segunda-feira, 25 de março de 2013

Chipre, remodelação governamental e outras coisas

1. Sobre o Chipre, ler este artigo de Ricardo Reis no Dinheiro Vivo, e este artigo do Economist. Parece que, de facto, o Presidente do Chipre estava com pouca vontade de perder muitos depósitos russos, e daí o imposto sobre depósitos abaixo de 100.000 euros, enquanto que o plano originalmente proposto não envolvia esse imposto. O novo plano está pelos vistos mais de acordo com o plano proposto de início, e rejeitado pelo Presidente cipriota, e parece mais razoável. E o Presidente do Chipre sai mal, mesmo muito mal, na fotografia.

2. Continua o enorme furor em torno de uma remodelação governamental, que parece ser o passatempo de gente que nunca parece parar para contemplar os custos e as dificuldades envolvidas numa remodelação governamental na melhor das alturas, quanto mais durante esta crise, com a correlacionada aplicação do Memorando de Entendimento. Continua também o enorme furor em torno de uma possível demissão do Governo caso o Tribunal Constitucional declare normas do OE 2013 inconstitucionais - o que apenas serviria para tornar uma péssima situação ainda pior. A malta que pouco tem a dizer para além de que os problemas se resolvem de uma penada com um passo de magia (à Esquerda e à Direita), para quem tudo é simples porque está de fora, e não tem de lidar com as realidades e espartilhos de ser Governo, parece considerar que o país se pode dar ao luxo de brincar às crises políticas desnecessárias.

3. O PS tem passado o seu tempo a recusar-se a debater com o Governo, e o Governo tem passado o seu tempo a fazer convites pouco convincentes para debater com o PS. Estes jogos parecem terrivelmente importantes para as cabeças pensadoras dos partidos do arco governamental, mas não são particularmente importantes para aquilo que interessa: resolver problemas concretos. Para isso, é preciso que Governo e PS falem mesmo. O resto é conversa fiada para fazer o país inteiro perder tempo.

4. Parece, no entanto, que Governo e PS não vão mesmo falar. Em vez disso, temos direito a perder tempo com uma moção de censura irrelevante, e o PS continua a entreter-se a propor medidas que não iriam resolver o nosso problema com o desemprego, não iriam resolver o nosso problema de falta de competitividade, e no fundo assentes precisamente no mesmo «modelo de desenvolvimento» baseado em gastar dinheiro em coisas hoje sem pensar no que vai acontecer depois que nos trouxe até aqui. Do outro lado, temos um Governo que embora anuncie a intenção de reformar o Estado, não apresentou até agora sequer um programa de reformas, mas pelo menos parece ter lá gente interessada em reformar o Estado. Claro que, com o PS no Governo, António José Seguro teria de engolir a realidade com a mesma crueza com que François Hollande, a ex-grande esperança da Esquerda europeia, o teve de fazer. E iríamos ver qual o valor dos cortes que o Governo de António José Seguro iria aplicar no seu primeiro Orçamento - ou qual o valor do aumento de impostos a que seríamos sujeitos. Por agora, claro, pode divertir-se a enviar cartas sem conteúdo útil à Troika.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Substituir Miguel Relvas

Mesmo faltando ainda tempo até ao final da legislatura e até às eleições, já é claro que Miguel Relvas não conseguiu cumprir nos dois principais «dossiers» que tinha sobre a sua secretária: a reforma do Poder Local e a privatização da RTP. Neste momento, a coisa mais útil que Miguel Relvas poderia fazer pelo Governo seria, precisamente, abandoná-lo. Poderia sair pelo seu próprio pé, citando «razões familiares», e dar o lugar a outro - ou ser demitido, embora isso seja ainda mais improvável.

O Governo precisa de coordenação política. Precisa ainda de alguém que sirva de «porta-voz» genérico, que consiga dar a cara e lidar com os ataques, ajudando a resguardar, principalmente, o Primeiro-Ministro, o Ministro das Finanças, mas também os outros Ministros. Esse alguém devia ser Miguel Relvas, mas, neste momento, Miguel Relvas não consegue cumprir as funções de «amortecedor» do Governo, e parece patente que não é capaz também de cumprir funções de coordenação política.

A dificultar a saída de Miguel Relvas está o processo de reestruturação em curso na RTP. O melhor momento de saída talvez fosse a apresentação do programa final de reestruturação. O Ministro seguinte teria o programa feito, e ser-lhe-ia portanto mais fácil pegar nele - e, espera-se, partir de novo na senda da privatização. Da mesma forma que seria mais fácil ao novo Ministro pegar nas questões do Poder Local, dado que a legislação principal que o Governo quis aprovar já está aprovada.

Desta forma, o novo Ministro dos Assuntos Parlamentares devia focar-se principalmente nos aspectos políticos de auxílio na coordenação governamental, em assumir o papel de «porta-voz genérico» do Governo, em ajudar a resguardar o Primeiro Ministro, o Ministro das Finanças e os outros Ministros, e em ajudar o Governo a definir uma estratégia de comunicação com pés e cabeça.

Claro que tudo isto é fácil de dizer em teoria. Na prática, naturalmente, não se está a ver Miguel Relvas escolher sair do Governo, ou ser demitido pelo Primeiro Ministro, embora a sua saída me pareça cada mais «gerível» do ponto de vista político. E de qualquer forma, mesmo que Miguel Relvas saísse do Governo, teria de surgir alguém disposto a assumir o seu lugar, e um conjunto de tarefas políticas complicadas e delicadas. Esse alguém teria de ser credível, teria de estar alinhado com o Memorando e com a necessidade de reformar o Estado, e teria de ter a capacidade política necessária para cumprir um conjunto de tarefas políticas tornadas mais complexas do que o que já seriam pelo facto de estarmos numa enorme crise, de se estar a tomar medidas impopulares, e pelo facto de termos um Governo de coligação.

