sábado, 31 de março de 2012

Perdidos em nós próprios

A vida não tem banda sonora inerente. Não é um filme mudo, mas não tem música de fundo por definição. Mas nós podemos dar-lhe uma banda sonora.

 

Esta música, do excelente filme «A Single Man», parece por vezes uma música apropriada à velocidade e às emoções de algumas cenas destes tempos de crise.

Este tempos de crise que nos tiram o sono, que nos deixam inquietos, que nos retiram as certezas e as substituem por dúvidas, muitas dúvidas.

Claro que o futuro nunca se prevê, apenas se adivinha. Os cisnes brancos que encontramos fazem-nos esquecer que um cisne negro poderá estar mesmo ao virar da esquina.

A ansiedade, a depressão e o medo procuram apoderar-se de nós, tomar conta de nós. Podemos não nos perder na multidão mas sim em nós próprios. Em posição fetal, agarramos os nossos joelhos e tentamos bloquear o mundo que nos rodeia.

Mas o mundo que nos rodeia não se deixa bloquear. Arremessa-se contra nós como uma onda de tempestade, arrastando-nos. E entrar em pânico nesse momento é passo seguro para o afogamento.

Não nos podemos deixar vencer pelo medo, pela depressão, pela ansiedade. Fazê-lo é sucumbir à crise. Fazê-lo é perder o controlo sobre nós próprios. É perder a nossa liberdade.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Perdido na multidão

A multidão engole indivíduos. Devora-os inteiros e abole a sua individualidade, normalizando-as. Transforma-os em entes anónimos, que perdem o seu sentido de responsabilidade própria.

O anonimato da multidão vai para além da privacidade. Abole a individualidade. Leva-nos a perder o controlo, porque nos sentimos seguros no nosso anonimato. Protegidos pela multidão. E isso é perigoso. 

É perigoso deixarmo-nos controlar pela multidão. É perigoso porque nos leva a sentir que não nos temos de responsabilizar pelas nossas decisões. Que podemos simplesmente seguir o que vemos ao nosso lado.

Isso leva-nos a fazer tudo, tudo, mesmo tudo, incluindo coisas de que nos poderemos bem arrepender. Coisas que não faríamos se nos sentíssemos responsáveis. Decisões que não tomaríamos, regras que não quebraríamos...

Será um sentimento de libertação poderoso? Talvez. Mas eu penso que seja um sentimento enganador. Porque por muito livres que nos sintamos, na verdade estamos abdicar do controlo que temos sobre nós mesmos e a entregá-los a outros, a uma multidão amorfa que nos rodeia.

O indivíduo perde-se na multidão. É uma das formas de ser pura e simplesmente abolido. Por muito livre que se sinta.

terça-feira, 27 de março de 2012

Convite


André Freire sabe mesmo do tema. E eu lá estarei também, para falar especificamente do STV

Quem tiver interesse, pois é muito bem vindo!

segunda-feira, 26 de março de 2012

Zélia Afonso

A viúva de Zeca Afonso indignou-se com o uso pelo PSD de versos do autor, visto que este estaria, caso estivesse vivo, contra as políticas do governo. Sim sem dúvida que estaria contra estas políticas, mas estaria contra o uso das suas músicas e textos? Porventura as suas produções só podem inspirar aqueles com quem ele concordaria?

Inúteis eram as vozes e as palavras
O cativeiro represo dos sentidos
Abre-se uma comporta e nada altera
A matéria dura de que é feita a vida
Ferros, pedaços, brancura nunca vista
E um rio que não para nem descansa
Que perfeita modorra não se esconde
Nesta vasa indecisa e aos ouvidos 
Chegam silvos constantes, gargalhadas
E tudo doí como se fora treva
Como se fora vinho nesta névoa

(escrito na prisão de caxias)

José Afonso, "Inúteis eram as vozes e as palavras", Textos e Canções. Lisboa, Assírio e Alvim, 1983, p.317.

Leio e oiço Zeca desde puto. Sou liberal. Jamais alguém me disse que teria de construir uma equivalência naquilo que acredito e aquilo que aprecio. E ninguém me impede de encontrar inspiração onde quer que queira. Nasci muito depois do 25 de Abril e da morte de Zeca. Mas ambos fazem parte da mitologia da nossa democracia, na qual assenta a minha consciência cívica.

Mas eu já nasci em liberdade.

