quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O vandalismo não é heróico; é vandalismo

Um conjunto de vândalos juntou-se à volta do Parlamento e atirou pedras ao Parlamento e à polícia. Tinham, ao que parece, a cara tapada.

Estamos, portanto, perante arruaceiros cobardes que se pretendem representantes do povo. Só que não são representantes do povo. Não, longe disso. São representantes do vazio. Longe de ajudarem o país a resolver a crise, ajudam a crise a resolver o país, empurrando-o na direcção de uma crise ainda maior.

Afirmações em tom pomposo, de auto-glorificação, juntam-se a «slogans» assentes em trivialidades sem conteúdo na justificação da violência. As caras tapadas representam a negação da individualidade, a submissão à turba, a desresponsabilização pessoal face aos actos anti-sociais que se pratica.

Tudo isto é bem mais fácil que ter uma intervenção construtiva. A violência é o facilitismo levada ao extremo, e a sua exaltação é desrespeitar de forma vil  os verdadeiros heróis. Os verdadeiros heróis são aqueles que não se deixam levar pelas cantigas de sereia do vazio e do caos, em vez disso preferindo manifestações resolutas mas pacíficas. São aqueles que trabalham em prol da procuração de soluções concretas para os nossos problemas. São aqueles que procuram emprego, que emigram, que arriscam e avançam com novas ideias.

Os verdadeiros heróis devem ser exaltados. Devem ser celebrados. As suas histórias devem ser contadas e as suas ideias devem ser partilhados. O que fazem é um exemplo a seguir. O exercício dos nossos direitos é aquilo que fortalece a democracia. O exercício de todos os nossos direitos e liberdades. Isso deve ser promovido, coberto mediaticamente e debatido. Deve ser levado a sério e é perfeitamente legítimo.

Gente com capuz a atirar pedras ao Parlamento deve também ser levado a sério. Mas de outra forma: essa gente deve ser presa. Sem contemplações. Condenada pelos crimes que pratica e colocada na cadeia. As suas actividades devem ser condenadas publicamente. Deve ser tornado claro que atirar pedras ao Parlamento, bater em polícias e destruir automóveis alheios é ilegal e não é legítimo. Estar em crise económica, financeira e política não legitima tudo.

Vivemos num Estado de Direito Democrático. Resolver a crise não passa pela exortação de comportamentos anti-sociais e manifestações de desprezo pelas instituições democráticas. Mesmo estando em crise, as pessoas têm várias escolhas. Podem escolher a via pacífica, e trabalhar em prol da resolução dos problemas do país. Ou podem escolher a violência com base no vazio, e trabalhar em prol do aprofundamento da crise. Os primeiros são heróis. Os segundos são vândalos. E como vândalos devem ser tratados.

Ramalho, se o dinheiro fosse teu, já te assustavas!

Leio aqui  que o Presidente das Estradas de Portugal, declarou que não se assusta da empresa por si dirigida puder ter que assumir a manutenção 745 Km de estradas e auto-estradas, caso as renegociações com algumas ou todas as concessionários de PPP falhem.

Pergunto eu ao António Ramalho:

Oh António,se o dinheiro fosse teu já te assustavas?

terça-feira, 30 de outubro de 2012

A Dinamarca é que sabe!

Leio aqui, que o Governo Dinamarquês não irá subsídiar a Vestas que é uma empresa de energia renovável que está em dificuldades. Resultado um mercado mais forte e menos impostos para os cidadãos.

Por vezes a melhor forma de ajudar as pessoas é não ajudar quem tomou as decisões erradas.

Nós por cá, cobramos impostos na factura da electricidade e apostamos em tecnologias de energias renováveis ainda não totalmente maduras. Eólicas por exemplo.

Isto não tem nada a ver com privatização ou estatismo, mas sim com liberalização ou não do mercado.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Pacto de Regime - Refundar a República

Passos Coelho vai convidar o PS a juntar-se ao PSD e ao CDS-PP naquilo a que eu chamaria um Pacto de Regime. Ao fim de mais de um ano de Governo, parece que vai começar, a sério, a ser discutida uma revisão de alto a baixo do Estado e das suas funções, incluindo uma possível revisão constitucional. A meu ver, se quisermos mesmo fazer uma revisão, então a Constituição vai necessariamente ter de ser alterada.

Para a Constituição ser alterada, 2/3 da Assembleia da República vai ter de acordar nas alterações. Como de BE, PCP e PEV não podemos esperar senão uma vontade de regressar ao PREC, restam PSD, CDS-PP e PS a forçosamente terem de entender-se relativamente a uma revisão de fundo da Constituição, no sentido de «refundar», não o Memorando da Troika, mas a própria República, repensando os poderes do Estado tendo em conta o novo contexto europeu e global em que Portugal se insere.

O Pacto de Regime tendente à criação de um programa de reestruturação do Estado é fundamental para uma consolidação orçamental bem feita. Apenas sabendo o que se quer e o que não se quer se podem fazer escolhas claras relativamente ao que cortar, ao que manter e ao que aumentar. Apenas assim poderemos reformular o nosso Estado e dar-lhe uma maior capacidade de se gerir a si próprio - e quem diz Estado, diz também o Poder Local, sendo a discussão sobre a reforma do Estado a altura perfeita para fazer também uma verdadeira reforma do Poder Local, no sentido de uma maior descentralização do poder político em Portugal.

Portugal, tal como a UE, encontra-se numa encruzilhada. Não é apenas o seu modelo de desenvolvimento económico que se encontra em crise. As suas instituições políticas também se encontram em crise, confrontadas com enorme desconfiança dos cidadãos. Temos um sistema político fechado e uma classe política também fechada sobre si mesma. A sociedade civil tem ainda pouca força, e devia ter muito mais. Os partidos políticos têm poucos incentivos a verdadeiramente ouvir quem está fora dos partidos. E os cidadãos sentem-se afastados da política e dos debates públicos que vamos tendo.

Ao mesmo tempo, a Constituição contém ainda um vasto conjunto de normas programáticas e económicas que, nunca tendo sido adequadas à realidade, ainda menos o são hoje em dia. Temos artigos sobre artigos que prevêem que o Estado seja responsável por tudo e mais alguma coisa, desde a garantia de casas com um conjunto alargado de características bem definido até ao desenvolvimento (por parte do Estado, note-se) de uma rede de centros de repouso e de férias. A sustentabilidade financeira do Estado, a justiça entre gerações, nada disto é particularmente relevado a nível constitucional, ao lado de temas tratados com a minúcia das abstracções.

Mais do que refundar um memorando de entendimento com credores internacionais, é fundamental debater a refundação da nossa República, do nosso Estado de Direito e da nossa Democracia em moldes mais razoáveis e adequados. É preciso repensar o Estado e ter um debate público alargado e sério sobre estes temas, que envolva a sociedade civil em geral, além dos partidos políticos. Um debate público que nunca se teve, verdadeiramente, em Portugal, tal como nunca se discutiu em Portugal, verdadeiramente, que «tendencialmente gratuito» não significa que os serviços públicos não sejam pagos com os nossos impostos (ou com dívida pública).

O debate terá lugar, sem dúvida, num plano inclinado. Quem defenda maior força para a sociedade civil e uma Constituição menos programática não vai ter vida fácil. No entanto, do novo consenso pode, apesar de tudo, surgir uma Constituição mais racional, mais preocupada em definir as bases do sistema e em deixar espaço para diferentes propostas de modelo de desenvolvimento que em definir tudo à mais absoluta minudência. Isso será possível se PSD, CDS-PP e PS conseguirem, em conjunto, decidir que está na altura de, de facto, mudarmos a nossa Constituição. Em particular, se o PS decidir que quer ser um partido responsável da Esquerda moderna ou se quer abraçar, demagogicamente, aos amanhãs que cantam de 1976.

Esta crise é o momento de discutirmos seriamente que Estado queremos. O Estado que temos está essencialmente insolvente, e é o momento de definir qual o seu futuro. Chegou o momento de abrir a nossa Economia e o nosso Sistema Político. De reforçar o poder do Parlamento. De descentralizar e reforçar a autonomia e a responsabilidade perante os eleitores do Poder Local.

Não, o resultado das discussões entre o PSD, o CDS-PP e o PS, se existirem, não vai ser a minha Constituição ideal. Mas eu não espero uma Constituição ideal. Espero uma Constituição melhor que temos, mais desempoeirada, e mais adequada aos novos tempos. E isso sim, é possível. Assim os três principais partidos, pressionados pela sociedade civil, decidam aproveitar a oportunidade e agir de forma responsável.

Estamos a Enganar as Pessoas!

Gosto de escrever aqui, há principios comungo com alguns companheiros outros que não , mas temos a Liberdade como valor superior.

Empreendedorismo, iniciativa privada, liberalização do mercado, Justiça, respeito pelas Instituições etc. Pela minha experiência dos últimos tempos estou a perder a fé

É público um litígio que tenho em tribunal com uma seguradora, isto gerou insultos e difamações por escrito á minha pessoa por parte de um funcionário da mesma seguradora. A seguradora prestou informação falsa.

O Regulador, neste caso o Instituto dos Seguros de Portugal, tem ao longo do tempo pautado a sua acção  por um silêncio cúmplice, apesar de muitas iniciativas da minha parte.

Hoje venho de lá vencido pelo processo kafkiano e avisar ao mundo que vou desistir...

Os técnicos recusam receber os consumidores e um processo mal fechado há 1 ano não pode ser reaberto!

Vou libertar-me de um jogo que não posso ganhar, deixando que os processos que tenho sejam arquivados e deixar de me consumir por isto.

Fico triste também por andar a enganar aqui as pessoas visto que ao ver isto hoje, percebi que estou do lado errado.

Um conselho de Administração de uma entidade reguladora em que 2 dos seus 3 membros vêm da indústria regulada é errado pelas práticas de qualquer País que queira ter um mercado a funcionar.

Não tenho nada contras pessoas em causa, mas o próprio facto de as mesmas aceitarem esta nomeação é de censurar.

O ISP está capturado vide aqui, ou aqui sobre captura do regulador. 

domingo, 28 de outubro de 2012

Placebo para a Melancolia!

Uma grande música, para a melancolia, com uma letra espectacular.
Sinceramente estou farto de subir montanhas, simplesmente desligar o complicómetro e fazer aquilo que realmente desejo.

sábado, 27 de outubro de 2012

Álvaro Santos Pereira

Álvaro Santos Pereira quer desenvolver a economia portuguesa. Para o efeito, quer fazer o costume: distribuir subsídios, criar benefícios fiscais e, em suma, determinar politicamente vencedores e perdedores através de critérios mais ou menos arbitrários, ao mesmo tempo mantendo uma burocracia pública para aplicar o seu pacote de medidas.

