sábado, 20 de julho de 2013

Fim das negociações

Não há acordo, como era expectável.

De qualquer forma, o PS podia ter poupado o país a uma semana de negociações e ter dito expressamente que não aceitava negociar.

A leitura do seu documento de 'salvação nacional' mostra como não existiu qualquer tentativa de aproximar posições com PSD e CDS. Inclui uma secção de três parágrafos sobre reforma do Estado, inclui uma secção maior sobre 'governabilidade' em que se fala do facto do PS querer uma maioria absoluta e da importância teórica do compromisso - que o PS diz praticar mas tornou claro que não pratica.

Por outro lado, todo o documento do PS ignora, por completo, a existência da 'troika'. Continua com a noção mirífica de que Portugal vai impor condições à 'troika' para continuar tudo na mesma, aliás provavelmente voltando atrás com cortes na despesa que já foram feitos. Isto num momento em que o que está em causa é precisamente cortes na despesa e reforma do Estado.

Como disse, o PS podia ter poupado o país a uma semana de 'negociações' em que aquilo que ficou claro foi o seu desinteresse em participar em negociações com a 'troika' e depois sujeitar-se aos resultados das negociações. Isto é um dado importante. Deviam perguntar claramente a António José Seguro qual a razão pela qual o PS não se presta a participar nas reuniões com a 'troika' desde já, apresentando todas as suas 'soluções', que diz que conseguiria impor se fosse Governo.

Por outro lado, é significativo que o PS nem se tenha dignado a responder positivamente a uma carta em que o PSD pediu que elencasse aquilo em que considerava poder haver acordo, tal como é significativo que o PS tenha exigido que só houvesse acordo se houvesse acordo em relação a tudo. Tal como é relevante que o PS tenha apresentado cópias de passagens do seu 'Documento de Coimbra'.

Mas mais: olhando para o documento do PS, mal se entende que não tenha negociado com BE e PCP. O BE convidou-o a negociar, o PS recusou e, muito ironicamente, acusou o BE de fazer 'jogos partidários'. Da mesma forma que foi com fina ironia que acusou PSD e CDS-PP de terem culpa do fim, sem sucesso, de negociações para as quais partiu sem qualquer interesse em ceder.

Quanto ao PSD, queria acordos relativamente a memorando com a 'troika' e orçamentos até 2014, numa perspectiva de estabilidade. Claro que o PS não quis assumir o ónus das medidas que iriam ser tomadas, nem quis assumir o ónus de negociar com a 'troika'. Porque aí iria demonstrar o enorme 'bluff' que é o seu Documento de Coimbra, e que o que podemos esperar de António José Seguro é que se transforme numa versão ainda menor do pequeno François Hollande, Presidente francês de quem António José Seguro é fã, e cuja popularidade e sucesso em França tem sido extremamente reduzido.

De qualquer forma, o ponto fundamental foi este: a crise não ficou resolvida, o Governo saiu fragilizado (embora, na minha opinião, e contra-corrente possivelmente, penso que o Primeiro Ministro tem conseguido gerir a crise o melhor possível) e agora não sabemos exactamente o que vai acontecer a seguir. Vamos ter de esperar pela próxima comunicação do Presidente da República, que devia ter sido hoje, mas que vai ter lugar amanhã.

Nessa intervenção, o Presidente da República devia aceitar, agora, a remodelação governamental proposta pelo Governo, com atraso inútil por si causado e por António José Seguro rematado. Existe maioria parlamentar, como se viu na moção de censura do PEV, e essa maioria parlamentar deve continuar a existir.

sábado, 13 de julho de 2013

Compromisso pós-troika

Não sendo a minha solução preferida, a solução colocada em cima da mesa pelo Presidente da República é a que temos agora. Infelizmente, no entanto, o tempo que temos para a colocar em prática é contrário a que o acordo final que resulte das negociações tenha grande interesse ou qualidade.

Portugal podia ter aproveitado a crise para discutir, de forma séria, os vários problemas com que se tem cronicamente defrontado. Podia ter aproveitado a crise para finalmente ter um debate alargado sobre o seu Estado, sobre o seu sistema político e, claro, sobre o seu modelo de desenvolvimento económico.

Dessa discussão séria poderia, de facto, surgir um verdadeiro compromisso que, mais do que de médio prazo, seria de longo prazo, definindo traves mestras para a reforma do Estado, para a sustentabilidade das contas públicas e para a competitividade da economia portuguesa no contexto europeu e global. Esse compromisso poderia, até, ter resultado em alterações constitucionais relevantes.

Não é isso a que se tem assistido. Temos visto partidos que assinaram o Memorando com a Troika a fugir do Memorando que assinaram. Temos visto constantes obstruções à reforma do Estado. Longe de termos visto um ímpeto reformista e um compromisso alargado de reforma, temos visto uma enorme dose de inércia, de defesa a todo o custo do 'status quo', por entre trocas de insultos e acusações.