Censura e Vigilância


No rescaldo do recente massacre em França, o governo daquela república pondera neste momento uma lei que visa criminalizar o acesso na Internet a conteúdos associados a grupos terroristas ou de promoção do ódio. Esta é naturalmente a melhor altura para a legislatura aprovar medidas de vigilância e censura já que qualquer oposição a tais medidas poderá convenientemente ser rotulada como apoiante do terrorismo. Claro que o terrorismo não é eliminado com estas medidas, apenas se reduzem as liberdades dos cidadãos para além de neste caso ainda se promoverem crimes de opinião e pensamento. Nada disto é uma surpresa num país que para além de leis que criminalizam a negação do holocausto (e admita-se não é de longe o único na Europa) foram propostas leis semelhantes relativas ao genocídio dos arménios por parte do Império Otomano nos finais da guerra de 14-18, um evento cujo o reconhecimento foi ao mesmo tempo várias vezes alvo de acção penal na Turquia sob a bandeira do Artigo 301 da constituição turca. Poderá ter sido uma tentativa de Sarkozy de apelar ao voto arménio em França, de qualquer modo a proposta não passou.
Desta vez o governo propõe uma lei que só será possível aplicar com significativos recursos orientados para a vigilância e um quadro de funcionários que avalie e que liste os conteúdos considerados ofensivos. Obviamente que já se vêem aqui as enormes potencialidades para o abuso e o erro. Quem sabe se não veremos no futuro jornalistas em tribunal por terem acedido a tais conteúdos por motivos de pesquisa de um qualquer artigo. Para não falar do marasmo burocrático envolvido em avaliar todos os acessos e a sua origem. Note-se que um endereço IP nunca deve ser suficiente para constituir prova de seja o que for, já que pode haver um número significativo de computadores por trás de um endereço e um ainda maior número de utilizadores diferentes. E se por acaso alguém for de facto condenado estará a ser condenado porquê em concreto? O estado francês está mesmo disposto a encarcerar os seus cidadãos por simplesmente abrirem uma página na Internet, de suportar o custo de ter aprisionadas pessoas por crimes sem vítima? Aparentemente estão dispostos a tentar. Se não o fizerem terão passado mais uma lei sem efeito mas que declara um principio muito perigoso, quem pensar desta ou daquela forma (definida pelo estado) está em infracção. Não se trata de querer dar apoio ou dar razão a quem nega o holocausto, frequenta páginas da Al-Qaeda ou mantém um blogue anti-Islão mas de reconhecer que a única coisa que uma lei destas diz é que os nossos argumentos contra estas ideias ou são fracos ou não estamos dispostos a usá-los e por isso vamos recorrer à repressão do estado. No final de contas o problema ficará por resolver e as ideias pária não terão perdido a menor força por mais proibidas que sejam.
Ver aqui.

As PPP, o Interesse Público e o Contribuinte.

Nas últimas horas têm saído noticias sobre a renegociação dos contratos das PPP´s (Parcerias Público Privadas) nas agora ex-SCUT, (Sem Custos para o Utilizador). Esperei até à última até comentar mas se saiu no blogue das PPP, (que é um sitio que apesar de estar lá na outra Costa do Atlântico Sul falante do Português) sabe do que fala.
Augusto Sabóia na àrea aqui

A ser verdade, esta noticia, levanta a questão de como(não) se defende o interesse público em Portugal, sem planeamento estratégico de longo-prazo.No final da ânsia de alijar carga orçamental já, é o contribuinte, seja eu ou o meu bisneto a levar com a conta.

domingo, 25 de março de 2012

Ainda a Greve Geral



As imagens não carecem de grandes comentários. Li que tinha havido distúrbios e fui investigar. Entretanto encontrei imagens dos ditos.

Este tipo de comportamento é inqualificável, ilegítimo e não é justificável.

sábado, 24 de março de 2012

Embebedam-nos de Propaganda!

Tive a sorte de ter grandes Professores! O Professor José Adelino Maltez foi um deles.

O seu texto, aqui no Forte Apache sobre Hiper-Informação e Anomia é lapidar.

Aproveitai!


sexta-feira, 23 de março de 2012

Greve Geral

1. Violência policial contra manifestantes e jornalistas deve ser punida. A polícia não deve pôr-se com falinhas mansas e deve agir de acordo com a situação, bastante claramente documentada, dando o exemplo que deve dar. E se não o fizer, será importante perguntar ao Ministro da Administração Interna o que pretende fazer sobre o assunto (ou se está demasiado ocupado a invadir a privacidade das pessoas com câmaras de vigilância públicas).

2. Os piquetes de greve deveriam lembrar-se que querer trabalhar em dia de greve não é equivalente a ser fascista e que, tendo eles direito à greve, os outros têm direito a trabalhar. Respeitar os direitos de quem quer trabalhar, por qualquer motivo que seja, devia ser ponto de honra para os grevistas, dado que também querem que o direito à greve deles seja respeitado. Mas parece que há por aí grevistas que acham que mandam nos outros - ao mesmo tempo que lhes chamam «fascistas».

quinta-feira, 22 de março de 2012

Este País não está para Greves!

Vou trabalhar daqui a pouco.Se estes grevistas levam a deles avante, a Multinacional para a qual trabalho voa para fora daqui.
Como me dizia ontem um Amigo:
 "não percebo esta Greve, o Governo anterior não dialogava e não levava greves em cima desta maneira, estes tentam falar, e os sindicatos querem levar o País para o buraco da Grécia".

Aqui um post com a devida vénia à Judite França do forteapache, e que não tenho o prazer de conhecer mas que mostra um piquete de acção no seu melhor e com o inapelável "Fascista" atirado a rodos á Polícia.

Estes senhores mostram bem a sua ideologia totalitária ao não admitirem que outros chegam a conclusões diferentes das suas e decidam conscientemente ir trabalhar.




quarta-feira, 21 de março de 2012

Fight for Liberty

Uma cultura de debate

Entendendo uma cultura como um conjunto de valores partilhados, uma cultura de debate será uma cultura que valorize a troca de argumentos, que a considere uma boa forma de chegar a soluções para problemas. Tenderá ainda a valorizar o espírito e o pensamento críticos, a capacidade argumentativa, bem como a lógica e a retórica e também a oratória.

