terça-feira, 31 de janeiro de 2012

BANCO DE PORTUGAL VS JORNAL I

Nos últimos dias têm saído uma série de notícias no Jornal I, sobre o Banco de Portugal (BdP).
A última é esta e titula que o Banco de Portugal é dono de um picadeiro em Caneças.
Sobre se é sensacionalismo ou não, daqui a uns dias veremos.

Curiosamente temos aqui duas liberdades em choque, a saber a de Informação e a Independência do Regulador.
Pior, a ser verdade, é um desgaste da instituição escusado, visto que naturalmente depois da tomada de posição relativa à questão dos subsídios de Natal e de Férias, o BdP estaria sob um maior escrutínio público.

Pior, as situações do BPP e do BPN, fizeram erodir a confiança de muitas das pessoas no seu Banco Central e agora um Jornal em dificuldades está a fazer o seu papel de tentar vender papel.

Situação que poderia ser facilmente esvaziada com comunicação.



segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Eu não sou Anonymous

Eu não sou anónimo. Não admito submergir-me na multidão e perder a minha identidade e a minha individualidade. Não quero esconder-me atrás de uma máscara. Quero dar a cara pelas minhas ideias a participar no debate público democrático, exercendo os meus direitos e aceitando as minhas responsabilidades. Quero que respeitem a minha privacidade e respeito o Estado de Direito que ma garante.

Defendo que a liberdade e a democracia não são incompatíveis e que não é pondo em causa o Estado de Direito que a Democracia ou a Liberdade são defendidos. Conheço os meios que se encontram disponíveis para que eu possa intervir no debate público e estou mais que disposto a juntar-me a outros que defendam as minhas causas - e até a ajudar quem não as defenda mas pretenda defender as suas causas de forma legítima.

Eu li o «V for Vendetta» e vi o filme (prefiro a banda desenhada original, escrita por Alan Moore). Sei o contexto em que foi escrito e vi uma entrevista com o autor a explicar o seu pensamento. Não me revejo nos métodos de V e não vejo que a nossa sociedade actual seja sequer uma aproximação da sociedade em que V vivia. Por muito imperfeita que seja a nossa democracia, ela existe, e deve ser reformada, não dinamitada.

Eu conheço a história de Guy Fawkes e não me revejo em alguém cujo objectivo era fazer explodir as «Houses of Parliament». Não acredito também em teorias da conspiração, que simplificam um mundo extremamente complexo e procuram bodes expiatórios, em vez de debaterem as questões e procuraram soluções para os problemas com os quais nos defrontamos.

Eu não sou Anonymous. Sou liberal e democrata. Falo por mim e defendo a liberdade de todos de falarem por si próprios. Considero que todas as pessoas são seres dotados de identidade própria e de uma individualidade própria irrepetível que não é apagada pelo uso de máscaras. E recuso-me, absolutamente, a esconder-me atrás de uma máscara e a submergir na multidão.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Confiança

A confiança é o motor de uma economia de mercado, de um Estado de Direito e de uma democracia saudável. A confiança é necessária para que existem trocas, para que as leis sejam respeitadas e para que o debate público seja frutuoso (ou tenha sequer lugar).

A falta de confiança tem, naturalmente, o efeito oposto. Gera medo. Gera o afastamento das pessoas. Enquanto a confiança gera uma comunidade mais coesa, mesmo que plural, o medo gera conflitos, que por sua vez geram mais medo. O frutuoso intercâmbio que nasce da confiança definha.

Tendo medo, procura-se algo que lhe ponha cobro. Um protector, alguém que prometa acabar com toda a incerteza. Alguém que explique as coisas de forma simples e apresente soluções aparentemente de senso comum para problemas que outros tratam de forma incompreensível (ver também aqui).

A erosão da confiança e o triunfo do medo são causa de estagnação, de declínio, de isolamento e terreno fértil para o surgimento de movimentos anti-democráticos autoritários. O medo torna a individualidade, assente na liberdade, algo de aparentemente trivial, e de fácil sacrifício em nome da segurança aparentemente conferida por um colectivo mais homogéneo.

Restaurar a confiança das pessoas é fundamental para garantir que todas as liberdades que conquistámos, que todas as garantias que conquistámos, sejam mantidas. É importante para que a economia funcione, mas também para que a democracia funcione. Porque a confiança é a base de uma comunidade livre.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Rawls está a dar voltas na Sepultura!

