quinta-feira, 30 de junho de 2011

A Confiança e Pedro Marques

Pedro Marques, ex-Secretário de Estado da Segurança Social, teve das intervenções mais infelizes durante o debate de hoje sobre o programa do Governo. O argumento de que o Governo anunciar que vamos estar em recessão vai ajudar a causar essa mesma recessão e pôr em causa a confiança, e de que é mau para a confiança anunciar uma medida que vai ter efeitos no Natal já em Julho, é, levado ao seu limite lógico, uma apologia à obscuridade, à falta de transparência, ao anúncio-surpresa de medidas à última da hora como forma de gerar confiança.

Isto é, pura e simplesmente, falso. Como bem disse o nosso novo Ministro de Estado e das Finanças, Vítor Gaspar, aquilo que gera confiança é a transparência. E a discussão de dados e números públicos que os investidores já conhecem previamente não tem efeitos negativos na confiança. Antes pelo contrário, a sua não discussão, a sua ocultação, a obscuridade de que Pedro Marques essencialmente fez a apologia, isso sim causa quebras de confiança nos investidores (e na população, já agora).

Além disso, é evidente que as pessoas vão reagir ao anúncio de um novo imposto sobre o subsídio de Natal. Pelos vistos, segundo Pedro Marques, é má ideia dar tempo às pessoas para se preparem para as medidas que se vão tomar. É preferível deixá-las pensar que iam ter esse rendimento disponível e depois, para sua surpresa (bastante desagradável, usando um eufemismo), chegarem à conclusão que não o terão disponível, mas apenas e só em Dezembro, quando nada podem fazer sobre isso...

A intervenção de Pedro Marques teoriza a actuação do Governo anterior. Os resultados da actuação do Governo anterior estão à vista, em particular no que toca à confiança.

Esperemos que Pedro Marques não volte ao Governo. E que o espírito de Pedro Marques, e outros que pensam como ele, não comece a servir de inspiração ao Governo actual.

P.S. Ao ouvir a intervenção de Basílio Horta, ouço um fantasma do passado que ainda nos assombra hoje, lembrando-nos a cada palavra sua porque é que estamos como estamos: endividados até ao tutano, em recessão (e antes disso, estagnados durante anos), pouco competitivos, nada produtivos, e pobres.

Exames Nacionais e o Fim do GAVE

Com a educação em Portugal no estado que se conhece, Nuno Crato (o novo ministro da Educação e Ensino Superior e, para mim, a pessoa mais indicada para o cargo) promete mais exigência e mais rigor quer nas escolas, quer nos exames nacionais. Para tal, prevê que estes sejam feitos não pelo Gabinete de Avaliação Educacional (o GAVE), mas por uma autoridade independente do Ministério da Educação.

Os Exames

Os exames nacionais são um instrumento de avaliação mais do que necessário para garantir que todos os alunos são avaliados da mesma forma e que competem nas mesmas condições (ou em condições mais semelhantes) na procura de emprego ou no ingresso nas faculdades. Os exames servem para promover a igualdade de oportunidades e para assegurar (supostamente) que quem não sabe, não «passa», contornando, assim, possíveis casos de facilitismo em certos estabelecimentos de ensino.

Acredito que este tipo de avaliação deveria ocorrer com maior regularidade, pelo que vejo com bons olhos a sua realização no fim de cada ciclo, assim como a sua substituição pelas ridículas provas de aferição dos 4º e 6º anos.

O fim do GAVE?

Disposto a combater o facilitismo evidente nos exames nacionais (vejam-se as provas de Matemática A dos últimos 3-4 anos), Crato quer que seja uma autoridade independente do Ministério da Educação a elaborá-los.

Esta medida não tem meramente em vista aumentar os níveis de exigência dos exames (certamente seria possível fazê-lo através do actual GAVE), mas, principalmente, acabar com toda a politização em torno dos mesmos. Os exames devem ser um instrumento de avaliação fiável dos conhecimentos e capacidades dos nossos alunos e não servir os interesses políticos de um qualquer governo.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Notas sobre o Programa de Governo (III)

No geral, as medidas do novo Governo relativas ao mercado de trabalho apontam para a uma maior flexibilidade, o que é bastante positivo, independentemente das considerações que teci nas duas notas anteriores (aqui e aqui). Infelizmente, o Governo não vai aplicar as novas regras a todos os contratos, criando aquilo a que chama um «sistema dual», mas compreendo que não o faça. Teria obstáculos políticos e, muito provavelmente, constitucionais para o conseguir fazer. Consideraria mais justo um «sistema unitário», em que todos fossem afectados pelas alterações, mas parece-me que este compromisso é algo de inevitável.

Algo de particularmente positivo é a proposta de um contrato único de trabalho, embora com reservas relativamente ao período experimental. Parece-me que se deveria simplesmente criar um contrato único, em que fosse simples despedir (e portanto menos arriscado contratar), e em que fosse clara e facilmente determinável a indemnização a receber em caso de despedimento. Veremos se o Governo o consegue fazer, sendo que um dos obstáculos que vai ter de ultrapassar vai de certeza ser um ataque à constitucionalidade das novas regras, mais flexíveis, que criar, tendo em conta o conceito constitucional extremamente rígido de «justa causa».

A rigidez do nosso mercado laboral tem um impacto extremamente negativo na criação de emprego, e, portanto, também na capacidade que as pessoas têm de escolher mudar de emprego. Ora, tendencialmente, as pessoas melhoram as suas condições de trabalho saindo de um emprego e mudando para outro, não ficando sempre na mesma empresa. O sistema actual, em que as pessoas têm medo de sair por terem medo de não encontrar um novo emprego se saírem, quanto mais um emprego melhor, tem, portanto, um impacto negativo na melhoria das condições de trabalho das pessoas.

Mais um vez, estamos na presença de um sistema em que não se promove a concorrência por talento por parte das empresas, porque muitas pessoas simplesmente não têm incentivo a sair das empresas em que colaboram. Acontece que muito deste talento tem encontrado essas condições no estrangeiro, habitualmente potenciadas por um ambiente empresarial que não cria bloqueios aos empreendedores. E portanto, as pessoas emigram, em busca de melhores condições.

Outra das apostas do Governo na área do emprego é o auto-emprego. O auto-emprego devia ser a primeira alternativa ao desemprego, mas em Portugal, devido ao nosso sistema disfuncional, o que tendemos a ter é falsos trabalhadores independentes. Isto tem de acabar. Temos de criar condições para que o auto-emprego seja uma verdadeira alternativa ao puro e simples desemprego. E para que isso aconteça, temos, mais uma vez, que criar um ambiente em que o empreendedorismo não seja bloqueado, em que as pessoas possam explorar as suas ideias e potencialidades sem ter de lidar com burocracias ou regras desnecessárias.

Manifesto do Spinelli Group

Num momento em que o populismo anti-Europa parece estar a ganhar apoiantes de peso entre os políticos europeus, torna-se cada vez mais importante esclarecer porque é que precisamos de mais, e não menos, integração europeia. O Manifesto do Grupo Spinelli procura dar uma ajuda.

"
« It will be the moment of new action and it will be the moment for new men: the moment for a free and united Europe », Altiero Spinelli
“Si je savois quelque chose utile à ma patrie, et qui fût préjudiciable à l’Europe,(…) je la regarderois comme un crime.” Montesquieu

More than ever, the challenges we face today are worldwide: climate change, resource exhaustion and environmental destruction, economic and financial regulation, nuclear threat and collective security, fairer trade, peace-building…

In this new world, every European country is a small country. But we have one advantage: we have built together a European Union. It is a remarkable construction in which European nation-states, some even long divided by protracted conflicts, decided to be “united in diversity” and form a Commonwealth, a Community in the true sense of the word.