Uma cultura de debate envolve capacidade de encaixe por parte dos membros dessa comunidade, que sabem que as suas posições não são as únicas que existem e que se encontram por definição em confronto com outros pontos de vista. Envolve ainda uma valorização da participação activa em debates, o que leva a que as pessoas participem nos mesmos por sua própria iniciativa.

Uma democracia liberal assente numa comunidade em que existe uma forte cultura de debate é uma democracia mais forte, porque se pode encontrar um dos seus pilares (o debate) nos valores que tendem a ser partilhados pela maioria da população. Por contraste, uma democracia assente numa população apática e pouco interventiva, que prefere delegar completamente a política nos políticos profissionais, tenderá a não ter a pujança que poderia ter.

Fomentar uma cultura de debate é importante para fomentar a própria democracia. Penso que alterações às nossas instituições formais são necessárias (reforma eleitoral, etc.) e que poderão servir para fomentar esta mesma cultura de debate. Penso também que a sociedade civil organizada tem um papel fundamental a desempenhar também, tal como os «media». Finalmente, a organização de clubes de debate nas próprias escolas, por alunos para alunos (com supervisão de professores) seria também importante.

Uma democracia alicerçada numa cultura de debate é uma democracia fortalecida. A forma mais simples de fomentar uma cultura de debate é participar activamente no debate público, fomentando-o. A blogosfera é uma forma de o fazer, como haverá outras.

Por agora, é esta que me ocupa. 

segunda-feira, 19 de março de 2012

Aqueles lugares que não existem

Desconfio de promessas paradisíacas. Terrenas e não terrenas. Quando algo me é apresentado como não tendo consequências negativas, a conclusão que tiro é que a pessoa que o propõe valoriza mais os aspectos aos quais dá ênfase e não valoriza particularmente aqueles que não menciona.

Por isso, quando me apresentam o paraíso, procuro o inferno potencialmente escondido. Isto aplica-se a paraísos que me atraem e também a paraísos que, pessoalmente, desde logo considero potencialmente infernais. Aquilo que não me dizem é tão interessante, ou possivelmente mais, do que aquilo que me dizem.

Não falo aqui de intenções e de motivações. Falo aqui de benefícios e de custos, e não apenas financeiros. O facto de não ser fácil medir certos custos não significa que eu os vá, ou que eu os deva, ignorar. Nem significa que eles não existam, significa apenas que são difíceis de medir. Pelo que eu tento medi-los, em vez de os ignorar.

Desconfio da perfeição. Porque é habitualmente apresentada como um absoluto e eu não acredito nesse tipo de absolutos. Da experiência estética a ideologias políticas, cada um tem as suas e todas elas estão erradas - todas elas são as aproximações relativas a algo de inatingível. Todas elas se confrontam, à procura de aceitação. No final, há um quantidade imensa de decisões, bem reais e imperfeitas.

Gosto, como todos, de me imaginar naqueles lugares que não existem de que muitos falam e sobre os quais muitos escreveram. Sei que seguir os meus sonhos é navegar para esses lugares, colocando a mim próprio um objectivo inatingível. Sei que onde procurar a perfeição e o paraíso, encontrarei a realidade. E sei que a minha viagem sem quaisquer certezas, de dúvida em dúvida.

No entanto, não consigo resistir. Desconfiando sempre, sem qualquer certeza, vou viajando de dúvida em dúvida. Sigo os meus sonhos, de forma pragmática. Não porque acredite que algum dia verei um paraíso ou atingirei a perfeição, mas sim porque não sei viver de outra forma. Apenas desta forma eternamente insatisfeita e curiosa, procurando atingir o inatingível.

Sei que nunca chegarei àqueles lugares que não existem. Mas terei sempre vontade de lá chegar.

domingo, 18 de março de 2012

Vacina Neo-Liberal!

Com a devida vénia ao combustões no seu texto intitulado "Esses liberais que não se calam" vem o que é para mim uma óptima vacina contra o Liberalismo Económico Selvajem.

Eis a vacina: "sic copy paste"


1) Cair no desemprego e não receber qualquer subsídio;
2) Chegar aos 65 ou 70 anos e viver em exclusivo das poupanças feitas ao longo da vida;
3) Ser-lhe diagnosticada doença crónica e ser forçado a pagar a totalidade dos tratamentos;
4) Querer estudar ou garantir a escolarização dos filhos e pagar propinas a uma empresa de educação;
5) Querer abrir conta bancária e não o poder sem fazer garantia de rendimentos;
6) Querer deslocar-se e submeter-se aos preços dos cartéis;
7) Não poder aceder a bibliotecas sem pagar a uma empresa de armazenamento e difusão de informação;
8) Não saber se no dia seguinte pode voltar ao seu posto de trabalho, pois entretanto a autoridade patronal poderá te-lo dispensado sem aviso prévio;
9) Viver sob pressão de criminosos e só poder recorrer, para sua segurança pessoal e dos seus bens, a uma empresa de segurança;
10) Saber que só poder ser aquilo que quiser se for rico.



Voltarei a isto nos próximos dias se puder.

sábado, 17 de março de 2012

A ignorância e a democracia

Penso que todos nós nascemos ignorantes, vivemos ignorantes e morremos ignorantes. As certezas que temos são sempre limitadas pela nossa humanidade e pela nossa experiência e quanto mais certezas tivermos, menos nos apercebemos da nossa ignorância essencial - o que, a meu ver, nos torna ainda mais ignorantes.

