sábado, 29 de outubro de 2011

Todos temos ideologia

Todos temos ideias sobre como a comunidade se deve organizar politicamente, sobre como deve ser distribuída a riqueza, sobre o que é a justiça. Todos temos preferências sobre estes temas que influenciam as nossas escolhas e que são a tradução de diferentes formas de avaliar a realidade que nos rodeia.

Há uma mediação entre o «ser» e o «deve ser». Essa intermediação vem da nossa avaliação e interpretação da realidade. Em suma, das nossas opiniões. E as opiniões são, por natureza, subjectivas, mesmo que fundamentadas com dados empíricos. As diferenças de opinião resultam em debates que têm por pano de fundo tentar convencer os outros de que a nossa avaliação da realidade e sobre o «dever ser» é melhor.

Desconfie de quem lhe disser que não tem ideologia, de quem lhe disser que tem opiniões «objectivas» e «factuais». No limite, opiniões «correctas». Estas não existem, muito menos em política. Podemos discutir quais os resultados das políticas do Governo, mas atacá-las por serem «ideológicas» é um ataque trivial. É que as alternativas às políticas do Governo têm também subjacente uma ideologia.

Os ataques à «ideologia» têm como resultado que os actores políticos vão ser incentivados a tentar obscurecer as suas opções ideológicas. As opções políticas vão ser apresentadas, por todos os lados, não como a melhor alternativa, mas como a única alternativa. E essa apresentação tenderá a ser feita, ainda por cima, no formato de «slogans» triviais sem qualquer substância.

Em vez de se aceitar o pluralismo ideológico e promover o diálogo entre diferentes concepções do mundo, acaba a promover-se, na melhor das hipóteses, gritarias entre actores políticos que arrogam para si a Verdade e a objectividade, obscurecendo as opções ideológicas subjacentes às suas escolhas. Na pior das hipóteses, a negação de validade a opções ideológicas contrárias tem tendência para resvalar para regimes de pensamento único.

Numa sociedade livre, aberta e plural, é importante aceitar que todos temos ideologia, e que essas ideologias influenciam e condicionam as nossas opções políticas, quer exerçamos cargos públicos quer apenas escolhamos exercer, ou não, o nosso direito de voto. Essa aceitação é fundamental para que haja um defesa clara da liberdade de expressão e de opinião, sendo ainda muito importante para promover a emergência de acordos políticos.

É urgente que combater o apelo populista do discurso que se diz «a-ideológico». É urgente preservar o pluralismo e a liberdade de pensamento, e promover o debate político substantivo.

Apontamentos sobre o OE 2012 (I)

Lista de pergunta que não foram feitas nesta sondagem:
a) Já leu a Proposta de OE para 2012? 
b) Elenque algumas das medidas do OE para 2012. 
c) Porque é que se deve receber 14 meses quando se trabalha 12 meses? 
d) Confia em algum membro da classe política profissional? / Acha que os políticos são todos um bando de corruptos a tentar enriquecer à sua custa?
e) Porque é que não confia no Ministro das Finanças?
f) Qual é a meta do défice para este ano? Qual a meta do défice para o ano que vem?
g) Já leu o Memorando da Troika?
h) Que despesas é que ficam para cortar se não se puder cortar na Educação, na Saúde e na Segurança Social?
i) Concorda com a actuação pública recente das Forças Armadas e das forças de segurança pública no sentido de minimizarem os cortes nas suas áreas?
j) O que é que significa "repartir de forma justa as dificuldades"? 
k) Já tinha ouvido dizer que o Governo planeava ir "além da Troika"?
l) Quando empresta dinheiro a outros, pensa que os outros não só não lhe devem pagar de volta, como o devem culpar e insultar a si por lhes ter emprestado dinheiro?