Striving for shared peace and prosperity, we managed to work together and combine forces, thus fostering unprecedented prosperity, democracy and reconciliation on the continent. National states gave away sovereign powers to institutions in order to reach common goals and an “ever closer” Union.

Unfortunately, whereas the formidable challenges of a manifold crisis demand common responses, drawn at least at European level, too many politicians fall tempted to believing in national salvation only. In a time of interdependence and a globalised world, clinging to national sovereignties and intergovernmentalism is not only warfare against the European spirit; it is but an addiction to political impotence.

Today things are moving in the opposite direction, towards a looser instead of a closer Union, towards a more national instead of post-national Europe. Throwing the Community spirit behind, Member states let short-term national interests cloud the common vision. They favour intergovernmental solutions above European solutions. Almost to the point of breaking up the Euro, the most concrete symbol of European integration.

We oppose this backward and reactionary direction. Europe has been yet again abducted – by a coalition of national politicians. It is time to bring her back. We believe that this is not the moment for Europe to slow down further integration, but on the contrary to accelerate it. The history of the European Union has proven that more Europe, not less, is the answer to the problems we face. Only with European solutions and a renewed European spirit will we be able to tackle the worldwide challenges.

Nationalism is an ideology of the past. Our goal is a federal and post-national Europe, a Europe of the citizens. This was the dream the founding fathers worked so hard to achieve. This was the project of Altiero Spinelli. This is the Europe we will go for. Because this is the Europe of the future."

BE e PCP criticam Programa de Governo

BE e PCP já criticaram o programa de Governo.

O BE, através de João Semedo, continua com a cantiga de que o PSD e o CDS-PP esconderam os seus programas durante a campanha. Uma cantiga que soa a falso, tendo em conta que o PSD sempre foi claro na sua mensagem de apoio ao programa da Troika, que já o projecto de revisão constitucional do PSD apontava nesse sentido, e que toda a campanha foi passada com o BE, o PCP e o próprio PS a dizer que o PSD era «ultraliberal». Portanto, seria útil que essa cantiga, que na prática passa um atestado de imbecilidade aos votantes, fosse rapidamente ultrapassada.

De resto, tanto o BE como o PCP dizem que o programa é terrível, que não gostam dele, que vai causar do fim deste mundo e do próximo. Surpreenderia se dissessem algo de diferente.

A ver vamos como vai ser a contestação social ao novo programa do Governo, organizada por partidos políticos, por sindicatos, ou pela sociedade civil. Não nos esqueçamos que este Governo é formado por dois partidos que assinaram o Memorando de Entendimento, e que o PSD tornou claro que ia ser «mais troikista que a troika», mesmo durante as eleições, e que isso não os impediu de terem maioria parlamentar.

A ver vamos, também, se o PS vai agir de forma responsável, em vez de se tentar distanciar do Programa da Troika que o seu Governo negociou e assinou, numa assoma de populismo que seria ruinosa. Imagino que o PS se afastará o mais possível, e criticará o mais possível, toda e qualquer medida do Programa de Governo que não seja directamente levantada do Memorando de Entendimento. Mas as coisas tornam-se mais bicudas no que toca a medidas que sejam directamente levantadas desse Memorando. O PS também se comprometeu com essas medidas antes e durante as eleições. Portanto, é bom que seja consequente agora, independentemente de quem seja o seu novo Secretário-Geral.

Notas sobre o Programa de Governo (II)

O Programa de Governo inclui esta medida:

«Rever os conteúdos das ofertas formativas adequando-as às necessidades do mercado de trabalho, promovendo a sua deslocação para as empresas e permitindo a estas deduzir os respectivos custos em sede de tributação;», ver pág. 29.

Compreendo que o Governo queira que as empresas dêem formação aos seus colaboradores. A formação gera ganhos de produtividade e, portanto, de competitividade. E claro que as empresas estão na melhor posição para saber quais a competências de que necessitam, por isso faz sentido que sejam elas a formar os seus colaboradores. A aposta na formação é um investimento para o futuro, e um bom cartão de visita para uma empresa, inclusivamente no que toca a atrair talento para colaborar com essa empresa. Caso essa aposta seja séria, claro.

Mas gostava que me explicassem como é que durante um período de consolidação orçamental, simplificação do sistema fiscal, e combate à fraude e evasão fiscal, o Governo se lembra de criar uma regra segundo a qual as empresas passam a poder «deduzir os custos» que tenham com formação. Afinal de contas, esta medida não contribui para a consolidação das contas públicas, cria maior complexidade no sistema fiscal, o que facilita a evasão, e trata a formação como um simples custo, quando se trata de um investimento.

Disse que cria maior complexidade no sistema fiscal, e explico porquê. Com esta medida, vai ter de se definir precisamente que é que pode ser deduzido, vai ter de se inspeccionar e ver se o que está a ser deduzido pode mesmo ser deduzido, e vai haver reclamações e impugnações de decisões relativas a este tema, que vão dar trabalho a funcionários do Ministério das Finanças e aos tribunais.

No limite, o que esta medida incentiva é que se declare que se deu formação, e não necessariamente que se tenha dado, efectivamente, formação. Claro que as empresas podem subitamente decidir que, por poderem deduzir nos impostos, então agora sim, vão dar formação aos colaboradores. Mas não me parece que a razão pela qual haja falta de aposta na formação seja falta de possibilidade de dedução do custo associado a esse investimento nos impostos.

A partir do momento em que uma empresa considere a formação como um investimento que lhe dará bom retorno, então a empresa apostará na formação. Ora, a formação é um investimento que terá potencialmente bom retorno se a empresa tiver de concorrer com outras empresas. Isto porque a aposta na formação lhe permite atrair os melhores para colaborar com ela (especialmente se associar essa aposta na formação a um bom salário), e porque a formação torna os seus colaboradores mais produtivos. Claro que se a empresa sobreviver à custa de subsídios e outros tipos de ajuda pública, por exemplo, nada disto é particularmente relevante.

Tanto que já há empresas que apostam na formação em Portugal. Todas as grandes sociedades de advogados, por exemplo, têm programas de formação interna dos seus associados, e promovem a sua formação contínua mesmo fora da própria sociedade. Todas estas sociedades estão sujeitas a pressões competitivas bastante fortes, o que significa que têm de competir por talento se quiserem manter-se no topo. Isto inclui pressões competitivas estrangeiras, porque no mundo globalizado e, em particular, europeizado de hoje, mesmo os advogados conseguem emigrar. E ainda bem que assim é, diga-se de passagem.

Esta medida vai ser tomada com um conjunto de outras medidas de política activa de emprego, de promoção da concorrência, entre outras. Mas o valor acrescentado desta medida, parece-me, não será grande. E até pode prejudicar a prossecução dos objectivos primordiais da consolidação orçamental, simplificação fiscal, e combate à fraude e evasão fiscal.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Notas sobre o Programa de Governo (I)

Bem sei que o programa tem 129 páginas (!), e que há muito para discutir. Mas apeteceu-me começar por aqui.

No âmbito das suas políticas activas de emprego, o Governo compromete-se a:

«Criar programas com o objectivo de promover o acesso ao mercado de trabalho de  jovens com elevadas qualificações que, nas actuais condições, são fortes candidatos à emigração;» (Ver pág. 29, antepenúltimo parágrafo.)

Esta medida visaria combater a célebre «fuga de cérebros», que leva os tais jovens com elevadas qualificações a emigrarem.

Acontece que esses jovens não saem do país por falta de programas governamentais que promovam o seu acesso ao mercado de trabalho. Nada disso. Esses jovens saem do país porque são mais valorizados lá fora do que cá dentro.