Sejamos claros: aquilo que Álvaro Santos Pereira quer fazer é passar a subsidiar exportações em vez de subsidiar infraestruturas. Um dos problemas do país é um código fiscal complexo, que muda todos os anos de forma relevante. Os benefícios fiscais beneficiam aqueles que sabem que os benefícios públicos existem, que obtêm uma decisão positiva sobre a aplicabilidade dos benefícios ao seu caso em tempo útil, e criam distorções em relação a uma situação em que a escolha do consumidor é soberana.

Os subsídios, entregues independentemente do sucesso ou insucesso, beneficiam também aqueles que sabem que os subsídios existem e obtêm uma decisão em tempo útil de que podem beneficiar deles. Depois, as empresas que surgem com base nesses subsídios tornam-se matéria política relevante, porque é dinheiro público que ali está a ser aplicado. Cria-se incentivo a que o Estado continue a financiar empresas sem viabilidade para os consumidores por motivos políticos, para manter a credibilidade do sistema. Entretanto, sempre que uma das empresas vá abaixo (o que acontecerá muitas vezes - afinal, tendencialmente serão investimentos de risco), foi dinheiro público que foi atirado para aquela empresa, em vez de para outras coisas (como, por exemplo, ser devolvido à população em geral através de cortes de impostos).

A nova Lei da Concorrência, que fortaleceu os poderes da Autoridade da Concorrência, e que muitos problemas cardíacos terá causado a fãs da Escola Austríaca que a tenham consultado, não é perfeita, mas é preferível ao que havia antes. A existência de um Tribunal especializado em temas de Concorrência e Regulação também é positivo, dada a especificidade que os temas comportam, muito assente numa boa preparação económica que em geral falta no nosso sistema judicial (muito por culpa pelo desprezo de disciplinas tão importantes como a Análise Económica do Direito que ainda por cá existe). Isto foram dois passos positivos, tal como é importante continuar a garantir que não existam fraudes e que os consumidores estão devidamente informados em relação aos produtos que compram.

Agora, o passo seguinte devia ser fazer uma avaliação séria da regulação existente no sentido de garantir que serve para alguma coisa, e reformular o Estado tendo em conta a sua sustentabilidade financeira, baixando impostos generalizadamente e ao mesmo tempo simplificando o nosso sistema fiscal. O que o Ministro quer fazer é manter os subsídios mas mudar os destinatários, e dispara contra as regras europeias que o proíbem de arbitrariamente beneficiar uns em relação a outros no Mercado Interno. Ora, o Ministro erra o alvo. Essas regras estão lá precisamente para defender o Mercado Interno de tentações de o distorcer por parte dos Estados Membros, e devem continuar a lá estar, sob pena de destruirmos o «level playing field» que o Mercado Interno pretende criar.

O Ministro devia estar a disparar contra a multiplicação das rendas públicas a empresas privadas. Devia estar a atrair e propiciar investimento privado simplificando procedimentos e continuando com bom trabalho nesse sentido antes desenvolvido. Mas o Ministro não resiste à tentação de querer serem ele e os seus Secretários de Estado a tentar «desenvolver a economia portuguesa». Se o Estado português parasse de o tentar fazer, poderia reparar que portugueses e estrangeiros que queiram investir em Portugal são capazes de o fazer bem melhor e de forma bem mais sustentada. Especialmente se tiverem de se sujeitar aos rigores de terem de agradar a clientes e a conseguir financiamento junto de entidades privadas, e não estiverem sujeitos a concorrência de entidades arbitrariamente apoiadas financeiramente pelo Estado português.

Entrevista a André Marquet

Já conhecido aqui no Cousas Liberaes por ele próprio ser um dos membros, André Marquet é também o co-fundador da beta-i, a associação sem fins lucrativos que tem como missão inovar o empreendedorismo. Achei interessante fazer-lhe uma entrevista sobre o atual eco sistema do empreendedorismo em Portugal. O André aceitou o meu convite sem hesitações. Obrigado André!

Em Portugal em cada 1000 pessoas a falar sobre ser-se empreendedor ou a promover o empreendedorismo para aí 10 são empreendedoras, concordas?

Concordo, as estatísticas internacionais realizadas acerca da motivação para o empreendedorismo apontam para que cerca de 10% da população tenha vontade e apetência de iniciar o seu próprio negocio, mas na prática apenas cerca de 2-5% iniciam de facto uma atividade empreendedora. Diria, que em Portugal não faltam empreendedores, falta sim uma cultura de diferenciação pela inovação e pela qualidade superior, pelo superlativo, de ser o melhor do mundo, o que limita o aparecimento do chamado empreendedorismo qualificado, onde reside o maior valor acrescentado.

Em Portugal quase todos os eventos sobre empreendedorismo têm como lema "mudar o mundo" ou algo do género, conheces algum empreendedor português que tenha mudado o mundo de tal forma que o mundo tenha reparado? (Teoria do caos à parte)

Conheço alguns, embora talvez concorde que ainda não haja um Steve Jobs português, isto é um caso de um empreendedor tecnológico altamente inovador e consagrado internacionalmente, mas também a verdade é que não há muito poucos casos desses em países pequenos como o nosso e isso deriva mais da reduzida dimensão do mercado. De resto, há excelentes casos de empreendedorismo nas mais diversas áreas em Portugal. Gosto muito do caso do Prof. Epifânio da Franca, um professor do Instituto Superior Técnico, que é o atual coordenador do programa Portugal  Ventures e que criou a Chipidea, uma empresa que chegou a ser uma das maiores empresas na área dos semicondutores onde atuava, nos conversores analógico-digitais e que foi vendida à empresa MIPS por mais de 150 milhões de dólares em meados da década passada – de certa forma, este é também um caso paradigmático da nossa incapacidade de fazer as empresas crescer e ultrapassar as barreiras clássicas, e de criar multinacionais, isto é, existem muito poucos casos de novas empresas em Portugal que tenham adquirido uma dimensão significativa e que não resultem de processos de privatização de incumbentes.

Em Portugal vivemos uma fase em que sobreviver sai mais caro e é mais difícil do que já foi no passado. Achas que é pelo interesse em apresentar soluções para este problema de forma direta que o empreendedorismo mais contribuirá para o crescimento económico e desenvolvimento social do país?

Acho que esta questão tem que ser vista sobre diversos prismas, concentremo-nos no empreendedor, o mais importante neste caso é existirem condições macroeconómicas para o chamado empreendedorismo qualificado. Note-se que existem países mais pobres do que Portugal em quase todo o emprego deriva do empreendedorismo, ou o chamado autoemprego mas o valor acrescentado que é possível gerar em microempresas é sempre muito limitado e acho que essa é a primeira distinção que deve ser feita, a do empreendedorismo enquanto estilo de vida, digamos o pequeno negocio, o serviço de consultoria, do chamado empreendedorismo qualificado que requer um contexto socioeconómico muito mais complexo para emergir, porque assenta na criação de estruturas económicas mais complexas, com mais colaboradores, e que libertam rendas significativas e em em que os empreendedores necessitam de ter acesso a capital de risco dito “esperto” ou o chamado “smart money”, isto é de capitalistas que acompanhem com aporte de valor os seus investimentos, ajudando os empreendedores a crescer o negócio, através de contactos, de rede e de mentoria – é essa a beleza do capitalismo em Silicon Valley, um eco-sistema em que empreendedores e capital de risco vivem em relação simbiótica e virtuosa. Eu diria, que em Portugal esse ecossistema está a ser construído, mas ainda é muito delicado, como uma planta nos primeiros estágios de evolução, que precisa de ser regada, cuidada, para poder ter autonomia e constituir-se como um dos pilares do crescimento económico português.

Já existem empreendedores a pensar resolver este tipo de problema noutros países, como por exemplo o Behrokh Khoshnevis (http://tedxtalks.ted.com/video/TEDxOjai-Behrokh-Khoshnevis-Con), que propõe reduzir o custo de construção de habitações de forma muito significativa. Existem também em Portugal empreendedores motivados pela possibilidade de solucionar este problema, o custo da sobrevivência? (Se sim, quem são eles?) (Se não, qual é na tua opinião o motivo?)

Pessoalmente acho que soluções como a de Behrokh Khoshnevis são mais do mesmo, isto é máquinas industriais montadas nas economias modernas que são usadas para gerar de forma mais ou menos autónoma habitação para os “pobres”. Acho que este paradigma clássico de desenvolvimento, da transferência tecnológica de forma fechada no sentido dos países avançados para os menos desenvolvidos é insustentável – mesmo países relativamente modernizados como Portugal nunca conseguiram desenvolver-se de forma harmoniosa e sustentável também devido a esse pecado original, que durante os últimos anos, antes do colapso financeiro, foi alimentado por acesso ao financiamento barato nos mercados internacionais. A economia Portuguesa viveu inflacionada, e agora tem de se reencontrar com a realidade económica, e isso aconteceu sempre no passado, se olharmos para países como a Argentina e outros que passaram por estes choques de ajustamento.

Entretanto, acredito que estamos a assistir uma mudança talvez até estrutural do modelo económico em que vivemos, as populações das economias ocidentais estão mudar os hábitos de consumo, com vista à sustentabilidade dos ciclos de construção e distribuição. O novo paradigma estará assente em modelos colaborativos e abertos mais semelhantes aos propostos pelo Marcin Jakubowski com a sua proposta “Open-sourced blueprints for civilization” e isso de certa forma já é uma realidade, se pensarmos que hoje existem tutoriais para virtualmente tudo o que imaginarmos no youtube, e que plataformas como a Wikipedia quase comoditizaram a cultura geral. Mesmo as grandes organizações  serão forçadas a repensar estratégias de negócio como a chamada obsolescência controlada e a serem mais abertas e transparentes. Quando uma parte significativa da população está desempregada ou com empregos precários, iremos ter uma espécie de apartheid económico permanente com soluções para os que tem emprego, com rendimento previsíveis e os que... sobrevivem.

Por outro lado prevê-se que em países como Portugal a crise irá fazer-se sentir por uma década e isso irá favorecer uma certa “Cubanização” da economia, por exemplo a idade média do parque automóvel passará para o dobro, o que obrigará a repensar as estratégias de manutenção dos automóveis, também abrindo a oportunidade a novos modelos de negócio... Por outro lado, os consumidores mais jovens tem uma relação diferente com a propriedade, pilar do capitalismo, da geração precedente, porque são a primeira geração que terá uma qualidade de vida inferior à dos próprios pais.