Pergunto-me do que é que estava toda a gente à espera com este Orçamento. Além da desvalorização fiscal, que acabou por não ter lugar, o que é que não era previsível nos aumentos de impostos e nos cortes nas despesas? A magnitude? Mas se o Governo tem dito sistematicamente que iria além da Troika, e ainda por cima encontraram desvios na execução orçamental (que só o PS de António José Seguro parece ter dificuldades em entender), o que é que se esperava que iria acontecer a seguir?

Tem sido particularmente penoso assistir ao debate sobre este Orçamento porque esta teria sido uma oportunidade perfeita para surgirem as célebres alternativas. Aqui está um Orçamento mais «troikista» que a Troika, com tudo para ser extremamente impopular, e a única coisa que se tem visto de relevo do principal partido da Oposição tem sido uma charada sobre o seu sentido de voto relativamente ao Orçamento. 

O BE e o PCP mantêm-se na sua, mas desses não se espera nada. Do Presidente da República, que sentiu necessidade de presentear o país com a sua opinião sobre cortes nos subsídios de férias e de Natal, talvez para que a sua magistratura se mantenha «activa» (porque se o Presidente da República vetar o Orçamento, eu vou ali e já venho), também já não se espera muito. Do PS, no entanto, espera-se mais do que jogos políticos sobre o sentido de voto no Orçamento, curiosas incapacidades de perceber desvios na execução orçamental e apresentações sobre as suas maravilhosas PPP. 

Do PS espera-se uma alternativa de Governo. Isso significa, no mínimo, um documento em que o PS apresentasse as suas medidas para o seu Orçamento para 2012, caso fosse Governo. Porque criticar com base no vazio, ou alinhando com os restaurantes na sua luta por manter a taxa intermédia de IVA, não é nada. E fazer «tabus» mediáticos sobre o sentido de voto também não.

Parte da crise do nosso país e da nossa República está precisamente na incapacidade da nossa Oposição de ser mais do que isto, qualquer que seja a sua cor política: o principal partido da Oposição quase se resume ao seu líder, e o programa do principal partido da Oposição resume-se a dizer mal do Governo sem dizer mais nada do que isso.

O PS apresentou um programa nas eleições. Custar-lhes-ia muito explicar como é que esse programa se repercutiria no Orçamento para 2012? Ou explicar o que é que alterariam? Ou será simplesmente mais fácil tentar fugir do Memorando da Troika e refugiar-se na banalidade e na política sem substância?

Há uma pergunta fundamental que pura e simplesmente não tem sido colocada, mas essa pergunta não seria para quem respondeu à sondagem acima. Seria principalmente para o principal partido da oposição. E a pergunta seria: qual é a alternativa do PS a este Orçamento?

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A Cubanização da Economia Portuguesa: Workshop de Sobrevivencia

Os próximos anos serão de retracção da actividade económica em Portugal, com o Estado sem folga para quebras nos impostos, a níveis extra-ordinários que na prática "comem" 50% da actividade económica gerada em Portugal e que ficarão imediamente cativos para pagar amortização de capital e juros da nossa astronómica divida pública.

Sem alternativas para sustentar uma economia de mercado, consumista e baseada num paradigma de usa e deita fora, os portugueses serão obrigados a fazer o impensável, como não trocar de telemóvel este Natal, extender a utilização do computador por mais tempo, se calhar a até a votlar a ter galinhas na varanda.

Por isso, talvez seja interessante participar numa workshop, a realizar em data a confirmar no centro comunitário ou associativo na cidade de Lisboa:

Formador: Juan Flores Caballero, nasceu em Cuba em 1954, é formado em Eng. Mecanica na Universidade de Havana, tendo sido responsável pelo centro de reparações da divisão mecanizada do exercito Cubano em Angola entre 1976-1982 onde também deu formação militar. De regresso a Cuba, deu várias formações no exercito cubano e foi responsável pelo sistema de fornecimento electrico do bairro de San Jaunito del Sastre, bem como promotor de várias huertas comunitárias. Caballero reside em Havana, e é pai de dois filhos, ambos nos EUA. Desde 2010 que realiza workshops de sobrevivencia com condições minimas, através da reutilização de materiais, e extensão da vida util de equipamentos.