Portanto, se o Governo quer mesmo que as pessoas altamente qualificadas não saiam de Portugal, não o consegue com programas governamentais deste tipo. O que tem de acontecer é que as elevadas qualificações, a «performance» de qualidade, o mérito, que tudo isto seja valorizado, e devidamente compensado, pelas empresas cá em Portugal.

Isto consegue-se com concorrência entre as próprias empresas para atrair os melhores para serem seus colaboradores. E isso consegue-se com concorrência, não com programas governamentais.

Bem sei que o Programa não se resume a esta medida, e que há todo um contexto de medidas que também serão aplicadas. Mas esta pareceu-me de tal forma desajustada ao objectivo que pretende atingir, que não pude senão começar por aqui.

Ter, rapidamente, um Governo (Final) - Parte 2

Já temos a lista de Secretários de Estado.

Um nome em particular saltou-me de imediato à vista: Daniel Campelo. Anos depois dos dois orçamentos limianos do Governo Guterres, em que o seu voto «passou» os ditos orçamentos, e depois de toda uma saga partidária, temos Daniel Campelo como Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural. É possível que perceba do tema, mas toda a sua actuação anterior enquanto deputado não me deixa descansado.

Temos Francisco José Viegas como Secretário de Estado da Cultura. Esperemos que a sua função deixe de ser a pura e simples distribuição de subsídios. Neste momento, o grande problema da área da Cultura em Portugal, na minha opinião, é a subsidiação em massa, que leva a que os artistas sejam incentivados a lutar por um subsídio, e não por um público. Isto não significa que eu pense que apenas obras de arte «comerciais» devam ver a luz do dia. Mas significa que eu penso que fazer a Cultura depender do Estado e dos seus subsídios atrofia a produção cultural. Temos de separar bem mais o Estado da Cultura. Mas duvido que seja isto que Francisco José Viegas vá fazer, embora também duvide que vá ter muito dinheiro para subsídios, com os cortes que se aproximam.

Dizem que a nova Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade foi contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo deixar de ser inexistente legalmente. Na minha agenda política para este Governo estaria a legalização da adopção por casais do mesmo sexo. Era pouco provável que aparecesse alguém no Governo que concordasse com isto, tendo em conta os partidos que formam este Governo, e agora torna-se claro que não será fácil que esse objectivo seja atingido.

Fala-se ainda do facto de Pedro Passos Coelho ter supostamente vetado a entrada de Bernardo Bairrão para o Governo. A razão apontada: Bernardo Bairrão seria contra a privatização de um canal da RTP. Tendo em conta que a privatização de um canal da RTP é um objectivo do PSD, e que vai ser uma luta difícil conseguir este objectivo (que eu partilho, diga-se - onde está o serviço público da RTP1, por exemplo?), faz sentido não nomear alguém contrário a esta privatização como Secretário de Estado, mesmo noutra área. A ver se isto pressagia a boa notícia do Governo privatizar mesmo alguma coisa na RTP, o que não será fácil.

domingo, 26 de junho de 2011

A vida é gestão de risco

Toda a nossa vida estaremos presos à nossa condição humana, imperfeita por natureza. Não sabemos tudo. Com certeza absoluta, aliás, não sabemos nada. Mas temos de tomar decisões, toda a nossa vida será passada a tomar decisões, voluntárias ou involuntárias. No meio da incerteza, e sem controlarmos o que está à nossa volta (ou, por vezes, a nós próprios).

Essas decisões são tomadas com base nas nossas preferências e na informação de que dispomos. Os resultados das decisões que tomamos podem ser as que esperámos, podem ficar acima do esperado, ou podem ficar aquém do esperado. Quando fica aquém do esperado, temos uma crise. Pode ser uma pequena crise, ou pode ser uma grande crise. Mas é uma crise. 

Passamos a nossa vida a tentar criar mecanismos que mitiguem o risco inerente à tomada de decisões envoltas em incerteza, mecanismos esses que têm os seus próprios custos. Mas nenhum mecanismo mitiga por completo o risco, porque nunca teremos informação perfeita, porque nunca controlaremos tudo o que está à nossa volta, porque sempre seremos seres imperfeitos.

Ao longo da vida, as nossas expectativas não se vão ajustar ao que realmente se passa muitas, mas mesmo muitas, vezes. Vamos tendo crises. Vamos tendo que as ultrapassar.

[Resposta a duas observações, que poderão encontrar aqui e aqui.]

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Federalismo e Defesa

Os EUA estão com problemas orçamentais, e isso tem implicado uma procura de sítios onde cortar. Ora, uma área onde poderão cortar é a área da Defesa, e, dentro dela, a área onde mais facilmente o farão será em despesas relacionadas com a NATO. Principalmente por verem os Europeus a serem protegidos pela NATO, mas sem verdadeiramente contribuírem para esta.

Acontece que, de facto, na Europa, há relutância em gastar dinheiro com as Forças Armadas, relutância essa que eu partilho. Além disso, o dinheiro gasto em Forças Armadas é gasto de forma ineficiente, em 27 forças armadas separadas que, precisamente por estarem separadas, não têm grande capacidade de projecção de força. Isto para não falar da falta de visão estratégica na UE no que toca a política de Defesa.

Num contexto de globalização, e de problemas orçamentais, no entanto, já há passos no sentido de maior cooperação (veja-se o caso do Reino Unido e da França no que toca a armas nucleares), e o próprio Tratado de Lisboa prevê mecanismos de cooperação na área de Defesa. No limite, eu gostava de ver uma força armada europeia federal (e também uma política externa europeia integrada). Enquanto isso não acontecer (e não é fácil isto acontecer), devemos apostar na cooperação.

Afinal de contas, para que é que os 27 Estados Membros querem uma força armada nacional que, ainda por cima, não é propriamente muito capaz, no contexto actual? Não se vão invadir uns aos outros, nem vão invadir países fora da União. Não se vão defender uns dos outros. E para se defenderem do exterior, uma força armada europeia é melhor do que 27 forças armadas nacionais. (Não defendo, além disso, que devamos ignorar a NATO - a UE federal seria parte da NATO, e a força armada europeia contribuiria para a NATO.)

Um dos objectivos fundamentais da UE é conseguir paz duradoura na Europa. Maior cooperação ao nível das forças armadas, precisamente os instrumentos utilizados para fazer a guerra, seria um passo importante nesse sentido. E ajudaria também no que toca a questões orçamentais, como vantagem extra.

Sei que não é uma visão maioritária, e que o apelo da «soberania nacional» ainda se faz sentir. Mas nestes tempos que correm, os europeus vão ter de fazer escolhas no que toca ao financiamento da sua Defesa, num contexto de problemas orçamentais e dos EUA já se encontrarem renitentes a continuar a financiar, essencialmente, a defesa europeia.

É uma escolha que devemos fazer de olhos abertos. E devemos olhar para todas as alternativas possíveis.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Ainda o Euro

O Filipe Faria decidiu tentar responder ao argumento de que sair do Euro retirava um incentivo bastante forte a liberalizar a economia portuguesa (mencionando este meu artigo). No processo, referiu-se ao meu federalismo, dizendo que eu me «[denomino] liberal» mas quero um «Estado federal centralizado em Bruxelas que afasta o poder político dos cidadãos.»

De facto, eu sou liberal. Precisamente por ser liberal, defendo uma União Europeia federal. Isto porque defendo a liberdade individual e o mercado, e considero a soberania nacional como uma forma (não muito velada) de proteccionismo, e de atentado contra a liberdade individual e a igualdade de oportunidades (e, genericamente, da igualdade perante a lei). O meu europeísmo assenta na defesa de um mercado único, e esse mercado vai ter de se pautar por regras comuns. Caso contrário, haverá distorções.