Cumprir bem a tarefa que o Ministro dos Assuntos Parlamentares tem de cumprir não é para todos. Claramente, não é para Miguel Relvas. Mas infelizmente, não só será difícil que Miguel Relvas saia, como a sua substituição por alguém competente e com as capacidades necessárias para exercer o cargo, embora benéfica para o Governo e, naturalmente, para o país, não seria mesmo nada fácil.

terça-feira, 19 de março de 2013

Vários erros no «bail-out» do Chipre

1. Numa altura em que as coisas poderiam começar a melhorar na Zona Euro, numa altura de maior acalmia, lançar a confusão de novo com um pacote como o que foi apresentado é um erro.

2. Um imposto sobre depósitos abaixo dos 100.000 euros, quando a protecção dos 100.000 euros se encontra protegidos por normas europeias, lança a dúvida relativamente à segurança dos depósitos por toda a Zona Euro (em particular nos países em crise), coloca em causa o Direito da União Europeia, e abala ainda mais a confiança nas instituições políticas nacionais (o actual Presidente cipriota tinha precisamente sido candidato com uma plataforma de que esta medida não seria aplicada) e europeias; a suposta mitigação com isenções para depósitos abaixo de 20.000 euros não é suficiente.

3. O imposto sobre depósitos acima de 100,000 euros supostamente serve para atingir oligarcas russos cheios de dinheiro, dinheiro esse com proveniências duvidosas. Só que esse imposto cifrou-se nos 9,9%, que soa a truque de supermercado (não são 10%, são 9,9%!) e claramente foi pensado para, apesar de ser irritante, não colocar em causa o Chipre como paragem de dinheiro russo (e de outras partes). Além disso, não afecta apenas oligarcas russos, e também ajuda a colocar em causa a segurança dos depósitos na Zona Euro.

4. Teria sido possível fazer um «bail-out» completo ao Chipre. Os sete mil milhões que faltam faltam claramente apenas por escolha. Só que esta forma de penalização, neste caso, serve apenas para não resolver o problema. O Chipre já tomou medidas anteriores a este «bail-out», e neste momento já devia ser claro que deixar arrastar os problemas não ajuda a resolvê-los. Também já devia ter ficado claro que estamos todos no mesmo barco, e que todos saímos prejudicados desta situação (incluindo os países que geralmente são apontados como não saindo prejudicados, como, em especial, a Alemanha). Neste momento, devia ter havido um «bail-out», com programa, mas total, dado que teria sido possível, porque o ênfase deveria ter estado em resolver problemas.

5. Empurrar o Chipre para negociações com a Rússia de Putin é um erro.

Estamos de novo no fio da navalha, numa altura em que poderíamos ter tido uma intervenção pacificadora e que ajudasse a resolver problemas, mesmo que com um programa de reformas acoplado.

Veremos como se desenvolve toda esta situação. O Parlamento cipriota já rejeitou o imposto sobre os depósitos. Será importante aproveitar para deitar fora o referido imposto e substituí-lo por outra medida. Pelo menos isso. Mas poderiam também acrescentar o dinheiro que falta ao «bail-out».

sexta-feira, 15 de março de 2013

Hungria, Voting Rights Act e a reforma da UE


   Gostaria de sublinhar dois acontecimentos em dois continentes diferentes que, na minha opinião, são pertinentes para o debate alargado sobre o federalismo. O supremo tribunal norte-americano ouviu nas últimas semanas os argumentos sobre a constitucionalidade do Voting Rights Act de1965, discutindo-se, após uma eleição em que a prática recorrente dos estados alterarem para fins políticos os métodos e logísticas do processo mais uma vez me deixou boquiaberto como habitante do velho continente, até que ponto tem o estado federal direito a intervir na regulação desses mesmos problemas, pelo menos em estados com historial de repressão do voto das minorias, para garantir o direito fundamental ao voto.
   Na Hungria, a direita passou uma reforma constitucional sobre uma nova constituição que à pouco tempo entrara em vigor (e da parte destes mesmos suspeitos) que parece reverter o progresso que a pouco e pouco as democracias ocidentais procuram, e cristalizar os seus partidos e seus vícios no aparelho de estado, enquanto a contestação da União Europeia não se cristaliza de uma forma legal de forma a subverter as reformas "anti-democráticas" com base num princípio de garantia de direitos fundamentais a uma escala supranacional. Mas a direita húngara retorquirá que tais reformas garantem a estabilidade e a prosperidade.
   Deveria ter um estado membro da UE direito a passar democraticamente restrições a direitos fundamentais, ou leis que revertem o progresso dos direitos cívicos e cristalizam o nepotismo no aparelho de estado, indo contra não só os princípios de good governance da UE, os critérios de Copenhaga que a Hungria teve de cumprir para entrar na UE, e a carta fundamental dos direitos da UE, ou deveriam existir instituições federais ao nível da UE que subvertessem tais decisões estaduais caso elas neguem aos cidadãos húngaros direitos garantidos enquanto cidadãos europeus, como ocorre nos EUA?
   Mas outra angústia me leva a sublinhar esta questão. A imperatividade de "mais Europa" tem sido, pela força das circunstâncias, discutida no plano económico, mas não se deverá reduzir o debate a tais condições. Acredito fundamentalmente que a prosperidade dos europeus não depende única e simplesmente do bem-estar económico, e parece-me uma loucura reduzir a política europeia à necessidade de uma economia forte, embora necessária, visto que se nos convencermos que o o estado e as instituições estatais apenas se justificam para garantirem essa dimensão, facilmente nos esqueceremos que a coisa pública também serve para garantir as liberdades (que em parte sustentam essa mesma prosperidade económica).
   Se todo o debate se centrar na garantia de uma segurança económica e esquecer as liberdades, ou não passar por discutir como, pela Europa, podemos aumentar essa mesma segurança com aprofundamento e garantia das liberdades, não correremos o risco de aceitar perder essas mesmas garantias para alcançar uma prosperidade, então bastante perversa? E não será por isso ainda mais imperativo que a reforma passe por tais garantias ao nível federal, para que esses debates tenham sempre um limite constitucional ao que se pode abdicar pela prosperidade a nível estadual?

terça-feira, 12 de março de 2013

A consciência social

Os meios contam, não contam só os fins. Os fins podem ser os mais apropriados, adequados, morais e recomendáveis. Mas se os meios não forem os adequados ou forem desproporcionais, temos um problema. E os meios adequados a atingir certos fins não são necessariamente aqueles que intuitivamente o parecem ser.

