sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Elegia para o debate público esclarecedor

Não é preciso ler para comentar.
Nem é preciso ver para crer.
Nem é preciso analisar para opinar. 
Nem é preciso conhecer para decidir.

No fim, diz-se não se sabe o quê 
Sobre sabe-se lá o quê
A quem quer que esteja à frente da televisão
ou a ler o artigo de jornal

No fim, nada se entende, tudo se confunde
Os campos entrincheiram-se
E nada se decide

E quanto maior for o nível de decibéis 
Melhor.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Esqueceram-se do 31 do Rosa Mendes?

Comentava eu ali* no 31daArmada, uma pérola de Rodrigo Moita de Deus e lembrei-me da polémica com o putativo censurado Pedro Rosa Mendes e a Raquel Freire.

 Lembram-se?

 Uma das razões porque deve existir um serviço público, é que possa existir liberdade de imprensa e informação. No público existe sempre a possibilidade de pressão política sobre as administrações, no privado é o "mercado" que disciplina, caso contrário os anunciantes "secam" a estação.

 O nosso João Mendes e bem a meu ver, farta-se de clamar para que haja transparência na informação. E que as pessoas e as instituições se assumam à britânica, dando o contraditório.

 Toda esta polémica e o sectarismo, com que alguma comunicação social e muita blogosfera têm tratado isto é chocante.

 Rodrigo Moita de Deus quer a cabeça da actual administração da RTP, visto que esta discordou do "accionista"...

 Cadê, o accionista?

 É o Governo, é o Programa do PSD(que dizia outra coisa diferente daquilo que está a ser feito)é Miguel Relvas?

 O 31 da Armada na pessoa do Rodrigo Moita de Deus, presta um mau serviço, a portar-se como um verdadeiro comissãrio político.

* Obrigado D, por me pedires para voltar a escrever aqui! Não há palavras para a camaradagem blogosférica.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

António Borges e a RTP

António Borges devia ser Ministro das Privatizações e da Reforma do Estado, em vez de consultor. Coordenaria os processos de privatização em conjunto com os Ministros relevantes e auxiliaria o Ministro das Finanças a fazer uma reforma estrutural do Estado.

Se o Governo quer que alguém tenha poder relevante em relação a uma matéria tão importante como são as privatizações, então essa pessoa tem de ser sujeita a escrutínio público e, principalmente, a escrutínio parlamentar. Não só porque é a melhor forma de mitigar acusações de falta de transparência, como também porque tornaria tudo muito mais claro: quando António Borges falasse, falava um Ministro, falava em princípio em nome do Governo.

Como está, não se sabe bem a que título fala António Borges quando fala e qual a real autoridade das suas palavras. Isto é um problema para o país, um problema organizacional e de relações públicas para o Governo, e uma aberta para a Oposição se dedicar a falar de temas que bem poderiam ser acessórios e atirar achas para a fogueira das teorias da conspiração, desviando-se do debate substancial sobre qual o papel do Estado na área da comunicação social.

Aliás, o risível debate que houve sobre o relatório do grupo coordenado por João Duque sobre o tema do «serviço público de televisão», que deveria ter servido de base a uma nova lei através da qual o PSD cumprisse a sua promessa eleitoral de privatizar a RTP 1 e manter a RTP 2, subordinando-a a esse novo conceito de «serviço público de televisão» foi bastante elucidativo. Na prática, não houve debate. Pegou-se numas afirmações infelizes de João Duque, ignorou-se o conteúdo do relatório, e o Ministro Miguel Relvas enterrou-o e esqueceu-o.

Agora, temos um modelo de concessão da gestão da RTP 1 a privados (não vejo em que é o que o texto constitucional impede esta solução - parece-me que permite a concessão, deste que exista um serviço público). Passar-se-ia a pagar o valor arrecadado através da taxa audiovisual a uma entidade privada. E extinguir-se-ia a RTP2, em parte com o argumento de que ninguém a vê.

Ora, eu acho que se devia abolir a taxa audiovisual e privatizar os vários canais da RTP, incluindo os canais por cabo. A RTP 2 poderia funcionar como penso que funciona a PBS, através de um sistema de doações. E o Estado devia aproveitar as potencialidades do TDT para introduzir mais concorrência no canal aberto.

Neste momento, «serviço público de televisão» tornou-se sinónimo de «aquilo que dá na RTP». Quando o grupo de João Duque tentou criar um conceito mais concreto, foi sumariamente ignorado.

Foi-me dito, e eu concordo, que a cultura e o tamanho do país (mais a primeira do que a segunda) tornariam de difícil implementação o financiamento da RTP 2 através de um modelo de doações totalmente voluntárias, de gente que valoriza programação de qualidade e pretende, portanto, apoiar a existência de um canal aberto com esse tipo de programação.

Parece-me, no entanto, que as pessoas que se dizem fãs da RTP 2 e que a pretendem manter podiam juntar-se e fazer essa proposta. Tornar a RTP 2 uma verdadeira televisão da sociedade civil - na prática, uma espécie de ONG televisiva vocacionada para programas educativos e culturais, provavelmente complementadas com séries de ficção com altos valores de produção. E nada a impediria de ter um serviço informativo também de qualidade.

Diga-se, aliás, que eu não considero que o serviço informativo público seja automaticamente mais fidedigno que o serviço informativo privado. Não é por ser público que é fidedigno e não é por ser privado que é fidedigno, e eu não considero que ser dono de estações de televisão seja parte das funções do Estado. Não vejo porque é que o Estado tem de garantir este serviço quando o serviço já pode bem ser prestado por privados ou por entidades não-governamentais.

De qualquer forma, e tendo em atenção que o que diz a Constituição não vai mudar tão cedo, e que Roma não foi construída num dia, a minha solução de compromisso teria sido claramente a que foi proposta pelo PSD nas eleições. Parte das funções do Ministro Miguel Relvas devia ter sido implementá-la.

Em vez disso, o relatório do grupo de João Duque morreu, a gestão da RTP 1 vai ser concessionada, e a RTP 2 desaparece. Ou seja, não se definiu "serviço público de televisão" e acaba-se desnecessariamente com um canal, mantendo-se a taxa audiovisual para se financiar a gestão de uma RTP 1 que não se percebe bem que serviço público prestará.

E como é que o assunto tem sido debatido? Aos gritos. Claro.

Espaço


Pouco poderei escrever ou sobre o próprio Neil Armstrong ou o seu desaparecimento que não tenha sido já dito melhor. Nesta ocasião, poucas semanas depois da aterragem do Curiosity em Marte, parece-me apropriado reafirmar a necessidade de um novo impulso à exploração das estrelas. O dia 20 de Julho de 1969 não foi apenas o dia em que os Estados Unidos da América derrotaram definitivamente a União Soviética na corrida ao espaço, foi um dia histórico para a ciência e para a humanidade que agora provava que era possível superar as suas limitações terrestres. Agora que as ambições espaciais são mais modestas e o público se dedica a superficialidades mais aliciantes é fundamental que aqueles que fazem do espaço a sua vida e todos os que partilham o fascínio que ele exerce consigam convencer as forças políticas que este domínio é mais que uma ferramenta de propaganda, é um bem para toda a humanidade que deve ser cultivado e que será a longo prazo essencial à nossa sobrevivência.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Ricardo Mestre Fica Bem Depressa!