Ser federalista não significa querer afastar o poder político dos cidadãos. Significa querer defender a liberdade desses mesmos cidadãos perante barreiras arbitrárias impostas pelos Estados. Significa querer aproximar a União Europeia dos cidadãos, criando uma verdadeira cidadania europeia, e um verdadeiro espaço público europeu. Significa respeitar à risca o princípio da subsidiaridade, e não a soberania nacional (que, como eu já referi, encaro como um apelo proteccionista), como garante de que os problemas são resolvidos ao nível mais próximo possível das pessoas. 

Eu prefiro a União Europeia actual à inexistência de União Europeia, mas isso não significa que defenda a União Europeia tal qual existe hoje. E não significa que, apesar de preferir o Euro à inexistência do Euro, defenda que devamos parar por aqui. Longe disso. Defendo, isso sim, um Ministério das Finanças Europeu. Defendo a criação de impostos europeus, de forma a que os cidadãos europeus financiassem directamente a União Europeia, em vez de o fazerem através dos Estados. Defendo que as relações externas e a defesa deviam ser federalizadas. E, finalmente, defendo a independência do Banco Central Europeu como garantia da credibilidade do Euro.

É esta independência que tem sido posta em causa devido aos empréstimos que o BCE fez, e que o Filipe Faria menciona no seu artigo, e que serviram para financiar indirectamente os Estados. Acontece que esses empréstimos foram sempre anunciados como provisórios, foram claramente feitos a contragosto, e acabaram. O programa de resgate, por seu turno, não é uma dádiva, é um contrato mediante o qual o Estado português se compromete a reestruturar a sua economia no sentido de a liberalizar, e por isso recebe um empréstimo para o manter à tona enquanto essas reformas, cruciais para o desenvolvimento económico do país, sejam feitas.

Preferia que não houvesse resgate. Mas o resgate não foi causado pelo BCE ou pelo Euro. E a nossa situação económica também não foi causada pelo BCE ou pelo Euro. A nossa situação económica foi causada pelo nosso baixo nível de produtividade e pela rigidez da nossa economia. Estamos agora em crise, numa altura em que outros países já saem da crise, e essa crise é um sinal claro das reformas de que precisamos. Essas reformas são reformas liberais. Se queremos competir, aproveitando verdadeiramente o Euro, então temos de as fazer.

O argumento de que a desvalorização é um estímulo às exportações não leva em linha de conta a razão pela qual as nossas empresas não exportam, ou não são competitivas, e essa razão não é a moeda. Nós já temos sectores competitivos na nossa economia, que aproveitam e potenciam o Euro. São os sectores em que há concorrência, e que não dependem de subsídios para subsistir. E acontece que temos andado a garantir a subsistência de empresas que prestam serviços/produzem bens não-transaccionáveis através de constantes subsídios. Parece-me que em vez de sairmos do Euro, devíamos acabar com esses subsídios, e garantir a concorrência, deixando os consumidores escolherem o que é produzido, e não o Estado. Isso sim, ia incentivar aumentos de produtividade, coisa que sair do Euro não ia fazer.

Estar no Euro significa que sentimos na pele as más decisões do nosso Governo, porque não podemos recorrer ao expediente da «desvalorização competitiva» para fingir que tudo está bem, mascarando o empobrecimento generalizado que realmente acontece. Estar no Euro significa dar uma maior capacidade às pessoas para perceber o impacto que a rigidez da nossa economia tem no seu nível de riqueza. Sair do Euro significa voltar ao tempo dos remendos fáceis, e da política centrada na produção por escolha do Estado, e não na escolha das pessoas.

Sair do Euro seria uma forma de contornar o problema da falta de produtividade, sem o resolver, que geraria todos os problemas que eu mencionei, sucintamente, no meu artigo anterior. Estar no Euro é um incentivo à liberalização e dinamização da economia. Portanto, devemos continuar no Euro. E devemos, finalmente, mudar de vida.

Intervenções no blogue 'The Lisboners' (VI)

[Em resposta a este artigo]

I agree. In fact, I think human rights should be at the heart of Government policy, 24 hours a day, every day of the year.

Unfortunately, anti-immigrant rhetoric is useful during an economic crisis. You need to pin the blame on someone, and immigrants, especially poor immigrants, make great scapegoats. After all, they don’t have a vote, they are easily perceived as coming in to «steal jobs», and they are easily accused of being the cause of all criminal activity – and then, no one will speak for them, because it might mean that person will lose votes in the next election. Or is accused of not being «patriotic» enough.

We need someone to counter this kind of rhetoric, and speak not just for immigrants, but also for international development, even in this time of crisis. In my opinion, this means speaking out against protectionism, which is precisely what anti-immigration measures amount to.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Sair do Euro seria um Problema, não uma Solução

As desvalorizações «competitivas» servem para criar inflação e empobrecimento relativo, não desenvolvimento económico e competitividade. Servem para fingir que as pessoas recebem o mesmo quando na realidade recebem bem menos em termos reais, que é o que importa. Servem para baixar salários e desvalorizar poupanças sem que ninguém note, sem que nada verdadeiramente se altere na estrutura económica, e portanto sem resolver o problema de fundo.

Desvalorizar a moeda significaria baixar salários e aproximaria o valor dos salários ao nosso nível de produtividade, que é baixo. Mas o nosso objectivo não deve ser esse. O nosso objectivo deve ser aumentar o nosso nível de produtividade. E isso não se faz desvalorizando a moeda. Faz-se liberalizando a economia, inclusivamente melhorando o funcionamento do mercado de trabalho, para que as empresas tenham incentivos a tratar devidamente os colaboradores - caso contrário, estes saem para outra empresa, ou formam a sua própria empresa.

Também não se atrai investimento com desvalorizações deste tipo. Os investidores querem mitigar o risco. Este tipo de desvalorizações competitivas só dão sinais vermelhos na cabeça de um investidor, que começa a pensar que se investir em Portugal, só vai perder dinheiro no final. Não é por termos uma moeda própria que vamos fomentar o empreendedorismo e o investimento, vitais para restaurarmos a nossa competitividade, antes pelo contrário.

Nós vamos ser competitivos quando deixarmos de pensar no facto de termos salários baixos como uma vantagem comparativa, e passarmos a pensar em termos salários altos e em tratar o melhor possível as pessoas como uma vantagem comparativa. Não é por acaso que as pessoas emigram. Não é por acaso que há «brain drain». E só quando nós deixarmos de ter um país que diz a quem quer arriscar que o que essa pessoa quer fazer é muito arriscado é que começamos a resolver os nossos problemas.

As desvalorizações «competitivas» (e voltar a uma moeda própria seria isto mesmo) desvalorizam as poupanças das pessoas. Isto implicaria que muita gente retiraria o dinheiro do país quando esta medida fosse anunciada, e teriam todo o direito em fazê-lo, e faria todo o sentido fazê-lo da perspectiva dessas pessoas. Elas quereriam que a sua poupança tivesse valor e não que fosse desvalorizada por razões políticas.

Sair do Euro para voltar a entrar também não seria grande ideia. Dizer a um investidor que venha investir em Portugal porque acabámos de nos tornar «mais baratos», mas dizer-lhe que o objectivo é reentrar no Euro a prazo, é dar sinais contraditórios e, dada nossa falta de credibilidade, mesmo se conseguirmos resolver o nosso problema de finanças públicas, não seria muito atractivo. Ou então, o investimento duraria até voltarmos ao Euro, e não seria duradouro. Além disso, sair do Euro para voltar a entrar pressuporia que nos deixariam voltar a entrar, o que não se tornaria nada fácil depois de tudo o que teríamos feito até aí (incluindo a forma como teríamos saído).