Os problemas não desaparecem por decreto, não se eliminam com leis cheias de boas intenções mas que pura e simplesmente não têm efectividade prática, por muito dignos de simpatia que sejam os seus objectivos. Pior: essas leis podem perfeitamente ter efeitos perversos, aumentando os problemas ou criando problemas novos.

As boas intenções não são suficientes. No fundo, a ideologia não é suficiente. Não basta ter um conjunto hierarquizado de princípios sobre como deve ser organizada a sociedade, que servem para definir objectivos concretos a esse nível. É preciso perceber quais os métodos que funcionam e não funcionam na prática para esses fins, e ser claro e cristalino quando se anunciam esses métodos sobre todos os seus efeitos - pretendidos e potenciais.

A política, na prática, faz-se sempre com uma mistura de ideologia e de técnica - porque todos temos uma ideologia e, ao tentar aplicar na prática aquilo que pretendemos, não podemos fugir a questões técnicas relativas à sua implementação. E para mim, tem muito mais consciência social quem apresenta medidas para resolver problemas com base em mais do que pronunciamentos morais ou moralistas, na medida em que essas medidas de facto tenham impacto na resolução do problema que visam resolver.

Não basta anunciar aos sete ventos que se tem uma enorme consciência social e depois apresentar um pacote de medidas que visam mexer com o coração das pessoas. Não basta anunciar medidas de cariz «social» e depois acusar de falta de consciência social quem disser que essas medidas não só muito provavelmente não funcionarão, como poderão ter efeitos perversos. É preciso mais do que isso. É preciso explicar porque essas tais medidas de cariz «social» funcionariam, e apresentar argumentos válidos nesse sentido.

Mas nunca é isso que é feito. As boas intenções são aplaudidas, as medidas de cariz «social» são levadas ao colo, e quem as critique é simplesmente acusado de ser um Homem de Lata - sem coração - ou um Espantalho - sem cérebro. Quando os argumentos são de cariz económico, é acusado de ser «economicista», que é um adjectivo sem significado útil que tem muitos fãs no nosso debate público. Depois, contam-se histórias sobre ajudar-se muito quem quer que supostamente se queira ajudar. As narrativas românticas sucedem-se, mas raramente se responde a argumentos que mencionem os efeitos perversos que as medidas possam ter.

Por muita consciência social que se tenha, se as medidas que se implementarem tiverem como efeito todo o tipo de problemas, que podem até incluir um agravamento dos problemas sociais que visam resolver, então a consciência social dos promotores das medidas de pouco nos vale. E não me parece que tenha menos consciência social quem aponte falhas no cardápio habitual de «medidas sociais» que por aí se vão promovendo do que quem defenda essas medidas.

A intervenção cívica no sentido de defender que não se devem implementar propostas que se considera que terão efeitos sociais nefastos não revela falta de consciência social. Antes pelo contrário. Revela que se está disposto a participar no debate público a defender ideias pouco populares, tentando com isto, por alguma forma, levar a que essas medidas que se considera nefastas não sejam implementadas, o que por sua vez revela consciência social. Revela que a pessoas se preocupa com os problemas e que está disposta a participar no debate público sobre a sua resolução, provavelmente apresentando propostas a esse respeito.

Andar a acusar outras pessoas de não terem consciência social é daqueles truques retóricos já com barbas e que nunca desaparecerá, mas, como todos os ataques «ad hominem», não é um argumento válido. É preciso responder ao que é argumentado, não atacar pessoalmente quem apresenta o argumento. E dizer que se tem muito boas intenções não é suficiente, que de boas intenções está o Inferno cheio.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Que mudança no Funchal? Corrigenda

Um Agradecimento ao Carissimo Anónimo, que me corrigiu na caixa de comentários do texto anterior. 
Vede aqui
Não sabia dos últimos desenvolvimentos da cisão de Miguel Albuquerque com o PSD e com o seu delfim.

Obrigado pela Correcção

A estratégia de alguns dos nossos politicos nunca cessa de me surpreender.

A Guerra Civil Laranja já começou

Como sou um espectador interessado, vontante e logo um interveniente, não é ainda altura de falar.  


sexta-feira, 8 de março de 2013

Que Mudança no Funchal?

Vejo aqui, no Esquerda Republicana, que uma Grande Coligação de 6 Partidos se prepara para concorrer nestas autárquicas no Funchal. 
Nada de mais, não fosse na minha opinião a heterodoxia da mesma.

Juntando em algo que não posso deixar de qualificar como Frente Popular, socialistas, trotskistas, conservadores, liberais, defensores dos direitos dos animais, monárquicos e não sei quantas outras tendências e grupos.

Que ideologia têm além de serem do contra?

No limite se ganharem a Miguel Albuquerque, decapitam o rosto da Oposição interna do PSD-Madeira a Alberto João Jardim e Jaime Ramos...


Declaração de Interesses: Fui filiado nesse sonho de Manuel Monteiro, o Partido da Nova Democracia e  membro do Conselho Geral.

terça-feira, 5 de março de 2013

Daniel Oliveira abandona o Bloco de Esquerda

Daniel Oliveira abandonou o Bloco de Esquerda.

Sempre considerei Daniel Oliveira uma das vozes mais lúcidas do Bloco de Esquerda no que toca ao posicionamento estratégico desse partido, e que se o Bloco seguisse a estratégia geral que Daniel Oliveira me parecia advogar, teria muito maior capacidade de influenciar a condução e rumo político do país. Claro que eu não concordo com o programa económico do Bloco de Esquerda (embora me reveja em algumas das suas posições em temas «fracturantes»), nem tenho particular interesse em ver o Bloco de Esquerda no Governo. No entanto, do ponto de vista de um apoiante do Bloco, sempre me pareceu que as ideias de Daniel Oliveira sobre a estratégia a seguir, claramente contrastantes com as de Francisco Louçã, seriam as melhores.

