segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Competitividade


O modelo de desenvolvimento económico em Portugal tem assentado primordialmente no investimento público infra-estrutural e em subsídios de ordem vária, como forma de fomentar o investimento privado, bem como na mão-de-obra barata. O Estado mantém uma panóplia de participações (incluindo ‘golden shares’) em empresas de sectores considerados estratégicos, bem como algumas empresas públicas, como por exemplo a TAP ou a CGD. A CGD, por sua vez, detém participações um pouco por todo o lado.

O discurso político tem-se virado muito, também, para o fomento das pequenas e médias empresas, apresentadas como motor do crescimento económico. O Estado cria programas de apoio às PMEs, para estas começarem a exportar os seus produtos e a formar os colaboradores da empresa. O ‘choque tecnológico’ do actual Governo tem levado também à subsidiação das energias renováveis e ao investimento público na investigação científica.

Este modelo de desenvolvimento económico tem de ser alterado. Dez anos de empobrecimento relativo mostraram claramente as falhas de um modelo de desenvolvimento em que as empresas sobrevivem não por serem bem sucedidas junto dos consumidores finais, mas sim porque conseguiram este ou aquele subsídio estatal. Não se encontra em Portugal uma cultura de inovação e de risco, mas sim a emigração em massa das pessoas da minha geração.

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E porque não devem elas emigrar? O que as deve prender a um país em que, procurando o primeiro emprego, são confrontadas com empresas que pretendem pessoal altamente qualificado a quem depois oferecem o salário mínimo? O que as deve prender a um país em que o seu primeiro emprego será num ‘call centre’, com falsos recibos verdes, porque é demasiado caro e arriscado contratá-los com um contrato de trabalho/despedir indivíduos que se pretenda despedir?

Quem fala dos jovens que emigram, fala também de potenciais investidores estrangeiros. Olham para Portugal e vêem um país em que o sistema fiscal é excessivamente complexo, o sistema de justiça é excessivamente lento, as leis laborais são excessivamente rígidas, e há uma quantidade excessiva de burocracia. É certo que tem havido alguns progressos no campo da burocracia (o ‘licenciamento zero’ é uma boa ideia, por exemplo), mas sempre que se fala de alterações de vulto noutras áreas, cai o Carmo e a Trindade e fica tudo na mesma.

Portugal precisa de alterar o seu modelo de desenvolvimento económico. Temos de formar, ou atrair, gestores profissionais, que procurem atrair os melhores para as empresas que gerem através de melhores condições de trabalho e salários mais elevados. Quem deve decidir sobre o valor das empresas são os consumidores, através das suas escolhas, e não o Estado, através de subsídios. Desta forma, as empresas teriam de competir umas com as outras por clientela, o que fomentaria a eficiência no mercado.

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O Estado deve intervir como regulador, destruindo cartéis e promovendo a concorrência, regulando convenientemente monopólios, mantendo um sistema de justiça funcional e garantindo uma educação de qualidade a todos. As ‘golden shares’ têm de acabar, substituídas por uma diminuição das barreiras à entrada nesses mercados e melhor regulação dos mesmos. As nossas entidades reguladoras independentes têm de ser levadas a sério, e ter os poderes e meios necessários para garantir que as regras do jogo são cumpridas.

As associações de empresas e os sindicatos têm de levar a sério as suas funções, e começar a promover programas de formação de qualidade, independentemente da intervenção do Estado. Aliás, as próprias empresas, individualmente consideradas, terão de passar a ver a formação como um investimento, não como um simples custo. São as empresas que estão em melhores condições para, a cada momento, saber quais as competências deveriam ser desenvolvidas, pelo que são também estas que estão nas melhores condições para contratar cursos de formação que respondam as essas necessidades.

Os programas de privatização vieram por ser financeiramente incomportável para o Estado manter tantas empresas ‘em carteira’ e, no início dos anos 90, também devido aos esforços da União Europeia nesse sentido, no âmbito da criação do Mercado Único. Infelizmente, talvez por nunca serem verdadeiramente enquadrados na criação de um novo modelo de desenvolvimento, as nossas privatizações foram feitas sem verdadeiros planos para salvaguardar o bom funcionamento dos mercados pós-privatização. Privatizações futuras devem sempre ter este ponto em atenção, em vez de se criarem as agora tristemente famosas ‘golden shares’.

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Não devemos ter medo da globalização. Eu sei que compito neste momento num mercado cada vez mais global e, no mínimo, num mercado europeu. Como eu, todos nós nos encontramos neste momento a competir neste mercado, e isso significa mais oportunidades para cada um de nós. Devemos preparar-nos para o mundo global em que vivemos, e o Estado deve ter essa componente em atenção nas suas políticas educativas e económicas.

Também as empresas não podem ter medo da globalização, e encará-la, sim, como uma oportunidade expansão para novos mercados. Os portugueses não são piores que os outros por definição, como o provam as histórias de sucesso internacional que vão aparecendo nos meios de comunicação social. O que os portugueses precisam é que o Estado português descubra isto mesmo, e acabe com a sua política actual de subsidiação em massa, levando a cabo as célebres reformas estruturais de que muito se fala mas que, infelizmente, pouco se concretizam, e deixar de penalizar a nossa economia com constantes défices e um nível excessivo de dívida.