Um tal de John Rawls, dizia que sem Justiça, não existem condições para a Democracia.

Vendo esta noticia sobre a novela jurídica que envolve Isaltino Morais,
 perpassa-me o sentimento que existe cada vez mais Direito e menos Justiça.
Se eu tivesse a possibilidade de aplicar um estudo de opinião a esta situação, duvido que a confiança das pessoas nas várias instituições saisse reforçada.

Seja qual for o resultado que acabe depressa!



O Presidente não se deve demitir

O Presidente da República não se deve demitir por causa das declarações que fez relativas às suas pensões não chegarem para cobrir as suas despesas. A petição «online» que pede a demissão do Presidente da República nestes termos, e assinada por mais de duas dezenas de milhares de pessoas, confunde o acessório (declarações infelizes e posteriormente empoladas do Presidente a um jornalista) com o essencial (o actual período de crise).

Defender um maior grau de intervenção cívica e que a democracia não se resume a participar (ou não) em eleições de quatro em quatro anos não significa apoiar todas as petições «online» que surjam ou todas as manifestações que tenham lugar. Defenderei sempre o direito de fazer tais petições ou de organizar e participar em tais manifestações, mas isso não signifique que as tenha de apoiar e não as possa criticar.

Em democracia, estando a liberdade de expressão garantida, ninguém está acima de crítica. Isto inclui o Presidente da República, naturalmente, mas também todos os outros cidadãos. Participar no debate público significa que se vai ser criticado por quem não concorde com a posição que se toma. Ninguém está isento desta crítica e ninguém tem posições mais «puras» que as de outras pessoas.

Por muito que critique o Presidente, penso também que não se deve demitir simplesmente por ter tido declarações infelizes a um jornalista. Isso seria banalizar por completo a posição que ocupa e empolar fortemente uma situação que pura e simplesmente não o merece (e que já foi empolada pela comunicação social), cedendo à histeria colectiva e, portanto, dando-lhe força.

Um Presidente da República não se deve demitir por uma frase lhe ter saído mal quando falava com um jornalista. A demissão do Presidente não é algo de trivial e não pode surgir por algo como aquelas declarações. Seria colocar em causa o regular funcionamento das instituições democráticas por força do empolamento mediático de algo que, mesmo com a crise, não é tão importante como qualquer um de centenas de debates que temos de ter sobre a crise e como sair dela.

Há motivos que podem bem levar a que um Presidente se deva demitir. Mas o motivo invocado pela petição «online» pura e simplesmente não faz sentido.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Multidisciplinaridade

Já fui confrontado com a noção de que o Direito e a Economia se opõem. Isto porque o Direito tem «valores» contraditórios aos «valores» da Economia. Este tipo de visão está ligado às célebres críticas do «economicismo», tendencialmente apresentadas por pessoas que, quando se lhes pergunta o que é a Economia, ou não sabem responder, ou dão uma resposta errada, assente em preconceitos.

Um resultado prático deste tipo de visão é haver demasiados juristas a não perceber Economia e demasiados economistas a não perceber Direito. Isto significa que não se aproveitam sinergias que poderiam existir entre as duas disciplinas. E uma consequência de não se aproveitarem essas sinergias é a capacidade que existe em bloquear reformas de fundo ao sistema judicial com argumentos anti-económicos falaciosos.

É absurdo defender que a Economia tem «valores» diferentes do Direito. Pelo simples motivo de que a Economia não é uma disciplina normativa e não tem, nem defende, «valores». Da mesma forma que o Direito não se opõe à Sociologia ou à Política. São saberes complementares. É preciso que se estabeleça um diálogo entre todos esses ramos do Saber para que se possa potenciar tudo aquilo que eles têm para nos oferecer.

A separação de saberes que existe hoje ainda em demasia em Portugal, em particular nas áreas acima mencionadas, é uma falha importante do nosso sistema de ensino superior que urge alterar. Mesmo existindo especialização, é importante que se perceba que há mais no mundo para além da área de especialização. Sob pena de, verdadeiramente, não se perceber nada de útil.

domingo, 22 de janeiro de 2012

A Tradição pela Tradição

Há quem goste de invocar o facto de algo ser uma «tradição» como argumento. Nunca considerei este tipo de argumentação muito persuasivo. Principalmente quando acompanhado, como sistematicamente acontece, com uma noção estereotipada do «povo», com base numa série de preconceitos sobre a «nação portuguesa».