Recomendo vivamente a leitura da carta que Daniel Oliveira se deu ao trabalho de escrever a justificar a sua saída. Nessa carta, descreve-se aquele que Daniel Oliveira considera ser o caminho correcto para o Bloco de Esquerda aumentar a sua capacidade de influência efectiva, fortalecendo-se e cimentando-se enquanto força política relevante no quadro político português. Esse caminho passaria, essencialmente, por uma maior aposta nas autárquicas, para aquisição de experiência executiva e de trabalho em coligação; pela existência de democracia interna no partido (crítica relevante à criação da corrente Socialismo); pela abertura a convergências e fim de sectarismos primários - o Bloco como factor de união e não de desagregação da Esquerda portuguesa.

Daniel Oliveira faz críticas a meu ver acertadas (do ponto de vista de alguém que quer que o Bloco cresça e tenha influência) à direcção actual e dos últimos anos do partido. Diz, a meu ver também com justeza, que a nova liderança não alterou os tiques da anterior. E critica Francisco Louçã e seus aliados, que devem ser considerados por aqueles que querem que o Bloco se mantenha arredado do Governo como um aliado de peso, pela forma como se comportam e pelas atitudes que tomam em relação, por exemplo, ao PS, mas também a todos os outros que não sigam à risca aquilo que eles pensam. Apreciei também em particular as críticas que faz à posição do BE face à Troika e à União Europeia.

No fundo, Daniel Oliveira é consequente - quer renegociar a dívida e portanto isso significa que considera que o BE não se pode manter à margem da Troika, quer democratizar a UE e portanto defende um federalismo democrático, e quer que o país tenha um rumo, e portanto defende que o BE tenha um programa, e não se baste com «slogans». Daniel Oliveira quer uma união da Esquerda em Portugal e pensa que o Bloco de Esquerda deve agir em conformidade com o seu nome e com a sua matriz inicial: um factor de agregação. No entanto, não tem sido isso que o Bloco tem sido e feito. Portanto, Daniel Oliveira, mantendo-se consequente na sua acção política, sai do partido.

O Bloco devia ler e pensar seriamente sobre a carta que Daniel Oliveira deixou, se quiser atingir os objectivos a que supostamente se propôs aquando da sua fundação. Mas algo me diz que a actual corrente dominante, a tal corrente que se pretende auto-denominar «Socialismo» (era pelos vistos o que faltava ao Bloco, uma corrente de pendência hegemónica chamada «Socialismo»), vai manter a sua linha actual de tratar tudo e todos com desprezo, de nariz no ar, sentando-se num trono de suposta pureza. Com isto, vai ajudar a que o BE se mantenha precisamente onde está. E, por isso, quem quer que não apoie o BE deve agradecer-lhes.

Twitter, Opinião Pública e Propaganda

Leio aqui, uma noticia sobre um estudo em que se procedeu a uma análise de conteúdo sobre o que se escreve no Twitter e os estudos de opinião pública. Que naturalmente são diferentes, sendo as opiniões mais extremadas no "recato" das redes sociais...

Pergunto, são as redes sociais que influenciam a opinião pública ou é o inverso?

Lembrei-me disto por causa do Povo e das suas opiniões na Manifestação do 2 de Março.


segunda-feira, 4 de março de 2013

Defender o Futuro?

Há cerca de um mês, um conjunto de figuras que incluem António Bagão Félix e João César das Neves veio apelar a que a Assembleia da República dedicasse algum tempo a discutir que as suas ideias sobre família, casamento e sexo fossem transformadas em lei.

Sobre o tema, deixo umas pinceladas:

(i) Os signatários não parecem ter percebido que o regime de criminalização da interrupção voluntária da gravidez não funcionava. Ajudava a agravar o problema, porque as interrupções existiam na mesma, só que tinham lugar em locais sem quaisquer condições. Não havia números fidedignos sobre o tema porque as interrupções eram feitas a coberto do silêncio. E não era eficaz, o que a tornava potencialmente arbitrária - não há meios para aplicar uma lei daquelas. Finalmente, a lei actual vem permitir saber o que acontece neste domínio de forma bem mais transparente, porque há números concretos sobre o tema, agora que se legalizou. Vem permitir lidar com o assunto porque se sabe o que se está a passar - e ninguém impede aquelas pessoas de promoverem a não realização de interrupções voluntárias da gravidez, de criar organizações para esse efeito, com o propósito de auxiliar nesse âmbito quem de auxílio necessite. Agora, querer voltar a um regime que não funcionava, usando o sistema judicial para algo com que o sistema judicial não estava a conseguir lidar, não me parece «defender o futuro», mas sim «voltar aos erros do passado».

(ii) Os signatários parecem pensar que o casamento civil e o casamento da Igreja Católica são o mesmo, quando não são. O casamento civil é um contrato entre duas pessoas que escolhem partilhar a sua vida, com efeitos relevantes a nível patrimonial. Essas pessoas podem ser do mesmo sexo ou de sexos diferentes, tanto faz, e faz sentido que tanto faça. Porque o nível de comunhão de vida exigido é o mesmo. Porque o casamento civil não serve para o casal ter filhos (e não explicam o que acontece aos casais heterossexuais inférteis - principalmente se levarem a sua avante no que toca a procriação medicamente assistida). E acrescento o seguinte: a lei portuguesa actual peca por escassa. Devia permitir a adopção por casais de pessoas do mesmo sexo (homossexuais solteiros, curiosamente, já podem adoptar). As crianças não perdem com isso, antes pelo contrário: alarga-se o número potencial de casais com condições para as adoptar que as poderiam adoptar.