O empobrecimento relativo de Portugal não é uma fatalidade. Portugal pode passar a ter uma economia competitiva e assente na qualidade, e não apenas na mão-de-obra barata. Para que isto aconteça, tem de haver uma mudança de paradigma nas políticas de desenvolvimento económico levadas a cabo pelo nosso Estado. Esta mudança é possível, viável, desejável e, espero, concretizável em tempo útil.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Sócrates Rei

«Édipo – (...) E faço votos solenes para que o assassino, quer tenha sido um só, que passou despercebido, quer tenha tido cúmplices, consuma infeliz a sua vida no infortúnio e na desgraça. Desejo, também, se ele viesse habitar no meu palácio com meu conhecimento, sofrer eu mesmo os castigos que agora anunciei.», Sófocles, Rei Édipo, tradução de Maria do Céu Zambujo Fialho, 4ª ed., Lisboa, Edições 70, 1999, vv.246-251.

  Édipo, rei de Tebas, sabe que para expiar a sua cidade maculada pelo homicida de Laio, o anterior rei da cidade e primeiro marido da rainha Jocasta, agora sua mulher, o deverá encontrar e forçar ao exílio. Mas ainda não sabe que o procurado é ele próprio. As personagens da trama do destino, Laio, Jocasta e Édipo, têm dele um conhecimento parcial, e pelo desenrolar da peça, descobrimos que sempre actuaram em sua função para o evitar. Porém todas as tentativas de o fazer concretizaram os mesmos desígnios que procuraram desviar. Não demorará muito tempo, o detective descobrirá ser ele mesmo o criminoso. Resta-lhe cumprir a palavra e se exilar.
  Em que se relaciona esta peça com o nosso primeiro-ministro? Agora que acabaram as presidenciais e a nossa política nacional normaliza, olhemos de novo para ele, para a face da crise, da incompetência, da pobreza da actividade política. Repetidamente ouvimos dizer que estão a fazer tudo, que o governo procura fazer tudo o necessário para retirar o país da situação. Reformas, que seriam “estruturais”. Estímulos à economia. Liberalização das leis laborais, dos despedimentos... It's bullshit and you know it. E ainda é mais insultuoso tendo em conta a maioria absoluta que de reformas necessárias nada, e de complicar toda a situação muito.
  Assim declaro uma premissa: ou o governo e o primeiro ministro ou são necessariamente mal-intencionados (e portanto tiveram interesse em não mudar a situação) ou são simplesmente uns incompetentes (foram honestos em achar que as suas medidas eram o certo a fazer, dado o conhecimento parcial do destino nacional), e por isso trágicos. De qualquer forma, se procuram agora expiar o país do mal, terão de se exilar?
  Tomemos por exemplo as posições sucessivas com a “crise”: 1- Não existia, uma vez que não chegará (porque Portugal é um oásis) e que o governo vencera a crise anterior (e portanto toca a baixar impostos); 2- Existe, mas não chegará (porque Portugal está preparado); 3- Chegou a crise, mas Portugal resistirá (porque o estado social “funciona”); 4-Chegou, o estado social falhou, mas toca a fazer medidas duvidosas de estímulo à economia (porque temos as contas públicas em ordem); 5-Afinal não temos as contas públicas em ordem, mas este esforço chegará; 6-Afinal este primeiro esforço não chega e são necessárias novas medidas e temos de por as contas públicas em ordem (porque esse malvados mercados recusam-se a emprestar dinheiro a um governo tão honesto como nós). Esta é claramente uma situação em que o governo ou é incompetente ou tem simplesmente interesse em que tudo falhe.
  Eu sou dos que acha que o governo não é “malvado”, mas sim trágico. A incompetência é de tal maneira grave, de tal maneira constante, de erros em todas as áreas, que não pode ser maldade. O ministério da administração interna é um bom exemplo. No caso dos blindados que não chegaram, de dúbia necessidade, e que podem levar os contribuintes em tempo de crise fiscal a pagar uma indemnização muito maior que o preço de compra se rejeitar a transacção, conforme o contracto que assinaram, e que se assim for, nem leram. Nas eleições domingo passado, puseram em causa o direito de voto de muitos portugueses. É que este governo nem eleições é capaz de organizar. (o mínimo necessário?)
  Apesar de também existirem exemplos que sustentam a tese da maldade do governo, como as mentiras à assembleia no caso da PT e nos voos da CIA ou as revisões do código de processo penal a meio do processo casa pia e o seu resultado prático, sou um adepto da tese do governo trágico. De um bando de incompetentes, que não sabem o que fazem, que procuram o poder, e que são os culpados da situação que o país espera que eles mesmos solucionem. Ou seja, o governo-Édipo, eleito para limpar combater essa direita-esfinge de Santana Lopes e Paulo Portas, acabou por trazer a mácula à lusa Tebas, que agora suplicantes, esperamos que Sócrates Rei resolva. Estará ele consciente que poderá ele mesmo ser a crise política que tanto se diz procurar evitar? Que enquanto ele lá estiver falar-se-á da capacidade do governo em gerir a crise que ele provocou, não impediu, negou, mentiu?
  E nós, devemos ter pena destes pobres coitados, que estavam mesmo convencidos que não havia crise? Coitados dos pobres ministros que acham que o país das autoestradas para nenhures necessita de um TGV para todo o lado. Sócrates pode não ser o responsável por tudo o que o seu governo fez de mal, mas como ele se tornou na caricatura de toda a comicidade deste governo, de tudo o que está mal no país e na política, e que acima de tudo se chama... Sócrates, não há apologia que o salve. Mas por outro lado como podíamos esperar uma verdadeira reforma na educação de um homem que não teve de estudar para tirar um curso, ou uma verdadeira preocupação com o desemprego de alguém que de carreira foi tacho e tacho dentro do partido? A própria mitologia do primeiro ministro joga contra ele.
  Pois será que vez alguma mito de primeiro ministro, ouvindo os avisos de inúmeras personalidades políticas e da sociedade civil sobre o mau caminho que guiava o país, ignorou e criticou tais vozes porque ele é o Rei e os outros dizem mentiras, são loucos, querem tomar o poder e dizem e conspiram seja o que for para o conseguir? Estará cego? E mais importante: devemos aceitar um primeiro ministro que erra porque não sabe o que faz, e tolerar o homem exactamente porque não sabe o que faz e é desinteressado no erro?