Sair do Euro teria também consequências políticas, dentro da União Europeia em particular. Os esforços que estão a ser feitos com os resgates têm por base preservar o Euro (na minha opinião, o que nós precisamos mesmo é de uma federação, mas isso é tema para futuro artigo). Portugal pediu milhares de milhões de Euros e foi resgatado, comprometendo-se com um programa de reformas, e depois de tudo isto, sairia do Euro pelo seu próprio pé (mesmo dizendo que queria reentrar no futuro). Em que medida é que isto ajuda Portugal dentro da UE? Em nada, só prejudica. 

Se saíssemos neste momento, isso significaria aumentar ainda mais a nossa dívida, porque a dívida passaria a estar em Euros e nós passaríamos a ter uma moeda que valeria bem menos. No caso de anunciarmos que pagaríamos a dívida na nossa nova moeda, isso não resolveria o problema, e até poderia ser o equivalente a não pagarmos a nossa dívida, o que causaria os seus próprios problemas.

Sair do Euro seria puro e simples proteccionismo. Não nos tornaria mais competitivos, antes pelo contrário. Seria um retorno à velha política dos baixos salários e do baixo poder de compra.

Sair do Euro não é uma visão de futuro. É uma visão de passado. E seria um grande problema, não uma solução.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Ter, rapidamente, um Governo (Final) - Parte 1

O estilo do nosso novo Primeiro Ministro é bastante diferente do estilo do anterior. Pedro Passos Coelho não tem o dom do «sound bite», não tende a ser conciso, e não tenta sempre ter um discurso optimista e animado. Além disso, tem sido bastante claro em querer implementar medidas que geralmente são consideradas como populares (ex. programa de privatizações).

Enquanto Primeiro Ministro, vai liderar um Governo constituído por Ministros com peso pessoal e político próprio. O Governo não vai depender da personalidade de Pedro Passos Coelho, da mesma forma que o anterior dependia da personalidade de José Sócrates. Algo que me parece extremamente positivo. Precisamos de um Governo forte, não apenas de um Primeiro Ministro forte.

Passemos aos Ministros. Em particular, passemos à escolha das pastas. Aqui está a lista:

  • Negócios Estrangeiros
  • Finanças
  • Economia e Emprego
  • Educação e Ensino Superior
  • Saúde
  • Solidariedade e Segurança Social
  • Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território
  • Defesa Nacional
  • Justiça
  • Administração Interna
  • Assuntos Parlamentares

Em relação aos Negócios Estrangeiros, não é um Ministério surpreendente. Infelizmente, Paulo Portas vai ser Ministro dos Negócios Estrangeiros. Considero infeliz porque neste momento está em causa a União Europeia, e eu considero que para resolvermos verdadeiramente esta crise, precisamos de mais integração, embora sempre respeitando o princípio da subsidiaridade. Precisamos de um Ministério das Finanças europeu, de impostos europeus, de caminhar verdadeiramente para uma federação europeia. É uma prioridade, e Paulo Portas não me parece o Ministro que nos assegure isto, dadas as suas posições sobre a UE.

Relativamente às Finanças, temos Vítor Gaspar. O currículo do futuro novo Ministro fala por si, e trás-lhe uma credibilidade importante. Todo o seu conhecimento técnico, todo o seu conhecimento relativamente à União Europeia, tudo isto vai ser fundamental para que haja uma boa implementação do programa de consolidação orçamental e de reforma do Estado. Pôr as contas públicas em ordem e reestruturar o Estado são prioridades para o Governo, e têm de sê-lo. Vítor Gaspar acabou de assumir uma responsabilidade tremenda ao aceitar a pasta das Finanças. Esperemos que esteja à altura.

No que toca à Economia e Emprego, importa primeiro notar a forma como a Economia , as Obras Públicas e o Emprego foram colocadas sob um mesmo Ministro. E esse Ministro é Álvaro Santos Pereira, professor universitário, independente, que vai ficar responsável por acabar com uma errante política de obras públicas e por flexibilizar e agilizar a nossa estrutura económica, o que inclui facilitar os despedimentos. O crescimento sustentável a longo prazo da nossa economia, fundada no investimento privada e nas exportações, e o fim da distribuição de subsídios e de rendas a sectores de bens não-transaccionáveis vão depender das reformas que este Ministério fizer. 

Nuno Crato aceitou ser Ministro da Educação e Ensino Superior. Adivinhava-se que a Educação e Ensino Superior ficassem de novo sob a direcção do mesmo Ministro, dada a promessa de Pedro Passos Coelho relativa ao número de Ministros. O futuro novo Ministro sabe, sem qualquer sombra de dúvida, qual o estado do nosso Ensino, e muito tem escrito sobre o tema. Nuno Crato tem sido muito crítico relativamente à política educativa seguida nas últimas décadas, e tem ideias, boas ideias, sobre como mudar. Chegou a altura de parar de escrever, e começar a implementar.   

O Ministro da Saúde vai ser Paulo Macedo. O facto de ser alguém de fora do mundo da Saúde, numa altura em que é necessário mudar as coisas, parece-me algo de positivo. Claro que, obviamente, deverá aconselhar-se com quem, de facto, conhece o sistema por dentro. O seu papel vai ser a reestruturação do Sistema Nacional de Saúde, no sentido de o tornar mais sustentável financeiramente. Aí entrará a competência de Paulo Macedo, um independente, relativamente à gestão, e a sua independência em relação às corporações do sector será também importante.

A Segurança Social foi entregue a Pedro Mota Soares, do CDS/PP. Também aqui o programa é de reforma. Vai ser este Ministro que ficará responsável pela sustentabilidade financeira do sistema de segurança social. Pedro Mota Soares tem tido boas «performances» no Parlamento, enquanto Líder Parlamentar do CDS/PP. Esperemos que tenha uma boa «performance» enquanto Ministro.

Chegamos a Assunção Cristas, que será Ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território. Uma primeira nota para a Agricultura se manter num Ministério próprio, e para este Ministério ter sido atribuído ao CDS/PP, algo de expectável, mas mesmo assim relevante. A segunda nota para que esta Ministra terá a seu cargo a negociação da reforma da Política Agrícola Comum, a gestão de «dossiês» relativos ao aquecimento global, questões relativas ao mar, entre outros assuntos. Não é pouca coisa.

A Defesa foi para José Pedro Aguiar Branco. É alguém com peso político, e parece uma enorme melhoria em relação ao Ministro demissionário. Terá de lidar com cortes na despesa do Ministério, provavelmente, e com a NATO. Devia avançar no sentido de haver maior coordenação nesta área ao nível europeu. Não me parece um Ministério prioritário, mas colocou um «peso pesado» do PSD no Governo.

Na Justiça, teremos Paula Teixeira da Cruz. Será sua responsabilidade aumentar a celeridade dos tribunais, recredibilizar o sistema judicial como um todo, continuando com as eternamente adiadas reformas na Justiça. Colocar a Justiça a funcionar não é, mais uma vez, pouco,  mas a Ministra parece ter a competência necessária para levar a bom porto as reformas necessárias. Mais uma vez, terá de lidar com as corporações que dominam o sector, e podia ter a coragem de, por exemplo, extinguir os sindicatos de magistrados, os quais colocam em causa o nosso Estado de Direito - não faz sentido que titulares de órgãos de soberania tenham sindicatos, que põem em causa o bom funcionamento da Justiça. Mas duvido que isso aconteça.