"Workshop Cubanizacao da Economia Portuguesa / Um Plano para 2012-2015"

Dia 1:

10.00 Extendendo "La Vida Util de Su Coche (Como por o Seu Renault Clio a fazer 2.000.000Km)

11.00 Transformar uma loja da Apple no centro de Reparacao Automovel do Seu Bairro

12.00 De Director Financeiro a Mecanico do Bairro em 10 licoes (é mais fácil do que julga!)

13.00 Cantinas Sociais ou como evitar o IVA de 23% da restauração.

14.00 La Siesta

15.00 Se sairmos do Euro: como trazer divisas para Portugal? Técnicas de evasão.

16.00 Prisão e policias politicas - técnicas de resistencia passiva em ambiente de interrogatório por parte do fisco.

17.00 Sexo ou a melhor forma de poupar electricidade e TV cabo.

18.00 Como por o seu TV LCD do ano passado a durar ate 2020

19.00 Como fazer um box da TDT apenas com sobras de electrodomésticos da sua cozinha

20.00 Como sacar os jeans vintages dos turistas que nos visitam (e fazer com que pareçam melhores do que os da Diesel).

21.00 Como sacar um segundo emprego sem pagar IRS.

22.00 Como emigrar de Portugal para os EUA (sem ser numa balsa).

... e perdoem-nos a dívida, como vão fazer com a Grécia!

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Intervenções no blogue 'The Lisboners' (VI)

Sugiro a leitura deste artigo e dos comentários (que incluem intervenções minhas).

Abaixo fica o primeiro comentário, que é um comentário directamente ao artigo:

«How is it rational to treat Greece as if they were simply caught up in a bad situation that had nothing to do with them when that simply isn’t true? The Greek economy relied excessively and unsustainably on debt, as did the Greek State, egged on by misapplied and overly optimistic ratings (though few complained about those as they do about less stirling ratings). It did so to fund an uncompetitive economy and an overblown State.

Greece should be restructuring its economic structure, though it’s not been easy to actually implement structural reforms, to put it mildly. Of course they’re not popular. But governing isn’t simply about doing what’s popular. It’s about doing what one thinks is best, and then, in a democracy, be judged for it at the polls.

Finally, even if Greece were actually implementing reforms more steadily, you can’t expect results from structural changes in the short-term. There is an adjustment period. It’s painful, but it’s there, and it needs to be managed.

We can’t keep looking at the short-term. That’s what got us into this mess in the first place. We can’t solve structural problems, as they are in Greece and in Portugal, by throwing money at them, as that’ll only cause inflation and make those problems worse.

And, as a federalist, I would hope we’d take the time to discuss the European Union properly, but it seems it’ll be hard for that to happen.»

domingo, 16 de outubro de 2011

Indignados

Os indignados não me representam. Tal como a mim, não representam muito mais gente. No entanto, auto-proclamam-se representantes do «povo». Ninguém os mandatou para tal. Eu fui votar, foi aí que mandatei alguém para me representar, no Parlamento. Nos Indignados, não votei, nem quero votar.

Arrogar-se o título de «representantes do povo» demonstra a pretensão de que as opiniões delas são aquelas que contam, são as opiniões «do povo». Só eles sabem o que é a «verdadeira democracia» (mas não explicam o que é), só eles têm os «olhos abertos» (por muito que não saibam o que um «credit-default swap») e só eles têm uma «verdadeira alternativa» (que varia de indignado para indignado).

Todos temos direito à manifestação. Ainda bem que a manifestação foi pacífica. Mas quem me representa é quem eu digo que me representa, não é alguém que se auto-proclama como «representante do povo». E esta tentativa de deslegitimar as eleições e a actuação do Parlamento é uma forma de deslegitimar a democracia representativa que temos vindo a construir, e que de facto precisa de reformas.