«Creonte – Será que não compreendes?
Édipo – Governar é o que devo!
Creonte – Não decerto governar no erro!», Idem, ibidem, vv.628-629

  A nossa democracia, o nosso sistema, Portugal-Tebas como nação cívico-política está doente. Mas esse diagnostico não é apenas consequência da elevada abstenção e suas intermináveis análises. Não é apenas porque temos a percepção que os competentes fogem e são afastados da política para darem lugares a talking heads e seus capangas. Não é apenas porque a consciência democrática e ética republicana estão totalmente ausentes dos nossos valores. Em parte, o nosso sistema também criou mecanismos e protocolos, formais e informais, que esconde atrás da retórica da estabilidade uma tolerância e uma incapacidade de lidar com corruptos, incompetentes e mentirosos no poder. E enquanto isto acontecer, o voto será desvalorizado, os bons encontrarão anticorpos no sistema contra eles, e a ética em que o regime se sustenta torna-se anacrónica perante a praxis que a perverte e claramente não a partilha. Uma democracia disfuncional que é clemente com o erro, trágico ou cómico perde a sua própria legitimidade.
  Deve então um Presidente da República demitir Édipo? A esta questão, que esteve (e bem) numa parte da campanha, a resposta desses recém-descobertos apologistas da estabilidade é negativa. O absurdo desta resposta é simples: o Presidente da Républica é o garante da estabilidade exactamente porque ele pode demitir o governo que erra constantemente, uma vez que desse modo existe um novo governo e o poder não cai num vazio, e não pela ideia absurda que a estabilidade é conseguida exactamente por ter um poder e propositadamente não o usar para impedir a incompetência, a mentira e a corrupção. Não faz sentido algum o não exercer o poder da estabilidade ser de momento "estabilidade". Senhor Silva, acha que colaborar com a incompetência é o garante da estabilidade?
  Sócrates esteve em estado de graça e caiu. E o seu estado levou-nos com ele. Da justiça à educação, finanças à saúde, tudo falhou. Tivemos uma péssima campanha eleitoral, mas não, o governo não admitiu que toda a incompetência fosse hegemonia dos candidatos. Aparentemente não foi possível serem políticos a sério por um só dia. É mais forte que eles! Férreo destino. Foi necessário provar que eles também não sabem governar Tebas, e que o seu plano tecnológico pôs em causa um direito fundamental. "Estabilidade". Bravo.

«Tirésias - De verdade? Exorto-te a que mantenhas a proclamação que anunciaste e que a partir deste dia não dirijas a palavra nem a estes anciãos nem a mim, pois desta terra tu foste a poluição sacrílega», Idem, ibidem, vv.350-353.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Despedir

Tem sido um tema recorrente quando se debate a temática da flexibilidade laboral. Muitos afirmam que é difícil despedir, e que essa dificuldade torna o mercado laboral demasiado rígido. Não contrario esta noção. No entanto, pela experiência, julgo que apontam de forma errada o motivo pelo qual acontece. Tal não acontece porque a lei não o permite, muito pelo contrário. Actualmente o Código de trabalho já permite o despedimento em quase todas as situações que me parece legitimo tal acontecer.

Assim é justa causa de despedimento:

“1 - O comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento.
2 - Para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
3 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
b) Violação dos direitos e garantias de trabalhadores da empresa;
c) Provocação repetida de conflitos com outros trabalhadores da empresa;
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho que lhe esteja confiado;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas;
h) Falta culposa de observância das regras de higiene e segurança no trabalho;
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, de injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhadores da empresa, elementos dos corpos sociais ou sobre o empregador individual não pertencente aos mesmos órgãos, seus delegados ou representantes;
j) Sequestro e em geral crimes contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;
l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisões judiciais ou administrativas;
m) Reduções anormais de produtividade.”

Para além destes motivos ainda é permitido despedir por extinção de posto de trabalho “por motivos económicos, tanto de mercado como estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa, nos termos previstos para o despedimento colectivo" que são os seguintes:

“a) Motivos de mercado - redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;
b) Motivos estruturais - desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;
c) Motivos tecnológicos - alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização dos instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.”