Miguel Macedo será Ministro da Administração Interna. Uma novidade: terá a seu cargo, ouvi na rádio, todas as polícias, incluindo a PJ (que vem para a Administração Interna da Justiça). Miguel Macedo tinha sido apontado como possível Ministro dos Assuntos Parlamentares, essencialmente por ser Líder da Bancada Parlamentar do PSD. Enquanto Ministro da Administração Interna, terá provavelmente também de lidar com cortes orçamentais, o que não deverá cair bem no sector.

Finalmente, Miguel Relvas vai ser Ministro dos Assuntos Parlamentares. Diz-se que teria preferido não ser parte do Governo, mas não é isso que me interessa particularmente. O que me interessa é que será Miguel Relvas a lidar com o Parlamento em nome do Governo, pelo que faz sentido que seja alguém particularmente próximo no Primeiro Ministro, tendo em conta a situação actual. Parece-me que isso explica esta escolha. Terá também a seu cargo autarquias (nota importante: reforma do mapa autárquico está prevista no programa da «Troika») e desporto (esperemos que para separar desporto da política...).

Foram 11 Ministros, não 10 (PSD) ou 12 (CDS/PP). É um Governo jovem. É um Governo que tem independentes com provas dadas fora da política e pesos pesados dos dois partidos que lhe garantem maioria parlamentar. E é um Governo que terá a seu cargo lidar com uma crise económica, social e financeira de forma a recolocar o país na senda do desenvolvimento económico e social.

Os temos já são difíceis, mas avizinham-se tempos ainda mais difíceis. As condições institucionais formais estão lá. Incumbirá a este Governo, e à liderança do Primeiro Ministro Pedro Passos Coelho, a criação de condições fora das instituições públicas. Terá de ser um Governo transparente, sem medo de contar o que se passa à população, e com capacidade para explicar quais as medidas que está a tomar, e como é que elas nos colocarão de novo a crescer.

Esperemos que seja bem sucedido.

Correcção: Corrigi o artigo para eliminar um erro no que toca ao Emprego e quem ficaria responsável por essa «pasta».


Correcção 2: Corrigi a lista e alterei o artigo para reflectir as «pastas» da carta de Pedro Passos Coelho a Aníbal Cavaco Silva.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Indignação e Democracia

Curto texto de Ricardo Alves, no Esquerda Republicana, em que, num parágrafo, se diz muito:

(http://esquerda-republicana.blogspot.com/2011/06/indignados-um-movimento-contra.html)

«Começaram por ocupar as praças, para discutir pacificamente. Mas começaram a achar-se donos delas e agora atacam um parlamento legitimamente constituído tentando impedi-lo de se reunir. Em Barcelona e noutros locais de Espanha está-se a verificar como o movimento da «democracia real», apesar das boas intenções de muitos, pode descambar facilmente no ataque à democracia realmente existente, a que depende do voto secreto, regular e livre da pressão de grupo. Ao quererem deslegitimar a representação, estão a acabar por se deslegitimar a si próprios.»


Vale também a pena ler um comentário que se segue, de António Matos:

«E os restantes eleitores, que são a larga maioria e que exprimiram a sua opinião através do voto? Presumindo que o fizeram de livre vontade e porque acreditam na boa-fé dos eleitos, é legítimo que um grupo minoritário (que provavelmente teve uma taxa de abstenção muito alta) sobreponha a sua opinião à deles?
Note que eu acho salutar a formação destes movimentos, mas não posso concordar com estas acções...»

Pensamento Solto

Portugal não existe isolado do resto do mundo. As decisões que tomamos quer como indivíduos, quer como país, têm impacto fora das nossas fronteiras. As escolhas que fazemos não têm impactos apenas relativamente a nós, mas também relativamente a outros.

Nada há de «progressista» em tentar procurar sistematicamente desresponsabilizar Portugal por aquilo que lhe está a acontecer, e em ignorar os efeitos que as nossas (más) decisões estão a ter fora do país. Chamar nomes à Chanceler alemã é obviamente mais fácil que aceitar que cometemos erros, mas para que consigamos deixar de cometer erros, seria importante assumir que os cometemos e começar por aí, por muitos erros que a própria Chanceler alemã tenha cometido.

O FMI e a UE não são simplesmente «estrangeiros» que vêm pôr em causa a nossa «soberania nacional». Nada há de «democrático» na retórica anti-«estrangeiro» e ultra-soberanista que se encontra neste tipo de discurso. Portugal é membro do FMI e é membro da UE, que aliás financia, e, num momento de crise, o Governo português tomou a decisão de activar mecanismos de resgate que se encontravam disponíveis, de forma a evitar a pura e simples bancarrota. O acordo foi negociado e acabou por ser sufragado nas eleições, porque serviu de base aos programas políticos do PSD, do CDS-PP e do PS. Já para não falar que o Governo, numa situação excepcional de ruptura financeira, tinha poder para negociar o acordo, e que esse Governo tinha assumido funções pela forma constitucionalmente prevista.

Em causa neste momento está a União Europeia, e a União Europeia tem sido fonte de paz e prosperidade na Europa desde a sua criação. É também um garante de um conjunto de liberdades fundamentais de que não podemos abdicar. Em vez disso, é necessário lutar por maior integração europeia, por uma verdadeira federação europeia, através da qual passaríamos a ter os instrumentos necessários para construir de forma sustentável um período ainda mais longo de paz, com potencial para ainda maior prosperidade.

Não podemos simplesmente olhar para o nosso umbigo e exigir que nos ofereçam dinheiro porque pura e simplesmente nós pensamos temos direito, por existirmos, a viver acima das nossas possibilidades, independentemente dos efeitos internos ou externos desse tipo de política. Ora, nós não temos direito a almoços grátis, porque pura e simplesmente não existem almoços grátis. E devemos assumir as responsabilidades pelas decisões que foram tomadas.

O novo Governo vai ter um mandato democrático para mudar o modelo de desenvolvimento do país, na linha do que está previsto no Memorando da «Troika», e é importante que não se esqueça que deve também lutar por reforçar os poderes da União Europeia, de forma a que esteja fique mais bem apetrechada para lidar com crises futuras. Temos de olhar para fora, ser abertos, ser responsáveis, e assumir as responsabilidades pelos nossos erros.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Intervenções no blogue 'The Lisboners' (V)

[Em resposta a este artigo.]

I have a few issues I’d like to raise about this post.

The first one is that I can’t help but find it slightly patronising to say that the Indian people simply can’t hold their Government to account, when India is, I believe, a functioning democracy, with functioning democratic institutions.

The second one is that free trade is not about benefitting one side or the other. It’s about lower prices and higher wages in real terms for all sides.

The Common Agricultural Policy, though, is, in fact, about benefitting one side over the other, and it is extremely detrimental to developing economies hoping to export their agricultural products to the European market. That’s what we should be reforming, and in earnest, not at the snail’s pace we currently are.

Also, we should think about protecting people as individuals, and their ability to make choices, not small businesses ‘per se’. People should be able to choose what goods they buy, and they should do so based on their individual preferences, not because there is no alternative. Small businesses can adapt to the new environment – they can, for example, form trade alliances to generate the necessary economies of scale to compete.

Indian business will adapt to the new environment. It will become stronger and more competitive because of competition, and that kind of strength is much more sustainable than that provided by Government protection.

I wonder if the production of generic medicines will be restricted, or whether the provisions at issues are about counterfeit medicine being restricted. These are not the same thing. Of course, I agree whole-heartedly, generic production should not be stymied in India (or anywhere, for that matter).

I also wonder about your concerns about «legislation on health and the environment» being hampered. Could you be more specific? Why are these concerns being raised?