Tendo a ser céptico e a ver aquilo que eu penso como provisório, até que melhores argumentos, novos factos eventualmente me convençam de que aquilo que eu penso está errado. Penso que assumir que não se sabe é melhor do que fingir que se sabe tudo e que o cerne da sabedoria (da «wisdom», em inglês) se encontra precisamente em admitir os nossos limites.

Daí o meu desinteresse na «pureza» ou nos moralismos: geralmente, são acompanhados de proclamações de verdades absolutas e de um dogmatismo inabalável. Geralmente, os preconceitos subjacentes não são assumidos como tal e são apresentados como algo de necessariamente e objectivamente verdadeiro. Ora, todos temos preconceitos, o importante é assumi-los.

Tendo a valorizar imenso a capacidade de ver os dois lados de um argumento e de conhecer de forma aprofundada as várias posições em disputa, sem as descaracterizar. Tendo a valorizar quem chega às suas posições confrontando os argumentos das posições existentes e tentando manter-se informado sobre esses mesmos argumentos, e não apenas por procurar material que confirma aquilo que já pensa de antemão.

Valorizo finalmente quem constantemente questiona aquilo em que acredita, testando os fundamentos das suas ideias com base em nova informação e com espírito crítico em relação a si mesmo. A auto-crítica e a reflexão sobre o que nós próprios pensamos, dizemos ou fazemos deve ser tão ou mais forte como a crítica e a reflexão que fazemos sobre o que os outros pensam, dizem ou fazem.

Numa democracia, ninguém está isento de crítica. E se aprendermos a pensar de forma crítica sobre nós próprios, poderemos aplicar esse pensamento crítico em relação às ideias dos outros. 

Uma comunidade é também um conjunto partilhado de ignorâncias e, em democracia, através do debate público, o objectivo será testar as várias ideias em disputa e, através desse escrutínio, chegar às ideias que parecem mais sólidas - até serem substituídas por outras. 

É este o meu ideal democrático. Sem certezas absolutas.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Sexta-feira - Vox Populi



Não gosto da mentalidade de estar à espera que nos resolvam os problemas,subjacente a esta música mas a vox populi é assim.
Que cada um de nós tome o seu próprio destino e se realize completamente.
Bom fim-de-semana a quem puder, que eu tenho que trabalhar.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Otelo Saraiva de Carvalho

Bem sei que não compensa dar atenção a Otelo Saraiva de Carvalho. Mas não resisto. De novo, este indivíduo decidiu vir falar de revoluções armadas em nome do 25 de Abril.

O desrespeito demonstrado por este indivíduo pela democracia é por demais notório. Querer que as maiorias legitimadas pelo voto sejam derrubadas por via armada é o oposto da democracia.

Este tipo de tomada de posição é também demonstrativa de uma suprema arrogância. A arrogância de quem se considera dono da Verdade e do Progresso, até mesmo do próprio país.

Uma democracia vive-se, uma democracia evolui. E mantém-se e defende-se pela força do debate público e do voto, não das armas.

A Liberdade do Otelo

Ontem em Santa Comba Dão, Otelo Saraiva de Carvalho disse várias coisas.
Uma delas e a mais polémica na minha opinião foi, o defender um Golpe de Estado,  que retome a soberania devido à intervenção da Troika.
Surgem-me várias questões:´
1.ª Será que se fosse outra pessoa ou de outra àrea política, não teria um processo em cima. Parece-me que num Estado de Direito apelar à insurreição armada, mesmo no âmbito da liberdade de expressão é um pouco demais.
2.ª O perdão de pena que recebeu, também pode ser posto em causa. Uma vez que este senhor foi dirigente de uma organização que matou pessoas após o 25 de Abril.
3.º Como contribuinte revolta-me este senhor receber uma pensão paga com os meus impostos.

Se este senhor é um defensor da Liberdade eu vou ali e já venho.

Margin Call and Goldman Sachs (I)

Quando li o artigo «Why I Am Leaving Goldman Sachs» no New York Times, aliás bastou-me ver o título, e lembrei-me de imediato de um filme que vi recentemente:

 

Voltarei a este tema em breve.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Gasparês, a Troika e o Orçamento

O Ministro das Finanças, avisou hoje, que na próxima avaliação da Troika as questões orçamentais serão prioritárias.
Isto causa-me alguma preplexidade, e levanta-m duas dúvidas:
Primeira, todas estas medidas e austeridade não estão a ser implementadas por questões orçamentais?
Segunda, será que esta derrogação pra Maio da verificação orçamental é uma tentativa de ganhar tempo para escamotear uma realidade orçamental pior do que acreditamos?
A angústia orçamental vai andar connosco nos próximos tempos.

terça-feira, 13 de março de 2012

Mexia & Lobbies 1 - Gomes & Contribuintes 0

Soube-se há pouco tempo que o Secretário de Estado da Energia Henrique Gomes, se demitiu.
Noticia aqui.
Parece-me um mau sinal para um mercado mais livre e concorrencial, visto as posições tomadas por este governante em relação aos lobbies da energia.
É uma remodelação surpreendente, uma vez que sai o responsável pelo sector da energia que é uma pasta determinante em qualquer economia. Como é no Ministério da Economia, mais fogo em cima do Álvaro.
Mau sinal no meu entender, se era para fazer uma remodelação que fosse mais a fundo.