Além disso, ainda é permitido despedir por inadaptação nas seguintes situações:

“A inadaptação verifica-se em qualquer das situações previstas nas alíneas seguintes, quando, sendo determinadas pelo modo de exercício de funções do trabalhador, tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho:
a) Redução continuada de produtividade ou de qualidade;
b) Avarias repetidas nos meios afectos ao posto de trabalho;
c) Riscos para a segurança e saúde do próprio, dos restantes trabalhadores ou de terceiros.
2 - Verifica-se ainda inadaptação do trabalhador quando, tratando-se de cargos de complexidade técnica ou de direcção, não tenham sido cumpridos os objectivos previamente fixados e formalmente aceites por escrito, sendo tal determinado pelo modo de exercício de funções e desde que se torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”

Posto isto gostaria de deixar duas questões em aberto:

a) Se tudo isto é permitido porque é que se insiste que a lei não permite o despedimento?

b) Se isto é permitido porque é que efectivamente o nosso mercado laboral é rígido?


NOTA: Texto em itálico retirado do código de trabalho

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Da liberdade

A discussão é recorrente: alguns meses antes das eleições, os candidatos começam a pedir aos eleitores que votem. A poucos dias da coisa, o pedido – repetido ad náusea – assume carácter de súplica. No dia das eleições, uma boa porção do País não vai às urnas. E em todas as eleições, os comentadores políticos, os cientistas políticos e os próprios políticos alertam para a necessidade de reflectir sobre os resultados da abstenção. Já para o povo em geral, os resultados da abstenção são claríssimos e resultam de uma categorização social simples: enquanto quem se desloca à Junta de Freguesia é pouco menos que um santo, sobretudo se estiver a chover, se fizer frio ou se jogar o Benfica, a trupe de bandalhos desinteressados que prefere ficar “com os cornos na cama”, que passa o Domingo na praia ou que escolhe ficar em casa “porque sim” merece mais do que o mais profundo desprezo a que é votado: merece inclusão imediata na categoria de “cidadão de segunda”.
A história parece surreal, mas uma rápida passagem pelas redes sociais demonstra, com atroz rapidez, que a realidade não anda longe. Aqueles que ousaram admitir ter ficado em casa foram besuntados com o sermão da cidadania. E os que confessaram, ajoelhados sobre milho, não ter ido votar por considerarem os candidatos miseráveis, foram rapidamente exortados a interessar-se, a participar e – tenho provas – a pensar nos pobrezinhos africanos e asiáticos que não vivem em regimes democráticos [pausa para uma Nobre lágrima]. Curiosamente, quem se deslocou à respectiva Junta para colar uma fotografia do Chuck Norris no boletim de voto, dessa forma ridicularizando o acto de votar e, por inerência, o processo que lhe dá azo, passou por inteligente, brilhante e, até, genial.
Bem sei, bem sei: as redes sociais não fornecem uma amostra razoável da sociedade portuguesa, no que se parecem muito com as empresas de sondagens. Mas revelam, com notável acuidade, como se entende a liberdade entre pares. Não interessa a qualidade dos candidatos. Não importa que o voto seja um direito, que pode, ou não, ser exercido consoante escolha individual. Interessa votar. Mais do que votar, ir. E, se possível, caricaturar o processo, fotografar a caricatura e esperar pelos elogios virtuais.

Não se pretende negar aqui a importância do voto, mas – sobretudo - rejeitar a radicalização do mesmo. Numa sociedade cada vez mais “higienizada”, é fundamental que um cidadão continue a sê-lo, mesmo que decida não dobrar o papelinho. Seja por que razões for. Trata-se de uma decisão assente na liberdade individual de cada um, cujas consequências por cada um devem ser assumidas. E quando assim deixar de ser, francamente, vale mais darmos um tiro na cabeça.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

2011: o ano (in)desejado

Depois dos últimos amargos anos, 2011 começa com um sabor agridoce. Crise na Europa e Revolução dos Jasmins marcam este início de ano.

Desejado para uns e indesejado para outros, 2011 será, em verdade, um ano marcante. Enquanto uns fecharão certamente um difícil ciclo de crise económica e consolidarão a recuperação, outros continuarão a lutar entre recessões, crescimentos económicos anémicos e crises de dívida soberana. Enquanto uns abrem finalmente uma janela à democracia, outros continuam sem sequer sonhar com ela ou, pior, continuam a contorná-la com muita subtileza!

Este novo ano que começa não será, de certeza, o ano da Europa. Entre muita austeridade, resgate de economias mais periféricas (entre as quais, possivelmente, Portugal) e pressão internacional, a Europa vê a sua economia mirrar diante do re-acordar pujante dos seus mais directos concorrentes (falo dos EUA e da China). A agravar, o espírito de união entre os europeus vai perdendo força, à medida que a crise mina o modelo social europeu, que aumentam as tensões sociais (veja-se o conflito entre flamengos e francófonos que deixa a Bélgica sem governo central há mais de 200 dias) e que o fantasma do proteccionismo volta a assombrar o velho continente.

E é por estas alturas, em que a UE tenta a custo salvar as ovelhas negras e salvar o euro, que se percebe a urgência em acelerar o processo de integração europeia, tanto a nível económico-financeiro, como a nível político. Está mais que visto que muitos dos parlamentos nacionais, democraticamente eleitos, irão perder poderes em nome da estabilidade que requer uma união que partilha uma moeda comum.