(iii) Os signatários demonstram que não sabem fazer muito mais do que citar umas frases do Presidente da República sobre as reformas das regras do divórcio do tempo do Governo Sócrates. E isso é insuficiente. Não estudei o assunto a fundo, mas do que tenho visto, há, de facto, alguns problemas com a aplicação dessas reformas. Mas aquela petição nem os explica devidamente, nem mostra soluções - o que aliás seria impossível, não explicando os problemas. E que fique claro o seguinte: o casamento só deve ser para a vida se houver consentimento mútuo de que o casamento é para a vida. Um casamento prolongado por ser restringido ou abolido o divórcio gera problemas para o casal, promove toda a espécie de hipocrisias, e fomenta aquilo que pretende prevenir. As relações mantêm-se por vontade mútua. Não por decreto.

(iv) A procriação medicamente assistida ajuda casais com problemas de fertilidade a ter filhos. Além disso, numa sociedade livre, se alguém quiser ajudar outras pessoas a ter filhos com o seu útero, então deve poder fazê-lo. Não pode ser forçada a fazê-lo. Mas deve ser livre de o fazer. E as regras sobre a filiação devem estar preparadas para isto acontecer. Tentar empurrar a tecnologia para debaixo do tapete e fingir que não existe, com isso impedindo gente de viver a sua vida como preferiria, não funciona. De novo, as restrições ditadas pela moral daquelas pessoas criam mais problemas do que resolvem - porque não impedem verdadeiramente o procedimento de existir, apenas restringem o acesso e tornam as condições piores para quem decida participar.

(v) Não conheço a lei de mudança de sexo. Digo apenas que considero que alguém que mude de sexo deve ter a sua situação reconhecida juridicamente.

(vi) A petição não refere porque razão deve a lei sobre educação sexual ser revogada, na opinião dos signatários. Mas isso é habitual para aquela petição, fundamentada que está com frases feitas e não com argumentos. Lista-se um conjunto de leis, com umas citações avulsas de comentários do actual Presidente da República, enuncia-se um conjunto de proposições, e diz-se que as leis devem ser revogadas ou alteradas. Alteradas como? Mistério. O ónus de fundamentação não foi levado muito a sério por quem preparou aquela petição. Provavelmente achou que não o tinha, por ser «só» uma petição. Tinha de ser rápida de ler, «sexy» e dizer umas coisas que soassem bem ao ouvido ao público-alvo. Esse público-alvo não me inclui, pelo que eu apenas vejo o que descrevi: um conjunto de frases ligadas pela noção de que a moralidade daquelas pessoas deve ser lei em Portugal.

(vii) Os pontos da liberdade de escolha no Ensino independentemente dos recursos e da liberdade dos pais educarem os seus filhos de acordo com as suas opções éticas e valores estão claramente ligados. No fundo, a ideia é a de os pais poderem escolher, independentemente dos seus recursos, colocar os seus filhos numa escola que ensine os valores vertidos na petição. O que me parece implicar, e posso estar enganado, que esta petição o que verdadeiramente quer é dinheiro público a seguir os alunos para escolas religiosas católicas. Acontece que vivemos num Estado laico e secular, e eu não vejo com grandes olhos o Estado a financiar religiões - quaisquer que elas sejam. É que se a ideia for a Igreja de alguma forma subsidiar os estudos de crianças nas suas escolas, ou existirem organizações da sociedade civil que se dediquem a isso, tudo isto já é possível. Por isso, resta a opção do dinheiro público. Esse, tenho dúvidas que deva ser usado para financiar escolas religiosas ou educação religiosa e moral.

(viii) O desemprego aumenta de dia para dia. A economia não cresce. Temos problemas económicos e financeiros graves neste país. Mas estas pessoas decidiram fazer uma petição pública a dizer que a sua prioridade seria que a sua moral fosse imposta à totalidade da população do país, através de um conjunto de medidas que não nos ajudaria a tirar do buraco em que estamos metidos, e tornariam a nossa sociedade menos livre, plural e aberta. Sinceramente, diz muito acerca das pessoas que a subscreveram. Mas de nada serviria para resolver os problemas do país.

domingo, 3 de março de 2013

Apontamentos sobre o Governo - Especial Vítor Gaspar

Priscila Rêgo, no seu blogue, escreveu quatro artigos sobre as razões que a levavam a gostar de Vítor Gaspar (ver aqui «links» para os primeiros três, e ver o quarto aqui). Estando eu a escrever apontamentos sobre o Governo, não podia deixar passar o nosso actual Ministro das Finanças.

Vítor Gaspar não foi, tanto quanto se sabe, a primeira escolha para o lugar. Lugar esse que terá sido rejeitado por outros, possivelmente outros que hoje em dia lançam muitas opiniões, quando poderiam ter tido a oportunidade de as tentar colocar em prática. De qualquer forma, há que dar mérito a Vítor Gaspar ter aceite ser Ministro das Finanças em 2011 e ainda continuar em funções.

O lugar não era, não é, e não será num futuro próximo um lugar apetecível. O desgaste é intenso, a pressão também, e será para sempre lembrado pelas medidas duras que tem tomado. Por uns, por não ter «rasgado» as PPP. Por outros, por não ter sido expedito em lançar um programa de reforma do Estado Central (não nos esqueçamos que Vítor Gaspar é Ministro das Finanças e da Administração Pública). Pela grande maioria, pelos aumentos de impostos a que temos sido sujeitos. E finalmente, terá para sempre de aturar acusações relativas às previsões económicas do Ministério das Finanças.

A tarefa do Ministro das Finanças é uma tarefa quase impossível, algo que por vezes parece esquecido por muito boa gente. Comentar é fácil. Dizer que cortar despesa é equivalente a cortar linhas no Orçamento e que isso se faz em cinco minutos e facilmente é ignorar todas as forças de bloqueio, mesmo na área política do Governo, contra os cortes de despesa. Aumentar os impostos é criticado e criticado, mas no curto prazo, acaba por ser a forma de atingir objectivos de défice enquanto a reforma e os cortes no Estado vão sendo bloqueados. Sendo que, e há malta que parece esquecer-se disto, este Governo tem, de facto, cortado na despesa - e mais do que qualquer outro desde 1974, segundo creio.