Leio aqui no Região Sul sobre a queda e incógnita sobre a saúde do ciclista, Ricardo Mestre do Clube de Ciclismo de Tavira. Um exemplo de trabalho e  humildade, como todos os verdadeiros campeões.

Uma palavra á Familia, com os votos que seja seja apenas um susto sem consequências.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Apontamento sobre a Autoridade

Os argumentos de autoridade não são argumentos. A autoridade que uma pessoa tem não torna as suas posições necessariamente válidas ou correctas, nem as torna, caso seja essa a questão, mais próximas da realidade objectiva.

A aceitação acrítica da autoridade é um direito, mas a meu ver é o direito de deitar fora a nossa liberdade de pensamento - uma liberdade importante, logo para começar, no que toca à própria definição de quem nós somos e queremos ser. A aceitação acrítica da autoridade é assim uma forma de nos deixarmos definir pelo menos parcialmente por aquilo que outros dizem.

Enjeitar a nossa liberdade de pensamento tem consequências. Na prática, significa que deixamos que outras pessoas pensem por nós. Relativamente à autoridade em si, se os fundamentos dessa autoridade deixarem de ser examinados tempo suficiente, ela poderá continuar a ser respeitada, mas poderá tornar-se oca - e mais, não terá grandes incentivos a tentar melhorar.

Uma autoridade que não resista a crítica e apenas se sustente por ser autoridade significa bem pouco para mim. A autoridade que me interessa tem de ser conquistada pela força de verdadeiros argumentos, que de facto demonstrem a validade e a força de uma determinada posição. A autoridade que me interessa é aquela que resiste à crítica contra-argumentando, não apelando ao seu próprio estatuto.

A autoridade pela autoridade, essa, pode ficar para outros. E lá terá de aceitar ser criticada. Qualquer que seja o seu estatuto.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Brain-drain ou o drama da emigração qualificada

Os últimos anos têm evidenciado um fenómeno, que é o da emigração de jovens qualificados portugueses para vários destinos, sobretudo para a Europa, e para Inglaterra em particular mas, com novos destinos a começarem a ter representatividade nomeadamente o Brasil, e claro está Angola.

O pressuposto do financiamento público do ensino superior em Portugal, onde estavam 308 mil alunos matriculados em 2010/11, assenta no raciocínio de que o estado i.e. os contribuintes, devem investir na formação superior das novas gerações, porque há um retorno para a sociedade portuguesa - ora acontece que se uma parte significativa dos nossos jovens optam hoje por emigrar, por razões perfeitamente legítimas, como sejam a falta de oportunidades no mercado de trabalho nacional - o benefício tangível que se espera da sua formação, isto é, a contribuição para uma sociedade mais desenvolvida, e melhoria do tecido sócio-económico deixa de fazer sentido, porque vão aplicar os seus conhecimentos em mercados estrangeiros.

Talvez seja altura de repensar o financiamento do sistema de ensino superior publico em Portugal, afinal de contas e apenas a titulo de exemplo, será justo o estado financiar um aluno de enfermagem, que custa ao estado entre 20.000€ e 40.000€, para que logo depois este mesmo aluno opte por ir trabalhar para a Irlanda, ou para o Canadá? Sobretudo, quando nesses países os cursos de enfermagem são pagos pelos próprios alunos - não estará o estado Português, na prática, a financiar, mesmo que indirectamente, o sistemas de saúde desses países?

Será justo os alunos do ensino superior público não terem nenhum vinculo de financiamento, quando por exemplo os alunos das Academias Militares são obrigados a pagar (e bem) pesadas indemnizações caso optem por pôr termo ao contrato de trabalho, que lhe espera pós-formação - situação, a que a FA tem sido obrigado a recorrer dada a frequência com que os pilotos dos F-16 e outras aeronaves acabavam por optar pela mais lucrativa carreira de piloto de jacto comercial.

O financiamento do ensino superior terá de ser revisitado, à semelhança do que aconteceu com outras áreas do sector público. Uma iniciativa que está neste momento a ser trabalhada na área da saúde, com a introdução das chamadas facturas "virtuais" é saudável por permitir aumentar a sensibilidade das populações para os custos de saúde (notícia na Lusa), e o mesmo urge ser feito no sector da educação -  o que permitiria por um lado, o melhor controlo dos gastos do estado por parte dos cidadãos e por outro o aumento da sensibilidade dos gastos em determinados sectores, porventura moderando o seu consumo ou pelo menos aumentando o sentido de responsabilidade cívica - sentimento muito patente em alguns dos nossos jovens que parecem apenas vislumbrar direitos e nenhum tipo de obrigações perante o estado. 

Idealmente, a factura virtual deve evoluir de forma com o sistema informático destas finanças, só desta forma poderíamos ter uma ideia clara do deve e do haver para com o estado, aquando das declarações anuais do IRS. Este será o primeiro passo, com vista ao novo modelo de financiamento, que talvez passe por uma privatização de pelo menos parte da gestão das faculdades - sempre garantindo que os interesses estratégicos das necessidades de licenciados em determinados sectores não seja afectada e modelando de forma mais correcta as necessidades do mercado de trabalho com os licenciados em cada sector.

Politizar debates científicos

Há quem goste de politizar debates científicos. Um propósito poderá ser descaracterizar teorias científicas que se considerem problemáticas politicamente. Outro propósito poderá ser uma tentativa de conferir aparente objectividade a um julgamento de valor e a uma posição pessoal.

A Ciência e o método científico têm-nos dado dados muito robustos sobre a realidade que nos rodeia, mas tendem a ser simplificados e até descaracterizados nos debates público. A dúvida sistemática é apresentada como dogmatismo imutável, por exemplo. Ou então, a transitoriedade do conhecimento científico é apresentada como significando que na verdade não se sabe nada.

Esta descaracterização da Ciência é aproveitada por quem queira aproveitar-se da credibilidade do conhecimento científico ou por quem queira pôr em causa essa mesma credibilidade. Em ambos os casos, é importante apontar que é isso que se está a fazer.

Importante será também denunciar casos de selecção apenas daquilo que cientificamente parece ajudar a apoiar certa posição e ignorar o resto. E importa explicar o que é a Ciência e para que serve (e não serve), para lutar contra as descaracterizações.

Politizar debates científicos significa torná-los debates políticos. Não significa transformar opiniões políticas em dados científicos.