Acho tudo isso muito compreensível e lógico, mas esta situação leva-nos forçosamente a reflectir sobre o famoso “défice democrático” da união. Mais uma vez a “eurocracia” acumulará poderes antes pertencentes a órgãos democráticos e a democracia (?) europeia sai a perder. Sendo talvez um sacrifício necessário, não deixa de incomodar nem mesmo os cidadãos mais europeístas, como eu.

Encontrar um caminho e uma estratégia comum capaz de reerguer esta Europa, que anda não a uma, não a duas, mas a múltiplas velocidades será o grande desafio da UE para 2011 e para os anos que se seguem.

Mas 2011 não será um ano só de esforço e sacrifício, há que haver optimismo e crença na mudança. Como tal, não poderia terminar este artigo sem um sinal de esperança. E esse sinal vem da Tunísia que entrou com o pé direito em 2011, dando um primeiro passo para a democracia. É com satisfação que, como liberal e, acima de tudo, como democrata, congratulo as mais recentes conquistas do povo tunisino rumo a um país mais livre e mais próspero (ainda que restem, certamente, muitas arestas por limar na política do país).

Esperemos que o “efeito contágio” do 14 de Janeiro tunisino (data que ficará, sem dúvida, na história do país) se alastre rapidamente aos países vizinhos e que muitos outros “Ben Alis” caiam. Dados os acontecimentos mais recentes, os egípcios parecem ser os primeiros a respirar os ares de mudança vindos da Tunísia (os interessados, leiam aqui).

Resta-me desejar um ano de sucesso a todos os leitores do Cousas Liberaes e aos seus autores.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Outras Liberdades - Constrangimentos Biológicos à Liberdade Intelectual

Quando se fala de liberdade em Portugal, as pessoas tendem a pensar sobretudo em liberdade política. E efectivamente, o facto de hoje podermos escolher quem nos governa é algo de absolutamente fabuloso, tendo em conta a história da humanidade. Em Portugal, a memória do tempo em que isto ainda não acontecia é ainda muito recente. Ainda assim, no meu caso e no de cerca de metade dos portugueses, já pertencemos à geração dos que só podem sentir a diferença entre uma coisa e outra ao ouvir o que lembram os mais velhos (ou a ver o Conta-me Como Foi). É talvez por isso que tendemos a abrir os horizontes e a reflectir sobre outro tipo de liberdades, cujas limitações mais sentimos na pele e na dos que me rodeiam.

Actualmente, outro tipo de liberdades estão na agenda mediática e política. A liberdade económica, que tem a ver com a capacidade de cada um desenvolver sem restrições as actividades económicas que desejar, é agora por exemplo introduzida no debate político pela nova liderança do PSD. Esta liberdade pode conflituar em parte com outra liberdade talvez menos falada, a de oportunidades, ou seja, a capacidade de cada um de ter oportunidades (à partida) equivalentes às dos outros indivíduos. Felizmente tem estado também na ordem do dia a questão das liberdades dos costumes, por via pelo menos das questões do casamento homosexual e da adopção, e hoje Portugal é dos países mais evoluídos nesta área. A liberdade que temos de viver em espaços não poluídos ou o direito à privacidade têm sido também debatidas e objecto de intervenção política, ainda que porventura insuficiente.

Neste espaço falarei de outras liberdades, menos divulgadas, mas importantes, também para a esfera da intervenção política. Nalguns casos pode até parecer estranho, à primeira vista, admiti-las como questões de liberdade. Mas a sua manifestação no mundo real é uma realidade.

A liberdade potencial do ser humano segmenta-se por diversas dimensões e pode ser consequentemente restringida por diversos tipos de obstáculos. Porventura a mais importante de todas – talvez mais que a liberdade política ou a económica – é a liberdade intelectual. Tendemos a dar sobretudo importância às liberdades restringidas ao homem pelo homem mas, no caso da liberdade intelectual, esta é em primeiro lugar restringida pela biologia. O que não a torna, em termos absolutos, menos importante.

Tal como todos os outros animais, aquilo que somos biologicamente resultou de um longo processo de selecção natural. Somos o resultado da necessidade de sobreviver e de nos reproduzirmos no meio em que viveram os nossos antepassados, não neste em que vivemos actualmente. Tratando-se o homem do animal mais racional e inteligente que existe na Terra, ele está longe de ser um animal particularmente racional, inteligente ou independente no seu pensamento; ou seja, estamos longe de ser intelectualmente livres, pela via biológica. Pelo contrário, em grande parte somos dominados pelos nossos instintos primários sob a forma de emoções. Emoções essas formuladas para responder a objectivos muito concretos – a sobrevivência, a reprodução – num ambiente muito concreto – o dos nossos antepassados. Não fomos, de todo, concebidos à medida do que, pelos valores de hoje, um ser humano normalmente ambicionaria para si próprio. Todos nós, em determinados momentos da nossa vida, sofremos, ficámos alegres, ou inclusivamente agimos segundo padrões perfeitamente irracionais, e até contrários ao nosso interesse próprio. Alguns seres humanos infelizmente não se conseguem libertar deste padrão e fazem-no regra na sua vivência, ou levam-no ao extremo em momentos específicos da sua vida. Outros lidam melhor com o problema e conseguem que a racionalidade impere, não sem gastarem energias para isso.