O empreendedorismo é uma expressão fantástica da liberdade individual e do intelecto humano, por isso os empreendedores mais audazes e criativos serão os que tiverem a capacidade de antecipar as oportunidades resultantes das mudanças que se avizinham para conseguirem valer a sua visão e capacidade de alterar o mundo.

Mercado - Where change happens!

Sobreviver sai caro. O custo de vida em Portugal é elevado e esta é a oportunidade para empreendedores que pretendem contrariar a situação fazerem dinheiro.

Ultimamente fala-se muito em Lean Business, que, para quem não sabe, consiste na eliminação de determinados custos que são desnecessários para cumprir os objetivos de determinado negócio. Em poucas palavras, Lean Business consiste em fazer render o máximo possível cada cêntimo que é gasto por uma empresa, gastando ao mesmo tempo apenas o dinheiro necessário.

Está na altura de empreendedores pensarem no termo Lean num contexto que não seja meramente intra empresarial. Quero com isto dizer que o conceito Lean Business numa empresa cada vez mais vai passar a ser requisito básico, e dessa forma a vantagem competitiva que advém da adoção do sistema será nula. Resta nessa altura ás empresas começar a pensar intervir no mercado levando o conceito Lean ao próprio mercado, isto é, fazendo cada cêntimo gasto para o consumo de determinado serviço/produto render o seu máximo possível.

De que forma se faz isto? Existem várias formas, mas gosto particularmente duma: tornar agentes intermediários, que encarecem o produto/serviço, desnecessários (ex: Mosh buying).

Em resumo, tornar a sobrevivência mais barata (habitação, alimentação, saúde, etc…) é atualmente uma oportunidade de negócio.

Mais uns parágrafos sobre debate público

Jornalistas que comentam comentadores que comentam coisas que não viram, não ouviram ou não leram (se tivermos sorte, alguém lhes contou o que se passou em segunda mão). Com base em informação pública e em especulações assentes em presunções de má fé ou outros preconceitos vários, temos direito a ouvir toda a espécie de inflamados comentários sobre os mais variados temas, dos mais complexos aos mais simples.

O conteúdo útil desse tipo de comentários não é muito elevado, e o pouco que existe tende a dizer mais sobre os preconceitos e presunções do/a comentador/a do que sobre aquilo que ele/a está a comentar. No caso de temas particularmente complexos, em que há muitas variáveis em jogo, como se estivéssemos a jogar xadrez num tabuleiro com muitas dimensões, tende a ser particularmente confrangedor.

Outra coisa confrangedora é a incapacidade de muita gente admitir que não sabe, ou a convicção (real ou fictícia) com que fala sobre temas que pura e simplesmente não domina ou não conhece. Infelizmente, a convicção, mesmo que assente no maior dos vazios, parece vender mais que a humildade. Claro que, ao fim de algum tempo, aquilo que era visto como convicção poderá ser visto como arrogância, mas isso será uma degradação que demora tempo a acontecer.

É também curioso notar como as pessoas usam peritos, ou pessoas que se apresentam como tal, como guias para as suas próprias opiniões sobre temas que desconhecem. Claro que é impossível a toda a gente estudar tudo a um nível de profundidade imenso. Mas é importante conhecer pelo menos o suficiente do assunto para seguir o que o suposto perito diz e entender a sua posição, antes de a defender como se de uma verdade absoluta se tratasse. 

Um problema é que a pessoa pode estar convencida que sabe o suficiente para avaliar quando, na verdade, não sabe. O resultado é a defesa tenaz de uma posição relativamente à qual não se tem informação suficiente para defender daquela forma, quase com base na fé. E quanto mais pessoas fizerem isto, maior é o efeito sistémico das opiniões de comentadores e «opinion makers» e maior o seu poder no contexto do debate público democrático. Sendo que, muitas vezes, não há debate entre «opinion makers» - há quase que uma «posição oficial» defendida por um comentador atrás do outro, e repetido como se numa câmara de eco nos encontrássemos. 

Junte-se a este poder o poder da comunicação em geral para balizar e enquadrar os debates, a forma como esta não assume (em Portugal) as suas cores, tentando criar uma ilusão de isenção e objectividade absolutas, e temos um problema. Um problema que neste momento, para o bem e para o mal, está a ser resolvido pela Internet, onde a oferta de informação é variada e pode mesmo ser imediata. Discernir entre informação de qualidade e a relevar e informação sem qualidade e a não relevar é uma competência fundamental, ligada ao espírito crítico, a desenvolver neste contexto.

O espírito crítico é importante para penetrar nas, e ver além das, narrativas mediáticas que vão sendo construída e para resistir à tentação se seguir uma opinião porque se ouve essa opinião muitas vezes. Importante também é saber reconhecer quando pura e simplesmente não se sabe o suficiente para se ter convicções profundas sobre um determinado assunto, reconhecer que não basta repetir o que dizem uns peritos sem verdadeiramente saber avaliar o que esses peritos (ou supostos peritos) dizem. 

É importante saber reconhecer que presunções de má fé com base em inferências a partir de notícias de jornal não são uma boa base para convicções sobre um determinado tema. É corrosivo para um debate público saudável partir sistematicamente do pressuposto que o outro lado está de má fé e que a única explicação racional para a sua actuação é essa má fé. É também arrogante, ao assumir que a única forma racional de fazer as coisas de boa fé é a da pessoa em causa, e é uma forma profundamente anti-democrática de pensar, porque facilmente se resvala daqui para o pensamento único e a legitimação de uma única política e um único conjunto de prioridades como «verdadeiramente democráticos». 

Daí a ilegalizar/inconstitucionalizar os outros, o passo não é pequeno. Basta ver a nossa Constituição, em particular a versão original de 1976.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Ninguém diria que não temos dinheiro

Álvaro Santos Pereira está agora a fazer o que tem sido exigido: está a propor distribuir dinheiro público pelas empresas privadas, subsidiar o empreendedorismo e criar distorções no mercado baixando a taxa de IRC apenas a algumas empresas bem contadas (medida que, em abstracto e conforme foi apresentada, me parece uma violação flagrante do Direito da União Europeia sobre auxílios estatais).

Ninguém diria que não temos dinheiro, agora que o Ministro da Economia e Emprego decidiu torrar esse dinheiro que não temos com 4 mil milhões de euros de crédito público às PME e a subsidiar gente que encontre forma de receber o subsídio (auto-proclamando-se «empreendor»). Pelo meio, pretende descer o IRC para 10%... Mas só para algumas empresas, muito bem determinadas e específicas.

Finalmente, dirão alguns, o Ministro aparece, com aquilo que os Ministros tendem a ter quando aparecem: «medidas». E, calha bem, são «medidas de estímulo ao investimento», e Portugal precisa de investimento para crescer e sair da crise. Na prática, está-se a substituir os subsídios ao sector dos bens não-transaccionáveis por subsídios ao sector dos bens transaccionáveis; ao mesmo tempo, o Estado tem um super-fundo de capital de risco público para investir.

Talvez fosse importante lembrar ao nosso Ministro da Economia e Emprego que uma forma de incentivar o investimento seria baixar os impostos em geral. Ora, só será possível fazer isso de forma sustentável se reformularmos o nosso Estado e, ao mesmo tempo, cortarmos na despesa, de forma a não acumularmos os habituais défices e, com eles, a habitual dívida e os seus juros. Isso é parte do trabalho que se exige ao Ministro da Economia e Emprego, e que aliás poderia servir para tornar o seu próprio trabalho mais fácil, possivelmente diminuindo o tamanho do seu próprio Ministério.

Isso, claro, exige trabalho. Exige até bem mais trabalho que inventar cortes de impostos só para alguns, enquanto os outros apanham com bem mais impostos em cima, por razões perfeitamente arbitrárias, ao mesmo tempo que o Governo atira dinheiro público que não se tem para a economia a ver se pega.

A este Governo exige-se um trabalho sério no sentido de criar as condições necessárias para que haja um «level playing field» e as empresas sobrevivam, o mais possível, por causa das escolhas dos consumidores, e não por causa de escolhas políticas feitas pelo Estado. Fazer as empresas depender dos consumidores para sobreviverem é retirar ao Estado uma série de empresas-cliente que o são por razões eminentemente políticas e é fazer as empresas procurar agradar aos consumidores - ou seja, a todos nós.

Criar distorções significa que quem ganha e sobrevive não é necessariamente aquela empresa que consegue satisfazer as necessidades dos consumidores, mas sim aquela empresa que consegue receber os benefícios que o Estado confere, criando desníveis entre empresas de forma arbitrária. Subsídios públicos ao empreendedorismo beneficiam aqueles que conseguirem o subsídio, quer tenham sucesso ou não, e capital de risco público tira espaço a capital de risco privado - ou seja, em vez de se atrair «venture capital» privado para Portugal, usa-se dinheiro público para isso.

O modelo de desenvolvimento continua assente em subsídios estatais e no desnivelamento constante das condições de concorrência por parte do Estado com base em critérios tendencialmente arbitrários. Só que agora, o Estado quer subsidiar exportadores, em vez de empresas de construção civil. Mas os nossos exportadores daquilo que precisam é que os deixem continuar a competir e a conquistar terreno internacionalmente, e para isso basta comércio livre e o Estado não os saturar de impostos, taxas e regulamentos desnecessários.

Pensaria que seria esse o modelo que Álvaro Santos Pereira quereria seguir, um modelo assente na concorrência e nas decisões dos consumidores. Afinal, prefere os auxílios de Estado.

Ninguém diria que não temos dinheiro.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Aqui de longe: Resposta a Henrique Monteiro

Mesmo estando longe, nao sou pessoa de deixar perguntas em aberto. E com a magia do facebook trouxe este artigo de Henrique Monteiro ao meu conhecimento. Claro que nao podia escapar esta oportunidade e ficam as minhas respostas: 

1) Se uma série de direitos dependem do rendimento disponível, quando esse rendimento baixa drasticamente poderão esses direitos manter-se?

Eu diria que todos os direitos dependem do rendimento disponível. Por uma questao de retórica tenta-se colar apenas um conjunto de direitos ao rendimento, mas a realidade é bem diferente. Se nao existir dinheiro, nao existem polícias, juízes, militares, etc... Mas seguindo a lógica da pergunta eu diria que sim. Os direitos existem por princípio nao por dinheiro. Já a forma como se pode implementar esses direitos é totalmente influenciado pelo dinheiro. 

Mas se olharmos para o PIB verificamos que o mesmo está ao nível de 2007. Portanto julgo que quem quer aproveitar esta crise para derrubar uma série de direitos o deveria faze-lo com outro motivo. Um que fosse mais real e mais honesto. 

