai tentando afastar o PS do acordo com a Troika firmado pelo... PS, enquanto Governo.

António José Seguro tenta ser «de esquerda». E portanto, começamos a ouvir ecos do BE e do PCP naquilo que vai dizendo. Toda a «esquerda» parece agora preconizar uma variação da seguinte receita para sair da crise: taxam-se «os ricos» e «os bancos», que são os «culpados» da crise. Depois, pega-se na enorme quantidade de dinheiro que daí viria e aplica-se em «criação de emprego». E como se cria emprego? Fomentando o consumo interno.

Um dos nossos principais problemas é que as famílias se andaram a endividar porque foram incentivadas a isso, o que as levou a endividar-se de forma insustentável. Eu diria que chegou a altura de deixarmos de viver como se não houvesse amanhã. É que eu e a minha geração vamos pagar o despesismo insustentável em que Portugal tem vivido, e eu não quero deixar uma herança parecida à geração seguinte.

Será relevante que ainda ninguém tenha conseguido explicar porque é que é imprescindível, num Estado de Direito e numa democracia representativa, que tenhamos canais de televisão e de rádio públicos? Ainda por cima pagos a peso de ouro, com um serviço pouco interessante, ao mesmo tempo que distorcem o mercado da publicidade, garantindo maior acesso por parte de canais privados a receitas relativas a este (o que explica a oposição dos canais privados à privatização: seria mais um concorrente).

Será relevante que obras públicas constantes, com o seu custo financeiro avultado, e a sua rentabilidade duvidosa, tenham custos de oportunidade imensos, dado que aqueles recursos podiam bem ser aproveitados para coisas diferentes de mais uma auto-estrada que ninguém usa, ou de mais mil rotundas onde estas não são necessárias?

Será relevante que os estímulos nos EUA não tenham resultado senão em dinheiro deitado à rua, e não no desenvolvimento e crescimento que os fãs desses estímulos apregoam? Será ainda relevante que nós estejamos com num momento em que é absolutamente fundamental fazer reformas estruturais, e o principal partido da Oposição só saiba sugerir novos impostos?

Bem sei que o Governo ainda não cortou, e que já aumentou impostos. Acontece que, no curto prazo, para resolver os problemas encontrados na execução do Orçamento para 2011, havia pouca margem de manobra. Os cortes na despesa têm efeitos a médio e longo prazo e, para não serem cortes cegos, têm de ser programados devidamente. (Claro que quando o Governo de facto anuncia cortes, são acusados de ser cortes cegos.)

Não basta, como Marques Mendes tem feito, andar a abanar uma lista de 60 e poucas entidades que se poderiam cortar. Convém lembrar que o Estado tem mais de uma dezena de milhar de entidades. O facto de Marques Mendes ter encontrado umas dezenas de entidades que se poderiam  alterar não é surpreendente. Mas o Governo prometeu leis orgânicas para os novos Ministérios que já procedam a reformas estruturais internas, bem como uma nova tentativa de ter uma lei de mobilidade em condições: e isso é bem mais complexo que fazer uma lista de 60 e tal entidades espalhadas pelos vários Ministérios. Não se faz numa tarde.

O Orçamento do Estado para 2012, bem como as já referidas leis orgânicas dos Ministérios, serão um verdadeiro teste de fogo para este Governo. Será aí que começará (ou não) verdadeiramente a ser aplicada a Estratégia Orçamental 2011-2015 que o Governo já apresentou. Outro teste será a capacidade do Governo de implementar o programa de privatizações que prometeu, conseguindo manter-se firme perante o céu que irá, no momento em que as privatizações forem anunciadas, certamente cair sobre a sua cabeça.

António José Seguro tem uma escolha a fazer. Quer ser Secretário Geral de um partido responsável, ou prefere a crítica fácil, assente no apelo à emoção? Preferiria a primeira hipótese mas, infelizmente, não me parece que o país terá essa sorte.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

UMA HISTÓRIA PARTILHADA 2

(Parte 2 de 4 de um artigo que introduz alguns pontos importantes sobre a relação entre a China e o Japão.)