Na política, quando assistimos a debates, quer as ideias base quer a troca de argumentos entre políticos e comentadores é frequentemente dominada pela emoção mais do que pela razão. E o eleitor é frequentemente convencido pela primeira, não pela segunda. O Nazismo não foi mais do que um acontecimento impulsionado por institintos primários – de poder, vingança e domínio do próximo – de um indivíduo que conseguiu manipular emocionalmente uma nação naquele momento aparentemente pouco “intelectualmente livre”.

Para além da política, em todos os domínios da vida humana podemos encontrar exemplos negativos de como os nossos instintos nos levam a ser fazer aquilo que não ambicionaríamos, estivéssemos nós totalmente dominados pelo potencial de faculdades intelectuais que temos cá dentro. Não somos aquilo que queremos, somos aquilo que o animal selvagem que temos cá dentro nos deixa ser.

Haverá, pois, elemento limitador da liberdade mais primordial do que a nossa própria liberdade intelectual?


(continua na próxima semana)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Cidades criativas – Um modelo de desenvolvimento económico

Tradicionalmente, a atractividade de um país em termos de investimento económico estrangeiro, era encarada como altamente relacionada com a capacidade de manter uma baixa carga fiscal, uma legislação laboral competitiva, uma mão-de-obra barata, etc. Nesta perspectiva, a ênfase do desenvolvimento económico é colocada na atracção de investimento, sendo de esperar que as pessoas se movimentem em busca de trabalho. Aplicando este paradigma ao nível regional e local, seria de esperar que os municípios com taxas municipais mais baixas e com mão-de-obra mais barata seriam aqueles que se tornariam mais atractivos para os investidores. No entanto, o que se verifica em Portugal, é que regiões ou municípios com maior desenvolvimento económico cobram taxas e impostos municipais mais elevados e têm uma mão-de-obra mais especializada, logo mais cara.

Por outro lado, Richard Florida, conhecido expert na área do desenvolvimento da economia regional, apresenta uma perspectiva alternativa para o desenvolvimento local e regional. Segundo este autor, para que exista desenvolvimento económico as regiões devem tornar-se atractivas para o capital criativo. Para Florida, o capital criativo não diz respeito apenas a músicos, artistas, designers e outros profissionais conotados com a criatividade, mas sim a qualquer profissional. A assumpção subjacente a esta visão é a de que a criatividade é importante em, praticamente, todas as profissões sendo o capital criativo o principal impulsionador das industrias inovadoras. Neste sentido, para ter indústrias de alto valor acrescentado, os municípios devem tornar-se, antes de mais, atractivos para o capital criativo. Para ter uma cidade criativa, segundo o modelo de Florida, existem três pressupostos fundamentais: a tecnologia, talento e tolerância, os chamados 3 T’s.

A tecnologia está intimamente ligada à investigação e desenvolvimento, podendo ser monitorizada, por exemplo, através do número de patentes ou através do número de projectos de investigação financiados. Neste sentido, um dos mecanismos de promoção de desenvolvimento regional, enquadrado numa estratégia de desenvolvimento económico nacional, prende-se com a descentralização das instituições de ensino superior.

A dimensão talento, diz respeito à capacidade das regiões e cidades atraírem capital humano, ou seja, população altamente qualificada. Mais uma vez, as instituições de ensino superior desempenham neste campo um papel fundamental, no entanto não funcionam per si. As instituições de ensino superior são fundamentais na criação de pessoas qualificadas, mas só com uma política local/regional adequada é possível reter este tipo de população. A este nível, vários estudos sobre qualidade de vida apontam algumas dimensões que podem desempenhar um papel fundamental na atracção e retenção de população altamente qualificada. Por exemplo, o INTEC- Instituto de Tecnologia Comportamental, desenvolve todos os anos um estudo sobre qualidade de vida em que analisa a qualidade de vida nos municípios portugueses tendo em conta 10 dimensões: ambiente; acessibilidades e transportes; turismo; economia e emprego; ensino e formação; identidade, cultura e lazer; diversidade e tolerância; felicidade e urbanismo e habitação. Este estudo anual assenta não só em dados objectivos (e.g. taxa de desemprego, número de médicos por mil habitantes, etc.) mas também nas percepções que as populações têm acerca do seu município. É claro que, para as regiões ou municípios melhorarem algumas destas dimensões, necessitam claramente de uma maior autonomia. Por exemplo no que diz respeito à educação, o mapa escolar está dependente totalmente do poder central e não de uma política regional de educação, sendo que dificilmente poderemos atribuir a performance nesta dimensão ao poder local.

Por sua vez, a tolerância diz respeito à diversidade (cultural, étnica, etc.) de uma região. Nesta dimensão os investigadores têm utilizado os mais diversos indicadores, como por exemplo o índice gay, que diz respeito ao número de homossexuais assumidos numa determinada região.

Por fim, é importante referir que estas três dimensões se influenciam umas às outras, por exemplo só com talento pode surgir tecnologia, por outro lado a tolerância atrai talento. Neste sentido, o que é importante é que os decisores políticos consigam integrar os 3 t’s numa política integrada de desenvolvimento económico regional/local.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Apresentação e As Presidenciais

Apresentação

Nasce hoje o Cousas Liberaes, espaço de intervenção cívica e política de vários liberais que aqui exporão, e debaterão, as suas ideias e visões do mundo. Todos os dias haverá, em princípio, um texto de um autor regular, e estes textos serão complementados com textos de autores convidados, bem como outras formas de intervenção (podcasts, vídeos, etc.).

Convidamos todos a intervir e a comentar!