As «Assembleias Populares», «ad hoc», em que a pressão de grupo coage no sentido do pensamento único, acompanhadas de distribuição de papéis com perguntas enviesadas (vulgo, «referendo popular) poderão ser uma boa forma de, pacificamente, discutir questões que preocupem quem lá vai, mas não são uma grande novidade, uma grande conquista, uma grande revolução. Tal como acampar em praças públicas, «privatizando-as» durante esse tempo, não é uma grande vitória nem um grande passo no sentido  de resolvermos os graves problemas com os quais nos confrontamos.

Reitero que valorizo imenso a forma pacífica como os «indignados» se têm comportado em Portugal, e que não foi seguida, por exemplo, na Grécia (caso extremo) ou em Itália. Reitero que as manifestações pacíficas são perfeitamente legítimas e são uma forma saudável de manifestar desacordo com políticas seguidas pelo Parlamento ou pelo Governo. Mas confesso que ainda não vi nos «indignados» alternativas credíveis. Não vi uma visão estratégica sobre o que fazer no futuro. E é disso, mais do que tudo, que precisamos.

Quando falo em «credíveis», não me refiro a repetir o que dizem Boaventura de Sousa Santos (cujo passatempo parece ser descaracterizar as posições económicas liberais e mascarar vacuidade com jargão técnico) ou Jerónimo de Sousa (cujo discurso nacionalista e economicamente conservador é tragicamente apelidado de «esquerda»), para dar dois exemplos. É preciso que o debate seja intelectualmente honesto e não assente em chavões, que foi aquilo em que se transformaram expressões como "neoliberalismo" ou "ultra liberalismo".

É que no limite, o que me parece é que estas pessoas querem «democracia real» porque o Parlamento eleito não tem a maioria que elas desejariam, e está a implementar políticas de que elas não gostam. E portanto, os «indignados» tentam retirar legitimidade ao Parlamento e à democracia vigente. Porque se não conseguem implementar as suas medidas formando maiorias após eleições, então tentam consegui-las por outras vias, nomeadamente tentando que o poder «caia na rua».

Só que o poder cair na rua não é equivalente a democracia. O poder cair na rua, o poder das «multidões», é conferir muito realmente poder a essas multidões para ignorarem os direitos individuais de cada um. E esse tipo de democracia, para mim, não é «democracia real». É «mob rule». E se por enquanto, em Portugal, temos assistido a manifestações pacíficas, a «mob rule» tende a ser tudo menos pacífica.

P.S. Há também a pretensão dos «indignados» de dizerem representar a maioria da população, quando não dizem simplesmente que são representantes do povo. Acontece que a maioria da população que votou nas eleições, votou no PS, no PSD e no CDS-PP, todos eles partidos ligados à Troika, e tinha a hipótese de ter votado no BE, no PCP e noutros partidos. Será isso algo a ignorar? Ou vamos agora andar com a tese de que as pessoas foram «enganadas», apesar de sistematicamente lhes ter sido dito que se ia ir além da Troika, além de se terem descoberto buracos nas contas (que poderão, concedo, não justificar, só por si, um orçamento tão para além do previamente definido com a Troika)?

Eu não passo um atestado de «coitadinho» à população portuguesa. As pessoas sistematicamente votaram em partidos com programas que nos puseram nesta situação e, nas eleições passadas, votaram em partidos que disseram claramente que iriam além da Troika. E isto aplica-se ao Continente e à Madeira. Porque eu, contrariamente a uma certa Esquerda que por aí anda, não aplico um «standard» à Madeira e outro ao Continente.

sábado, 15 de outubro de 2011

Termos-chave no inexistente discurso político em Portugal

Retirados do último comentário-intervenção de Marques Mendes na TVI24:

- "Gestor"
- "Administrador"
- "Carros com motorista"
- "Organismos totalmente públicos"
- "Empresas público-privadas"
- "Falência"
- "Empresa municipal"
- "Impostos" ["a pagar isto"]
- "Despesas de representação" ("porque são todos muito importantes" [os administradores dos organismos])
- "Redundantes, inúteis e improdutivos" [referindo-se aos organismos]
- "Boys"

Os números fornecidos resultam de uma pesquisa feita pelo próprio e que já decorre há algum tempo. Não indica onde foi buscá-los. Não os publica num sítio online criado para o efeito. Não esclarece a metodologia de avaliação que o leva a classificar "quase todos" os organismos como "redundantes, inúteis e improdutivos". Não explica como é que chegou à conclusão que os 4000 e tal administradores são "todos boys" e como é que sabe qual a proveniência partidária de cada um deles. Não indica, ainda, o porquê da pesquisa, quem lha pediu (se é que alguém o fez) e se a fez a título pessoal ou no exercício de qualquer função. Um comentário político, portanto, que, ao contrário da mulher de César, não precisa de ser sério; basta parecê-lo. Na linha dos comentários políticos que se fazem actualmente em Portugal.

Não há debate político sério em Portugal

Não há debate político em Portugal. Há quem apoie o programa da Troika, apoie que o Governo vá mais longe, e defenda essas medidas, e depois há o PS de António José Seguro a falar em «slogans», o BE e o PCP a confundirem-se um com o outro, e uma miríade de vozes à esquerda do BE e do PCP a dizer que são a favor de trivialidades.

Mas não há debate político em Portugal. Há acusações sobre as motivações dos outros, há descaracterizações das posições dos outros, há uma completa incapacidade para ir além de demagogia e populismo descarados. E neste momento, na minha opinião, se do BE e do PCP não se podia esperar muito (leia-se: não se podia esperar nada), do PS devíamos poder esperar mais.

A verdade é que António José Seguro tem andado de acusação pífia em acusação pífia, e agora anda a demarcar-se da austeridade, fugindo das responsabilidades que o PS tem na situação actual do país. O seu discurso é consistentemente desprovido de interesse. Fala em chavões, ataca o Ministro da Economia, por lhe parecer o alvo mais fácil, e exige crescimento económico, como se o Governo criasse crescimento económico sustentável carregando num botão.

Bem sei que há quem acredite que o dinheiro cresce nas árvores, que continue a encarar as empresas como zonas de guerra entre «patrões» e «trabalhadores», que a situação financeira dos Estados é parecida com a situação que existia no tempo do Keynes (dica: não é nada parecida), que as obras públicas trazem desenvolvimento simplesmente por existirem, e que tudo o que se passa em Portugal é resultado de uma terrível crise que envolve decisões erradas de toda a gente menos da população portuguesa.

Ora bem, numa democracia representativa, não há como a população fugir às suas responsabilidades. Os votos das pessoas ajudaram a eleger maiorias parlamentares que aumentaram a dívida e criaram a situação insustentável na qual acabámos. A sociedade civil portuguesa mantém-se incipiente, pouco profissionalizada, ou muito dependente do Estado. As nossas empresas continuam a precisar de maior «know-how» a todos os níveis, não apenas para os colaboradores.

Enquanto continuarmos todos à espera que o Estado resolva todos os problemas, mormente com subsídios, não chegamos lá. Quando nos começarmos a organizar, mesmo a nível local, para resolver problemas, aí as coisas começarão a mudar. Aí teremos um sinal de que há uma alteração cultural, uma mudança de mentalidades na sociedade portuguesa no sentido da resolução de problemas, e não da exigência de que os nossos problemas devam ser resolvidos por outros.