A Ciência não nos diz como organizar a nossa comunidade. Poderá ajudar a explicar como atingir certos objectivos, ou quais os resultados prováveis de certas políticas. Poderá ajudar a perceber alguns limites físicos ao que se pretende. Mas as escolhas feitas sobre como organizar a comunidade não são científicas. São políticas. E não são fatalidades.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Assumam-se

Gostava que a nossa imprensa se assumisse politicamente. Gostava que os nossos jornais tornassem claro quais as políticas que tendem a apoiar, quais os políticos que tendem a apoiar, quais os partidos que tendem a apoiar. Durante as eleições, por exemplo, poderiam perfeitamente apoiar uma determinada candidatura e explicar os seus motivos para essa selecção.

Preferia que as opções políticas dos meios de comunicação social, em particular dos jornais, fossem assumidas, do que a actual situação em que se encontram apenas subentendidas, escondidas sob um manto de falsa objectividade. As opiniões políticas não são dados objectivos que estão simplesmente a ser reportados, e devem ser assumidas.

Toda esta informação é importante para o cabal esclarecimento da opinião pública. É importante que os cidadãos saibam quais as perspectivas e quais as opções que enformam as tomadas de posição nos vários jornais e outros meios de comunicação social equivalentes. O que não impediria esses mesmos meios de comunicação social de continuarem a prestar um serviço imprescindível em democracia - antes pelo contrário, permitir-lhes-ia fazê-lo de forma mais transparente e clara.

Da mesma forma que é relevante saber quem financia determinado meio de comunicação social, é importante saber quais as escolhas politicas que estão por trás daquilo que é dito em artigos de opinião e editoriais. Nada disto impediria os jornais de serem isentos no tratamento das notícias, ao mesmo tempo que melhoraria a qualidade do debate público da nossa democracia.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Eu não sou libertário, eu sou liberal

Há um conjunto de pessoas que diz que é «libertário», porque há um conjunto de pessoas em países anglo-saxónicos que se proclama «libertarian» (para contrastar com «liberal», cuja conotação não é igual à conotação em Portugal). Tipicamente, dizem-se os verdadeiros herdeiros dos liberais clássicos, dizem-se os mais puros (ver aqui e aqui) liberais - por vezes até mais puros que os próprios liberais clássicos.

Pois eu não sou libertário. Também não sou, por muito que isso custe a algumas pessoas, social democrata ou socialista. Muito menos serei conservador.

Sou liberal. E com muito gosto.

Precisamos de um 14 de Agosto Europeu!

Em 14 de Agosto de 1385, deu-se a Batalha de Aljubarrota contra uns poucos Portugueses, com auxílio Inglês venceram e conquistaram o direito de decidir o seu Futuro. Este tempo de guerras intestinas na Europa, está perigosamente perto de voltar a acontecer caso a União Europeia falhe. Precisamos de reavivar o sonho do Quinto Império e de Líderes que corram atrás.

domingo, 12 de agosto de 2012

Entrevista a Luís Humberto Teixeira - Índice

O Luís Humberto Teixeira, de quem já aqui falei, é um dos responsáveis pela proposta de revisão do sistema eleitoral apresentada pelo PAN. O tema da reforma eleitoral preocupa-me e pensei que seria interessante enviar ao Luís um conjunto de questões que considerei relevantes sobre a proposta agora apresentada e publicá-las aqui no blogue. O Luís simpaticamente aceitou responder, e aqui está o resultado final, cuja leitura, naturalmente, sugiro! Na última parte, o leitor encontrará informação sobre como procurar mais informação sobre a proposta e como colaborar, no caso de ter interesse em fazê-lo.

 Agradeço desde já ao Luís a simpatia de responder às minhas perguntas.





Entrevista a Luís Humberto Teixeira - Parte 5

(Ir para a Parte 4.)

21. A tua proposta foi apresentada sob a forma de petição à Assembleia da República. Porquê este formato? O que têm feito para promover a proposta?

A nossa proposta foi apresentada sob a forma de petição porque, tendo em conta a alteração pretendida, era o melhor formato para angariar assinaturas e mostrar que havia quem defendesse esta mudança.
Além de ter sido promovida uma conferência de imprensa para apresentação da proposta, foi criado um conjunto de páginas sobre o tema no site do PAN e fez-se divulgação via e-mail e via Facebook. Estamos agora a estudar a realização de eventuais sessões de esclarecimento acerca da iniciativa junto de grupos de cidadãos que estejam interessados em saber mais, e iremos solicitar audiências aos grupos parlamentares, para tentar sensibilizá-los para esta proposta.

Se algum partido com representação parlamentar quiser adoptar a proposta, nem eu nem o PAN colocaremos qualquer obstáculo. O que importa é mudar a lei para melhor.

22. Caso se chegasse à conclusão que a proposta apenas seria aceite com alterações - p.ex. caso se chegasse à conclusão que existiria a possibilidade de se alterar o sistema eleitoral português para um sistema misto, na linha do que tu propuseste em 2003 - em que medida estarias disposto a aceitar um compromisso nesse sentido e apoiar essa solução de compromisso?

Apenas conseguirei opinar perante alterações concretas que sejam sugeridas, mas, como a política é a arte do compromisso, qualquer proposta que melhorasse a lei actual seria preferível a manter tudo como está.

23. Falando de outra alternativa possível, tratemos do voto único transferível. Quais as vantagens e desvantagens que vês neste sistema?

O voto único transferível tem a vantagem de dar ao eleitor a possibilidade de uma escolha mais elaborada dos eleitos. Porém, é um sistema algo complexo para quem se habituou a votar em listas fechadas de partidos. Além disso, ele comporta o risco de favorecer a eleição de candidatos altamente mediáticos, em detrimento de outros que poderiam ser mais competentes mas que primam pela discrição.

24. Consideraste algum sistema diferente antes de apresentares o sistema com círculo nacional e círculo de imigração que agora é proposto na petição? Se sim, qual, ou quais, e o que te levou a apresentar este sistema em detrimento de outros sistemas considerados?

O grupo de trabalho debateu várias hipóteses e a opção por esta proposta em detrimento de outras deveu-se ao facto de ela ser a melhor a debelar/neutralizar os problemas encontrados no sistema actual. Optou-se por dois círculos – um nacional e outro para a emigração – em lugar de um círculo único porque não fazia sentido juntar residentes em território nacional com não residentes, já que são eleitores com expectativas diferentes relativamente aos seus representantes.

25. As iniciativas legislativas do cidadão (ILC) são instrumentos que permitem a cidadãos apresentar propostas de lei ao Parlamento para a sua consideração. Um dos limites que actualmente existem às ILC é que uma ILC não pode tratar de alterações à Constituição. Concordas com este limite? O que pensas sobre as ILC?

As ILC não deviam ter os actuais limites quanto às matérias a abordar. Se elas têm, obrigatoriamente, de ser votadas pelos deputados, qual é o problema de abordarem matérias reservadas a estes? Afinal, não são os deputados quem vai decidir se a proposta é aprovada ou não? A este propósito, assinei a ILC “Democracia Participativa”, porque, embora discorde do ponto 1 – 7.500 assinaturas parece-me muito pouco –, concordo parcial ou totalmente com os três pontos restantes.

26. A hipótese de apresentar uma ILC sobre reforma do sistema eleitoral foi considerada? Se pudesses apresentar uma ILC que alterasse a CRP no que toca ao sistema eleitoral, que alterações proporias?