Este tipo de argumentação tende a apoiar políticas de homogeneização e de manutenção do «status quo», ou a tentar legitimar que se deve subsidiar qualquer coisa. É o tipo de argumentação utilizado por quem não quer mudar nada, por quem considera que não devemos olhar para fora da nossa matriz tradicional quando queremos actuar.

Ou seja, se quisermos mudar alguma coisa em Portugal, devemos ignorar os países com os quais não temos afinidades (que curiosamente podem até variar ligeiramente consoante a pessoa com quem se fala) e devemos focar-nos nas nossas tradições. Isto é a melhor forma de nunca se mudar nada, de ficar tudo na mesma, e é a marca de uma cultura fechada sobre si mesma e, portanto, a tender para a estagnação.

Temos de substituir argumentações com base na tradição pela tradição, que vêem da esquerda à direita, por uma cultura aberta a influências externas, por uma cultura em permanente diálogo com outras culturas e, principalmente, por uma cultura definida de baixo para cima, e não de cima para baixo. A cultura vive-se no dia a dia, não é definida pelo Estado ou por académicos. Encontra-se, portanto, em constante evolução.

Enquanto ignorarmos potenciais soluções para os nossos problemas por elas virem de fora da nossa matriz, tenderemos a manter esses mesmos problemas, senão mesmo a agravá-los. A mudança passa por sairmos das nossas tradições e estarmos abertos a coisas novas.

Essas coisas novas vão ser perfeitas? Não. Nada é perfeito. Tudo tem custos e benefícios. Mas ignorar potenciais soluções por não serem portuguesas o suficiente é querer condenar o país à estagnação.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Debate Funcional

Até certo ponto, todos nós lemos num texto aquilo que esperamos que lá esteja, porque é difícil que nos separemos dos nossos preconceitos em relação ao tema ou a quem escreva o texto. Mas nem todos nós, ao ler um texto, assumimos má fé, ou ignoramos o teor do mesmo para o substituirmos pelos nossos próprios preconceitos. (Quem fala de textos fala também de mensagens orais ou qualquer outro tipo de comunicação.)

Assumir má fé da outra parte diz muito acerca de quem assume essa má, muito mais do que diz sobre quem escreveu o texto que está a ser interpretado. A incapacidade de alguém se abstrair o mais possível dos seus preconceitos e com isso ignorar o teor literal do texto que é lido também diz muito sobre a abertura de espírito (neste caso, sobre o espírito fechado) de quem tem essa incapacidade.

Para um debate funcionar, não é possível assumir sistematicamente má fé e segundas intenções naquilo que a outra parte do debate diz ou escreve. Porque aí, por definição, vai-se argumentar contra a mensagem que se considera seria a primeira intenção, oculta, da outra parte, e não contra aquilo que foi efectivamente dito. 

Por outro lado, a incapacidade de nos abstrairmos de preconceitos de tal forma que acabamos a substituir os nossos preconceitos pelo teor literal daquilo que foi dito significa que acabamos com uma conversa entre preconceitos. E nessa conversa entre preconceitos vão abundar as falácias lógicas e as descaracterizações da posição contrária. 

Para que um debate funcione e seja produtivo, é preciso haver confiança entre os participantes do debate do debate. É também necessário que todas as partes ouçam e leiam e tentem perceber o que é dito, tentando não substituir o seu entendimento «a priori» por aquilo que está efectivamente a ser dito. Finalmente, há que saber assumir quando se cometeu um erro, fazer compromissos, ou pelo menos saber concordar em discordar.

O funcionamento saudável de uma democracia pluralista depende da existência de debates funcionais entre diversos pontos de vista. Essa existência, por sua vez, pressupõe uma aceitação da legitimidade da existência desses mesmos pontos de vista e também da legitimidade de que, em dados momentos, esses pontos de vista tenham capacidade de concretização superior aos pontos de vista que se defende. 

Uma democracia pluralista em que diabolização da parte contrária (dizendo que ela é ilegítima) é a norma é uma democracia doente, porque um dos seus pressupostos basilares está a ser posto em causa: o próprio pluralismo. E uma democracia a que falte pluralismo não é uma democracia em que eu queira viver.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Brincar aos Tribunais Constitucionais

O Orçamento do Estado para 2012 vai mesmo para o Tribunal Constitucional. De forma incoerente com a sua abstenção, um conjunto de deputados do PS decidiram coligar-se com o Bloco de Esquerda (e parece que o PCP poderá «entrar» no futuro), desafiar a liderança de António José Seguro (que neste momento, curiosamente, acha que devemos ligar ao que dizem as agências de notação financeira) e preparar o envio do Orçamento para o referido Tribunal.