Não é agora, à pressão, que se vai conseguir ultrapassar todo o tempo perdido e chegar a um acordo credível e com conteúdo útil e operacionalizável. Mesmo dentro dos próprios partidos da maioria, a resistência à mudança é patente. Temos assistido a um Governo forçado a tomar medidas impopulares a ser minado pela própria maioria parlamentar que o suporta - em particular, há que se dizer claramente, pela bancada do CDS-PP.

Não temos visto do PS mais do que isso também. Umas conversas sobre reduzir o número de deputados para 180, uma lista de compras de 10 medidas avulsas que não mostram nenhuma vontade de mudar, e uma enorme dose de retórica sobre crescimento económico. Nem as actuais agruras de François Hollande têm detido o PS de ter este tipo de discurso, nem o facto de termos passado dez anos a não crescer com essas políticas.

Na comunicação social, comentadores vários mostram o seu desprezo pela mudança. Os Josés Pachecos Pereiras e os Marcelos Rebelos de Sousa deste mundo, sem programa nem ideias para o país, bombardeiam-no com conversa fiada e análise profunda de intrigas e da baixa política. Os debates substantivos não existem, substituídos por conversa sobre diz-que-disse.

Eis que Cavaco Silva, Presidente da República, vem exigir um compromisso pós-troika. Até deu os títulos para as várias secções desse compromisso. Só que um compromisso desses, para ser credível e relevante, tem de incluir a reforma do Estado. Tem de incluir uma discussão séria sobre crescimento, que não a actual, baseada no Princípio da Ressurreição da Fada Sininho - toda a gente diz muitas vezes que quer crescimento económico até ele acontecer, da mesma forma que acreditar muito em fadas trouxe a fada Sininho de volta â vida.

Nada disso tivemos até hoje, incluindo da parte do próprio Presidente da República. Não é agora, à pressão, que vamos ter. E por isso, apesar de desejável, mesmo que surja, tenho as maiores reservas em relação ao tal compromisso exigido pelo Presidente.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Crise política

Vítor Gaspar demitiu-se. Deixou uma carta. Foi substituído por Maria Luís Albuquerque. Paulo Portas não gostou, porque queria uma mudança política qualquer, vaga, e, depois de deixar tomar posse um Secretário de Estado do CDS-PP na área das Finanças, demite-se, sem dar água vai a ninguém.

Cai o carmo e a trindade. Há quem tente culpar Vítor Gaspar pela crise, mas confesso que a minha opinião é simples: a crise abriu-se, a sério, com a saída de Paulo Portas. E Paulo Portas saiu de forma absurda, sem sequer avisar o próprio partido. Se não gostava da escolha do Primeiro Ministro a esse ponto, devia ter de imediato dito que se demitia quando soube o nome. E mais: ao demitir-se, devia ter sido claro que o CDS-PP saía da coligação.

Não foi essa a escolha do nosso agora Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiro, que preferiu demitir-se a título pessoal e de forma "irrevogável". O Primeiro Ministro não aceitou a demissão e colocou a bola de volta no campo do CDS-PP - e, confesso, gostei de o ver a fazê-lo. Entretanto, o CDS-PP, não estando interessado em ser considerado culpado por levar à queda do Governo, leva o seu líder a renegociar a Coligação com o PSD e o CDS-PP.

(O CDS-PP, note-se, tinha duas escolhas claras: manter-se no Governo sem o líder que se tinha demitido do mesmo ou sair do Governo com o seu líder. Curiosamente, ou talvez não, não escolhe nem uma nem a outra - com isso dizendo possivelmente mais sobre a sua condição actual de dependência de Paulo Portas do que desejaria.)

A Coligação lá chega a um novo acordo, que leva ao Presidente da República. O Presidente da República, entretanto, decidiu ouvir os partidos com assento parlamentar e os 'parceiros sociais'. E no fim ia falar ao país e anunciar uma solução. Sendo que as duas soluções que lhe propuseram foram: eleições antecipadas e dar posse à remodelação da Coligação.

A minha opinião sobre essas duas soluções é clara: havia uma maioria parlamentar disposta a suportar o Governo remodelado. Nestes termos, o Presidente deveria ter dado posse aos novos Ministros que lhe foram apresentados por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Sendo que, a meu ver, nessa remodelação se criou uma posição que devia ter existido desde sempre: Vice-Primeiro Ministro. E o CDS-PP foi colocado na posição de negociador com a troika e responsável por políticas económicas, impedindo-o claramente de estar com um pé dentro e com outro fora do Governo.