Foi considerada, mas abandonámos esse propósito devido a um parecer prévio da Assembleia da República, que chegou mesmo antes da apresentação pública da proposta. Na conferência de imprensa, a Inês Real, jurista do PAN, abordou o assunto em maior detalhe.

Em relação a propostas de modificação do sistema que implicassem alterações constitucionais, talvez mudasse o método matemático, optando por um mais proporcional, como o de Saint-Laguë ou o proporcional puro. Contudo, não considero que essa alteração seja prioritária – prioritária é a diminuição do número de círculos eleitorais, e isso pode facilmente ser feito com uma alteração cirúrgica à lei eleitoral.

27. Finalmente, poderá haver quem, depois de ler esta entrevista, esteja interessado em apoiar esta iniciativa, ou em saber mais. Como o poderá fazer?

Quem quiser apoiar a iniciativa pode assinar a petição em http://tinyurl.com/maispluralismo.

Quem quiser saber mais, pode visitar http://pan.com.pt/reformaeleitoral.

Se algumas dúvidas subsistirem, podem sempre enviar-me um e-mail para luis.teixeira@precidadania.org.

(Ir para Índice.)

Entrevista a Luís Humberto Teixeira - Parte 4

(Ir para a Parte 3.)

16. Escolheste manter o círculo da emigração. Consideraste a hipótese de o eliminar, pura e simplesmente? Porque afastaste esta hipótese? Consideraste também a hipótese de retirar o voto aos emigrantes? Não que eu defenda esta posição, mas uma questão que se poderia colocar é a seguinte: Porque devem os emigrantes ter o direito de voto em eleições legislativas se não vivem no país e não é cá que tendencialmente pagam impostos?

Os emigrantes têm direito de voto porque são portugueses, apenas foram procurar melhores condições de vida noutro ponto do mundo. Muitas vezes, não sabem se a sua situação é temporária ou não. Por isso, não faz sentido retirar-lhes o direito de voto por estarem ausentes do território, seja por muito ou por pouco tempo. Não é cá que tendencialmente pagam impostos? Talvez, mas muitos enviam para cá as suas poupanças. Além disso, o dinheiro não é tudo na vida. Os afectos também são muito importantes. E a maior parte dos nossos emigrantes sente afecto por Portugal. Por isso nunca defenderia a eliminação, pura e simples, da possibilidade de voto dos emigrantes.

17. Um dos argumentos que invocas para defender o sistema que propões é que aproveita melhor os votos válidos. Em 2003 já falavas deste tema, bem como do tema dos "eleitores fantasma". Sinto que são dois temas que de facto te preocupam bastante, e sinto também que influenciaram bastante a proposta que agora fazes. É assim? Que melhorias tem havido no campo da remoção de "eleitores fantasmas" dos cadernos eleitorais, reduzindo desta forma o enviesamento por eles causado?

São dois temas interligados e que me preocupam bastante, de facto. Foi por isso que elaborei vários estudos sobre eleitores-fantasma, a título individual ou em co-autoria com o José António Bourdain, meu colega de mestrado. Aliás, em breve deverá sair mais um.

Porém, antes de nós, já autores como Paulo Morais e José António Monteiro diziam, no estudo “Actualização dos cadernos eleitorais e suas consequências nos círculos de apuramento”, que a “geografia eleitoral é afectada negativamente pela existência de cadernos eleitorais desactualizados, obsoletos”.

Não se pense, porém, que tal se deve a incúria dos serviços. Pelo que sei, o trabalho desenvolvido por Jorge Miguéis e pela sua equipa na Direcção Geral da Administração Eleitoral tem sido o melhor possível. Muitíssimos “fantasmas” foram já detectados e eliminados. Outros estão em espera, a aguardar pelas inúmeras confirmações necessárias até serem, por fim, removidos do sistema.

Ou seja, tecnicamente até podemos usar as melhores soluções para lidar com o problema, mas é impossível acabar de vez com ele, pelo menos enquanto não for proibido morrer no período entre o fecho dos cadernos e o dia das eleições.

Por isso, a solução não é técnica, é política. A existência de eleitores-fantasma só é relevante porque continuamos a depender dos cadernos eleitorais para distribuir, a priori, os mandatos por vários círculos. Se sabemos que, por norma, quanto menos círculos, menor a influência dos “fantasmas”, porque não adoptar o mínimo de círculos possível – um ou dois – e fixar legalmente o número de deputados a eleger por cada círculo? Se o fizermos, os fantasmas passam a não assustar ninguém.

18. Invocas o argumento de um potencial aumento da participação eleitoral para apoiar a mudança que defendes. Em que dados te baseias para fazer esta afirmação? Estudaste os países em que este sistema existe e comparaste o seu nível de participação com o nível de participação portuguesa?

Poderia tê-lo feito, mas não o fiz porque a participação eleitoral depende de muitos outros factores (cultura cívica, oferta partidária, expectativas, etc.).

A razão pela qual invoco o argumento do potencial aumento da participação prende-se com o facto de um círculo nacional de grande dimensão incentivar o “voto sincero”. Além disso, havendo um maior aproveitamento dos votos válidos na conversão dos mesmos em mandatos, os eleitores passariam a sentir que o seu voto valia mais e talvez se sentissem menos tentados pela abstenção ou por formas de protesto politicamente ineficazes, como o voto nulo ou o voto em branco.

19. Até que ponto é que a população portuguesa está preparada para debates sobre estes temas? As pessoas conhecem o sistema político português e estão preparadas para o debater? O que fazer para melhorar essa preparação?

Estes temas são complexos, mas não demasiado, pelo que acredito que as pessoas podem facilmente compreender o que está em causa. Contudo, é preciso que partam para sessões de debate sobre o sistema eleitoral com conhecimentos mínimos sobre aquilo de que se está a falar ou, pelo menos, com abertura para aprender aquilo que não sabem ou que aprenderam de forma errada.

O que fazer para melhorar? Talvez criar disciplinas de Cidadania no ensino secundário, que expliquem de forma clara o funcionamento da democracia, ou fazer esse tipo de sensibilização/educação através de formações informais abertas a todos os interessados.

Espero que o Manual de Democracia Participativa que o PAN está a preparar também ajude a alcançar mais rapidamente o objectivo de ter cidadãos preparados para debater questões políticas de forma fundamentada.

20. Voltemos a falar das tuas ideias pessoais. Tu és liberal e ambientalista ao mesmo tempo. Há quem defenda que uma coisa exclui a outra. Que não se pode ser liberal e ao mesmo tempo ambientalista, porque o ambientalismo pressupõe demasiados princípios que estão em confronto directo com a liberdade individual, com o livre funcionamento dos mercados e até com o comércio livre. Tu não concordarás com esta visão. Como concilias, então, o teu Liberalismo com o teu Ambientalismo?