Parte dessa mudança de mentalidade poderia vir de haver um debate público sério sobre os problemas do país, sobre a forma como cada um de nós individualmente, ou em grupo, pode ser parte da resolução dos nossos problemas actuais, independentemente do Estado. Que podemos fazer mais do que exigir subsídios estatais, podemos arregaçar as mangas e tentar, por nós próprios, e com outros que concordem connosco, resolver problemas.

Mas para isso, seria necessário haver debate político sério em Portugal. E não há.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

A actualidade de Mil Novecentos e Setenta

Que seja imprescindível a descolagem sem tergiversações para o desenvolvimento firme e contínuo, poucos ousarão contestá-lo, mas muitos preferem não o reconhecer: pois não implicará reestruturações do âmago que sacodem inevitavelmente os interesses instalados e a bonança do imobilismo? Pois não implica riscos - como toda a natureza aventura afinal - e não é antes a segurança das posições detidas que lhes importa sobremaneira? Sabe-se, de resto, que tal descolagem é correlativa da profunda reforma da mentalidade, gerando atitudes novas, de essência inconformista, estimulantes das iniciativas individuais e de grupo; é preciso que todos participem na vida pública e contribuam para as decisões colectivas, que todos assumam responsabilidades activas e não se limitem a bater palmas, deixando o estudo das questões, o decidir de soluções, a escolha de rumos e a orientação das execuções a pequenos círculos, por mais bem intencionados que sejam. A tensão sergiana, de formar o cidadão no trabalhador, o cidadão de mente livre preparado a pronunciar-se em conhecimento de causa e nada disposto a passar procuração a salvadores, não se limitando, portanto, ao amen a este ou àquele brevário, tal tensão afigura-nos, por tudo isso, o mais urgente imperativo da nossa vida colectiva.

Vitorino Magalhães Godinho

domingo, 9 de outubro de 2011

A dogmática da trivialidade (II)

É fácil criticar o que não se entende. É fácil descaracterizar as posições dos outros. É fácil ter posições com base no que se ouviu e soou bem, em vez de tentar perceber aquilo que se critica. É fácil berrar e exigir que alguém, outra pessoa, faça alguma coisa para corrigir o que está mal.

É fácil decidir que se é impotente, que a culpa é de todos os outros e que nada podemos nós, os fracos, fazer. É fácil dizer que somos vítimas. É fácil olhar para o mundo e vê-lo cheio de inimigos misteriosos à abater, que conspiram contra nós para nos impedir de ser bem sucedidos.

É fácil disparar ideias feitas em todos os sentidos, sem parar para pensar no que se diz. É fácil desculparmo-nos a nós próprios. É fácil, numa democracia, escrever manifestos a dizer tudo e nada, com chavões e frases feitas.

É esse o apelo do Populismo. É o apelo de nos desresponsabilizarmos pelas coisas e de exigirmos que outros, não nós, resolvam os problemas. É aderir a ideias simples de entender, mesmo que incoerentes, por não se ter tempo para resolver as incoerências. Quer-se é bramir contra as injustiças e exigir que alguém as resolva.

E a parte mais engraçada e irónica de todas estas exigências, em Portugal, é que sistematicamente o culpado é o Estado, os culpados são os políticos, sempre corruptos e nos quais nunca se pode confiar. Mas a solução tem de partir desse mesmo Estado e desses mesmo políticos.

Se o objectivo é criar empregos, então que se tente criar empregos. Se o objectivo é ajudar pessoas em dificuldades, então se tente ajudar essas pessoas. Mas não. Em vez de se tentar resolver os problemas directamente, exige-se que o Estado, falido, os resolva. 

Quem diga o contrário é insultado com acusações gratuitas e torpes, sendo as suas motivações de imediato questionadas. A vontade popular e a verdadeira moralidade estão sempre, e por definição, com quem defende as políticas verdadeira Esquerda, a Esquerda radical, por muito minoritárias que sejam essas posições. 