As Presidenciais

Não tinha candidato que apoiasse nestas eleições presidenciais. Não concordo politicamente com Aníbal Cavaco Silva e não considero que a sua Presidência tenha sido particularmente inspiradora. Pior, o ridículo "Caso das Escutas", bem como ambas as conferências de imprensa, só serviram para deitar por terra qualquer possibilidade que houvesse de apoiar a sua recandidatura. 

Manuel Alegre

Infelizmente, Manuel Alegre decidiu avançar de novo, desta vez com o apoio do BE. O PS, ao fim de algum tempo, e claramente a contra-gosto para muita gente dentro do próprio PS, lá o apoiou oficialmente. Com isto, acabou por não surgir de dentro do PS um candidato sério. O facto do PS apoiar oficialmente Manuel Alegre, depois de não o ter feito nas eleições anteriores, é para mim um insulto do PS ao país. Um partido como o PS, com aspirações governativas, ao decidir apoiar um candidato numa eleição presidencial, deve apoiar um candidato que percebe minimamente, pelo menos, aquilo que faz um Presidente da República, e que tem um mínimo de preparação para a função. Manuel Alegre não tinha, claramente, estas características.

Primeiro, Manuel Alegre esteve décadas no Parlamento e nada de relevo lá fez. Nada. Zero. Não se conhece uma única iniciativa a que se tenha verdadeiramente associado, e fica-se com a impressão de que nada fez nessas várias décadas enquanto deputado.

Segundo, não se sabe o que defende, verdadeiramente, Manuel Alegre. Falar de defesa do "Estado Social" e da "democracia", numa campanha que parecia saída dos tempos do PREC, não significa nada. Principalmente quando se fala da solvência financeira do dito "Estado Social" e Manuel Alegre parecia mais que feliz em manter todas as políticas que resultaram no quadro actual de crise financeira do Estado. Claro que, no meio disto tudo, o candidato Manuel Alegre se recusou a explicar o que faria ao Orçamento do Estado para 2011 se fosse Presidente. 

Isto, aliás, é consentâneo com a actuação de Manuel Alegre enquanto deputado. Os seus ataques contra o Governo, marca da sua "independência", eram sempre inconsequentes. Não ia a votações cruciais. Aproximava-se do Bloco de Esquerda, mas disso só saiu um apoio do Bloco de Esquerda à sua segunda candidatura à Presidência. (E no fim de tudo, tão independente era Manuel Alegre em relação ao PS, que aceitou o apoio do PS nestas eleições, mesmo pelo meio de críticas a todo o tipo de políticas seguidas precisamente pelo partido que o apoiou...!)

Em 2006, Manuel Alegre apresentou-se como independente, com um discurso anti-partidos que foi claramente eficaz na altura. Poucos se pareciam lembrar da ligação íntima de Manuel Alegre ao PS, e este conseguiu ter mais votos que o candidato oficial do PS, Mário Soares. Em êxtase, Manuel Alegre decidiu candidatar-se de novo este ano. Com o apoio do BE. E do PS. Interessantemente, sem o discurso anti-partidos da sua última campanha. Curiosidades.

No lugar desse discurso, tivemos direito a uma campanha extremamente negativa, com ataques permanentes a Cavaco Silva (todos os dias surgia um novo ataque, a tudo o que era dito por Cavaco), e com o episódio absurdo da sugestão da paragem da campanha para o Presidente ir "salvar" o país da entrada do FMI e dos seus credores. De tal forma absorto estava Manuel Alegre nos seus ataques, que claramente se notava que ia ao sabor do vento. Por um lado, falava de políticas concretas que criticava (enquanto o Governo as propunha) e de que o Presidente não tinha intervindo o suficiente, por outro, acabou a dizer que o Presidente tem é de cooperar com o Governo. Andámos nisto, e no Caso das Acções, e no Caso das Permutas... Sobre a crise, pouco. Muito pouco. Cavaco Silva falou de pobreza, foi acusado de a explorar politicamente - e com isso, acabámos por não debater verdadeiramente esse flagelo social...

Aníbal Cavaco Silva

Cavaco Silva, entretanto, recusou-se sempre a prestar explicações relativamente aos Casos das Acções e das Permutas. É evidente que eram casos de insinuações, de puros levantamentos de suspeitas, em que nem sequer se percebia bem aquilo de que Cavaco Silva estava verdadeiramente a ser acusado. Já ouvi vários comentadores a dizer que este género de campanhas só ajuda a destruir a credibilidade das nossas instituições, e eu concordo. Mas continuo a considerar que Cavaco Silva geriu mal estas acusações, e que esteve mal ao referir-se a elas no seu discurso de reeleição. Ao referir as pessoas constantemente a documentação que nada explicava, Cavaco Silva apenas conseguiu aumentar o espectro de suspeitas que sobre si pairava. 

O Presidente agora reeleito tentou ainda falar do Mar, da criação de um Ministério do Mar, tentando explicar a sua ideia estratégica para o país - que parece ser a de que o país deve (continuar a) meter água. Decidiu ainda atacar a flexibilização laboral (tema de um futuro artigo neste coluna), e acabou a propor um imposto sobre os ricos para que não tivesse de haver cortes salariais para a Função Pública, num claro "piscar de olho" à Esquerda, enquanto esta procurava, vorazmente, caracterizar Cavaco Silva como um terrível "neo-liberal" (um disparate pegado - de liberal, Cavaco Silva tem muito pouco, e de "neo", ainda tem menos).