Por outro lado, esta ligaçao direito-rendimento é uma retórica perigosa. A liberdade, como qualquer direito tem um custo. Deverá ela estar dependente do rendimento?

2) E poderão ser esses direitos universais? Ou seja, iguais para todos, independentemente das condições de cada um?

Sim. Os direitos deverao ser universais. Igual para todos. Por exemplo o acesso à educaçao. Este direito deve existir independente da condiçao de cada um. O pagamento deve ser diferenciado (por motivos de justiça), mas o acesso deve ser universal.

3) Havendo direitos adquiridos, eles devem continuar a ser usufruídos por quem já os detinha (ainda que não seja possível estendê-los a quem a eles quer aceder)?

Mais um erro. Tal como todos os direitos têm um custo, também todos os direitos sao adquiridos. Se a realidade transformar com que um direito nao possa ser executado, entao isso é valido para toda a sociedade e nao apenas uma parte da mesma.

Já agora, esta história de direitos adquiridos é como a ligaçao de apenas alguns direitos ao rendimento. É uma manipulaçao retórica utilizada de quem nao consegue defender as suas posiçoes com base em principios. 

4) No caso de se manterem os direitos adquiridos, não terá, forçosamente, que haver direitos iguais para quem acede à maioridade, ou ao mercado de trabalho ou a condições iguais às daqueles que detém esses direitos?

Como respondi na pergunta anterior: sim. Os direitos ou existem ou nao existem. Por exemplo, um direito adquirido pela condiçao monetária deve ser válida por todos dessa condiçao independente de idades.

5) Com taxas de natalidade ínfimas e com uma esperança de vida cada vez maior, é possível defender direitos adquiridos sem exigir um egoísmo radical que não leva em conta as gerações mais novas?

Outro problema de pensamento curto. Se o problema fosse apenas de número de pessoas activas, isso seria resolvido com um maior fluxo de imigraçao. O problema nao esta no numero de pessoas, mas na forma de financiamento que nao se adaptou à nova realidade mundial e a falta de produçao (atençao que nao estou a defender produçao estatal como muitos defendem... há que produzir e vender a produçao) para suportar os custos.

Mas isso foi um àparte. Respondendo à questao: defende-se os direitos sem egoismo radical. Defende-se pelos princípios, nao por egoismos ou questoes monetarias.

6) No caso de os direitos deixarem de ser universais, para serem usufruídos apenas pelos que nada (ou quase) têm, faz sentido carregar de impostos aqueles que têm pouco mas estão excluídos desses direitos?

Bem esta questao é quase ilógica. Os que têm pouco, têm pouco para serem carregados. Se uma parte da populaçao com pouco rendimento está sobrecarregada, entao é porque a forma de financiamento está a ser injusta e a subcarregar quem tem muito.

7) O Estado, que pretende por força pagar aos credores, pode tratar os reformados e pensionistas, que toda a vida descontaram, como se não fossem, eles próprios, credores do Estado?

Nao. Aliás diria mesmo que um dos problemas actuais é que os credores estao a cobrar por um risco que nao estao a assumir. O que é ilógico. 

8) Se o Estado não pode assegurar senão reformas simbólicas para quem tem hoje 35 ou 40 anos, não será justo baixar-lhes os descontos para esse efeito?

Nao entendo porque o Estado nao pode assegurar reformas normais. Na realidade pode. O nosso pessimismo sobre a capacidade de gestao do estado é que nos faz concluir isso. Em termos financeiros estamos longe de assumir isso. Por outro lado, se a Sociedade decidir que o Estado só deve garantir reformas simbolicas entao as taxas têm de ser ajustadas para esse nível.

9) Se a Segurança Social não tem dinheiro daqui a 10 anos, o problema não será, na altura, de muito mais difícil resolução do que hoje?

Claro que sim. Quanto mais adiarmos a resoluçoes de possíveis problemas, menos soluçoes temos no futuro. Nao existe melhor exemplo que esta crise europeia. O que seria bem fácil de solucionar há uns anos atrás - com soluçoes que estao a ser implementadas agora - tornou-se quase impossível de solucionar sem medidas bem radicais.

10) A desestruturação do Estado Social, que se anuncia um pouco por toda a Europa, não é o prenúncio do fim da nossa civilização?

O Estado Social é o que nos distingue do resto do mundo. Sem isso, a importância da Europa no mundo passará para uma irrelevância e teremos pouca capacidade de sermos um actor a nível mundial. Nao é o fim da civilizaçao europeia, mas apenas o início de um periodo muito dificil e uma evoluçao negativa a nível civilizacional tanto na Europa como no mundo. 

Nao existe nenhum motivo racional para se falar do fim do Estado Social. Bem a nao ser pelas pessoas que sao contra ele. Mas essas, por norma, preferem dizer que ele vai acabar a expôr as suas opinioes abertamente. 

Dito isto, gostaria de dizer que aqui de longe, me parece que existe muita poeira e ruído nos debates (e nao me refiro a este conjunto de perguntas como é obvio). A crise está a ser utilizada como desculpa para um conjunto de decisoes que nao tem conexao. Muitas das reformas sao necessárias há muito tempo. Muito do que se está a perder em termos de direitos, nao apenas é um erro, como é uma desistência da nossa geraçao de fazer mais e melhor!


As medidas que dependem dos outros

É sempre fácil anunciar a intenção de tomar medidas que dependem de outros. O pior depois é implementar essas medidas. Geralmente é a parte mais difícil. É que pode acontecer que os outros não estejam dispostos a fazer o que se gostaria que fizessem - ao mesmo tempo que tomar a medida unilateralmente traria por si próprio problemas.

É fácil anunciar que se quer cortar nas PPP. Também é fácil anunciar que se quer renegociar o pagamento da dívida pública. O problema estaria em efectivamente cortar nas PPP e efectivamente renegociar o pagamento dívida pública. Ou os problemas que surgiriam da tomada de medidas unilaterais nestas áreas, que naturalmente nunca são mencionadas (ou são completamente desvalorizados).

Acontece que não é tão fácil renegociar PPP, existem repercussões bem reais para «renegociações» do pagamento da dívida pública e os perdões parciais de dívida não acontecem por mera vontade do Governo. Além de que o problema português crónico de finanças públicas desalinhadas com a realidade do país continuaria a existir mesmo assim.

É muito fácil anunciar medidas que dependem de outros e culpar o Governo por não conseguir implementá-las. É muito fácil anunciar que se fazia isto, aquilo e aqueloutro unilateralmente e os joelhos dos credores até tremeriam. Mais difícil é chegar ao Governo e demonstrá-lo. Mais difícil é chegar ao Governo e fazer o que se prometeu, porque subitamente não basta só falar, é mesmo preciso fazer. E quando é preciso fazer, subitamente, todos os obstáculos que apenas existiam em teoria, passam a existir na prática - e tudo tem de ser feito numa louca corrida contra o tempo.

Fica muito bem ao PS clamar por «mais tempo» ou por juros mais baixos. Fica ainda melhor ao BE proclamar com ar muito sério que aumentar impostos às empresas e criar escalões no IMI iria substituir sem problema o aumento de IRS, e que se fossem Governo iriam cancelar PPPs, renegociar o pagamento da dívida pública, e resolver a crise num piscar de olhos. Só que do PS não espero nada de diferente do Governo e do BE espero pior - além de que as medidas que o BE apresenta, embora nunca grandemente escrutinadas, ou não dependeriam apenas de actos de vontade do BE para terem efeito ou teriam, se implementadas, vários problemas (empresas a sair do país, por exemplo).

As medidas que dependem dos outros para serem implementadas são muito bonitas de anunciar. Mas são mais difíceis de implementar, porque os tais outros não iriam necessariamente fazer o que o BE ou o PS dizem. Aliás, muito provavelmente não o fariam. E se não o fizessem, o que é que acontecia a seguir? E se o Governo português agisse unilateralmente, o que é que acontecia a seguir?

Disso, a malta que gosta de anunciar medidas que não dependem só de nós para funcionar não fala. Até porque nunca ninguém parece interessado em perguntar-lhes isso. Ou qual seria o Plano B no caso do Plano A não funcionar. Porque na Oposição, tudo pode ser prometido, tudo é considerado possível, e nada é exigido ou questionado. Ao mesmo tempo que do Governo se exige tudo e o seu contrário, e acabamos com enormes aumentos de impostos e toda e qualquer proposta de corte nas despesas que correspondem a 75% da nossa despesa pública é considerada um atentado por grandes quantidades de comentadores.

As medidas que dependem dos outros são grandes trunfos na manga da Oposição. São enormes pedras no sapato para o Governo.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Aos Ombros do Dalai Lama: Perder e Ganhar!

Algumas máximas do Dalai Lama aqui: 

Esta é brutal:
"Perde, mas não percas a Lição."

Tão simples e tão simplesmente Verdade.

Perdi hoje, Amanhã conseguirei ser melhor?

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Nada tem que mudar para tudo ficar na mesma

Nada tem que mudar para tudo ficar na mesma. É absolutamente necessário cortar na despesa pública e não aumentar impostos, desde que isto não afecte a Educação, a Saúde, a Segurança Social, os funcionários públicos e os seus salários, os estivadores, o trabalhadores da CP, os realizadores de cinema, etc. As funções do Estado devem permanecer as mesmas, a constituição deve manter-se igual e as finanças públicas devem continuar a ser consolidadas a contra-gosto, com meias-medidas e sem verdadeiramente serem consolidadas.

Deve criar-se um superavit orçamental na medida em que este superavit seja na realidade um défice, porque os défices são importantes para estimular a economia. Deve extinguir-se o que não seja necessário sem que com isso se crie desemprego. Nada deve ser privatizado - mesmo que seja muito pouco lucrativo e seja deficitário agora, pode dar lucro no futuro. Nenhum investimento público deve ser abandonado, porque o investimento público estimula a economia, ajuda-a a crescer, e ajuda-nos a sair da crise, e devemos continuar a investir com dinheiro público que não temos. 

A dívida é para ser paga com juros de 0,5% a cinquenta anos, porque na realidade são os credores que nos devem a nós e não somos nós que lhes deve a eles. Tendo em conta que «eles», de qualquer forma, ou são bancos, ou são ricos, ou são estrangeiros, devem pagar a crise de qualquer forma, pelo que não há problema. Sendo que bastaria que houvesse crescimento económico e nós já não teríamos problemas. Urge, portanto, criar crescimento económico, através, naturalmente, de investimento público, em particular utilizando dinheiro vindo da UE.