Já aqui deixei bem clara a minha opinião sobre este tema. Essa opinião mantém-se. O envio do Orçamento para o Tribunal Constitucional é um erro. Fazer jogos políticos com o Orçamento desta forma é uma irresponsabilidade apenas possível para quem ainda não percebeu um ponto importante no meio de toda esta confusão: não temos dinheiro. E não tendo dinheiro, é preciso fazer cortes.

Sendo preciso fazer cortes, os cortes vão ter de incidir onde os gastos são maiores, dado que não basta cortar onde são menores para as contas de tornarem sustentáveis. E gasta-se muito dinheiro com pessoal na Função Pública. Sendo extremamente complicado despedir funcionários públicos (sendo que seria necessário pagar uma indemnização em caso de despedimento, o que seria uma despesa extra no curto prazo, numa altura em que temos metas de défice apertadas), não tendo quaisquer reformas estruturais resultados imediatos (a serem feitas), resta cortar nos salários dos funcionários públicos.

Esse corte não é um imposto especial sobre funcionários públicos - é um corte salarial que o Governo diz ser temporário.  E não é iníquo, dado que o sector privado já tem sentido a crise, incluindo despedimentos, insolvências e cortes de salários (mesmo que encapotados de alguma forma). Sendo que estamos no meio de uma crise financeira em que o Estado está a tentar pôr as contas públicas na ordem e reestruturar-se (esperemos, pelo menos), pelo que não se pode pura e simplesmente invocar o ubíquo princípio do não retrocesso social.

Falo sobre o tema dos cortes dos salários porque imagino que seja um dos temas preponderantes sobre os quais o Tribunal Constitucional vai ter de decidir, imagino que não declarando a medida inconstitucional. Caso declare esta medida inconstitucional, então vamos conseguir tornar o nosso problema ainda pior, e os despedimentos na Função Pública serão uma inevitabilidade ainda maior do que já são.

A parte irónica de todo este debate é que os cortes incidem sistematicamente sobre os que mais ganham na Função Pública, mas nunca tocam nos que ganham menos. Ora, é precisamente nos salários mais baixos que se encontra o maior prémio por se trabalhar na Função Pública e não no sector privado. Ou seja, os cortes de salários que andam a ser feitos são, de facto, bastante cegos, e demonstram como o Estado tem uma incapacidade imensa para se gerir de forma eficiente e, com isso, criar condições para atrair os melhores (mudando, evidentemente, os critérios de selecção de altos cargos para concursos públicos).

Mas o facto do Estado não ter capacidade de se gerir de forma eficiente, e portanto do nosso dinheiro, pago através de impostos, ser dificilmente gerido de forma eficiente, não é grande tema de debate. Basta aliás ver o que acontece com o debate sobre a situação financeira terrível no Sistema Nacional de Saúde: alguém que diga que os orçamentos na Saúde também são para cumprir, sob pena do sistema se tornar insustentável, é de imediato insultado (e quem quer que se atreva a propor modelos diferentes de provisão de cuidados de saúde é também de imediato acusado de ser fascista).

Em Portugal, vários dos nossos deputados pensam que brincar aos Tribunais Constitucionais, ou a leis risíveis sobre taxas são uma boa maneira de passar o tempo.

No fim, claro, quem paga somos nós.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Projecto de Lei nº 118/XII

Num regime como o nosso, o Governo depende de uma maioria parlamentar que o sustente. Quem não se encontre nessa maioria parlamentar, está na Oposição. Embora todos os deputados, quer estejam na maioria, quer na Oposição, mantenham a obrigação de escrutinar o Governo, não é expectável que os deputados da maioria apresentem alternativas às políticas governamentais - afinal, fazendo parte da maioria, tenderão a apoiá-las. Pelo que, da maioria parlamentar, tenderá a esperar-se, numa situação normal, algumas alterações pontuais àquilo que o Governo propõe.