Fernando Nobre

Chegamos a Fernando Nobre. Tinha grandes esperanças para Fernando Nobre. É uma pessoa pela qual tenho bastante consideração, devido ao seu trabalho na AMI, que é uma boa amostra daquilo que a sociedade civil consegue fazer por si quando se organiza devidamente. Mas Fernando Nobre desiludiu-me.

Fernando Nobre fez uma campanha, não para Presidente, mas para a Assembleia da República e para Primeiro-Ministro. Aquilo que propunha nada se relacionava com os poderes, reais, do Presidente da República, que aliás ignorou ou parecia não conhecer verdadeiramente. Prometer planos estratégicos para daqui a um ano, além disso, não é suficiente. Se queria falar desses planos, devia tê-los apresentado agora. Acabaria por usar a candidatura à Presidência para apresentar uma espécie de programa de Governo, mas teria sido preferível ficar a falar de generalidades. (E muito preferível a falar de lhe darem tiros na cabeça, ou de ir à 2a. volta.)

O bom resultado de Fernando Nobre deve-se muito à sua verdadeira independência em relação aos partidos e ao seu trabalho na AMI. O tempo dirá se Nobre vai conseguir cristalizar esse apoio num projecto político consistente, ou se o deseja efectivamente fazer.

Francisco Lopes e Defensor de Moura

Francisco Lopes foi o candidato do PCP. Falou do programa do PCP, que agora se traduz numa espécie de conservadorismo económico (proteccionismo a que se juntam nacionalizações, mantendo-se, pelo que percebi, o pequeno comércio em mãos privadas). Faltou perguntarem-lhe se a sua candidatura "patriótica e de esquerda" era uma candidatura "nacionalista e socialista". A resposta seria, eventualmente, uma repetição da cassete. Mas poderia ser, eventualmente, mais engraçada.

Defensor de Moura existiu nesta campanha para dizer que era a favor da regionalização e fazer ataques a Cavaco Silva. Portanto, existiu para pouco mais que nada. Ficou em terceiro na câmara municipal a que presidiu antes de ser deputado na Assembleia da República, e ficou atrás dos votos nulos a nível nacional. Ficou em último. E mereceu, porque nada acrescentou de relevante à campanha.

José Manuel Coelho

Finalmente, falemos de José Manuel Coelho. Teve uma votação à volta de 4,5% dos votos a nível nacional (mesmo assim, teve menos votos que os votos em branco), numa candidatura marcada pelo tom satírico aperfeiçoado na Madeira (atenção aos 39,01% de votos que Coelho obteve na Madeira, que lhe deram o segundo lugar nessa região!). Pessoalmente, gostei da candidatura. Achei piada ao tom satírico que adoptou, com a distribuição de batatas em Gondomar (armazenadas em sacos azuis de Felgueiras) e oferta de submarino de plástico a Paulo Portas.

Não votei em José Manuel Coelho, mas conheço quem tenha votado. E o nível de votação de Coelho no Continente deve ser analisada com atenção, porque representa um claro voto contra o sistema, um claro voto de protesto. Foi o mérito desta candidatura, e é importante que se retirem as devidas ilações deste resultado.

A noite eleitoral 

Aníbal Cavaco Silva foi reeleito Presidente da República e falou da sua honra e de ser o Presidente de "todos os portugueses".

José Sócrates veio apelar à cooperação institucional.

Pedro Passos Coelho veio lembrar que a eleição para Presidente não é uma eleição para a Assembleia da República e não se relaciona com a eleição de um governo.

Paulo Portas veio dizer que os Portugueses tinham rejeitado o Governo.

Francisco Lopes e Jerónimo de Sousa praticamente clamaram vitória. 

Francisco Louçã atacou o PSD e o CDS-PP, que já "afiavam as facas" para chegar ao Governo, falando da maioria, Governo e Presidente que Sá Carneiro desejava. Ao mesmo tempo, apelava a que houvesse uma Esquerda forte... Eventualmente para ter uma maioria, um Governo e um Presidente.

A abstenção venceu a eleição (campanha para a reeleição de um Presidente, conjugada com esta campanha específica, conjugada com este leque de candidatos, não auguravam nada de bom para este número), e os votos nulos e brancos foram mais do que as votações em certos candidatos. Como disse Rui Rio, os votos de José Manuel Coelho são votos de protesto, e, no Continente, quase que devem ser acrescentados aos votos brancos e nulos nesse sentido.

Claramente, Cavaco Silva foi reeleito, mas não entusiasmou ninguém. Veremos como será a sua "magistratura activa". Esperemos que seja melhor que a anterior.

A confusão

Não podia acabar um artigo sobre estas eleições sem mencionar a confusão que houve relativamente aos cartões de cidadão. Sobre isso já foi emitido comunicado da CNE (http://www.cne.pt/index.cfm?sec=0201000000&NewsID=148). 

Para uma explicação do que aconteceu, poderá ler este artigo do Expresso.

É péssimo que isto tenha ocorrido, e tem que se apurar responsabilidades. É ainda necessário garantir que não se torna a repetir. Temos de garantir que todos conseguem, efectivamente, exercer o seu direito de voto. É o mínimo que se exige numa democracia representativa como a nossa.