O JAPÃO AMADURECE

Até ao fim do regime Tokugawa em 1868 o Japão encontrava-se no seio da esfera cultural chinesa. No entanto, apesar daquele arquipélago ter importado a arte, a filosofia, a escrita e as crenças chinesas, a sua posição periférica posicionava-o fora da influência directa do poder central chinês. O que quer que o Japão importasse da China, a esta aquisição era sempre acrescentada uma camada de especificidade local num sincretismo de elementos nativos e estrangeiros.

A penetração de potências ocidentais no seu solo na segunda metade do séc. XIX foi inicialmente recebida com receios das implicações que isto traria ao modo de vida japonês que havia evoluído em quase total isolamento durante os séculos precedentes. Contudo, as mesmas elites que mais tarde seriam responsáveis pela Restauração Meiji cedo se aperceberam que o Xógunato constituía o maior impedimento face às reformas que estes entendiam ser cruciais para a sobrevivência da nação. A figura do Imperador, que até então preenchera um papel menor, foi reinstituída como centro de poder e eliminando assim o dualismo de Xógun e Imperador que havia dominado a política japonesa nos quase mil anos anteriores. Mais uma vez, a habilidade dos japoneses de assimilarem o externo sem diluírem a sua essência foi fundamental para a manutenção das estruturas de poder domésticas. A modernização não foi empreendida na crença de uma qualquer superioridade ocidental, pois aqui o Japão partilha alguns traços da mentalidade chinesa no que diz respeito à sua visão do exterior. Este processo era assim nada mais do que uma ferramenta de salvaguarda do próprio estado.

MUDANÇA DE EQUILÍBRIO

A industrialização e expansão europeias tornaram as economias asiáticas virtualmente obsoletas em todas as suas vertentes. O novo sistema internacional sustentado pelo imperialismo e o domínio naval britânico expandia-se até à Ásia e após a colonização da Índia pelos ingleses a China era agora olhada com ambição pelas potências Europeias e os Estados Unidos da América. Nos anos trinta daquele século a Grã-Bretanha tinha desenvolvido um negócio de ópio muito lucrativo no leste asiático ao exportar aquele narcótico da Índia para Cantão, o único porto autorizado a receber mercadores estrangeiros. A dependência do ópio no seio da elite chinesa exercia um efeito devastador e o Reino do Meio reagiu com a proibição do seu comércio e o despejar dos contentores nas águas do porto de Cantão. Em 1840 Londres respondeu com uma ofensiva militar que mais tarde ficou conhecida como a Primeira Guerra do Ópio. As forças inglesas ocuparam Hong Kong e Cantão, forçando os chineses a abrir portos em várias cidades, tudo isto sob os desígnios do Tratado de Nanquim de 1842, o primeiro numa série de tratados mais tarde apelidados de tratados desiguais.

As consequências da Guerra do Ópio e a humilhação da China foram instrumentais na motivação da nova elite Meiji japonesa para a total adaptação ao sistema internacional, ao invés de enveredar pelo caminho do seu vizinho chinês, o da resistência. O Japão entrou na ordem internacional da época como vítima do imperialismo, tendo também sofrido com a imposição de tratados desiguais pelas nações europeias e os Estados Unidos. O aparentemente inexorável avanço do ocidente pelo Extremo Oriente adentro representava uma ameaça de morte à soberania japonesa. A elite nipónica entendia que se os fracos regimes da China e da Coreia caíssem e o seus territórios fossem colonizados o Japão seria a próxima vítima ou no mínimo veria a sua segurança regional seriamente afectada.

As décadas seguintes testemunharam uma assimilação japonesa de tal maneira bem sucedida que foi o próprio Império do Sol a contribuir para o final da velha ordem sino-centrica. Chegados os anos setenta do séc. XIX o Japão procurou obter o estatuto de nação mais favorecida por parte do governo Chinês. Pequim recusou argumentando que seria inadmissível conceder tais direitos a um povo com tanta proximidade cultural face à China e que ocupava naturalmente um lugar inferior na hierarquia civilizacional. O continente mantinha uma imagem negativa do arquipélago e os Japoneses nunca se haviam livrado do estigma dos piratas anões que em tempos aterrorizavam os mares da China. Mesmo assim, Pequim aceitou regularizar as relações comerciais entre as duas partes o que já significava pelo menos de forma implícita uma igualdade de circunstâncias entre os dois intervenientes. A Coreia seria o próximo alvo de Tóquio. O reino peninsular estava profundamente entrincheirado na velha ordem tributária e o governo rejeitara todas as tentativas japonesas de ver reconhecido o seu imperador como um igual do monarca da chinês.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Honduras aposta numa zona de livre mercado