Da Oposição, no entanto, exige-se uma alternativa de Governo. Isto significa um programa próprio, autónomo, coerente, um conjunto de propostas para o país diferente das da maioria parlamentar. Ora, esse programa próprio e autónomo vai bem mais além de meras críticas de circunstância e de intervenções conjunturais (positivas ou negativas) sobre o que faz a maioria e o que faz o Governo.

Por muito que o Governo e a maioria tenham maior capacidade para marcar o debate mediático, a Oposição não pode ser meramente reactiva e não pode simplesmente ir a reboque de «casos» mediáticos para fazer propostas avulsas. Tem de ter uma actuação estruturada e clara no sentido de promover as suas medidas, que têm de ser mais do que chavões sem substância. Isto é particularmente importante numa altura de crise, numa altura em que o debate público sobre quais as medidas a tomar para sair dessa crise se torna particularmente importante.

O PS, enquanto principal partido da Oposição, tem feito essencialmente o oposto do que devia fazer. Não se encontra no PS nada de substantivo, nada que vá além das frases feitas. E para compor o ramalhete, vem da bancada do PS um projecto de lei absurdo - o Projecto de Lei nº 118/XII - que serve para aumentar os preços de todo o tipo de produtos que permitam fazer cópias e armazenar informação, a toda a gente que os compre em Portugal, por causa da «cópia privada». Ou seja, toda a gente no país terá de pagar taxas sobre estes produtos porque pode querer fazer cópias privadas de material protegido por direitos de autor (ou não).

Este Projecto de Lei, que já mereceu elogios de todas as outras bancadas parlamentares (interessante ver PSD, PS, CDS-PP, BE e PCP juntos a querer impor mais uma taxa aqui em Portugal), para mais não serve do que para incentivar que as pessoas que possam comprem estes produtos pela Internet ou num local qualquer mais barato e as pessoas que não possam passem simplesmente a comprar menos estes produtos. Além, claro, de servir para aumentar exponencialmente o preço de alguns destes produtos daqui a uns anos.

Esperemos que suficientes almas caridosas para isso eleitas decidam ter piedade de nós e votar contra este Projecto-Lei. Com todos as bancadas parlamentares unidas no sentido de nos taxar alegremente, no entanto, tenho poucas esperanças que isto aconteça.

(Ler mais aqui, em particular este artigo.)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Deputado Come Criancinhas (II)

O poder da comunicação social para moldar o debate público, por exemplo definindo os seus contornos, está ligado ao nível de confiança que o grande público deposite naquilo que lhe é transmitido. Ao mesmo tempo, está também relacionado com o facto de existir especialização: o cidadão médio não tem tempo para investigar toda a informação mediática que consome. (Aliás, daí a existência de meios de comunicação social especializados.)

Claro que a confiança do público na comunicação social é afectada pela sua predisposição à aceitar a mensagem que está a ser transmitida. Dito de outra forma: é bem mais fácil confiar em alguma coisa com a qual se concorda à partida ou para a qual se tem alguma predisposição em acreditar. E mais: gostando do que lêem, as pessoas tenderão a utilizar esse meio de comunicação social, qualquer que ele seja.

Daí que uma boa forma de atrair público seja repetir sabedoria convencional, dado ser informação com a qual as pessoas estão perfeitamente confortáveis. E o poder da comunicação social em disseminar sabedoria convencional é tanto maior quanto maior seja o nível de especialização e menor seja o nível de escrutínio à sua actividade. Daí também, aliás, a importância da disseminação de outros meios de acesso a informação (como os blogues, por exemplo) que se dedicam a criticar os meios de comunicação social tradicionais e da auto-crítica constante em todos os meios de comunicação social.

Uma democracia saudável precisa de meios de comunicação social que sejam capazes de informar e de questionar tudo e todos, dentro dos limites do Estado de Direito. Precisamos ainda de meios de comunicação social que sejam capazes de fazer as perguntas difíceis a qualquer lado do debate. Finalmente, precisamos de meios de comunicação social auto-críticos e que sejam mais do que repositórios e transmissores de sabedoria convencional.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Deputado Come Criancinhas (I)

Por diversas vezes já se abordou aqui no blogue a importância do debate público em democracia e a importância da comunicação social nesse debate, bem como as falhas desta última (ver, por exemplo, aqui, aqui, aqui, aqui ou aqui).