Nada disto isenta o Ministro das Finanças de críticas. Pessoalmente, considero que deveria ter avançado de imediato com um debate alargado sobre a reforma do Estado. O melhor teria sido o Governo ter entrado em funções já com um programa de reforma do Estado e de cortes pensado, mas isso nunca acontece em Portugal, dado que as Oposições não se dedicam a preparar políticas e a ver os seus impactos e quanto é que elas custam (ou poupam) de forma rigorosa e credível. Portanto, teria de se ter passado à acção já no Governo. Mas devia ter sido imediato. O debate não devia ter começado há uns meses, devia ter começado logo em 2011, e devia ter havido imediata pressão no PS para participar.

Depois, o Ministro das Finanças errou quando publicamente avançou que Portugal deveria beneficiar de condições que a Grécia beneficiou em público sem primeiro ter a certeza, privada, de que as coisas se encaminhavam neste sentido. Estas questões têm de ser negociadas e bem preparadas, de forma a não rebentarem na cara de quem as anuncia, como acabaram por rebentar. Pelo que percebo, o regresso parcial de Portugal aos mercados de dívida foi preparado com a Irlanda e correu bem - e é esse o precedente que eu gostaria de ver o Governo seguir, e não o precedente dos anúncios precipitados relativos às condições dos empréstimos da Troika.

A crítica habitualmente feita ao Ministro é a de que apenas se preocupa com as finanças, que ignora a economia, e que não tem em conta a «componente social». Para mim, este trio de chavões dizem mais de quem os lança contra o Ministro do que sobre o Ministro. Primeiro, dizem-me que essas pessoas gostam de «medidas sociais», mesmo que de duvidosa ou perniciosa eficácia prática, normalmente por avançarem as medidas sem consideraram se as medidas iriam funcionar como pretendido ou não. Segundo, neste momento, estabilizar e colocar as contas públicas portuguesas em ordem seria um bem para a economia portuguesa, principalmente na medida em que nos colocássemos numa posição de conseguir cortar impostos de forma sustentável. Terceiro, as políticas económicas não se resumem a despejar dinheiro na económica, e podem passar precisamente por tornar a economia mais flexível, por promover a concorrência, etc.

Não é ser «socialmente insensível» aplicar medidas impopulares, principalmente quando a alternativa seria uma grande e abrupta queda na qualidade de vida da totalidade da população do país. Não é ser «socialmente insensível» não estourar dinheiro que não se tem em programas de eficácia e utilidade duvidosas ou potencialmente perversas, apenas por soarem bem e terem boas intenções. Não é ser «socialmente insensível» lidar com problemas financeiros graves que a todos prejudicam, que têm levado a aumentos de impostos sucessivos, e que nos criam um bloqueio ao desenvolvimento sustentável da nossa economia.

O programa da Troika vem com metas de défice que é preciso cumprir, e que quanto mais tempo estivermos com défice, mais dívida teremos. Ou seja, não é, para mim, um grande triunfo que se tenha de estar mais tempo a corrigir o nosso défice. Antes pelo contrário. Quanto mais rapidamente lidarmos com esse problema de forma sustentável, melhor. Mas para isso ter sido possível, teria sido provavelmente necessário que tivéssemos começado a reformar o Estado mais cedo. Coisa que não aconteceu. Claro que se nos melhorarem as condições, tendo em atenção a implementação do programa até agora, isso seria bom, não haja qualquer dúvida. Mas simplesmente mais um ano para cumprir metas de défice significa apenas mais dívida.

O Ministro das Finanças tem tomado medidas impopulares, incluindo medidas, como aumentos de impostos, que me desagradam, como desagradam a muita gente. Acontece que neste período de aperto e de alternativas sistematicamente bloqueadas, incluindo por gente que devia estar do lado do Governo, os aumentos de impostos iriam acontecer. A grande luta estaria no corte de despesa, luta essa que tem resultado em cortes relevantes. Mas o passo da reforma do Estado não está a ser dado com a convicção necessária. Só que aí seria necessária uma intervenção clara do Primeiro Ministro e restantes Ministros. Por agora, aquilo que se sabe é que Paulo Portas assumiu essa pasta - o que não me enche de confiança.

Vítor Gaspar fez bem em não anunciar que pura e simplesmente iria «rasgar» todas as PPP, mas o Governo tem-nas renegociado e procurado obter poupanças, e os jornais noticiam que as tem obtido (embora eu não conheça os pormenores, pelo que não sei exactamente o que se passa). No que toca às privatizações, ultrapassou-se o objectivo relativo ao dinheiro a receber com privatizações. Relativamente aos funcionários públicos, o Governo tem estado, e bem, a aproximar ainda mais o seu regime ao regime dos trabalhadores privados (trabalho do Secretário de Estado, mais do que do Ministro, provavelmente). Em termos de consolidação orçamental, o ênfase tem estado demasiado no aumento dos impostos, embora o Governo também tenha cortado a despesa pública em vários milhares de milhões de euros.

É neste último ponto que surge o debate sobre a reforma do Estado. Essa reforma visaria tornar o Estado mais eficiente (poupando dinheiro), mas também deveria servir para realocar recursos dentro do Estado, para onde eles sejam mais necessários, e permitindo cortes mais pensados e estruturados. Nesta onda, o Governo deveria finalmente introduzir um Orçamento de base zero. E a reforma fiscal não se deveria ficar por aumentos de taxas e uma Comissão de Reforma do IRC - deveria existir uma reforma do sistema fiscal como um todo, que criasse as bases para um novo sistema fiscal, mais simples e com taxas mais baixas.