O país mais pobre da América Central, as Honduras, vai apostar na criação de uma cidade comprometida com os principíos da livre iniciativa e mercado livre. Os cidadãos e empresas que para lá desejarem deslocar-se fruirão de ampla autonomia num ambiente económica e políticamente liberal; seguindo-se assim o modelo de cidade charter.

Para este Estado em grandes dificuldades devido à pobreza e ao desemprego esta iniciativa poderá significar o primeiro passo para uma singapura ou hong kong latino-americana!

http://www.libremercado.com/2011-09-04/honduras-pone-en-marcha-el-hong-kong-del-siglo-xxi-1276434250/

Mais detalhes no artigo acima (Espanhol)

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

La malaise portugaise

Quando em 1997, Jean-Marie Domenach lançou a sua obra "Regarder la France. Essai sur le malaise français" estava evidentemente preocupado com aquilo que na sua opinião considera ser um certo declinio da França, enquanto potencia matricial Europeia.

Ora, os recentes aumentos do IRS para os salários milionários e de IRC para empresas com lucros superiores a 1,5M de euros são apenas golpes de moralização do sistema com um impacto real muito reduzido (ou mesmo nulo ou negativo), infelizmente, acho que o “problema português”, é muito superior à velha questão "os ricos que paguem a crise." Na verdade estou convencido que, a não ser que se tomem medidas em sentido contrário, que não se perspectivam, caminhamos para um cenário de irrelevância no quadro geo-politico internacional, motivado, a meu ver, essencialmente pelos 5 factores:

1. Perda de competitividade da produção em Portugal face aos principais players internacionais nossos concorrentes directos (Leste Europeu, Oriente, Magreb e Turquia, etc) - Em Julho estive no cluster de paises do Leste Europeu, Hungria, Eslováquia e Polónia e sobre o qual faço uma análise em Liberal Hungria.

2. Alienação das principais empresas nacionais a grupos estrangeiros (acelerada com o programa de privatizações) - Note-se que, embora seja necessário introduzir um quadro concorrencial mais forte em alguns sectores da economia portuguesa, é muito questionável que os interesses estratégicos do pais estejam assegurados com a venda a preço de saldos de algumas empresas que tem origem em paises que historicamente tem interesses geo-politicos antagónicos ou competitivos com o nosso (e.g. venda da TAP ao grupo da qual a Iberia faz parte).

3. Incapacidade de retenção dos talentos, ou menos talentosos que pura e simplesmente preferem emigrar. Afinal quantos jovens portugueses estão hoje no estrangeiro, não por opção tácita mas antes por necessidade das voltas da vida?

4. Desmantelamento progressivo das Forças Armadas Portuguesas e da rede de informações (os acontecimentos das ultimas semanas no Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, pode servir como argumento para mais um intervenção politica na sua estrutura em detrimento de uma politica mais ambiciosa e generosa para este sector). Como felizmente não sentimos os efeitos nefastos do terrorismo internacional no nosso território não valorizamos o maior dividendo historico dos ultimos dois séculos, que é facto de não termos forças externas agressoras no territorio nacional desde as invasões napoleónicas.

5. Envelhecimento e definhamento da população (algo novo na nossa historia, e um factor que não estava presente na equação noutras crises anteriores). Segundo um estudo pubicado no Economist que veio a publico a passada semana, Portugal é o pais do mundo com a menor esperança historica do mundo (ver aqui).

Isto tudo, obviamente agravado, pela incapacidade de acção motivada pela enorme divida externa, que limita as opções tácticas de despesa do estado - que também não parece suficientemente empenhado em fazer reformas fundamentais (e não necessáriamente muito caras) como sejam a do sistema judicial, que nos continua a "prestigiar" com repetidos recordes de morosidade processual.