O tema é particularmente importante num momento de crise como este, em que é fundamental que a informação passe de forma correcta para a população, quer seja positiva, quer seja negativa. Isto implica particular cuidado para garantir a correcção técnica dos textos jornalísticos, mas também, e particularmente, a correcção dos títulos.

Num dia atarefado, muita gente terá apenas tempo ou paciência para passar os olhos rapidamente pelas notícias, lendo algumas que atraiam a atenção particularmente, mas ficando-se pelos títulos relativamente às outras. Títulos bombásticos e enganadores, que até podem estar em contradição com o texto, levam a equívocos. Principalmente se o título for uma citação truncada de um certo indivíduo que leva a que a citação perca o seu contexto.

O que também leva a equívocos é a insistência em simplificar tudo de tal forma que se altera o sentido do que foi dito ou se, no processo, se perde informação para a compreensão do que está em causa. Porque depois, como é evidente, o que vai ser debatido vai ser o conteúdo da notícia, ou até do seu título, e não aquilo que foi dito. O que tanto pode aproveitar a quem fez ou ao seu opositor.

Os jornalistas têm um poder imenso no que toca a moldar a opinião pública, balizando os debates públicos que vamos tendo em democracia. Têm uma capacidade bastante grande de delimitar o «campo de batalha» no qual os argumentos vão ser esgrimidos e, até, para decidir como esses argumentos vão ser apresentados ao público em geral. E a esses poderes vem associada, como não podia deixar de ser, uma imensa responsabilidade.

É fundamental que os nossos meios de comunicação social se lembrem dessa responsabilidade quando preparam os seus conteúdos. Porque o bom funcionamento da democracia depende, também, disso mesmo.

domingo, 8 de janeiro de 2012

O Orçamento e a Constituição

O nosso Presidente da República, depois de lançar farpas contra os cortes dos subsídios de férias e Natal dos funcionários públicos, equiparando-os a um imposto, promulgou, naturalmente, o Orçamento do Estado para 2012. No processo, não pediu a a fiscalização da constitucionalidade do mesmo por parte do Tribunal Constitucional. Como, aliás, era expectável.

Há, no entanto, quem pense que o Tribunal Constitucional pode servir para impedir os cortes de salários que o Governo quer levar a cabo (bem como outras medidas com as quais não concordem). Nesse grupo incluem-se deputados do maior partido da oposição (o que só demonstra a fraqueza da liderança actual do partido, cuja posição está a ser essencialmente ignorada, pelo menos junto do grupo parlamentar).

O Tribunal Constitucional, a receber o Orçamento do Estado para 2012 para efeitos de fiscalização sucessiva da constitucionalidade, vai criar bastante alarido. Vai existir uma enorme dose de incerteza naqueles que não vejam que as probabilidades do Tribunal Constitucional mandar abaixo o Orçamento (ou, mais concretamente, normas específicas do Orçamento) com base em inconstitucionalidade são bastante reduzidas.

As razões para que essas probabilidades sejam reduzidas são as mesmas que levaram o Presidente da República a promulgar o Orçamento rapidamente: o que aconteceria a seguir. Não entrando na constitucionalidade ou não das normas em causa, neste momento o país teria tudo a perder em criar incerteza em relação ao seu Orçamento do Estado. E esse estado de necessidade do país tem sido sistematicamente tomado em conta pelo Tribunal Constitucional em situações parecidas.

Portanto, remeter o Orçamento para fiscalização sucessiva da constitucionalidade pode ser uma manobra política para enfraquecer a liderança do PS, ou para que qualquer outro grupo que a queira promover apareça na televisão. Gerará momentos de incerteza e terá acompanhamento mediático bombástico. E no final, da mesma forma que Cavaco Silva promulgou, o Tribunal Constitucional afirmará que as normas não são inconstitucionais.

Poderíamos, portanto, perder menos tempo a enviar o Orçamento para o Tribunal Constitucional, e mais tempo a debater reformas estruturais ao sistema judicial ou ao sistema educativo, por exemplo. Ou até mesmo à reforma do poder local, ou do sistema eleitoral. Porque são essas reformas que são a chave do nosso desenvolvimento futuro. Não recursos ao Tribunal Constitucional que não vão dar em nada.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Éric Toussaint, Francisco Louçã e Democracia

Éric Toussaint pensa que as dívidas só devem ser pagas se passarem um texto a que ele chama «moral» mas que eu chamo «político»: se ele concordar com a razão de ser da dívida, então a dívida deve ser paga; caso contrário, a dívida é «imoral» e não deve ser paga.