I find it is our responsibility to sign and ratify free trade agreements that lower tariffs across the globe, because free trade creates wealth, and it also creates interdependence – which leads to a predisposition towards peaceful solutions for quarrels that may emerge.

I also find it is our responsibility to reform our global governance institutions to make them more transparent and increase their democratic legitimacy. Free trade is predicated on the existence of an adequate institutional framework, after all.

I know this is slightly off-topic, but I would like to ask anyway: how would people feel about an International Commercial Court, with a responsibility of dealing with international transactions taking into account their complex nature and specificities?

Ter, rapidamente, um Governo (II)

Confusão com a votação no Brasil. Possível pedido de recontagem dos votos por parte do PS.

Veremos o que acontece...

Ter, rapidamente, um Governo

O Presidente da República pediu a Pedro Passos Coelho que começasse rapidamente a procurar uma solução de governo maioritário. Tendo em conta a situação em que estamos, foi uma decisão acertada.

Precisamos de ter um Governo em funções o mais rapidamente possível. O programa que temos para implementar tem prazos, e prazos apertados. Não podemos ficar à espera.

É importante que as negociações entre PSD e CDS não se prolonguem excessivamente, e tudo indica, felizmente, que vamos ter negociações rápidas. Em breve haverá um acordo político e um programa de Governo.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Eleições (Final) - Parte 4

O PCTP-MRPP conseguiu consolidar a votação de 2009, o que significa que vai, de novo, ter direito a subvenção estatal. Foram necessárias décadas, mas conseguiu-o em 2009, e agora conseguiu manter a mesma posição em 2011. Apesar de terem passado apenas dois anos, é um feito assinalável para o partido e para Garcia Pereira, pessoa com a qual eu não concordo politicamente, mas que admiro pela força das suas convicções e pela forma como se bate por elas.

Também o PAN conseguiu ter mais de 50 000 votos estas eleições, mas este não teve de esperar décadas, teve apenas de esperar meses. O efeito de novidade, a descrença nos grandes partidos, a inexistência em Portugal de um partido ecologista forte, e a sua mensagem moderada no que toca à Economia e, claro, a forte mensagem relativa à protecção dos animais parecem-me ter ajudado a que o partido construísse esta surpreendente votação.

Ambos vão receber subvenção estatal com estas votações. O que lhes acontecerá nas próximas eleições depende de conseguirem manter uma presença activa na cena política, apresentando propostas e soluções concretas para os problemas que já existem e que se avizinham. 

Os resultados destes partidos mostram, na minha opinião, e apesar da vitória do PSD, como os portugueses se encontram, de facto à procura de algo novo, e que o BE já perdeu por completo o efeito de novidade que tinha no início. Capitalizar nessa procura é o segredo para a consolidação de uma nova força política liberal em Portugal.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Reforma Eleitoral

Sou favorável a que haja uma reforma do nosso sistema eleitoral, como aliás já escrevi por diversas vezes e em diversos locais. Essa reforma deve ir no sentido de aproximar os eleitos dos eleitores, mantendo a proporcionalidade e a representatividade (o meu sistema preferido é o STV, mas o sistema misto do tipo alemão e do tipo do que o André Freire sugeriu também seria uma melhoria em relação ao que há hoje).

Agora, não posso deixar de notar que esta súbita preocupação com o sistema eleitoral por parte de Vital Moreira e outros parece vir precisamente quando PS e BE foram derrotados nas eleições. É curioso como esta preocupação se manifesta de forma tão exacerbada quando PS e BE perdem, mas não se manifestou desta forma em 2009, por exemplo, quando o PS ganhou as eleições e o BE teve uma subida em percentagem de votação e em número de deputados.

Gostava de ver um debate sério sobre a reforma do sistema eleitoral em Portugal, porque me parece que o nosso sistema eleitoral actual separa os cidadãos dos deputados, dá excessivo poder às estruturas partidárias na selecção dos deputados, além de criar barreiras à entrada de novas forças políticas no Parlamento. Mas todas as forças políticas sabiam à partida as regras do jogo democrático que por agora existem, e pouco ou nada fizeram, efectivamente, as que estavam no Parlamento, para que estas regras fossem alteradas.

De qualquer modo, espero que aproveitemos este momento reformista para alterar o nosso sistema eleitoral, melhorando-o. Há, pelos vistos, vontade política para o fazer. Há então que a aproveitar e, de uma vez por todas, agir.

Eleições (Final) - Parte 3

O Bloco de Esquerda foi um dos grandes perdedores destas eleições, e a sua derrota, que é também a derrota da estratégia que o partido tem seguido, tem um rosto: Francisco Louçã. O Coordenador do BE assumiu as responsabilidades da derrota, mas delas não retirou grandes consequências, e ao falar mais parecia que a perda de metade da bancada parlamentar (inclusivamente do líder da bancada parlamentar) tinha sido uma vitória.

O BE viu a votação da CDU consolidar, e viu-a ganhar um deputado enquanto perdia metade da bancada. O BE tentou uma narrativa que falhou, a narrativa do «Governo de Esquerda», e à memória de bloquistas terão vindo a derrota de Manuel Alegre nas presidenciais, a moção de censura que foi apresentada atabalhoadamente e de forma a não passar, ou as conversações com a CDU que não deram em nada.

A narrativa falhou por não ser credível. Que «Governo de Esquerda» seria este? A aproximação à ala esquerda do PS através de Manuel Alegre falhou, e o próprio Manuel Alegre interveio nas eleições ao lado de José Sócrates, muito longe da retórica de «independente» da sua primeira candidatura presidencial. A aproximação à CDU falhou também, de forma bem visível, antes mesmo de começar a campanha. 

Diga-se que uma coligação do BE com o PCP e o PEV não seria necessariamente uma forma de atrair votos e do PS perder votos. O BE «colar-se-ia» ao PCP, perdendo a identidade própria, frágil, que tem procurado construir. Além de que teria sido uma clara inversão do caminho depois do apoio de BE e PS ao mesmo candidato durante as eleições presidenciais.

O BE tem de se definir. Tem de decidir o que quer ser. Um partido de protesto e de causas fracturantes não clama por um «Governo de Esquerda», e um partido que clame verdadeiramente por um «Governo de Esquerda» não se comporta ao mesmo tempo como um partido de protesto e de causas fracturantes. Não ir falar com a Troika, representando os seus apoiantes, foi um exemplo claro de desresponsabilização política que não é aceitável, na minha opinião, para um partido que se queira de Governo.

A narrativa do BE passou por uma tentativa de ser o BE a «ditar» as regras do jogo político à Esquerda. Ora, o BE não tem a representatividade junto da população portuguesa para fazer isto desta forma, como aliás as eleições demonstraram de forma clara. Clamar por um «Governo de Esquerda» teria sempre passado  por negociar com outros partidos sem ditar as regras do jogo. Esteve o BE verdadeiramente disponível para o fazer, e com isso conseguir o tal «Governo de Esquerda»? Não me pareceu.

O BE vai ter de debater internamente, de forma clara, aquilo que quer ser, se um partido de Governo, se um partido de protesto. E vai ter de agir em conformidade, depois de decidir.

Quanto a Francisco Louçã, não sei quais as condições que considera ter para se manter à frente do partido depois de uma derrota desta envergadura. Como os candidatos e não-candidatos à liderança do PS têm afirmado, isto é também uma questão pessoal e íntima. Mas as vozes discordantes com a acção do partido acabaram de ganhar um argumento de peso para retirar o Coordenador do seu posto. Resta saber se têm força suficiente para o fazer, dado que Francisco Louçã não se demitiu.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Como é que estamos a ser afectados pela recessão?