segunda-feira, 12 de março de 2012

12 de Março, Parque Escolar e António José Seguro

1. Há um ano saiu muita gente à rua para se manifestar, com ideias de todas as formas e feitios, em prol de uma reforma da nossa democracia. Um ano depois, o M12M é uma organização vazia de conteúdo que fala em chavões, defende «slogans» e pouco mais. No entanto, isso não retira interesse e importância ao dia 12 de Março no ano passado. O impulso que deu ainda continua a ter repercussões, através das várias pessoas que se conheceram e dos vários pequenos movimentos que se formaram. Não foi uma revolução? Não. Vai, por si, mudar tudo? Não. Mas continuo a pensar que os seus efeitos ainda não se esgotaram.

2. Achei este texto de Daniel Oliveira bastante interessante (o que não quer dizer que concorde com ele). Onde Daniel Oliveira me perde particurlamente é na conversa da «verdadeira razão», pelos vistos oculta, para a terrível ideia de parar com aquelas obras. Este tipo de conversa sobre intenções ocultas e agendas escondidas não serve para nada de útil. Serve para se debater com fantasmas, com posições imputadas em vez de com posições assumidas. De qualquer forma, esta confusão com a Parque Escolar vai ter de ser cabalmente explicada. (Parágrafo ligeiramente revisto após publicação.)

3. Primeiro veio o PCP, mas do PCP já se espera este tipo de conversa. Mas agora veio António José Seguro dizer o mesmo género de coisa, caindo bem fundo no poço do populismo demagógico. É que em vez deste tipo de ataques de péssimo gosto, seria bem mais importante que António José Seguro apresentasse um plano para tornar sustentável o Sistema Nacional de Saúde que diz defender. Mas isso, claro, António José Seguro não faz. Prefere dizer que o este Governo mata. Não ficou longe do Manifesto do Rossio. Quando é que o PS decide ter um líder a sério?

O que é feito dos líderes da Geração à Rasca?

Este link é precioso.
Parece-me que com líderes destes, não vamos lá...

O que é feito dos líderes da Geração à Rasca? - Politica - DN

A ideia das "ideias à janela" foi decalcada de onde?

domingo, 11 de março de 2012

12 de Março - O Parvo que Sou!

O 12 de Março, é uma data simbólica que diz muito a alguns de nós nesta casa.
Foi um momento em que acreditei que a sociedade civil e a juventude em particular se estavam a mexer, no sentido de um esforço positivo e coordenado.
Afastei-me daquele "movimento social" com o sentimento que havia sido usado.

Reforma do Ministério Público

O Ministério Público português precisa de uma reforma de fundo, para o tornar mais independente e mais capaz de adequar a sua actuação às necessidades do momento, embora sem nunca perder de vista uma visão estratégica de investigação e combate ao crime. É preciso que o Procurador-Geral da República seja capaz e tenha os poderes necessários para gerir o Ministério Público e que os magistrados do Ministério Público tenham a autonomia necessária para fazer o seu trabalho, mas respeitando a hierarquia existente.

Neste sentido, penso que o Procurador-Geral da República deveria ou ser eleito por dois terços de votos na Assembleia da República (o que deveria incluir audições públicas de potenciais Procuradores), ou em eleição geral, numa eleição em que o vencedor teria obrigatoriamente de ultrapassar os cinquenta por cento dos votos expressos. Esta alteração aumentaria a legitimidade democrática do Procurador-Geral da República e torná-lo-ia mais independente do Governo. 

Além disso, o Ministério Público deveria poder definir as suas prioridades de acordo com os recursos que tem disponíveis. Aliás, potenciais candidatos a Procurador-Geral da República deveriam apresentar nos seus programas quais as suas prioridades para os seus mandatos nessa posição, especialmente se se avançasse para uma eleição geral. No final do mandato, o Procurador-Geral cessante responderia pela sua capacidade, ou não, de cumprir com o que havia prometido.

Esta capacidade do Ministério Público definir as suas próprias prioridades de acordo com os recursos permitir-lhe-ia gerir-se de forma mais eficiente, permitindo-lhe aproveitar os recursos de que dispõe da melhor forma possível a cada momento. E o Procurador-Geral da República prestaria contas pela gestão financeira do Ministério Público, naturalmente.

Finalmente, teria de ser garantida a autonomia dos magistrados mas com respeito pela hierarquia do Ministério Público. Isto significa um debate sério sobre a existência continuada de um sindicado para magistrados do Ministério Público, cuja propensão para retirar legitimidade à hierarquia do Ministério Público põe em causa o seu regular funcionamento. No mínimo, seria necessário fazer uma apreciação crítica ao papel do sindicato no âmbito do Ministério Público e garantir que este não causa uma erosão prática e efectiva dos poderes do Procurador-Geral da República.

No futuro, poderei voltar a este tema, aprofundando algumas destas propostas. Mas para já, fica apenas este esqueleto de reforma estrutural no funcionamento do Ministério Público.

sábado, 10 de março de 2012

A importância da Filosofia

A Filosofia estuda o conhecimento, a verdade, a existência a um nível fundamental, e as respostas que damos a perguntas filosóficas têm um impacto profundo na nossa vida, mesmo a nível prático. As posições que vamos tomando sobre questões concretas têm subjacente um posicionamento, mesmo que implícito e inconsciente, em relação a questões filosóficas fundamentais.

