quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Judite Vs Lourenzo


Já não escrevia aqui há muito tempo, mas agora que tenho mais disponibilidade apeteceu-me escrever sobre a entrevista que a Judite Sousa fez ao Lourenzo (também conhecida como Judite Vs Lourenzo).

Li uma série de artigos e opiniões (em jornais, blogs, etc...) e causou-me alguma confusão a unanimidade que existia nas opiniões expressas nesses textos. Em quatro linhas a opinião de toda a gente que li sobre o assunto era a seguinte.

A Judite Sousa, jornalista que calça Louboutin e aufere um salário milionário, faz uma entrevista a um rapaz brasileiro rico, onde além de ter ignorado uma série de erros apontados por Lourenzo na peça que tinha antecedido a entrevista, fez uma série de insinuações (enfim “insinuações” é uma forma porreira de referir o que acontceu ali) sobre o estilo de vida de Lourenzo, num país que atravessa uma crise económica grave.

Que uma coisa seja clara, concordo com todos os que dizem que a entrevista foi uma vergonha. Isso não está em causa.

O que me custa a compreender é o choque que isto causou. Aliás não sou só eu, a Judite também ficou chocada. Passo a explicar.

O telejornal da TVI tem, desde há uma série de anos, optado por um estilo de notícias mais populares, estilo esse que foi acentuado com a migração de uma série de pessoas de classe social mais elevada para os canais do cabo (como aliás também aconteceu a outros canais generalistas).

Tal significa que algo que causaria estranheza ao público alvo num canal como a SIC Notícias, seria aceitável numa estação como a TVI ou como a CM TV. Não estou aliás a criticar essas estações ou programas. É o posicionamento escolhido pela estação emitente para certos segmentos de mercado. 

Por outro lado, parece também haver alguma confusão sobre o porquê da entrevista. A resposta é simples: do ponto de vista informativo não há nenhuma. Mas um telejornal de um canal generalista é suposto ser um programa informativo? Talvez, mas não é. 

Um telejornal de um canal generalista não passa de um programa de entretenimento que é interessante porque os acontecimentos foram (ou podiam ter sido) verdade. No fundo, são verosímeis, mas se são geralmente verdadeiros por vezes são falsos.

(nunca vi aliás num telejornal uma errata (mas admito que tenham sido feitas), o que os colocará ao lado do Papa, na capacidade de não errar). 

É que a mera aparência de realidade é a razão pela qual a Judite Sousa nem pestanejou quando o rapaz desmentiu uma série de pontos na peça.

É que na verdade é pouco relevante se o que está a ser dito (e ela sabe-o)  é verdade ou é mentira, sendo que se for mentira pode ser pior para a história (no presente caso retirava apoio à tese de opulência e esbanjamento que a peça tentava passar).

Também acho que se discutiu pouco o significado das palavras da Judite Sousa quando confontada com a polémica: “Se o meu tom foi considerado excessivo é porque as pessoas têm razão. Dou a mão à palmatória." 

No meu entender são palavras de quem está vencida mas não convencida e eu compreendo porquê. 

É que cada vez que a Judite faz este tipo de entrevistas ela encarna um personagem, que não se deve confundir com o que a verdadeira Judite acha sobre o caso.

A personagem que lhe pareceu profissionalmente correcto encarnar foi a personagem do seu público alvo, que lhe pareceu que ficaria chocado com o dinheiro que o rapaz esbanja.

A Judite real provavelmente está-se nas tintas para quanto o rapaz gasta ou como gasta. Provavelmente se tivesse o dinheiro dele, gastaria da mesma forma.

Ficou espantada, porque as pessoas acreditaram mesmo que ela estava verdadeiramente chocada com o estilo de vida do rapaz.

O que a Judite achou, é que a entrevista tinha tudo para correr bem para o canal dada a exuberância do "rico mau" (num país em que os ricos se esforçam para não ser exuberantes), a demografia do canal e uma peça inflamatória inicial.
E o que era para ser um sucesso tornou-se num case study para os diretores de informação, onde se descobriu o limite da imbecilidade que pode existir num telejornal (sobretudo se houver contraditório do entrevistado).

Não se pense no entanto que o resultado deste raciocínio será informação de qualidade e isenta. Isso é chato e não é esse o objectivo do programa em causa. No fundo diminui-se a intensidade, admite-se um erro e business as usual.

O que me faz confusão, como vi várias vezes escrito, é olhar para um telejornal da TVI como uma referência de informação séria e isenta e para uma jornalista de um programa neste formato como baluarte da verdade. Isso parece-bastante inocente.

É que não é assim para o Lourenzo, como não é assim há anos para todos os outros entrevistados, e é isso que me faz alguma confusão.

É que no caso dos outros ninguém disse nada.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O apoio do Estado ao Sector Automóvel

Apenas três semanas depois de aprovar um novo Código da Estrada que promove de forma decisiva a liberdade e a segurança das pessoas, num processo em que os deputados da AR se deixaram, muito bem influenciar por um movimento da sociedade civil, a Assembleia da República aprovou ontem uma Resolução que recomenda ao Governo a adoção de medidas urgentes de apoio ao sector automóvel.