O que este indivíduo acabou de afirmar é que ele (e aqueles que concordem com ele) é o árbitro da Moral global. A consequência política deste tipo de pensamento, que procura retirar legitimidade moral às políticas com as quais não se concorda politicamente, nada tem de democrático e tudo tem de desrespeitador de um princípio basilar do Direito Internacional: pacta sunt servanda (os acordos são para cumprir).

Éric Toussaint e outros, como Francisco Louçã, consideram que a democracia não envolve mais do que, no limite, uma escolha de quem vai para o Parlamento, que na prática serve para aprovar mais dívida, enquanto ao mesmo tempo se imprime mais dinheiro, para financiar o único modelo de Estado (Social ou não) admissível: o que eles defendem.

A inflação, claro, é essencialmente irrelevante. Os empregos não são meios para atingir um fim, mas um fim em si mesmos. Os «mercados» são transformados numa instituição (?) quase mística que paira sobre todos nós, presumivelmente cheios de pessoas ricas e mais nada, e que importa combater. 

A única coisa que falta ao Estado para ser perfeito é que pessoas como Éric Toussaint e Francisco Louçã lá estejam. A partir desse momento, dotados que são do dom da profecia e sabedoria infinitas, esses grandes seres humanos guiar-nos-ão para o progresso eterno, através de políticas de subsidiação ao tecido empresarial e às artes e de taxação dos «ricos» e dos «luxos», conforme definidos pelos ditames de toussanistas-louçanistas.

Quem defender outra coisa e quiser, de alguma forma, implementar o seu programa, não tem, claro, legitimidade para tal. A democracia toussanista-louçanista consiste na escolha de gente para escolher quem vai gerir o Estado, na acepção de Estado Social dos anos 50, e nada mais. Quem concorra a eleições com um programa que se desvie disto é um perigoso fascista, reaccionário, ultraliberal, tecnocrata que só vê números à frente, mais um chorrilho de chavões sem conteúdo que me demito de listar aqui.

É evidente que o toussanismo-louçanismo convive mal com regimes nos quais o pluralismo ideológico e a consequente diversidade programática são uma realidade. Convive ainda pior com regimes em que o eleitorado tem a temeridade de dar maiorias a programas com os quais o toussanismo-louçanismo esteja em contradição. 

Nós acumulámos dívida que gastámos em projectos públicos e mais projectos públicos e, por muito que eu, pessoalmente, não concorde com a forma como gastámos parte do dinheiro, não vou, por esse motivo, dizer que devemos deixar de pagar a dívida correspondente. A dívida foi acumulada por Governos que dispunham de maiorias parlamentares. Fora fraudes e outros casos de polícia, ela deve ser paga.

Restaurar a confiança em Portugal passa por estes dois princípios serem afirmados e cumpridos: pacta sunt servanda e o princípio do Estado de Direito. Passa também pela reforma do nosso sistema político, tornando-o mais aberto. Mas não passa pelo desrespeito pelos resultados das eleições anteriores, pelo desrespeito pelo pluralismo ideológico ou pela noção de que os Estados não devem assumir as suas responsabilidades.

A defesa da democracia não se faz quer transformando-a num mero exercício de escolha da gestão de topo de burocracias rígidas e imutáveis. A democracia saudável é aquela em que o pluralismo ideológico é encarado como virtuoso, a cultura de debate público e de compromisso são ambas fortes. Isto vai muito além de eleições de quatro em quatro anos, e exige uma cidadania e uma sociedade civil organizada activas e empenhadas (em mais do que em o Estado dar mais um subsídio, pelo menos).

Uma auditoria à dívida pública cujo objectivo é, «a priori», encontrar formas de não a pagar, não é uma auditoria credível, particularmente se as razões apresentadas forem políticas (sob a capa da moral). Uma auditoria credível passaria a pente fino a dívida pública para a quantificar e garantir que esta foi contraída de acordo com a lei, mas sem se estabelecer «a priori» o objectivo de encontrar formas de não a pagar.

Já há iniciativas no sentido de conferir mais transparência às finanças públicas portuguesas, como a Budget Watch. Essas iniciativas, que procuram promover um debate público informado, devem ser louvadas. Iniciativas no sentido de transformar as ideologias de uns na moral pública de todos, no entanto, para pouco mais servem do que para entreter quem as propõe.