Essa solução tinha, a meu ver, condições para funcionar, dados os ónus que existiam sobre os partidos da Coligação. E podia até levar a Coligação a estender-se às eleições europeias. Além de que estava a ser aceite, também lá fora, como pelo menos relativamente credível em termos de sustentabilidade.

Não defendo eleições antecipadas. A democracia parlamentar não se faz apenas de eleições. Uma democracia parlamentar saudável não se faz de eleições antecipadas constantes, principalmente quando existe uma maioria disposta a suportar um Governo. Existindo essa maioria parlamentar, com novo acordo e maior responsabilização do CDS-PP, o Governo é viável, existem condições para continuar a aplicar o seu programa.

As eleições antecipadas não são "mais democráticas" do que uma solução que mantenha em funções um Governo com apoio parlamentar. O regular funcionamento das instituições não passa por eleições constantes. E eleições neste contexto teriam custos económicos e financeiros relevantes, bem como custos políticos relevantes, minando ainda mais a credibilidade das nossas instituições e da nossa economia, quer interna, quer externamente.

De qualquer forma, compreendo que haja quem pense que sejam necessárias eleições antecipadas. Há razões que entendo como razoáveis para defendê-las, embora não concorde com a solução. (Claro que também há aqueles que defendem eleições antecipadas quase desde o Governo tomar posse, cujas razões parecem prender-se principalmente com não concordarem com este Governo do que com quaiqsquer outras.)

Mas o Presidente da República não escolheu nem a solução de dar posse ao Governo remodelado, nem a solução das eleições antecipadas. Clamou por um "compromisso de salvação nacional" de médio prazo entre PS, PSD e CDS-PP, fácil de negociar tecnicamente (?!), com conteúdo programático que inclui temas como a sustentabilidade financeira do Estado, o emprego, entre outras grandes questões. Não deu prazo para as negociações terem lugar. Não tornou claro exactamente o que pretendia. Sugeriu que podia existir uma figura com grande credibilidade para as auxiliar (mas demitindo-se de o fazer ele próprio).

Havendo esse compromisso, teríamos eleições em 2014. Depois do PAEF. Como se o PAEF acabar fosse verdadeiramente um marco. Como se este Parlamento não tivesse mandato até 2015. Como se esse facto fosse irrelevante. Como se não fosse melhor negociar o pós-troika de forma razoável e com tempo. Como se não tivesse de ter chamados o CDS-PP, o PSD e o PS às suas responsabilidades há dois anos, e constantemente promovido o diálogo, em vez das suas habituais intervenções esfíngicas de qualidade duvidosa no debate político e económico em Portugal.

Subitamente, o Presidente da República, com duas soluções simples em cima da mesa, põe o país em suspenso. Exige negociações. Não dá prazo (!) para essas negociações. Não se sabe exactamente os termos do acordo que quer - mas se é tecnicamente simples, então imagina-se que o conteúdo será um conjunto de generalidades sobre os temas quentes do momento. Mantém um Governo que se quer remodelar em funções em o remodelar, mas também com a clara declaração do Presidente de que não é a solução que defende - da mesma forma que descredibilizou a solução da remodelação e das eleições antecipadas.

Nós devíamos ter começado a preparar o pós-troika há tempo. Da mesma forma que devíamos ter começado a preparar a reforma do Estado há anos. São temas complexos, que exigem ainda por cima compromissos alargados. Eis que temos o nosso Presidente a dizer que exige um "compromisso de médio prazo" negociado em cima do joelho e à pressa - porque apesar de não haver prazo, é evidente que estamos em contra-relógio. Principalmente porque depois do incêndio financeiro causado pela demissão de Paulo Portas, tínhamos acalmia advinda de já haver uma possível solução, que se encontrou rapidamente.

É muito giro ver o Presidente fazer jogos políticos de um ponto de vista teórico. Vê-lo encostar o PSD, o PS e o CDS-PP à parede a dizer "entendam-se". Só que qual o entendimento que pode sair, à pressão, daqui? Um entendimento credível e sustentável a prazo? Um entendimento que vá para além de um conjunto de banalidades irrelevantes? Tenho sérias dúvidas. Para ser credível, precisamos de um entendimento a sério sobre, por exemplo, a reforma do Estado. Vamos consegui-lo em cinco minutos?

Não faz sentido. A meu ver, o Presidente devia ter dado posse ao Governo remodelado. Tê-lo-ia criticado se tivesse escolhido eleições antecipadas. Mas, afinal, o que o Presidente escolheu foi lembrar-se de fazer coisas que já devia ter feito à anos, provavelmente até antes da existência de Memorando, e de dizer que a sua solução ideal também passa por eleições antecipadas - só que em 2014.

O Presidente deve garantir e preservar o regular funcionamento das instituições. E ao lançar a confusão, com um discurso que tem tido milhentas interpretações, o nosso Exmo. Presidente da República fez o oposto.

E vamos todos pagar por isso.