É tudo uma questão de medida. Ser livre não é sinónimo de não ter limites, bem pelo contrário. A liberdade implica responsabilidade, e o que é o ecologismo senão uma tomada de consciência de que temos de ser responsáveis para com o planeta e todos os seres que nele habitam? Isto, claro, se quisermos manter um planeta em que nos seja possível viver.

No entanto, é sempre bom estarmos conscientes de que aquilo a que chamamos o perigo de destruição do planeta não é outra coisa senão o perigo de destruição das condições necessárias para a vida humana, porque somos uma espécie extremamente autocentrada, como nos recorda o humorista anarquista George Carlin no excelente momento de stand-up “The planet is fine. The people are fucked!”.

(Ir para a Parte 5.)

Entrevista a Luís Humberto Teixeira - Parte 3

(Ir para a Parte 2.)

11. Tendo em atenção que um sistema mais proporcional favorece a entrada de pequenos partidos no Parlamento, surge habitualmente a crítica de que esses pequenos partidos apenas defendem esse tipo de reforma de modo a chegarem ao poder, e não necessariamente por qualquer noção de interesse público. Como reages a esta possível acusação?

Se nas próximas eleições o PSD ou o PS tivessem uma quebra de votação similar à que a UCD teve em Espanha em 1982 – quando passou de partido do governo, com 168 deputados (num universo de 350), a força residual da oposição, com 11 deputados – deixariam de ser vistos como grandes partidos. Já tivemos o caso do PRD, que em 1985 elegeu 45 deputados, em 1987 só tinha 7, e em 1991 nem 1% dos votos obteve.

Ou seja, o que torna um partido grande ou pequeno? O número de votos que recebe. Por isso, um pequeno partido agora pode ser um grande partido dentro de algumas décadas e vice-versa.

A esse nível, as alterações propostas na Petição pela Reforma da Lei Eleitoral têm como único efeito tornar a composição do Parlamento num reflexo mais fiel da vontade popular. Se isso favorece os partidos pequenos e médios? Sim, favorece, mas só porque são esses os maiores prejudicados pelo sistema actual, que em 2011 ignorou os votos de mais de meio milhão de eleitores, 99,4% dos quais recaíram sobre partidos médios e pequenos.

Ora, olhando para a questão do ponto de vista do eleitor, será justo que as 51 mil pessoas que, em 2011, votaram no PS em Leiria tenham eleito três deputados quando as 62 mil que votaram no MRPP em todo o país não elegeram ninguém?

12. Voltemos às tuas posições políticas pessoais e à sua influência nas tuas propostas. De que forma é que a tua proposta actual é mais ou menos consentânea com o Liberalismo que também sei que defendes? E que Liberalismo é esse? Como o definirias?

Para mim, a melhor definição de liberalismo está na contracapa do livro “A Tradição da Liberdade”, do politólogo belga Corentin de Salle: o liberalismo não é uma ideologia, é uma doutrina empírica, fundamentada, aberta e evolutiva. Ora, não sendo adepto de sistemas desligados da realidade, dogmáticos, fechados e imóveis, serei liberal.

Como tal, pertenço ao Movimento Liberal Social (MLS) e, de acordo com um teste de bússola política que fiz há uns anos, sou um dos que está mais à esquerda a nível político dentro da associação. Defino-me, por isso, como um ecologista, liberal, de esquerda, e com grande simpatia por algumas ideias libertárias.
Se esta proposta de reforma é consentânea com o liberalismo que defendo? Sem dúvida. Ela pretende resolver problemas reais de forma fundamentada, promover a abertura do sistema a novas forças, aumentar a diversidade de opiniões no Parlamento e torná-lo mais flexível.

13. Uma crítica potencialmente apontada a propostas como as que fazes agora é a seguinte: em tempos de crise económica e financeira, o país deve ter outras prioridades. Agora não seria o tempo de discutir reformas do sistema político, mas sim o tempo de discutir como combater o desemprego, promover o crescimento económico ou resolver a crise do euro. Em suma, debates institucionais seriam luxos durante tempos de crise. Devemos mesmo estar discutir a reforma do sistema eleitoral?

Sim, devemos. Crises como esta são sempre usadas como desculpa para três coisas: adiar a discussão de temas importantes, cortar na cultura e negligenciar a protecção do ambiente. Tudo isto me aborrece. Sobretudo porque o sistema eleitoral é parte da razão pela qual chegámos ao estado actual. Um sistema que promova a entrada de mais partidos no Parlamento é, tendencialmente, um sistema mais vigilante perante a má gestão da coisa pública.

Além disso, temos de aproveitar estes momentos de incerteza face ao futuro para repensar a organização da sociedade a todos os níveis, incluindo o político, até porque deste irão depender muitas decisões futuras.
Por isso, não sou adepto do discurso anti-política e anti-partidos que tanto se ouve em alturas de crise. Se as crises servem para algo é para reconciliar os cidadãos com a democracia. Se isso não acontecer, corremos o risco de regressar a tempos mais negros.

14. No "site", fala-se no corte do número de deputados que é proposto enquadrado no contexto de austeridade em que vivemos. Ou seja, é apresentado como um corte de despesa que, apesar do seu valor diminuto, se poderia considerar como simbolicamente relevante. Mas não será isto desconsiderar o valor dos deputados enquanto tal, enquanto representantes do povo na Assembleia? Este argumento não é, na verdade, apenas uma forma demagógica de apelar ao sentimento anti-política e anti-partidos?

Muita gente poderá entendê-lo dessa forma, mas isso só acontece porque esse sentimento anti-política e anti-partidos está instalado na sociedade portuguesa e, se a observação não me falha, em franco crescimento.

Além de representar uma redução simbólica da despesa, útil enquanto exemplo para a sociedade, a diminuição do número de deputados tem por objectivo compensar a governabilidade, embora esta dependa, acima de tudo, da capacidade de diálogo de cada governo. Isto porque governar não é impor, é reflectir, é negociar e é escolher a solução que se revele mais adequada para o maior número de pessoas.
Como tal, propor uma redução no número de deputados não é desconsiderar o seu valor enquanto representantes do povo na Assembleia. É até o inverso: valorizar aqueles que serão eleitos, pois terão maiores responsabilidades perante o colectivo que representam.

De certo modo, é uma aplicação da lei da oferta e da procura: quanto menos há, mais valor tem.

15. Defendes que devem existir 181 deputados, também com o argumento de que aumentaria a governabilidade, tendo em atenção as características do novo sistema, como aliás já referiste. O mínimo previsto pela CRP é de 180. Presumo que o 181 tenha sido escolhido por ser número ímpar. Mas foi só esse o critério? Se pudesses alterar a Constituição, qual seria o número de deputados que proporias, e porquê?

O facto de ser ímpar foi o critério, para evitar empates técnicos, como o de 1999, entre governo e oposição. Quanto ao número de deputados, recentemente, numa conversa com o João Vasco, do Esquerda Republicana, fui alertado para o facto de o número actual – 230 – ser aquele que está mais próximo da “linha de guia” das câmaras baixas europeias. O autor do gráfico que o João me indicou foi o Pedro Magalhães, pelo que não tenho razões para duvidar da seriedade do estudo.