Portanto, para sair de uma crise de endividamento excessivo, aquilo que devemos fazer é investir dinheiro europeu em projectos que fomentem o crescimento económico e o aumento da produtividade. Não temos de cortar a despesa. Basta apostar no crescimento económico. E não devemos cortar salários nem poupanças - devemos desvalorizar o euro para desvalorizar salários e poupanças sem ninguém notar.

Nada tem que mudar para tudo ficar na mesma. É assim que saímos da crise. Ou talvez não.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Eminem, Johnson e Patriotismo!

Samuel Johnson , disse há muitos anos que "o patriotismo é o último refúgio de um canalha".
Lembrei-me desta frase devido a uma situação por que estou a passar em que intervém o Instituto dos Seguros de Portugal, em que alguém me veio com uma conversa de que eu poderia causar a que se desse uma má imagem de Portugal, ao ameaçar fazer uma queixa, que poderia ir a uma instância internacional.

A ver se compreendi, sou enganado por uma seguradora em conúbio com o meu advogado.
O médico da seguradora "erra" um diagnóstico, para arquivar um processo contra a parte que me deverá indemnizar, e que faz o processo arrastar-se mais ano e meio em tribunal e no Instituto dos Seguros de Portugal, faz-se tudo por tudo para esconder a situação em que falhou como regulador e eu estou a lesar o País?

Muito bem, com gentinha desta não vamos lá!

Dá-lhe Eminem, sem medos!

domingo, 21 de outubro de 2012

A ausência de debate

Os temas surgem e desaparecem. Esfumam-se em dias. Figuras dedicam-se a mediaticamente dizer as mesmas coisas sobre esses temas. Não há dois lados da questão. Há um lado. O lado a que adere uma quantidade imensa de comentadores na comunicação social. E esse lado é passado à opinião pública, para absorção, como se de uma verdade absoluta se tratasse. Ou de sabedoria convencional. E o tema desaparece como tema relevante, podendo ser mais tarde ressuscitado se der jeito para a opinião mediática quase unânime seguinte.

Isto não é um debate, mas é o que temos. Além de explicados muito superficialmente e, muitas vezes, com erros, os temas não são abordados como se existissem diversas visões. Antes pelo contrário, alinham-se supostos especialistas e comentadores que, na prática, dizem todos o mesmo, com raras excepções. O tema não é debatido, os méritos ou falta deles de uma proposta não são discutidos. Um ponto de vista, tendencialmente histérico e de crítica destrutiva, é apresentado não como opinião, mas sim quase como facto - dado que como factos são tratadas as opiniões das «autoridades» e comentadores.

O pouco tempo dedicado a cada tema na praça pública, a sua simplificação e muitas vezes descaracterização e transmissão de uma narrativa única à opinião pública sobre o tema significam que não temos debates públicos de qualidade em Portugal. A não ser que uma pessoa esteja mesmo interessada e invista em investigar o tema para aprender sobre ele, aquilo a que tem direito é uma espécie de opinião pré-formatada de plástico, que pouco serve para desenvolver uma opinião pública informada e crítica.

Claro que nunca teremos debates perfeitos. Mas podíamos, pelo menos, ter verdadeiros debates. O unanimismo e a subserviência com que são tratadas as opiniões de «autoridades» são um problema grave e enfraquecem a democracia.

A democracia saudável faz-se de vigorosas trocas de ideias, de debates que têm de durar mais tempo que um ou dois dias na praça pública. Os vários lados não podem ser ouvidos num plano inclinado, em que uma opinião, quase unânime, é colocada sobre o pedestal das ideias feitas incontestáveis.

A democracia saudável cria os mecanismos necessários para lidar com diversas correntes de opinião de forma pacífica. Mecanismos esses que promovem a saudável troca de ideias e a emergência de verdadeiros debates públicos sobre os temas, e que incluem uma comunicação social capaz de trazer valor acrescentado a esses debates, mostrando os vários argumentos dos vários lados.

O unanimismo das ideias feitas gera bloqueios, especialmente em tempos de crise, e é facilmente utilizado para impedir mudanças - quaisquer que elas sejam - e considerar toda e qualquer mudança como impensável e/ou intolerável. O resultado é rigidez, muita rigidez e, no limite, uma pura e simples quebra. Porque a realidade não se compadece com unanimismos, e as soluções sem custos são ilusões.

sábado, 20 de outubro de 2012

The man's got a point


Só para fazer um bocadinho de oposição ao João e aliviar a má "vibe" de que o governante mais querido das feiras deste país tem sido alvo aqui no CL.

Ora disse Paulo Popular Partido Portas PP em resposta às profundas análises em resposta ao seu democrático comunicado em resposta à polémica sobre a aprovação do OE que “[e]m 22 países da [UE] há coligações. Em todas, o momento da negociação dos orçamentos é um momento complexo e difícil. Isso não é diferente numa coligação em Portugal.”

Se é verdade que houve vozes de figuras importantes no CDS a alvitrar barbaridades várias, inclusivamente a pedir, preto no branco, para que se desencadeasse uma «crise política», não o é menos que a suposta ou aparente crise da coligação governamental foi em grande medida alimentada e construída pela «CS». Tem sido, aliás, essa a tónica da larga maioria da imprensa que a coligação, nessa qualidade, tem recebido – desde 5 de Junho do ano passado que os ouvimos ver, prever, antever, profetizar, talvez sonhar com os problemas da coligação, desde diferenças ideológicas «irredutíveis» até estratégias escabrosas de vote-maximizing já a pensar nas eleições do porvir.

Aposto que se procurasse bem encontrava um artigo de 5 páginas de um qualquer jornal sobre as tensões na coligação com origem numa diferença irreparável quanto à cor a encomendar para as cápsulas do café para as reuniões de trabalho…

Se vos parece demasiado ridícula esta ideia atentem bem no que publicou o «i» no seu site com honras de comunicado oficial da direcção:

“O jornal i foi confrontado com o desmentido [via direito de resposta] do primeiro-ministro à manchete da edição de ontem, na qual se afirmava que, numa conversa a dois, Pedro Passos Coelho se dirigiu a Paulo Portas afirmando que «se o governo cair, o senhor será responsável por um segundo resgate». (…) [A]lém do descalabro das contas públicas, a austeridade sobre austeridade, o napalm fiscal, a incapacidade de conter a despesa, a desconjunção social, não levaram, portanto, a que o primeiro-ministro e o seu número três tenham tido o desaguisado que citámos. Muito bem. Folgamos com isso e tomamos boa nota como mensageiros habituados que estamos a ser os primeiros a sofrer por transportar a má notícia. Entramos em penitência que não em abstinência noticiosa. (…) Saudemos assim a harmonia que reina entre Pedro e Paulo. A bem da Nação!”

Outro exemplo, na notícia de onde se retira a citação de Portas supra: “«Se quisesse dizer que não concordo com o Orçamento dizia-lhe». Não disse, embora também não tenha dito o contrário.”

Parece quase existir uma verdadeira vontade de que a coligação se partisse já em mil e um bocadinhos, para que pudessem escrever reportagens award-winning sobre os pobres que levassem com eles na cabeça quando o orçamento fosse chumbado e chegassem novas eleições e um programa de ajuda financeira até 2078.

Claro que é fácil bater no «mensageiro» como diz o senhor do «i». No entanto, tenho para mim que esta sua tendência tem mais a ver com o importante ponto que refere Portas. Em Portugal não estamos habituados a ter coligações no governo – não é só a pobre da CS. Mesmo ignorando, claro, o período pós-revolucionário, as experiências de coligação que existiram não colheram durante muito tempo.

É natural que uma coligação governamental tenha muitos momentos de desacordo entre os dois partidos, é natural até mesmo que se parta uma ou outra peça de mobiliário de escritório, alguns dentes, eventualmente um baço perfurado, se não fosse assim seriam um só, mas porque tem isso de ser apenas mau? Tal como uma oposição forte é um factor positivo para a performance de um governo, também o equilíbrio entre dois ou mais partidos componentes pode acarretar importantes vantagens desse ponto de vista, não só, desde logo, pelo controlo mútuo que podem exercer, mas também para ajudar a que intervenientes com diferentes backgrounds, ideológicos, profissionais, etc., enriqueçam o debate interno no governo, bem como para que a sua legitimidade saia fortalecida por merecer o apoio de grupos de pessoas com preferências e necessidades diferentes e não só mais numerosos.

Não será, pois, por mero acaso que a norma na Europa democrática tenha vindo a ser a formação de governos de coligação – nem que o termo «coligação» seja uma das novas entradas do ελληνικό Λεξικό 2012.


Tempo no governo de partidos únicos
vs. coligações governamentais (%)
1945–99

 
Fonte: British Politics and Policy at LSE com dados Müller and Strøm, 2000

Já nós por cá reagimos assim ao seu aparecimento. Intriga, «feridas de morte», «paz podre», no fundo uma atitude de «este já foi, quem é o próximo?», ainda mal o touro foi largado na arena. Oxalá desta vez seja diferente e a coligação possa perdurar um pouco mais. Com todas as implicações que isso possa ter para a despesa na saúde.

Este tema foi bastante discutido na Europa aquando das últimas legislativas no Reino Unido, talvez Mr. Portas o queira reintroduzir no nosso espaço de debate público e dar qualquer coisa de mais interessante aos cronistas para comentar do que as declarações do José Manuel Fernandes ou o seu pomposo comunicado. Digo eu…

- Da banlieue parisienne

A principal diferença entre o PS e o PSD

A principal diferença entre o PS e o PSD é que o PS está na Oposição e o PSD está no Governo. No poder, António José Seguro não podia fazer o que faz agora: dizer rigorosamente nada sobre cortes e só falar em medidas mais populares - que, por sinal, tenho visto o Governo implementar, mas pouca gente a apontar as parecenças.

O Governo e o PS querem que existam linhas de crédito para PME, querem que exista um «banco de fomento», querem um imposto sobre as transacções financeiras, querem uma união bancária e querem várias outras coisas. Só que o Governo está no Governo e tem de implementar as medidas, não pode apenas falar das medidas populares.

O PS vai subindo nas sondagens, mas indo para o Governo, era vê-lo a tornar-se rapidamente tão impopular como o PSD, porque as medidas que tomaria não se desviariam muito do que o Governo está a fazer. Também o PS seria forçado a cortar na despesa onde não gostaria, também o PS seria forçado a aumentar impostos sobre quem não quereria, também o PS seria forçado a fazer mudanças a leis laborais ou leis das rendas que não seriam particularmente populares. E também o PS andaria a privatizar.

António José Seguro, chegado a PM, teria o choque com a realidade que teve o seu grande herói, François Hollande. Subitamente, o paleio vago da Oposição já não seria popular nem suficiente. Subitamente, seria necessária uma estratégia de consolidação orçamental e o PS teria de lidar com as avaliações da troika e com todos os grupos de interesses que não querem perder com essa consolidação orçamental. Subitamente, o PS teria de tomar medidas impopulares, liderado por um alguém tão impreparado como António José Seguro.