O ênfase do Ministro das Finanças deveria estar em conseguir que a promessa de conseguir a consolidação orçamental cada vez mais do lado da despesa, no sentido de conseguir baixar impostos de forma sustentável, seja uma realidade implementada. Em conseguir um sistema de debate e execução orçamentais o mais transparente possível. Em simplificar o sistema fiscal, e parar com as alterações relevantes constantes que causam incerteza (algo que não parou com este Governo). E em continuar resistir a apelos a que mude o rume com base na noção de que estas medidas são aplicadas quase que por sado-masoquismo, mas sabendo explicar melhor aquilo que o Governo está a fazer.

sábado, 2 de março de 2013

Apontamentos sobre o Governo (I)

A saída de Miguel Relvas do Governo significaria a demissão de alguém extremamente próximo do Primeiro Ministro do Governo, de alguém que o Primeiro Ministro tem defendido e de quem parece que lhe será difícil afastar-se. Significa o Governo dar uma vitória a opositores políticos que têm clamado pela queda de Miguel Relvas. Se a queda de um Ministro nesta conjuntura seria muito provavelmente uma situação extremamente delicada politicamente para o Governo, a queda de um Ministro com aquelas características tornaria as coisas ainda mais complicadas, potencialmente, por afectar directamente o Primeiro Ministro.

Aliás, falando nas ligações ao Primeiro Ministro, não é por acaso que Miguel Relvas acabou na pasta dos Assuntos Parlamentares, a mais política das pastas. Infelizmente, uma pasta virada para a coordenação política, que não parece existir, e ligada à RTP e à reforma do Poder Local, ambos «dossiers» em que o falhanço até agora é bastante claro. Uma pasta importante num Governo de coligação, dada a sua componente de coordenação política e de Ministro responsável pela «mensagem» do Governo, e que tem falhado completamente.

Só vejo a possibilidade de Miguel Relvas demitir-se e cair sobre a espada. Mas vejo-a apenas em teoria. Na prática, vejo Miguel Relvas a manter-se no Governo. Duvido que caia.

Álvaro Santos Pereira começou mal a sua estadia no Governo, e tornou-se o bobo da corte para muito boa comunicação social. Depois, não falou muito. Quando começou a falar, jorraram as «medidas económicas», e tornou-se claro que Álvaro Santos Pereira é mais um numa longa linha de Ministros que acreditam em «pacotes de medidas» e em «bancos de fomento». A proposta que fez para o IRC, que tantos aplausos colheu mesmo de alguns sectores mais avessos ao Governo, era uma proposta desnecessariamente burocrática e cujo impacto claramente não se encontrava estudado. Em suma, pareceu um bitaite. Agora temos uma comissão de revisão do IRC e vamos ver o que sai de lá - esperemos que algo melhor que o bitaite de Álvaro Santos Pereira.

Neste momento que a «caça ao Álvaro» amainou um pouco, a queda de Álvaro Santos Pereira não teria as consequências que teria tido há uns tempos. Só que agora Álvaro Santos Pereira tem as tais «medidas». Defende bancos de fomento e quedas de IRC e programas vários e coisas e outras coisas. Há quem o considere bom Ministro, até gente na área política do Governo, por motivos que eu pessoalmente não encontro. E, de novo, a queda de qualquer Ministro, na situação em que o Governo está, seria perigosa politicamente - sendo que eu duvido que o Ministro seguinte não continuasse a mesma linha de «medidas» e «bancos de fomento». Se é para isso, mais vale ficar o que está, que o seguinte teria ainda por cima de perder bastante tempo a aprender os «dossiers».

Quem não ficou foi uma série de Secretários de Estado, incluindo vários no Ministério da Economia. A saída desses Secretários de Estado significa que os seus substitutos vão ter de aprender a ser Secretários de Estado e vão ter de aprender todos os «dossiers». Entram a meio. Se tiverem ideias novas, poderão parar com coisas anteriores. Em suma, numa altura de crise em que o Governo tem de defender as suas medidas no plano económico, ficar sem vários Secretários de Estado que já sabem o que se está a passar pode ser um problema. Sendo que o Governo criou um problema político adicional ao escolher para Secretário de Estado alguém que esteve na SLN - problema esse expectável, que já parece ter saído um pouco do radar político neste momento, mas que foi mais uma fonte de desgaste (e foi interessante, de novo, ver a forma como o CDS-PP reagiu a tudo o que se passou, mantendo-se à margem).

Chegamos a Vítor Gaspar. A luta contra Vítor Gaspar tem-se centrado no óbvio: transformar a sua potencial maior força na sua fraqueza. No caso de Vítor Gaspar, a sua força era a credibilidade técnica. Portanto, foi por aí que se pegou, exigindo-se ao Ministro das Finanças o poder de prever o futuro com a exactidão de um mago, de forma a que, falhando as previsões, esse ponto fosse usado para colocar em causa a sua credibilidade. A estratégia tem resultado, até porque o Governo não tem sabido proteger o seu Ministro das Finanças do desgaste político a que tem estado sujeito. E isso deve-se à falta de coordenação política e à falta de uma estratégia de comunicação por parte do Governo que lhe permita resguardar o Primeiro Ministro e o Ministro das Finanças. Entraria aí em cena, a meu ver, o Ministro dos Assuntos Parlamentares, bem como Secretários de Estado e um Gabinete de Imprensa. Só que o Ministro dos Assuntos Parlamentares tem os problemas conhecidos, e o Governo não tem sabido usar os seus Secretários de Estado para estes propósitos, e sabe-se lá se já existe um Gabinete de Imprensa.

Governo e PS não têm um programa de reforma do Estado

O Governo não tem um programa de reforma do Estado. Tem havido debates sobre o tema, organizado à última hora e em cima do joelho, mas, além de se saber que o Governo quer cortar mais quatro mil milhões de euros, não se sabe o que pretende fazer. O PS, por sua vez, faz bandeira de não querer cortar os tais quatro milhões de euros, mas, não tendo posto de parte debater a reforma do Estado, também o PS não tem um programa coerente e completo sobre esse tema.

Em 2013, continuamos a debater a reforma do Estado no plano da teoria. O Governo, desde que iniciou funções, tem levado a cabo algumas fusões e extinções, mas principalmente focadas em cargos dirigentes. O primeiro Governo de José Sócrates lançou uma reforma do Estado, mas que ficou longe de ser concluída (apesar das melhorias em termos de informatização dos serviços do Estado). No fundo, fala-se sobre o tema, diz-se que é necessária essa reforma, mas no fim não se é consequente.