Lembro-me que, em 2006, fiz uma experiência parecida, só com os países que pertenciam à União Europeia e o valor que encontrei como ideal para Portugal foi 221. Por isso, se a alteração que o nosso grupo de trabalho propôs fosse modificada no que respeita ao número de deputados, não veria grandes inconvenientes. Mas terei sempre muitas reservas em aceitar um aumento do número de círculos.

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Entrevista a Luís Humberto Teixeira - Parte 2

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6. Uma crítica possível ao sistema que propões é que sedimenta o poder dos partidos e diminui ainda mais a ligação entre o cidadão eleitor e os deputados que são eleitos. Assim, os deputados teriam mais incentivos para agradar às respectivas direcções partidárias do que ao eleitorado. Como respondes a esta crítica?

Não me parece uma crítica preocupante. O poder dos partidos está sedimentado há muito em Portugal e esta proposta não o aumenta. Quanto à ligação entre eleitores e eleitos, dificilmente será menor do que já é...

Todavia, é possível conciliar a proposta avançada na Petição pela Reforma da Lei Eleitoral com medidas de aproximação entre eleitos e eleitores.

Em 2006, no âmbito de um call for papers da Loja de Ideias sobre a reforma do sistema eleitoral, esbocei a seguinte ideia: após serem eleitos, os deputados deviam fazer uma declaração pública dos temas e áreas geográficas a que se sentissem mais ligados. Assim, sempre que um eleitor quisesse enviar uma denúncia ou uma sugestão ao Parlamento, seria fácil saber qual ou quais os deputados mais sensíveis ao assunto.

Esta parece-me uma solução mais eficaz para estabelecer uma aproximação entre eleitos e eleitores do que os círculos uninominais, sobretudo porque não tem quaisquer contra-indicações ou efeitos secundários negativos para o pluralismo.

7. Outra questão relevante prende-se com a governabilidade e com o poder dos pequenos partidos. Em que medida é que o sistema que propões não dá demasiado poder aos pequenos partidos, um poder que vai para além da sua efectiva representatividade entre a população do país, tendo em atenção que os maiores partidos dependerão deles para conseguirem formar maiorias e governar (veja-se o caso de Israel)? E até que ponto é que o sistema não promove, desta forma, a instabilidade governativa?

Se houvesse o objectivo de dar aos pequenos partidos um poder superior àquele que lhes é devido, não se propunha a redução do número de deputados para 181.

Como é expectável que o círculo nacional aumente o pluralismo no Parlamento, a redução no número de deputados é um contrapeso, uma compensação pela menor governabilidade que um sistema mais representativo implicará.

Isto porque há quem defenda que mais pluralismo implica sempre menos governabilidade, logo mais instabilidade, uma relação de causa-efeito com a qual não concordo inteiramente, pois a instabilidade é mais fruto da incapacidade de diálogo do que da diversidade de opiniões.

Veja-se os governos de António Guterres: o primeiro não tinha maioria e governou uma legislatura inteira na base do diálogo; o segundo só aguentou meia legislatura, apesar de o PS ter metade do Parlamento e, como tal, uma maior base de governabilidade.

Em democracia, a política deve ser a arte da negociação – e para haver negociação é importante haver pluralismo. Já a imposição da vontade de alguns, comum em governos com maioria absoluta, é um tique autoritário.

Em suma, o sistema proposto não promove, de todo, a instabilidade governativa. Promove, sim, a negociação entre diferentes forças políticas, com vista ao estabelecimento de um “common ground”, de uma base de entendimento.

8. Porquê um sistema eleitoral proporcional e não um sistema eleitoral maioritário, ou seja, um sistema que tendencialmente garantisse uma maioria parlamentar ao vencedor das eleições, de forma a que este tivesse maior facilidade em formar Governo e implementar o seu programa?

Como ecologista, sou a favor da biodiversidade, tanto no ambiente natural como no ambiente humano. Como tal, não defendo a lógica “winner-takes-all” de um sistema maioritário ou de um sistema proporcional com bónus maioritário, como o grego. Além disso, como disse antes, acredito que a política é a arte da negociação e que é do diálogo entre os vários partidos que algo melhor pode surgir.

Quando se fala em alterar a lei eleitoral autárquica para favorecer a formação de executivos monocolores, não consigo deixar de pensar em como isso será nocivo para a qualidade da democracia local. Pode até ser melhor para quem governa, mas para quem é governado...

9. De onde surge a tua colaboração com o PAN?

No Verão de 2011 entrevistei o Paulo Borges porque decidi incluir o PAN no meu livro “Verdes Anos”, que é um upgrade da tese de mestrado em Política Comparada que defendi no ICS-UL. Após a entrevista, falámos sobre sistemas eleitorais e notámos que havia um interesse mútuo em aprofundar o tema e procurar soluções para o caso português. Meses depois, ele lançou-me este desafio e eu aceitei.

10. No teu livro “Verdes Anos. História do Ecologismo em Portugal (1947-2011)”, falas da ligação entre o ecologismo e ambientalismo com um programa reformista também a nível do sistema político. De que forma é que o teu ambientalismo influenciou o sistema que propuseste em 2003 e propões agora?

Foi estruturante. Não é só a questão da biodiversidade política, que referi anteriormente, que fomenta o debate de ideias e a expressão de pontos de vista minoritários ou alternativos. É também a diminuição do desperdício, através da defesa de um sistema mais eficiente – ignorar meio milhão de votos é faltar ao respeito a muita gente.

É dar mais poder às bases, permitindo que a multiplicidade de opções existente na sociedade esteja mais bem reflectida numa Assembleia que devia ser um espelho do país.

E fazer isto mantendo aquilo que o actual sistema tem de positivo, numa lógica de reutilização ou reciclagem – é o caso da manutenção dos 4 deputados para a emigração, mas num único círculo, em vez de em dois.
De forma muitas vezes discreta, medidas deste género têm sido propostas por ecologistas ao longo do tempo: foi o José Carlos Marques nos anos 80, o Viriato Soromenho-Marques nos 90... Sinto que estou a continuar esse trabalho, fazendo algumas coisas à minha maneira, é certo, mas mantendo os mesmos princípios.

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Entrevista a Luís Humberto Teixeira - Parte 1

O Luís Humberto Teixeira, de quem já aqui falei, é um dos responsáveis pela proposta de revisão do sistema eleitoral apresentada pelo PAN. O tema da reforma eleitoral preocupa-me e pensei que seria interessante enviar ao Luís um conjunto de questões que considerei relevantes sobre a proposta agora apresentada e publicá-las aqui no blogue. O Luís simpaticamente aceitou responder, e aqui está o resultado final, cuja leitura, naturalmente, sugiro! Na última parte, o leitor encontrará informação sobre como procurar mais informação sobre a proposta e como colaborar, no caso de ter interesse em fazê-lo.

Agradeço desde já ao Luís a simpatia de responder às minhas perguntas.