O PS não tem programa. Aquilo que vai dizendo que gostaria não se desvia tanto de coisas que o Governo já está a fazer como o PS gostaria ou como tenta dar a entender. E portanto, o PS no Governo ou o PSD é uma questão de saber a quem entregar o poder numa altura em que o poder é um presente envenenado, porque todas as escolhas que nos está a ser apresentada a conta das escolhas que foram sendo feitas nas últimas décadas.

Juntar o PS e o PSD num Governo de Bloco Central, de Salvação Nacional, seria precedido de uma crise política desnecessária que apenas criaria mais problemas. As medidas continuariam a ser as mesmas, a contestação continuaria a ser a mesma, os planos alternativos continuariam a assentar em não contar a história toda sobre os custos que lhes estariam subjacentes. O CDS-PP continuaria a tentar passar pelos pingos da chuva. E o BE e o PCP continuariam a defender nacionalizações, este último laivos cada vez maiores de nacionalismo.

António José Seguro reúne-se com François Hollande e outros pela Europa fora regularmente, o que é bom para efeitos de propaganda, e faz sentido porque temos uma crise europeia. Mas aquilo que faria no Governo não seria muito diferente do que faz o actual.

O voto contra do PS ao Orçamento do Estado é muito simbólico e de novo muito bonito para efeitos de propaganda. Mas o facto de o fazer sem apresentar um Orçamento Sombra mostra que é também um gesto vazio de conteúdo e uma demonstração de incapacidade de apresentar soluções verdadeiramente diferentes.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Sim - nós, cidadãos, devemos apresentar soluções

Corre o mito entre várias pessoas que eu conheço, e provavelmente entre mais, que não compete aos cidadãos que não sejam políticos profissionais apresentar soluções para problemas. Aos cidadãos competiria viver sem se preocupar com a política, talvez nem sequer votar, e deixar que «eles», «os outros», «os políticos» descubram formas de resolver problemas. Mas atenção - têm de ser formas de resolver problemas de que os referidos cidadãos gostem instintivamente. Caso contrário, não pode ser.

Ora, eu (e não estou sozinho) penso de forma diferente. Penso que temos mesmo de intervir, mesmo que não sejamos políticos profissionais. Penso, aliás, que a falta de intervenção cívica fora das instituições formais do Estado é um problema grave que ajudou bastante a chegarmos a onde chegámos. As pessoas alhearem-se da política significa as pessoas perderem de vista o que se passa e não exercerem a sua função, enquanto cidadãos, de escrutínio do poder político - o que permite aos políticos profissionais fazer o que querem até que, de repente, tudo implode à nossa volta.

Claro que não temos um dever legal de apresentar soluções. Mas eu penso que existe um dever cívico de intervir e de participar activamente, de forma o mais construtiva possível, na vida da comunidade. E penso que existe pelo menos um ónus, para quem não o faz, de pactuar implicitamente com a impunidade e falta de escrutínio efectivo e substantivo a que os nossos políticos tendem a ser sujeitos em Portugal. Sendo que, infelizmente, o resultado dessa falta de escrutínio efectivo e substantivo resulta na degradação do nosso debate público - que, por sua vez, afasta as pessoas da política e tem como resultado uma falta de escrutínio efectivo e substantivo por parte dos cidadãos das instituições formais da República.

Atirar pedras, partir carros e bater em polícias não é solução nenhuma. A violência política existe desde sempre, tal como existe desde sempre o clamor pelo vazio e pelo pensamento desestruturado. Enaltecer e tentar justificar este tipo de comportamentos; tratar como heróis, mártires ou «resistentes» gente que, tendo liberdade de expressão, associação e manifestação, prefere ir atirar pedras; tratar a violência gratuita como algo de legítimo - tudo isto é pactuar com a erosão e o enfraquecimento da democracia que se proclama defender.

Em vez de tratar como «resistentes» aqueles que sucumbem à tentação primária da violência, deviam ser tratados como «resistentes» aqueles que se preocupem em apresentar propostas concretas de mudança. Deviam ser ouvidos e devia ser dado tempo de antena àqueles que usam as suas liberdades para formar associações pacíficas que procuram compreender os nossos problemas e encontrar soluções concretas e execuíveis para os mesmos.

Por isso passa o exercício da cidadania em democracia: pelo exercício pacífico dos direitos, liberdades e garantias políticos que temos para tentar resolver os problemas com os quais nos deparamos. O exercício da cidadania passa pela intervenção construtiva no debate público que é o motor que faz uma democracia funcionar. Quanto aos que querem atirar pedras para a engrenagem da democracia, ao mesmo tempo que se dizem os seus grandes defensores, já se sabe que não dá para falar com eles (sob pena de se levar uma pedrada). Mas ao menos podiam não ser tratados como «resistentes». Já seria um começo.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Comunicado (d'après Portas)

[Ver o a meu ver péssimo comunicado de Paulo Portas aqui. A forma como estas pessoas gostam de brincar à política quando o que está em jogo é o facto do país estar na bancarrota e a vida de milhões de pessoas é ilustrativa das razões pelas quais temos de fazer uma reforma do nosso sistema político, a começar pelo sistema eleitoral.]

Comunicado

Em face do facto de querer estar no Governo mas não querer assumir a totalidade dos custos políticos das políticas de austeridade, e sem prejuízo de mais politiquices no futuro, cumpre-me afirmar o seguinte:

1 - O CDS, ao fim de vários dias de intensas discussões, lá decidiu acabar com o «suspense» e afirmar que vai votar favoravelmente o Orçamento, porque percebeu que os custos políticos potenciais de causar uma crise política seriam problemáticos para o seu número de deputados em eleições futuras.

2 - O CDS valoriza imenso a estabilidade neste momento especialmente crítico para Portugal, dado que nos encontramos sujeitos a um Programa de Assistência Económica e Financeira da comunidade internacional. Por isso, aliás, demorou vários dias a vir a público afirmar que votaria favoravelmente o Orçamento de um Governo de que faz parte, e se tem entretido em passar para a praça pública guerras com o seu parceiro de coligação - que aliás faz o mesmo, provavelmente imbuído do mesmo espírito patriótico.

O CDS de repente lembrou-se  que Portugal depende de assistência externa, de que é exemplo o 
financiamento que deverá ser aprovado na próxima semana e, portanto, apesar de não concordar com nada (mesmo com aquilo que também tem vindo a assinar desde que o Memorando pela primeira vez surgiu - o CDS só é a favor de políticas populares; daí o nome «Partido Popular», aliás), vai votar a favor.

O CDS demorou vários dias a decidir que não seria boa ideia seguir o exemplo grego, dias esses que incluíram opiniões para todos os gostos emanadas de deputados e figuras do CDS ou ligadas ao CDS (que incluíram pelo menos uma voz a clamar pelo voto contra), o que revela uma capacidade e velocidade de processamento de informação em tempo de crise extraordinária.

O CDS descobriu ainda recentemente que não ter um Orçamento é o contrário de o ter e que ter um Orçamento dá um certo jeito. Devido a esta epifania, o CDS decidiu mostrar o seu enorme patriotismo e passar vários dias até vir afirmar publicamente que ia votar favoravelmente um Orçamento de um Governo de que faz parte - porque isso da responsabilidade colectiva nos Governos é para outros lados, e o nosso grupo parlamentar gosta de intervir através de notas de uma linha no Facebook e no Twitter para «marcar posição» de que «este não é o nosso Orçamento».

3 – Subitamente, ao fim de um ano, vamos finalmente apresentar propostas de corte de despesa de forma pública e clara. A sério. Podem acreditar em mim. Não vai ser como no ano passado, em que o grande contributo do Parlamento, em particular dos deputados da coligação, foi aprovar um aumento da taxa liberatória sobre rendimentos de capital.

4 - O CDS quer passar pelos pingos da chuva. O CDS quer usar o seu peso eleitoral como desculpa para fingir que não há nada que possa fazer e que, coitado, pesaroso e infeliz, vai ser forçado a aprovar este Orçamento, que não queria nada aprovar - e, já agora, se puder ser, lembre-se disso quando vierem as próximas eleições, que a culpa da austeridade é do Vítor Gaspar e do PSD, não nossa. Sendo a terceira força política e acreditando que dizer banalidades triviais e fazer jogos políticos durante tempos de crise como estes são uma boa forma de passar o tempo, o CDS sublinha que toda a gente tem de contribuir para resolver os problemas do país - e que todas as soluções desagradáveis são culpa do Vítor Gaspar e do PSD.

O Não Culpado de Nada que é Presidente do CDS 

A Culpa é mesmo do Sistema - Michael Johnson Dixit

Uma das melhores análises que vi, que pode ser aplicada a muitas àreas da vida.
Michael Johnson não é um atleta normal, é um Homem que pensa.
A "Fome" que é precisa para se vencer, é muitas vezes destruída pela forma como o sistema está estruturado.
Peço desculpa mas não encontrei legendado.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Paulo Portas, CDS-PP e cortes de despesa


Paulo Portas é Ministro dos Negócios Estrangeiros. Enquanto membro do Governo, só tem uma coisa a fazer em relação ao Orçamento: apoiá-lo e defendê-lo. Se não quer apoiar e defender o Orçamento, só tem uma coisa a fazer: demitir-se.

A forma como o CDS-PP, e Paulo Portas em particular, se têm andado a comportar, é lamentável. O que o CDS-PP tem a fazer é o que o Ministro das Finanças disse: apresentar propostas de corte de despesa. É que os deputados do CDS-PP (e, já agora, do PSD) não servem só para rasgar as vestes e escrever notas no Facebook ou no Twitter, ou para fazer declarações à imprensa.

Se não gostam do Orçamento e querem que haja maior corte de despesa, apresentem as medidas de corte de despesa pelas quais clamam. Como bem disseram, são deputados e não só podem, como devem fazê-lo.

A forma como o CDS-PP quer ser Oposição e Governo ao mesmo tempo é inaceitável. E é particularmente engraçado ver o partido que mais se bateu pelo Ministério da Agricultura, que apenas serve para distribuir subsídios (bem sei que europeus) e criar novas taxas, e que é contra a privatização do canal 1 da RTP ou a privatização (mesmo que parcial) da CGD (querem que seja um banco de fomento), vir agora proclamar-se o grande defensor dos cortes nos gastos públicos.