O que acontece muitas vezes é que, sendo implícitas e inconscientes, as pessoas não se apercebem das implicações a essa nível das posições que tomam. Mas as consequências estão lá. Podem é não ter sido examinadas criticamente pela própria pessoa, que aliás as poderá considerar puro e simples «senso comum», não conhecendo até outras posições alternativas.

A Filosofia, dado que mexe com os pilares daquilo em que acreditamos e daquilo que pensamos, tem consequências profundas quer a nível individual, quer a nível colectivo (na medida em que os indivíduos se inserem numa comunidade). Pensar sobre Filosofia e aprendê-la, por muito esotérico que possa parecer o tema, tem implicações práticas relevantes, ajudando as pessoas a sistematizar e tornar congruente o seu pensamento sobre o que as rodeia.

Todos temos uma ideologia. E no cerne dessa ideologia estão as nossas respostas às perguntas filosóficas fundamentais. Não é indiferente pensar que a existência precede a essência ou o contrário, considerar que o sentido da vida é uma coisa ou é outra, ser céptico ou ser idealista. Vamos defender coisas diferentes, pensar coisas diferentes, até pensar de forma diferente - e agir em conformidade, o que tem impacto quer relativamente a nós, quer relativamente aos outros.

Parte do nosso debate público é um debate filosófico, nos quais os próprios pilares de como encarar a nossa existência se encontram em jogo. Esse confronto pode estar sempre implícito. Mas está sempre lá.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Curtas

1. Demitiu-se em bloco a administração da Parque Escolar. Será que se vai aproveitar para descentralizar este tipo de projectos? É esperar para ver. Como sempre nestas coisas, e apesar de Nuno Crato ser um fã da autonomia, vai ser melhor esperar sentado. (E já agora, convém perceber a discrepância dos números que foram apresentados.)

2. Lusoponte devolve 4,4 milhões de euros ao Estado, com juros. Parece-me que faz bem, dado que receber compensações por não receber dinheiro que afinal recebeu não faz sentido. Mas a leviandade com que foram tratados estes 4,4 milhões de euros não será esquecida. (Por uma vez o BE serviu para alguma coisa de útil.)

3. Temos guerra aberta entre o Presidente da República e José Sócrates e seus apaniguados. José Sócrates é acusado de tudo, o Presidente é acusado de tudo. E surge mais um caso que serve de argumento, entre muitos, muitos outros, para que se procure renovar a nossa democracia. Porque este tipo de casos e de acusações e de guerrinhas institucionais não ajudam ninguém e corroem as instituições.

4. ISDA determina que houve evento de crédito na Grécia. A notícia que devia estar nas primeiras páginas dos jornais, com desenvolvimento e explicações sobre o que isto significa para a Grécia, para Portugal, para a Europa e para o mundo. Mesmo nos jornais generalistas. É que por muito que a guerra entre o Presidente e o grupo de José Sócrates seja notícia, o que se passa na Grécia é bem mais importante para o nosso futuro.

quinta-feira, 8 de março de 2012

329% e não 447%

Tivemos a resposta da Parque Escolar: o disparo foi de 329% e não de 447%. Curiosamente, não me fez sentir muito mais bem disposto, e imagino que poucos se terão sentido muito mais contentes com este número - ou com as explicações.

Primeiro, é preciso explicar a diferença entre os números do Ministério da Educação e Ciência e os números da Parque Escolar. Depois, é preciso perceber porque é que isto aconteceu - começando por analisar as razões dadas pela própria Parque Escolar e ver se fazem sentido ou não. Aquilo que fizer sentido, é fundamental corrigir, para que não se repita isto.

Finalmente, tenho a sensação que se as escolas tivessem um orçamento próprio para gerir e se as suas obras não dependessem do Ministério da Educação e Ciência, isso teria ajudado. A dispersão territorial e a falta de registos invocadas pela Parque Escolar como razões para que os preços escalassem deixavam de ter sentido se cada escola, possivelmente com auxílio da comunidade local, fizesse as suas obras. Porque cada escola sabe que obras precisa e só se tem de preocupar com as suas próprias obras, não com a gestão de uma imensidão de obras por todo o país...

Lusoponte

Como é possível o contrato estar escrito de tal forma que a Lusoponte tinha direito a uma compensação (bem volumosa, por sinal) por não haver pagamento de portagens em Agosto mesmo havendo portagens em Agosto?

Como é possível o Primeiro-Ministro acabar contradito pela própria Secretaria de Estado dos Transportes sobre esta matéria quando foi, pelo que percebi, o Secretário de Estado dos Transportes que lhe deu a informação durante o debate com o Parlamento? Por erro, claro, mas este tipo de erros, sobre quantias tão volumosas do nosso dinheiro, dão sempre demais que pensar.

Dizem-nos agora que a situação contratual vai mudar para este ano. Mas então isso não se sabia durante o debate parlamentar? O Secretário de Estado esqueceu-se de uma questão tão relevante como esta durante o debate? Não ponho em causa a boa fé, pelo que me quedo pela negligência.