1. Luís, em 2003, escreveste uma carta aberta ao então Presidente da República, Jorge Sampaio. O resultado foi o texto “Reciclemos o Sistema Eleitoral!”, em que defendes um sistema eleitoral misto - círculo nacional eleito proporcionalmente e círculos uninominais a nível distrital. O que esteve por trás desta carta aberta? Porquê o Presidente da República e não o Presidente da Assembleia da República ou o primeiro-ministro?

Na altura, dirigi a carta aberta ao Presidente da República, Jorge Sampaio, porque reparei que, em várias notícias, ele – mais do que o Presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, ou o primeiro-ministro, Durão Barroso – demonstrava preocupação com os problemas que afectavam o nosso sistema eleitoral, problemas de que me comecei a aperceber enquanto jornalista quando cobria a campanha das Legislativas 2002. Foi o cabeça-de-lista do Partido da Terra pelo círculo de Setúbal, Luís Carloto Marques, quem instilou em mim o desejo de aprofundar estas questões quando, em resposta à pergunta “Porque se candidata?”, disse: “Para sensibilizar os eleitores para as ideias do MPT, pois a forma como o sistema eleitoral está construído nunca permitirá a minha eleição”. Foi desta sinceridade de quem estava consciente dos obstáculos que tinha pela frente que nasceu o meu interesse pelo sistema eleitoral.

2. Entretanto passaram quase 10 anos. Mantêm-se actuais os motivos que te levaram a escrever a Jorge Sampaio, e são eles que te levam agora a colaborar com o PAN numa nova proposta de reforma do sistema eleitoral?

Apesar de ter passado quase uma década, de ter sido criada (e extinta) a Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político, de muitos politólogos terem abordado o tema e de diversas propostas de alteração terem surgido e sido divulgadas publicamente, podemos dizer que, infelizmente, pouco ou nada mudou.

Os três maiores problemas que eram referidos em 2003 no “Reciclemos o Sistema Eleitoral!” – eleitores-fantasma, votos ignorados e desrespeito pelo princípio da igualdade de voto – permanecem actuais e foi por esse motivo que aceitei o convite do PAN para coordenar um grupo empenhado em propor melhorias ao sistema actual.

3. Antes de falarmos da proposta, e para enquadrar quem não conhece o tema, falemos do sistema actual. Como é que o sistema eleitoral actual funciona? Quais são os seus pontos fortes? Quais são os seus pontos fracos?

Comecemos pelo funcionamento do sistema.

Nas Legislativas são eleitos 230 deputados e, antes das eleições, o país é dividido em 22 círculos eleitorais. Por lei, os dois círculos da emigração – Europa e Fora da Europa – têm direito a dois mandatos cada. Os outros 226 mandatos são distribuídos pelos 20 círculos restantes de forma proporcional (método de Hondt), com base no número de inscritos nos cadernos eleitorais de cada círculo.

Após essa distribuição, as forças políticas concorrentes elaboram as suas listas e fazem campanha. Chegado o dia da eleição, cada eleitor deposita o voto na lista que mais lhe agrada (voto sincero) ou na que menos lhe desagrada (voto estratégico).

Depois de contados os votos, os mandatos são atribuídos, utilizando novamente o método de Hondt.
É comum dizer-se que o método de Hondt é o menos proporcional dos vários métodos matemáticos proporcionais usados em eleições, mas nem o vou incluir aqui entre os pontos fracos do sistema, pois há aspectos bem mais graves.

Um é o facto de a distribuição dos mandatos ser feita a priori com base em cadernos eleitorais que contêm, ainda, muitos eleitores-fantasma. Isto desvirtua o sistema logo desde a base.

Outro é a divisão do país em muitos círculos. Na prática, temos 20 eleições a decorrer em território nacional, e não uma. Isso desrespeita o princípio da igualdade de voto entre todos os cidadãos. O exemplo que costumo dar é o das Legislativas de 2005, nas quais 16 mil votos elegeram um deputado do CDS por Viana do Castelo, mas 22 mil votos em Braga foram insuficientes para eleger o cabeça-de-lista do Bloco de Esquerda por aquele círculo.

Depois temos a dimensão dos círculos. Em 2011, metade dos 20 círculos do território nacional tinham pequena dimensão (2 a 6 mandatos), oito possuíam tamanho médio (9 a 19 mandatos) e dois eram grandes (39 e 47 mandatos). Ora, sabendo que, quanto menor o número de mandatos por círculo, menor o aproveitamento dos votos e menor o pluralismo, deparamo-nos com uma nova fraqueza: o da quantidade de votos válidos ignorados pelo sistema. Só nas últimas eleições foram mais de meio milhão! E atingiram de forma esmagadora a representação dos partidos médios e pequenos.

Quanto a pontos fortes, pode dizer-se que o actual sistema tem permitido a chamada alternância democrática, bem como a criação de governos minoritários, governos de coligação e governos de maioria de um só partido, além de ser relativamente plural (apesar dos obstáculos consideráveis que coloca à entrada de novos partidos).

Em suma, tem sido bastante flexível, mas ainda tem muita margem de manobra para melhorias.

4. Em 2003, propunhas um sistema eleitoral misto. Sucintamente, defendias que o sistema misto permitiria valorizar o voto de cada um de nós e ao mesmo tempo fortalecer a ligação entre eleitor e eleito. Manténs essa opinião?

Apesar das vantagens do sistema misto que então defendia, a passagem pelo mestrado em Política Comparada no ICS-UL permitiu-me contactar com estudos que desmontam a ideia generalizada de que os círculos uninominais aproximam eleitores e eleitos. E isso fez-me mudar de opinião relativamente a esses círculos. É que os círculos uninominais são bons para bipolarizar os sistemas, e isso é algo que considero limitador da representatividade e do pluralismo.

5. Agora propões um sistema diferente. Dois círculos eleitorais - nacional e emigração - e nenhum círculo uninominal. Porquê um sistema diferente daquele que propuseste em 2003?

Esta proposta é fruto de um grupo de trabalho, não é inteiramente minha, o que justifica parcialmente a diferença. Mas subscrevo-a totalmente porque é mais consistente e fundamentada do que a que avancei há quase dez anos.

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domingo, 5 de agosto de 2012

Perdidos na diversidade


Há uns largos meses um professor italiano perguntava-me se eu achava que a União sobreviveria à crise. Como bom aluno do Colégio da Europa que fui, respondi que sim: a História demonstrava que, até ao momento, todas as grandes crises na UE se tinham transformado, mais cedo ou mais tarde, em momentos de integração europeia. Naquela altura, acreditava genuinamente nisso. Só a Grécia e a Irlanda tinham sido “resgatadas”, ainda que Portugal estivesse a caminho. De Espanha e de Itália (ainda) ninguém falava.