Este Governo, em particular, tem de facto feito cortes na despesa, mas devia ter imediatamente, ao ter chegado ao poder, lançado as bases para a reforma do Estado estar já a ser implementada na prática. O PS, em vez de se ter escondido do debate, devia ter participado activamente, fazendo valer os seus pontos de vista, desde o primeiro momento. Do PCP-PEV e do BE é esperado que fiquem no seu canto a lançar insultos e acusações, mas do PS não. Do PS espera-se que apresente propostas.

Somos muito pouco exigentes com as nossas Oposições cá em Portugal. Do Governo espera-se que resolva todos os problemas em cinco minutos, de preferência até ontem, conseguindo tudo e o seu contrário. Da Oposição não se exige nada. Não se exigiu nada ao PSD de Passos Coelho enquanto Oposição ao Governo de José Sócrates e não se está a exigir nada ao PS de António José Seguro enquanto Oposição ao Governo de Passos Coelho. O resultado foi que o PSD de Passos Coelho não se preparou para chegar ao Governo e que o PS de Seguro está no mesmo caminho.

O Governo e o PS não têm programa de reforma do Estado, mas «slogans» têm. Também têm tácticas políticas. Também têm comentadores na televisão. Têm muita conversa, muito paleio, muita discussão sobre a política enquanto jogo e brincadeira, mas sobre a reforma do Estado, não há um programa coerente, integrado e completo, quer do Governo, quer do PS. Já há tempo que esse programa devia existir. Já há tempo que esse programa devia estar a ser implementado. Mas em vez disso, está a ser debatido, e de forma razoavelmente teórica.

É incrível como os meses passam e esta situação continua na mesma. Sucedem-se os escândalos e as histerias mediáticas em torno das coisas mais espantosas, mas onde está a pressão sobre os partidos para serem claros nas propostas que fazem, para garantirem que essas propostas estão custeadas, para explicarem de que forma é que essas propostas seriam exequíveis? Em lado nenhum. E isto aplica-se a Governo e à Oposição. O «debate» fica sempre pela rama. Discutem-se pessoas e rumores. Confundem-se temas complexos e mesmo temas simples - como quando se «confunde» o TGV com uma linha de mercadorias. Apela-se a supostas autoridades para dar opiniões sobre temas, por vezes sem esses temas terem sequer sido estudados previamente.

Não é por acaso que o Governo e o PS não têm um programa de reforma do Estado. Ninguém parece querer saber se têm ou deixam de ter. Ninguém parece querer saber exactamente que propostas são feitas e o que as fundamenta. O interesse está em brincar à política, com debates públicos ao nível do pior que se vê na blogosfera ou em fóruns na Internet, sem qualquer exigência de mais. A teoria do coitadinho e as vitimizações abundam. As posições prévias não são assumidas, são apenas subentendidas ou até passadas como não existindo. Há quem faça gala de não ter ideologia e de não ser político e depois da «transparência» - quando a transparência exigiria precisamente que se assumisse aquilo que se pensa, qual o ponto de partida para aquilo que se diz e qual a razão para esse ponto de partida.

O Governo e o PS não têm um programa de reforma do Estado num momento em que esse é um tema fundamental na resolução dos nossos problemas. É absurdo. Mas a verdade é que não são penalizados por isso. São penalizados por apresentarem ideias concretas. É que essas ideias concretas pressupõem escolhas, exigem que se tome partido, que se explique o que se vai fazer, e tudo isso vai afectar gente que se vai queixar. E nesse momento, o enfoque vai ser nas queixas, quaisquer que sejam os fundamentos, mais ou menos válidos. É bem mais fácil, portanto, manter ambiguidades - principalmente enquanto se está na Oposição, porque da Oposição não se exige nada. Do Governo, entretanto, tudo se exige, e o Governo, qualquer Governo, vai resvalando, há medida que é forçado a tomar decisões.

No fim do ciclo, principalmente em momento de crise, o Governo cai e a Oposição chega ao poder. Nenhum tem, o teve, programa de reforma do Estado. Os problemas continuam. O ciclo repete-se. E ninguém exige mais.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Um mero pormenor


Amanhã,  dia 2 de Março de 2013, vai-se realizar mais uma manifestação do movimento “Que se lixe a troika”.


Não será preciso uma bola de cristal para compreender que de útil à política nacional esta manifestação, como a de 15 de Setembro e subsequentes, pouco trará ao país.

Em primeiro lugar, pela diversidade de correntes ideológicas e pessoas que o movimento procura agregar que se reduz a uma antipolítica, em segundo, porque a actual coligação venceria as eleições se as eleições fossem agora.

É o que consta da sondagem publicada a 11 de Janeiro de 2013, disponível aqui.

Além de que, de acordo com a mesma sondagem, os partidos que advogam “rasgar o memorando”, ou seja, o PCP e o BE tinham, à data do estudo, 18,4% da intenções de voto dos portugueses. Outras sondagens não têm andado muito longe destes números.

Tudo isto para dizer que sim, os participantes na manifestação de amanhã têm todo o direito à a dizer o que bem entenderem, mas espero que saibam que o que defendem: a queda do governo e o exílio da troika nunca será possível pela rua.

Em primeiro lugar porque não é o que o povo Português quer, como constou não só das eleições de 2011 (ao votarem esmagadoramente nos partidos que subscreveram o memorando), como nas sucessivas sondagens que têm vindo a lume;  

Em segundo lugar, porque que se tal acontecesse todo o processo eleitoral democrático cairia por terra: é que a democracia faz-se em primeiro lugar através do voto e uma vez caído o poder pela rua, ele cairá uma e outra vez, da mesma forma, vítima deste ou aquele grupo de pressão.

Tudo isto interessa porque o “povo” que este movimento diz defender não é, pelos vistos, o mesmo que votou em 2011 e que é entrevistado para as sondagens publicadas e isso não é um mero pormenor.