Hoje escrevo para pedir a participação a todos os leitores do Cousas Liberaes num estudo que estou a levar a cabo sobre o os efeitos psicológicos das recessões económicas.

Deixo o link da notícia do Publico acerca deste estudo, sendo que no final do artigo podem encontra o link para o questionário:

Eleições (Final) - Parte 2

José Sócrates demitiu-se de Secretário-Geral do PS e não vai ser deputado depois do PS ter tido o seu pior resultado em eleições legislativas desde 1987. Assumiu as responsabilidades da derrota e saiu de cena, afirmando que não pretende sequer assumir o lugar de deputado.

O discurso final do nosso ainda Primeiro Ministro foi pleno de emoção, de combatividade e de optimismo, mas não são essas suas palavras de despedida que apagam os erros estratégicos que cometeu. Fez bem em afastar-se, até pelos motivos que apontou. Mas não será esquecido o que aconteceu a partir de 2007, quando o impulso reformista de 2005-6 começou a ser substituído por um impulso eleitoralista, que teve o seu apogeu em 2009. Nem será esquecida a forma como adiou o pedido de ajuda externa, preferindo ir de PEC em PEC.

O novo Secretário Geral do PS, qualquer que ele seja, deve ter memória institucional. Deve lembrar-se que foi um Governo do PS que negociou o Memorando, e que foi também um Governo do PS que o assinou. Qualquer procura de afastamento em relação ao Memorando será um oportunismo que pode custar caro ao país, especialmente relativamente a medidas que poderão necessitar de reformas constitucionais para serem correctamente implementadas. Finalmente temos um programa de reformas estruturais, é bom que o PS recupere agora, mesmo na Oposição, o impulso reformista de 2005-6.

***

António José Seguro, Francisco Assis e António Costa. São estes os nomes que se perfilam na imprensa como potenciais candidatos à liderança. Veremos quem avança efectivamente e o que diz sobre o futuro do PS e do país, numa altura de crise em que o PS terá de ser uma Oposição responsável, e não uma Oposição demagógica.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Eleições (Final) - Parte 1

O Governo de coligação que surgir, com Pedro Passos Coelho como Primeiro Ministro, vai ter uma maioria parlamentar, um Presidente da República da mesma área política e o principal partido da Oposição comprometido com o programa da Troika. Vai ter as condições institucionais para implementar o programa, e vai ter de ter a coragem e a capacidade de liderança necessárias para o fazer.

Mas ter as condições institucionais formais para implementar o programa não significa o mesmo que ter apoio popular alargado. Daí a necessidade de coragem política e capacidade de liderança. O programa a implementar implica uma reestruturação da nossa economia no sentido do crescimento sustentável, assente no investimento privado e em instituições públicas eficientes e eficazes. Vai abalar muitos interesses instalados, mas é crucial que o interesse público prevaleça.

O próximo Governo vai governar em recessão, e rapidamente vai começar a ser culpado, inclusivamente pelo PS, provavelmente, pelas condições económicas gravosas que vamos procurar ultrapassar. As medidas que vai, em princípio, aplicar são reformas estruturais, que têm impacto a longo prazo, e não no imediato. Isso vai ser usado contra o Governo por todos aqueles que defendem que nos devemos continuar a focar no presente, e que desvalorizam o impacto negativo da inflação. O que vai desgastar o Governo.

É urgente que este desgaste não chegue ao ponto de pôr em causa a coligação e causar a queda do próprio Governo. É precisamente para evitar este tipo de instabilidade que a coligação serve, e os parceiros de coligação têm programas suficientemente parecidos para que a coligação seja estável. Não devem começar a tentar destruir-se mutuamente por mera táctica política conjuntural.

É também urgente que este desgaste não cause uma desaceleração ou, até, inversão do impulso reformista do Governo, o que também não pode acontecer por pura e simplesmente se aproximarem as próximas eleições. As reformas estruturais constantes do programa da Troika são demasiado importantes para serem trocadas por tentativas de ganhos eleitorais conjunturais, e as consequências de não fazer as reformas necessárias ou deixá-las a meio é não beneficiarmos do impacto positivo que essas reformas terão ao reestruturar a nossa economia, o que é nefasto para o desenvolvimento económico do país e, portanto, para as pessoas.

E para conseguir implementar estas reformas, o Governo vai ter, de facto, de ser transparente e aberto. Vai ter de comunicar com as pessoas, e explicar claramente quais os problemas que vê, quais as soluções que propõe, e porque é que essas soluções resolvem os problemas. Tem de assumir as propostas que faz, não se deve distanciar delas e dizer tristemente que lhe foram impostas. Apenas sendo aberto, transparente e corajoso o Governo demonstrará o nível de liderança necessário para implementar este pacote de formas.

Em suma, o Governo de coligação não deve cair antes do final do seu mandato, e deve aproveitar as condições institucionais ímpares de que dispõe para finalmente fazer as reformas estruturais de que o país precisa. Não pode ceder a chantagens ou a pressões eleitoralistas ou de curto prazo. Está na altura de fazer reformas estruturais há demasiado tempo adiadas, e este Governo tem condições institucionais formais para as fazer. Resta saber se terá a coragem política e a capacidade de liderança para o fazer.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

O «Realista»

José Pacheco Pereira diz que sabe que há Estado a mais em muitos sectores, e Estado demasiado fraco onde devia ser mais forte. Diz, escreve e afirma tudo isto nos locais mais variados.

O referido historiador e ainda deputado é um grande apoiante de Manuela Ferreira Leite. Esta ficou sobejamente conhecida por desprezar a discussão de propostas concretas, e preferir falar em generalidades, uma forma de fazer política que Pacheco Pereira também parece apoiar.

Diz da actual direcção do PSD que é demasiado tecnocrática, que apresenta um programa demasiado detalhado e inexequível, posição idêntica à que tem relativamente ao programa da Troika. Diz que o Estado não é uma empresa. E já disse também que considerava o programa do CDS-PP mais «realista».

Ora bem, este tipo de atitude é precisamente aquele que nos leva à estagnação. Numa altura de crise, em que vamos ter a oportunidade, implementando nós o programa da Troika, de reestruturar a nossa economia no sentido do desenvolvimento sustentável, precisamos que quem queira a mudança a defenda convictamente. Ficar sentado a falar de especificidades portuguesas ou de quão impossível é mudar não muda nada.

É à custa deste tipo de atitude, de falta de coragem política, de falta de uma verdadeira visão para o país, que acabámos onde acabámos. Não basta fazer o que Manuela Ferreira Leite fez enquanto líder, e que Pacheco Pereira aplaudiu, que foi falar em generalidades e fazer diagnósticos. É preciso, mesmo, por muito que isso custe, explicar o que se pretende fazer para resolver os problemas.

Quando Manuela Ferreira Leite foi Ministra das Finanças, aquilo que fez foi aplicar as célebres «medidas extraordinárias» de contenção do défice, quando o que se pedia eram reformas estruturais, independentemente de na altura a situação não ter escalado ao ponto em que estamos hoje (aliás precisamente para a evitar). É em medidas extraordinárias e avulsas deste género que redunda aquilo que Pacheco Pereira defende. E não é disso que precisamos, muito menos em tempo de crise, se quisermos mudar alguma coisa em Portugal.

O programa da Troika deve ser implementado, e deve haver um Governo de maioria que tenha a capacidade de o fazer. Esse Governo deve ser capaz de defender perante o Parlamento e os cidadãos aquilo que está a fazer, e não simplesmente pedir desculpa ou afastar-se das medidas que vai aplicando. Deve ser claro e transparente na forma de actuação. E deve aplicar as propostas concretas que foram feitas, e não viver de generalidades ditas «realistas».