Nos últimos meses, porém, a minha convicção foi abalada pela forma como toda a situação tem sido conduzida. Não julgo perceber que chegue de economia para conseguir dizer qual é a solução correcta, mas não creio que algumas das posições tomadas até agora tenham amenizado o problema, pelo menos do ponto de vista político. A postura da Alemanha é compreensível à luz do intergovernamentalismo liberal, teoria que defende, se não erro, que as realidades nacionais condicionam o discurso europeu de cada Estado Membro. Não o é, porém, para quem deseja uma União forte e retemperada. O discurso alemão tem sido excessivamente duro, mesmo que as acções depois não o sigam à letra: a rejeição veemente dos Eurobonds, a demarcação da França e da Itália no último Conselho, os comentários aos países do Sul da Europa. Percebe-se que Merkel tenha eleições para ganhar, mas talvez fosse boa ideia relembrar aos seus eleitores que estes têm muitíssimo a perder com a queda da moeda única. Mas o principal problema, a meu ver, é outro. 

Monti veio dizer que é importante estarmos atentos ao confronto Norte-Sul na Europa. Na semana passada, o Der Spiegel, publicação séria, publicou um artigo intitulado “Corruption andNepotism Haunt Southern Europe”. Como heading, a frase: “The Origins of the Crisis”. O artigo debruçava-se somente sobre a Sicília. É só um artigo, mas é mais um a ressalvar as “diferenças” entre o sul corrupto e mandrião e o norte trabalhador e eficiente, coisas que nem um, nem outro são na sua totalidade. O que é grave nesta abordagem, tal como na postura que alguns Estados Membros a “norte” adoptaram algumas vezes durante a crise, é que, mesmo que o Euro se salve, as feridas da profunda desunião e das tremendas divergências entre Estados Membros demorarão tempos infinitos a sarar. Perde, acima de tudo, a União Europeia. “Unidos na diversidade”?! “Perdidos” faria muito mais sentido. 

Sayonara do Último Nan Ban Jin!

Um dos blogues que acompanhei com avidez nos últimos anos acabou. Estou triste, por razões egoístas. Sentirei falta das venturas e desventuras, estados-de-alma e outros apontamentos de um Português no Japão. Aqui fica transcrição do seu último texto. "Tomando de ensejo o assinalar do centenário da morte de Sua Majestade o Ten'Ō Meiji (明治天皇 , 3.11.1852 – 30.7.1912), este TLNBJ segue hoje a enterrar, desta feita de vez, e sem direito a mais exumações. Tempo houve em que valeu a pena andar por aqui, pela escrita em formato blogue, dava gozo e a escrita revestia-se de uma pertinência que nem sempre se queria demasiado pertinente. Uma janela para o Mundo, como alguém dele disse, com vista sobre um seu onírico e quasi-obscuro canto, ilha remota, Kyūshū essa, tão prenha de histórias ainda e sempre por contar... Há muito que já não sou daqui. Deste formato, digo. Lamento dizê-lo, mas salvo uma mão-cheia de mui nobres e honrosas excepções, aquilo a que uns convencionaram chamar blogosfera portuguesa, seja lá o que isso for, há muito que descambou num deplorável muro de lamentações, mais um, natural extensão online de um certo ruminar permanente e vicioso de pessimismos de mesa de café, e onde as lamúrias de sempre se entre-atropelam, e, sinceramente, nunca dei, quiz dar ou darei um chavo que seja para esse peditório. Acresce que, de regresso a Portugal, e ainda que haja de voltar tão breve quanto possível ao país que tão bem me acolheu estes últimos quatro anos, hoje mais que nunca, e mesmo com tanto mal a afligir os que mais remédio não têm senão por cá ficar lutando pelas suas vidas, com tanto, dizia eu, que haja de maldizer, hoje, mais que nunca, sei o quão bom é ter Portugal por Pátria, por minha terra, nossa terra, lugar a amar mais que qualquer outro, e a trazer no peito, hoje e sempre, como se traz todo quanto nos é querido de verdade. Escolho esta data para fechar este espaço, também pelo carácter simbólico, invocativo, que a data encerra e no que ao Japão e à História do nosso tempo se refere: o Japão que Mutsuhito, o jovem Imperador que envergaria o nome póstumo de Meiji (明治, literalmente o 'Governo da Luz'), herdou de seus antepassados mais não era que um pobre e atrasado arquipélago no encosto mais extremo do Extremo Oriente, longa cordilheira de penhascos flutuantes à porta da Ásia, que outros, na sua curteza de vistas, só poderiam conceber como entreposto conveniente para naves forasteiras que cruzassem o vasto oceano em busca de paragens mais prósperas logo ali ao passar doutros estreitos. O Japão que Meiji deixou a 30 de Julho de 1912, escassos quarenta e poucos anos após a sua ascensão ao Trono do Crisântemo, era uma potência entre as primeiras de entre as grandes nações da Terra. O Japão de Meiji, sem nunca abdicar da sua mais cara essência identitária, e em nome da mais urgente das tarefas — o da sobrevivência da sua soberania nacional — obrigou-se a uma transformação cultural, social, económica e política sem precedentes na história da Humanidade, uma metamorfose tão profunda quão dramática e não poucas vezes dada a um preço demasiado alto a pagar. Mas fê-lo para que o Japão de hoje seja a referência cimeira que ainda é, para tantos de nós, enquanto paradigma de uma sociedade solidamente desenvolvida, estável, segura, justa e digna do nosso mais reverencial louvor — ainda e sempre entre as mais dignas de nota das nações do nosso Mundo. Face às mazelas do destino, o Japão nunca se perdeu em lamentos estéreis à boca escancarada. A este respeito recordamos, uma vez mais, a tragédia de Kanto de 1923, os dias dos tenebrosos daikūshū de '45, Kobe e Tōhoku que vimos com os nossos olhos, cair e reerguer, inabaláveis, do ardor das cinzas. A cada crise, o Japão respondeu sempre com um redobrar das suas forças, o mais das vezes indo-las buscar onde não sobrava a mais mísera réstia de esperança. E levantar-se, sempre! Sim! sem pedir contas a outrem que não a si mesmo e à sua castigada gente. Observar, aprender, fixar, é isso, a nós outros, que nos resta... E quanto ao mais, é tempo de partir e deixar de vez estas paragens. A todos quantos se interessaram, inspiraram, daqui colheram inspiração e a tantos quantos fizeram questão de ler este quase-diário de bordo, pouco regular mas feito, o mais das vezes, com muita boa vontade e alegria, enquanto foi tempo de navegar, um sentido agradecimento do mais fundo do meu coração — a todos vós um emocionado 'Arigato gozaimasu' — não citarei nomes: vós sabeis quem sois." link

sábado, 4 de agosto de 2012

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

European public consultation 2012

A comissão está a reunir estatísticas e opiniões sobre a UE e o seu funcionamento. Não se esqueçam de preencher as soluções federalistas. ;)
http://ec.europa.eu/justice/opinion/your-rights-your-future/


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Adeus ao Barão do Norte - Eurico de Melo

Leio aqui que faleceu Eurico de Melo. É uma perda para o País, pelo que conheço é a ele que devemos, a regionalização não ter avançado em meados dos anos 80. Um cidadão que partiu,a República está mais pobre.