Se o CDS-PP quer afirmar-se como algo mais do que um pequeno partido liderado por um oportunista que quer ter o seu bolo e comê-lo ao mesmo tempo (traduzindo a expressão inglesa), então que siga o repto do Ministro das Finanças e demonstre que sabe onde quer cortar e porquê. Mais ainda: convença o PSD a fazer o mesmo.

Agora, seria simpático que o CDS-PP se deixasse de armar em coitadinho em período de reflexão. O CDS-PP faz parte da coligação que apoia o Governo. Se não quer fazer, que o anuncie, explique porquê, e sofra as consequências. Se quer continuar, então que o anuncie rapidamente - e, já agora, não repita esta brincadeira de mau gosto.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

"Neste dia": OE

Bom, não foi exactamente neste dia, mas observai:

Orçamento apresentado às Cortes, 1840: "(...)Por três modos se pode preencher este deficit; ou fazendo antecipações dos rendimentos ordinários dos annos futuros; ou creando novos rendimentos; ou recorrendo a meios de receita extraordinária. O systema de antecipações dos rendimentos ordinários está stigmatizado, e com sobeja razão; pois que nas nossas circunstâncias só nos faria retrogradar ao estado de que felizmente saímos; e de mais, que ganharíamos em consumir n'um anno uma parte do rendimento do anno seguinte? Não iríamos abrir uma lacuna nesse anno, que depois seria forçoso encher com sacrifícios ainda maiores? Taes alvitres a experiência os tem tornado insustentáveis."

fonte - Biblioteca Digital do MdF: http://badigital.sgmf.pt/OE-1840/1/OE-1840_PDF/OE-1840_0000_00002-00010_t01-B-R0300.pdf

O vazio da violência

Fazer fogueiras em frente do Parlamento e destruir caixotes do lixo em frente da residência do Primeiro Ministro é o vazio. As manifestações que fazem a apologia do pensamento desestruturado e não apresentam soluções concretas, apenas destruindo, não têm qualquer tipo de legitimidade - contrariamente a manifestações pacíficas, que têm toda a legitimidade.

Seria útil ao país que as fogueiras fossem substituídas por ideias e por programas políticos concretos. Por uma participação activa no sistema político. Pelo exercício pacífico da liberdade de expressão, de associação e de manifestação. De lobby político. De organização no sentido de fazer pressão sobre partidos como o BE ou o PCP para se entenderem à esquerda, por exemplo.

Mas não. Há quem prefira destruir. Há quem prefira tentar legitimar a violência física, ao mesmo tempo que diaboliza as instituições democráticas que temos. Há quem prefira o vazio e os slogans avulsos a uma participação construtiva. Há quem prefira confrontos físicos com a polícia e culpar a polícia pelos confrontos (não estou com a isto a dizer que a polícia seja perfeita) do que a apresentação de orçamentos alternativos ou de programas alternativos.

Há quem queira fazer ouvir a sua voz através do vazio da violência. Mas assim, apenas se ouve ruído. A voz fica indistinta. E em nada se avança.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Não percebo Gasparês. Porquê o Saque Fiscal, Senhor Ministro?

O Ministro das Finanças, falou e eis que os impostos subiram!Nada de surpreendente.

Vejo também que a Professora Margarida Mesquita estava errada(ahah) e não são precisas técnicas de apresentação e falar em público para se ser compreendido pelas pessoas para se chegar a cargos de responsabilidade.

Em tempos de dificuldades, precisamos de estadistas com coragem para decisões difíceis e dizer às pessoas verdades que por vezes custam a ouvir, mas isto?

Se é verdade isto de que o processo de ajustamento depende em 81 por cento da receita, algo está muito mal e é preciso saber o porquê. A atrofia da economia vai fazer frustrar as previsões e virá mais um rectificativo e depois?

A Suzanne Vega, nesta música não podia ser mais clarana história do Soldado que vai ter com a sua Rainha e  além de avisar que não vai lutar mais, quer saber o porquê da guerra.

Porquê esta destruição anunciada da economia, há alternativas, há pouco tempo mas ainda o há.

Sobre esta selvajaria , que se está neste momento a passar em redor do Parlamento, não há muito a dizer, pessoalmente preferia que o dinheiro dos impostos que pago com cada vez mais dificuldade fosse gasto noutras coisas mais importantes que não em controlar protestos "espontâneos" cujos organizadores são conhecidos e nunca são chamados à atenção.


domingo, 14 de outubro de 2012

Eficácia prática e simbolismo (I)

Parece haver um gosto imenso pela discussão de símbolos. As medidas simbólicas são elevadas ao estatuto de fundamentais, enquanto a sua (falta de) eficácia na resolução dos nossos problemas reais é essencialmente ignorada. Também ignorada é a (falta de) eficácia prática das medidas simbólicas e/ou potenciais efeitos perniciosos.

Nada disto interessa. Interessam sempre os símbolos, na sua versão utópica e moralista. As grandes questões de finanças públicas, política económica e de política são reduzidas a grandes narrativas épicas e simplistas de confronto entre o Bem e o Mal. A crise é reduzida a um conjunto de conspirações. E as soluções escondidas são apresentadas como estando ao virar da esquina.

Os discursos moralistas pululam. De dedo em riste e tom pesado, os profetas do simbólico peroram sobre a superioridade moral de várias medisas simbólicas e deles próprios. E as medidas simbólicas tornam-se o centro das discussões.

Em vez de debatermos o sistema eleitoral como um todo, discutimos o número de deputados. Em vez de discutirmos o papel do Estado na sociedade, discutimos os automóveis do PS. E pouco ou nada discutimos a renegociação das PPP que está a ser feita, ou a gestão de recursos na Saúde.

Pouco ou nada importa a eficácia prática das medidas. Interessam sempre os símbolos. Que não se comem e pouco resolvem. Mas que tanta importância têm para a percepção que temos do que vai sendo feito.

Em negação

Ninguém apresenta um programa credível de consolidação das contas públicas. Reclama-se um novo «Plano Marshall» de empréstimos a 0,5% a serem pagos a sabe-se lá quantos anos, em que os tais «estrangeiros», habitualmente apresentados como monstros que não querem saber de nós, seriam forçados a não só continuar a pagar o nosso «modelo de desenvolvimento», como a sorrir enquanto o fizessem - mas poucos falam de federalismo europeu e da necessidade de conferir maior legitimidade democrática a soluções europeias.

No PS, ignora-se que os prazos originais foram negociados à pressão por um Governo do PS, forçadas por um Primeiro Ministro em negação que adiou o inadiável até ao ponto em que não era possível esperar mais. Vocifera-se contra as medidas do Governo quando a principal diferença entre o PS e o Governo é que o PS está na Oposição. Se estivesse no Governo, repararia, como já deve ter reparado o seu herói M. Hollande, que a realidade é bem diferente do mundo em que vivem as retóricas das Oposições.

Subitamente, com o Orçamento para 2013, o véu foi levantado e todos foram verdadeiramente forçados a acordar para a vida. Mesmo assim, a única coisa com que nos presenteiam é histeria. Ninguém explica como pretende resolver o problema do acumular constante de défices, que levam a que tenhamos de acumular constantemente dívida para os pagar - preferem falar na reestruturação da dívida como se de uma solução indolor e sem custos se tratasse.

Fala-se dos aumentos dos impostos sobre a classe média como se fosse uma surpresa. Como se «os ricos que paguem a crise» não esbarrasse no facto de não haver ricos suficientes e no facto dos ricos serem bem mais móveis do que a classe média - facilmente saem do país. A classe média é menos móvel do que os ricos. Além disso, há mais gente na classe média. E portanto, a classe média apanha com os impostos em cima. Não há grande surpresa aqui - e nem sequer falei na necessidade de definir «rico» para propósito daquele «slogan» tão caro à Esquerda.

Da mesma forma que o imposto sobre as transacções financeiras vai ter como efeito afastar as transacções financeiras do país, que já não é propriamente um local muito atractivo para as fazer. Não vai ter um efeito moralizador no que quer que seja e duvido que se consiga todo o dinheiro que o Governo pretenderá conseguir com ele. Da mesma forma que aumentar o IRC sobre as grandes empresas apenas a levaria a sair do país, e não penalizaria Belmiros de Azevedo ou Alexandres Soares dos Santos - embora aposte que terá um efeito relevante nos trabalhadores das referidas empresas.

Vamos ter aumentos de impostos. Enormes aumentos de impostos que afectam fortemente a classe média.  Ao mesmo tempo que vamos ter cortes na despesa. Que também afectam, natural e fortemente, a classe média. A classe média vai pagar a crise. Nunca duvidei que assim fosse, e não me parece que o PS o evitasse ou que o BE ou o PCP fizessem algo melhor.

A resposta é a negação. A resposta é o desejo de que o Tribunal Constitucional declare os aumentos de impostos inconstitucionais. Tivesse havido declarações mais claras sobre os cortes de despesa, também iriam parar ao Tribunal Constitucional - e, aliás, podem bem ir parar ao Tribunal Constitucional também. E depois o Tribunal Constitucional terá a oportunidade de demonstrar se aprendeu a fundamentar decisões desde a decisão que tomou relativamente aos cortes nos subsídios de Natal e férias e nas pensões.

Nós estamos em crise. Vai doer. E muito. E por muito que este Governo actual não esteja a tomar as medidas que eu gostaria com a velocidade que eu gostaria, e esteja a aumentar brutalmente impostos, eu não quero uma crise política. Não quero ver este Governo cair. Porque não vejo no PS uma alternativa credível e não vejo no BE ou no PCP mais do que conversas moralistas combinadas com propostas de modelos económicos que me parece ajudariam mais a cimentar a pobreza do país do que outra coisa.

Estar em negação e pensar que há soluções indolores não resolve problema nenhum. O que ajudaria, e muito, a resolver problemas seria um programa decente de consolidação orçamental. Quem não apoia o do Governo tem uma responsabilidade cívica e política de apresentar um programa alternativo. De explicar, com números, as suas previsões e como conseguiria atingir os seus objectivos. Caso contrário, apenas acrescentará mais ruído para a confusão. E ruído já nós temos muito. De todo o lado. Até do próprio Governo.

sábado, 13 de outubro de 2012

O campeão do bitaite

O meu principal problema com o actual Presidente da República não é a sua utilização do Facebook, com a qual não tenho problema nenhum. É o facto de, num regime em que vigora o culto do bitaite, o Presidente ser indubitavelmente o campeão - ou pelo menos, um dos campeôes.

Os recados que lança, no Facebook e fora dele, raramente ajudam muito e tomam sempre a forma de palpite vindo de cima. Calado durante a escalada do défice e da dívida, multiplica agora as intervenções que ou lançam a confusão ou são inúteis.