Nunca é responsabilidade de quem se queixa resolver os problemas que encontra, até porque isso seria bem complicado. É bem mais simples emproar a bandeira da contestação pela contestação, assente no dogmatismo da trivialidade.

É bem mais simples berrar pela intervenção do Presidente da República ou de quem quer que seja do aparelho do Estado. E quem não defender isso, é anti-democrata e contra a Felicidade. Porque esta é, para tudo e para todos, definida pela (falsa) Esquerda populista, demagógica e radical.


sábado, 8 de outubro de 2011

Comunicação Social e Erros sobre Conceitos

O objectivo da comunicação social é informar. Para o fazer, convém ser preciso naquilo que se diz, para não passar uma ideia errada daquilo que, facticamente, se passou, o que inclui quaisquer ideias que uma outra pessoa tenha pretendido transmitir, ou políticas que estejam a ser propostas.

Quando se pense que um determino conceito poderá não ser inteligível para a maioria da população, o melhor que se tem a fazer é usá-lo na mesma, mas tentar explicá-lo de forma a que todos percebam, ou pelo menos saibam onde encontrar mais informação sobre o conceito. O pior que se tem a fazer é usar um conceito diferente, mas que supostamente é «parecido» e mais «fácil de entender» pelo cidadão médio.

Utilizar um conceito diferente passa uma ideia errada. Em vez de informar, desinforma. Quem ler a notícia fica a pensar que se passou alguma coisa quando, na verdade, se passou alguma coisa diferente. E isto terá impacto na sua percepção daquilo que a rodeia, bem como nas decisões que tome em conformidade com a percepção que tem. Trocado por miúdos: este tipo de desinformação tem impacto real e não pode ser ignorada.

Um exemplo concreto deste tipo de erros: o conceito de «governance» não é o mesmo que o conceito de «governo». Dizer que a Alemanha e a França propõem um «governo económico» comum não é o mesmo que dizer que estes propõem uma «governance económica» comum. Ora, o que a Alemanha e a França propuseram foi precisamente esta segunda hipótese, não a primeira. No entanto, um pouco por todo o lado se vê que foi a primeira a ser reportada.

Também poderá dar-se o caso do jornalista não conhecer o conceito em questão que deverá utilizar na sua notícia, dado que poderá ser um conceito técnico complexo. Nesse caso, deverá informar-se sobre o mesmo e tentar perceber o que se passa junto de quem conheça o conceito, e não tentar uma aproximação que lhe pareça bem mas que possa estar, efectivamente, bastante mal feita.

A comunicação social tem um papel importante a desempenhar numa sociedade livre, um papel informativo de disseminação de informação e de fomento do debate público. Erros sobre conceitos minam o debate público e não ajudam a que as pessoas fiquem mais informadas. Antes pelo contrário.  Não podemos admitir, enquanto participantes nesse mesmo debate, e enquanto indivíduos que sofrem as consequências das decisões que se tomam no final desse debate, que este papel seja desempenhado de forma pouco rigorosa e, no limite, enganadora.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

"Make the case for Europe"


E do address:

"(...) Donc je crois qu'on doit demander à nos institutions, mais aussi à nos États membres, aussi à Paris, à Berlin, à Athènes, à Lisbonne, à Dublin, un sursaut de fierté d'être Européens, un sursaut de dignité, et dire à nos partenaires «Merci pour vos conseils, mais nous sommes capables ensemble de dépasser cette crise». J'ai cette fierté d'être Européen."

"(...)Assim, considero que devemos exigir às nossas instituições, mas também aos nossos Estados Membros, também a Paris, a Berlim, a Atenas, a Lisboa e a Dublim, uma afirmação veemente do orgulho de sermos europeus e uma afirmação veemente de dignidade para podermos responder aos nossos parceiros «Agradecemos os vossos conselhos mas somos capazes de, em conjunto, ultrapassar esta crise». Eu sinto este orgulho de ser europeu."

Steve Jobs (1955-2011)