Entra elas incluem-se:
  • Facilitação de acesso ao financiamento
  • Dar prioridade à indústria nacional automóvel no desenvolvimento de políticas de apoio ao investimento
  • Canalizar meios financeiros para o sector no próximo quadro de fundos comunitários 2014-2020
  • Incentivo à compra de veículo novo através de programa de incentivos ao abate
  • Isenção de IUC para veículos em revenda
  • Baixa do ISV para determinados segmentos de veículos

Estas medidas sem exceção implicam o desvio de recursos promovido pelo Estado para o sector automóvel face a outros sectores da economia. Também implicam na maioria o estímulo ao consumo automóvel. Pergunto-me, porque raio deve o sector automóvel ser promovido face a outros?

Todas as tendências – económicas, ambientais, sociais – têm contribuído e apontam claramente para a continuação a longo prazo do decrescimento da importância do sector automóvel.

De facto, é surpreendente que tal proposta ainda possa ocorrer em 2013, num momento em que:

- Estamos numa crise económica e financeira causada pelo consumo excessivo, sendo a aquisição de automóvel um dos principais responsáveis por esse excesso;
- Portugal é dos países em que este erro foi levado ao extremo, dado que possui uma frota automóvel desproporcionalmente grande e luxuosa para o nível de desenvolvimento económico do país;
- Os países mais desenvolvidos da Europa têm caminhado e continuarão a caminhar no sentido de retirar progressivamente o automóvel das cidades, por motivos de bem-estar e segurança da população que vive e trabalha nas cidades. O "pico" de utilização do automóvel já aconteceu em países como a Alemanha e a Inglaterra, antes da crise;
- As economias emergentes não são em geral uma opção para exportação de produção portuguesa no sector automóvel;
- A economia de Portugal precisa urgentemente de se reestruturar e investir no sentido de setores sustentáveis e com futuro;
- É necessário continuar o caminho de contenção no consumo, sendo o automóvel um dos fatores de poupança com maiores benefícios laterais para o indivíduo e para a sociedade.

Esta notícia deixou-me uma sensação a "azia", e escrevi uma carta aos deputados da AR. O processo de revisão do Código da Estrada (muito bem, Sr(a)s Deputado(a)s!) dá razões para ter esperança de que possa ser ouvida. Oxalá...

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O «novo ciclo»

Vamos continuar a ter de reformar o Estado, cortar despesa e reformar o nosso modelo de desenvolvimento. Vamos continuar a ter um problema de finanças públicas para resolver. Todas essas questões fundamentais não fogem só porque dá jeito em termos de retórica política. 

Mas eis que nos anunciam um 'novo ciclo', virado para o investimento. O 'novo ciclo' vem com nova orgânica ministerial e com um plano de reforma do Código do IRC preparado por um grupo de trabalho que já vinha do 'antigo ciclo'. 

Acontece que nós continuamos a ter de resolver o nosso problema de finanças públicas e a ter de reformar o Estado. Por outro lado, o crescimento das exportações com a crise não é o mesmo que dizer que o nosso modelo de desenvolvimento se alterou - em particular quando vemos ideias a flutuar sobre programas de apoio à construção.

Por outro lado, se quisermos continuar a ter financiamento externo, em particular da «troika», vamos ter de continuar a aplicar medidas de austeridade. Por muito que muito boa gente pense que o que é preciso é ter «voz grossa», isso é muito fácil de dizer da Oposição, mas na prática serve essencialmente para antagonizar o outro lado com que se negoceia. 

O «novo ciclo», em termos substantivos, não se iniciou com a remodelação governamental e com a moção de confiança. Teve início em 2011, quando uma crise internacional veio pôr a nu os problemas estruturais que Portugal passou (sejamos simpáticos) dez anos a empurrar com a barriga. E os problemas com que nos defrontamos são problemas complexos, não se resolvem em dois anos, e podemos bem ter mais uma década deste ciclo, depois da década anterior de crescimento quase inexistente. 

O «novo ciclo» anunciado pelo Governo é uma manobra retórica. O ênfase retórico agora vai estar em falar sobre crescimento económico, sobre investimento (público e privado), sobre «a economia», e menos sem finanças. Vamos ver medidas como a reforma do Código do IRC anunciadas com pompa e circunstância. 

Mas o problema de finanças públicas vai continuar a existir, o problema da reforma do Estado vai continuar a existir e o problema dos cortes de despesa vai continuar a existir. Cortar no IRC significa que o ênfase no corte de despesa pública não só não vai desaparecer, como vai tornar-se ainda mais relevante - é importante que o corte no IRC, a existir, não seja visto como temporário, na medida em que o défice se mantenha um problema.

Em termos substantivos, vamos continuar a ter medidas de austeridade. A retórica do Governo poderá mudar. Mas duvido que tenhamos um milagre económico trazido por um pacote de medidas intervencionistas governamentais com dinheiro que não existe, tenho quase a certeza que os estímulos que vão sendo passados continuem a ter efeitos nulos (Impulso Jovem, Estímulo 2012 e 2013...), e não estou a ver a reforma do Código do IRC a ter grandes efeitos sem cortes na despesa e uma reforma a sério do Estado.