Convém que o contrato de facto mude, porque pagar compensações quando não existe razão nenhuma para essas compensações já é mau, a quantia que era torna-o pior, e o facto de ter sido feito numa altura em que não temos dinheiro é a gota que fez transbordar o copo.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Governabilidade no sector da Educação (2)

A deputada Ana Drago referiu ontem no Parlamento que o Ministro da Educação estava a ser falsamente modesto ao dizer que não estava a realizar uma revolução no sistema educativo.

Esta afirmação liga de forma curiosa com um post anterior em que se expunham declarações de dois ex-ministros da Educação que falavam das dificuldades de reformar o setor, e um deles dizia que um futuro ministro que quisesse reformar não o devia anunciar como tal...

Se as palavras da sra. deputada indiciarem que essa reforma está em curso (ainda que não anunciada), seria uma boa notícia.

A TAP, a Razão e o Apartheid Laboral

Nas minhas andanças informacionais, encontrei esta noticia, em traços largos é a justificação da excepção que os trabalhadores da TAP, vão ter relativamente aos cortes de sário no Sector Empresarial do Estado.
Estranhamente até concordo, com a excepção, mas não desta forma.
Caso tivesse sido anunciado a seu tempo, integrada no proceso de privatização faria sentido, assim não.
Vejam-se os comentários, com o sentimento na sua maioria, de que os trabalhadores não são todos iguais numa espécie de Apartheid laboral.



terça-feira, 6 de março de 2012

Um disparo de 400%

Leio aqui e aqui sobre uma derrapagem imensa relativa a obras em escolas e só me lembro da quantidade de dinheiro público que tem sido gasto noutras coisas e que não foi sujeito a auditorias. O disparo de 400%, como lhe chama o Expresso, com obras nas escolas é apenas mais um exemplo de como o nosso dinheiro andou a ser gasto ao longo dos anos.

Mas a auditoria que eu aguardo com grande expectativa é a auditoria aos contratos de parcerias público-privadas previsto no Memorando de Entendimento. É importante perceber quais os riscos financeiros potenciais ainda em aberto relativos a PPP e, mais uma vez, ficar a saber mais sobre a gestão dos dinheiros públicos nos últimos anos.

Um disparo de 400% aqui, um disparo diferente ali, com compensações relativas a PPP à mistura, e não admira que tenhamos dificuldade em sanear as nossas contas públicas. São anos e anos acumulados que agora «explodem» todos ao mesmo tempo, o que significa que em vez de gradualmente irmos resolvendo o problema, temos uma «terapia de choque».

Mas essa terapia não basta. Para além da terapia, é fundamental criar condições para pelo menos dificultar que este tipo de disparos continue no futuro. E isso é parte do que se espera de todos os Ministros, a começar pelo Primeiro Ministro e pelo Ministro das Finanças.

A (não) demissão de Álvaro

Álvaro Santos Pereira não tem tarefa fácil. Num país em que o Ministério da Economia é visto como a loja dos doces, assumiu a pasta numa altura em que os doces quase se esgotaram. E agora, vai coordenar a distribuição dos doces do QREN, mas as Finanças vão ter uma «palavra a dizer».

A história circulou que Álvaro se tinha ameaçado demitir. Houve grande debate, entusiástico, sobre a potencial demissão do Álvaro. Mas ele não se demitiu. Ainda é, e será num futuro próximo, o nosso Ministro da Economia e do Emprego.

Tenhamos esperança que a não demissão de Álvaro sirva para que Álvaro faça o que tem para fazer. Dele se espera uma reforma estrutural importante: que o Ministério deixe de distribuir doces por sistema, e não apenas porque tem falta deles no momento. Nisso, a «palavra a dizer» das Finanças sobre o QREN deveria ajudar.

domingo, 4 de março de 2012

Direito, Investigação, Debate Público e Democracia

Apesar de para se saber verdadeiramente de Direito ser preciso saber mais do que apenas Direito, continua a ser preciso saber Direito. Para se saber Direito é preciso estudá-lo, é preciso investigar, é preciso aprender aquilo que se faz, que se fez e se estuda fazer em Portugal e no resto do mundo.

Fazer boas leis passa por dominar a legística, de forma a aplicar boas técnicas legislativas nas leis que são criadas. Melhorar o funcionamento dos tribunais passa por estudar o que é bem feito e o que é mal feito, quais as potenciais causas, e preparar soluções. E até melhorar o funcionamento das várias profissões jurídicas passa por esse tipo de estudo, de forma constante.

Não temos em Portugal centros de excelência para investigação em Direito. Infelizmente, não há ênfase em investigação e publicação nas faculdades de Direito portuguesas. Ora, seria também nas faculdades que se deveria proceder à investigação e estudo acima descritos - naturalmente que em parceria com os vários operadores jurídicos.

As faculdades de Direito não podem servir apenas para ensinar o Passado às novas gerações. Devem também servir para o estudar e procurar preparar o Futuro. Com uma abordagem multidisciplinar (ver aqui, aqui e aqui) e comparativa, naturalmente.

É de qualquer forma fundamental que surjam centros de estudos jurídicos vocacionados para analisar questões jurídicas sistémicas e propor soluções para os problemas com os quais nos encontramos. Mesmo não ligados a faculdades necessariamente - esses centros de estudos podem até ser ONG, por exemplo. E poderiam envolver especialistas de diversas áreas, não apenas juristas.