Aparentemente empolgado pela sua promessa de exercer uma magistratura activa, Aníbal Cavaco Silva é mais um a fazer ruído durante a crise. E o assustador é pensar que, salvo algum milagre, as possibilidades de escolha nas próximas eleições presidenciais vá ser tão medíocre como na última.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Louçã não sabe o que é o federalismo europeu

Francisco Louçã escreveu um artigo extraordinariamente absurdo sobre federalismo europeu que importa rebater.

O federalismo europeu não é a defesa de um Estado unitário a nível europeu ao qual se encontram subordinados os Estados federados. O federalismo europeu é, sim, a defesa da criação de uma democracia europeia transnacional, assente nos cidadãos e nos seus representantes (num Parlamento Europeu que provavelmente teria duas câmaras, incluindo um Senado).

Francisco Louçã fala do «Estado Nação» como se os Estados na União Europeia de hoje em dia fossem exclusivamente Estados Nação - o que não é verdade. Francisco Louçã deveria ter falado de Estados federados no seio de uma federação europeia. Deveria ainda ter pensado que já existem federações e outros Estados na União Europeia que não são Estados Nação (ele que vá dizer a um escocês que é inglês, por exemplo).

No seu péssimo artigo, que termina em tom demagógico, vazio e panfletário, Francisco Louçã esquece-se que o federalismo europeu é defendido por pessoas tão díspares como Paulo Rangel ou Rui Tavares. Que o federalismo europeu é defendido por liberais, conservadores, socialistas ou ecologistas. Que o federalismo europeu é defendido à esquerda, à direita e ao centro, e não tem nada a ver com aquilo que Francisco Louçã diz ser defendido.

O discurso de Durão Barroso a defender o federalismo, enquanto Presidente da Comissão Europeia, devia ter sido acolhido por todos os que defendem uma democracia europeia transnacional como algo de muito encorajador. Como um incentivo a finalmente discutir seriamente e colocar em cima da mesa medidas tão importantes como dar poder de iniciativa legislativa ao Parlamento Europeu e alterar o seu sistema eleitoral, por exemplo.

Mas não. Francisco Louçã, coordenador cessante do Bloco de Esquerda, prefere escrever artigos em que demonstra a sua enorme pequenez, colando o «federalismo» à Direita (por definição maléfica) e às máfias e à destruição dos Estados Membros. O que está errado, como já disse acima - nada disto é federalismo, tudo isto é jogo político sujo (e ignorante) de Francisco Louçã.

Em vez de aproveitar para dizer que se Durão Barroso defende federalismo, então que seja consequente, e apoie publicamente a proposta de que o próximo Presidente da Comissão tenha de ter feito campanha pelos 27 Estados Membros antes de ser escolhido, Francisco Louçã faz birrinhas sobre «esquerda» e «direita». No mundo em que vive, não consegue passar-lhe pela cabeça que haja questões que ultrapassem a sua visão maniqueísta do mundo - ou então acha que Durão Barroso é para atacar mesmo quando diz alguma coisa de útil, porque é «de Direita».

Francisco Louçã tem, ao longo dos anos, mostrado uma imensa arrogância política, ao pretender que o seu partido, o BE, seja a «verdadeira Esquerda», o único moralmente válido, e essencialmente exigindo que PS e PCP se rendam àquilo que o Bloco defende. As suas intervenções em muito pouco têm ajudado a Esquerda a unir-se e em muito pouco têm ajudado a que o Bloco se aproxime de posições em que teria a capacidade de, de facto, implementar as suas políticas.

Agora, quando se discutem algumas das reformas mais importantes na União Europeia em várias gerações, e em que o federalismo europeu, em que uma democracia europeia transnacional, tem de ser apoiado contra todo o tipo de nacionalismos bacocos - é neste momento tão importante que Francisco Louçã prefere vir a terreiro lançar confusão e distorcer o significado do «federalismo europeu».

Francisco Louçã não sabe o que é o federalismo europeu. Ou então sabe, mas prefere escrever artigos a atacar Durão Barroso. Não interessa. Qualquer que seja o motivo, este seu artigo é a demonstração cabal da sua pequenez política. E não duvido que teremos mais demonstrações no futuro, tendo em conta o historial do Coordenador cessante do Bloco de Esquerda.

O Eurostat não coloca défice em risco (II)

Volto ao tema do meu último artigo para mencionar um artigo de opinião do Diário Económico, de Pedro Carvalho, em que toda a questão é sucintamente explicada de forma a que toda a gente entenda.

Poderão encontrar o artigo aqui.

A regra que não permite usar receitas de privatizações para abater ao défice, permitindo apenas que se abatam à dívida, que o Governo gostaria de contornar, não é uma regra arbitrária. O dinheiro da privatização vem uma vez, mas no ano seguinte já não vem no ano seguinte. É uma coisa extraordinária.

O que o Governo se propõe é, fingindo que não, usar uma receita extraordinária para cobrir gastos ordinários. Ou seja, na verdade, não estaria a cobrir nada.

O Governo poderia usar a receita para pagar dívida porque o pagamento de dívida também é algo que acontece uma vez, algo de extraordinário - a a receita extraordinária cobriria a dívida.

Claro que, no ano seguinte, não existindo verdadeira consolidação orçamental, o défice continuaria e teria de ser coberto com nova dívida. E o activo que tinha sido privatizado já lá não estaria para ser privatizado, e, não querendo nós privatizar por completo o Estado, chega a uma altura em que já não há mais nada para vender.

Aquilo que coloca a meta do défice em risco é a incapacidade que há em Portugal de fazer consolidações orçamentais sustentáveis, cortando despesa e reestruturando o Estado. É para isso que esse Governo lá está e, por muito difícil que seja, é isso que tem de fazer.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O Eurostat não coloca défice em risco

O Governo pretende «cumprir» o défice para este ano através de um truque contabilístico e financeiro no valor de 0,7% do PIB.

Pretende concessionar o serviço público de gestão aeroportuária à ANA, a ANA endivida-se para pagar a concessão, e depois essa dívida vai repercutir-se no preço da privatização da ANA, que era suposto acontecer mais tarde.

Assim, pelo que percebo, o Governo pretendia, na prática, antecipar os ganhos relativos à privatização da ANA e abatê-los ao défice já este ano. Um truque que o Eurostat não o deixou usar - e bem.

Não é o Eurostat que coloca a meta do défice em risco. É o Governo que o faz. E se de facto o Governo estiver a pensar em avançar, empurrando o problema para frente, em vez de o resolver já, como a notícia diz, então o Governo está a jogar um jogo perigoso e irresponsável com a credibilidade financeira do país.

Brincadeiras contabilísticas deste tipo foram parte do nosso problema durante anos - e aliás, parte do problema a nível europeu durante anos. O Eurostat mudou as regras para as apertar e fez muito bem. E agora deve continuar a fazê-lo.

Não é o Eurostat que coloca a meta do défice em risco. São anos de má gestão, uma meta de défice negociada com base na nossa falta de credibilidade, a decisão do Tribunal Constitucional e a incapacidade que este Governo tem de preparar e implementar um verdadeiro programa de reestruturação do Estado.

Nós devemos apoiar regras que impeçam os Governos de, através de truques, mascarar os números e atingir objectivos apenas no papel e de forma meramente formal. Devemos condenar o Governo por sequer considerar ir avante com a decisão mesmo arriscando um chumbo mais tarde, assumindo um risco absurdo. E devemos exigir ao Governo que finalmente apresente uma estratégia clara para a reforma do Estado.

As regras mais apertadas protegem-nos de brincadeiras com as nossas finanças públicas. O Eurostat está a cumprir o seu papel. E devemos exigir ao Governo que cumpra o dele (e à Oposição, já agora, que bem que podia apresentar algumas ideias coerentes e escorreitas sobre este tema).

domingo, 7 de outubro de 2012

Posições claras sobre temas europeus

O Governo tem de tomar posições públicas claras relativamente a temas europeus e tem de fomentar um verdadeiro debate sobre esses temas em Portugal.

Neste momento, discutem-se temas tão relevantes como "project bonds", a união bancária, o papel do BCE e a reforma das próprias instituições europeias em geral.

O debate sobre o federalismo não pode mais ser ignorado. Não depois do discurso do Presidente da Comissão ao Parlamento Europeu sobre o estado da União.

É importante que o Governo mostre alguma capacidade de iniciativa e alguma capacidade de se afirmar nestas matérias. É importante que demonstre que domina os assuntos e tem posições definidas e claras sobre os mesmos.

Não estamos num momento apropriado para conversa fiada. Sem prejudicar ou colocar em causa a capacidade portuguesa de participar nas negociações, a política europeia do Governo deve ser pública e deve ser discutida.

Numa altura em que estamos a ter dos debates mais importantes sobre o futuro da UE desde a sua fundação, o debate não pode ficar pelos corredores do poder. Aliás, é imperativo que não fique.

Onde está o programa de cortes?

O Governo já devia ter, pelo menos em estado avançado, um recenseamento de entidades do Estado central. Esse recenseamento devia incluir as competências e qual o pessoal e despesa associada a essas entidades. E depois, deviam ser feitas escolhas sobre onde cortar.

No caso das fundações públicas, pergunto-me como é possível continuarem tantas a receber tanto dinheiro. No caso dos institutos públicos, gostava de saber quais existem e porquê.

Isto é o mínimo necessário para que o Governo seja capaz de fazer um programa de cortes e reestruturação do Estado coerente e inteligível. Que depois teria de ser implementado.

É difícil fazer este tipo de análise de fora. Quem está fora pura e simplesmente não tem a informação necessária. E o Governo devia ter feito disto uma prioridade.

Devia ter feito, mas não fez. Os resultados estão à vista: os aumentos de impostos são bem concretos, os cortes na despesa são bem etéreos.

Os cortes são anunciados, é verdade, em várias áreas. Mas são "ad hoc". Não se vê uma estratégia por trás. Não se vê uma ideia de quais devem ser ad funções do Estado, quais as prioridades - e não se vê porque, muito provavelmente, não existe.

Ora, isto é insuficiente e inadmissível. Não podemos continuar com certezas sobre impostos e sem perceber o que se passa com a despesa.

O Governo e o país só teriam a ganhar em existir uma estratégia por trás da governação. Torna-se mais fácil explicar aquilo que se faz quando há uma lógica integrada naquilo que se vai fazendo, e também ajuda a que as medidas sejam mais eficazes.

É imperativo que o Governo se mostre capaz de cumprir esta prioridade. Foo principalmente para esta reestruturação que foi eleito. E se a deixar por fazer, todos nós é que pagamos. Impostos. Até ao ponto em que já não der mais.