Resolver os nossos problemas com a Justiça não pode passar simplesmente por constantes reformas aos Códigos de Processo Civil e Penal promovidos pelo Estado, através do Ministério da Justiça. E o debate sobre a Justiça não pode resumir às várias corporações do sector. Tem de ser aberto, plural, informado e envolver o maior número de entidades interessadas possível.

Também aqui a sociedade civil organizar tem um papel importante a desempenhar. O Direito e a Justiça afectam-nos a todos, no nosso dia a dia, e o debate sobre esses temas não pode reduzir-se a discussões esotéricas e distantes acompanhadas apenas por peritos. Estando as pessoas já afastadas destas questões, têm de ser chamadas e incentivadas a envolver-se nestes debates.

A especialização é importante, mas em democracia, este tipo de debates não podem limitar-se a um pequeno número de especialistas. É preciso abri-lo à população em geral e também a especialistas de outras áreas com potenciais contributos, por exemplo.

Também por isto passa uma melhoria da nossa Justiça.

Mais que Direito

[Ver também aqui e aqui.]

É preciso saber mais do que Direito para se ser um bom jurista. Não basta saber Direito para ser um bom juiz ou um bom advogado. Interpretar/aplicar normas jurídicas envolve um esforço que pressupõe conhecimentos de Economia, de Psicologia e de outras disciplinas. No entanto, há quem pense que o Direito se basta a si próprio, e esse tipo de atitude tem consequências.

Consequências práticas e negativas, aliás. Porque as normas visam regular comportamentos humanos e a sua eficácia prática tem de ter em conta as suas consequências potenciais e aproveitar o que temos vindo a aprender sobre os seres humanos e como funcionam, quer a nível individual, quer quando interagem uns com os outros.

Preparar um contrato implica perceber o que está em causa, quais os riscos potenciais, como alocar esses riscos de forma a mitigar problemas futuros, entre outras coisas. Entender o ramo em causa ajuda.

Tomar uma decisão judicial significa entender que impacto essa decisão terá não apenas no caso concreto, mas em geral, dado que mesmo em sistemas nos quais não existe precedente formal, as decisões judiciais têm uma autoridade especial em interpretações futuras da lei (para não falar em acórdãos de uniformização de jurisprudência). 

Fazer boas leis implica ter uma boa técnica legislativa e saber alguma coisa de legística, implica saber quando é que é necessário fazer uma lei, implica saber bem mais do que Direito.

Não basta saber Direito para saber Direito. É preciso bem mais do que isso. Por muito que isso custe a alguns.

sábado, 3 de março de 2012

"Dad, why do people fight wars?"


[Ver aqui. Aliás, em geral, esta BD é de uma qualidade à prova de bala e merece ser lida regularmente!]

The Road Not Taken (Robert Frost)

Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;

Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim
Because it was grassy and wanted wear,
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,

 And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I marked the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way
I doubted if I should ever come back.

 I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I,
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.

(Retirado daqui: http://www.poemhunter.com/poem/the-road-not-taken/)

quinta-feira, 1 de março de 2012

Moralistas e Democracia

Enquanto uns se consideram mais puros que os outros por razões ideológicas, outros consideram-se mais puros por razões morais. Invocam a sua superioridade moral e estado de pureza cristalina para questionar as motivações das políticas com as quais não concordam, apresentando as suas ideias como algo de absoluto e objectivamente legitimado.

Esses moralismos tipicamente resvalam em discursos populistas que apresentam o outro lado do debate como a encarnação do Mal, como sendo a causa de todos os males ou como sendo movido por motivações torpes. Estas são sempre apresentadas como segredos mal escondidos, e como resultado de teias conspirativas que envolvem toda a gente e mais alguma com algum poder - mas nunca, claro, os moralistas que as denunciam, cuja pureza é à prova de bala.

As ideias dos moralistas são apresentadas como imperativos morais absolutos; as dos outros como meras «ideologias». Os outros são sempre egoístas, cujo único interesse na política é defender-se a si próprios ou aos seus amigos, enquanto os moralistas são altruístas e desinteressados na defesa das suas causas. Os moralistas alimentam-se da percepção da política como um jogo de interesses para se auto-proclamaram acima desse mesmo jogo - mesmo quando são políticos profissionais.

Em Portugal, onde o nível de confiança mútua e de confiança nas instituições é baixo, os moralistas aproveitam-se desta falta de confiança para propagar o seu discurso. Os seus apelos são demagógicos e destrutivos, ajudando a fomentar a desconfiança que os alimenta, mas não um debate público funcional. O resultado são histerias constantes e uma desvalorização ainda mais acentuada do prestígio da Política, sem que os problemas de base sejam resolvidos - antes pelo contrário.

Encontram-se moralistas à esquerda e à direita, tal como se encontra «puros» à esquerda e à direita. Fazem também parte de uma democracia liberal. Mas da mesma forma que proclamações de pureza ideológica não me seduzem, também não me vão convencer fazendo apelos a uma suposta superioridade moral, assente num conjunto de ataques às motivações da parte contrária. Prefiro aqueles que respeitam o pluralismo democrático e o facto de haver mais do que uma forma de pensar uma comunidade àqueles que passem a vida a tentar dar lições de moral a toda a gente.