sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O debate europeu

A atenção mediática ao debate europeu é praticamente inexistente. A preocupação com as discussões em torno de temas tão relevantes como a possível eleição directa do Presidente da Comissão, com a proposta da Comissão para (entre outras coisas) a futura criação de um Tesouro da Eurozona, com a reforma eleitoral a nível europeu, e muitos outros, não se vê. É dada mais relevância a notícias sobre leilões do corpete da Madonna que a questões europeias com esta relevância.

Os nossos meios de comunicação social continuam a tratar questões europeias como se fossem questões «de fora», muitas vezes como se apenas indirectamente nos dissessem respeito. Esse tratamento enviesa a forma como as pessoas vêem a União Europeia e ajuda, também ele, a promover um afastamento generalizado da população em relação aos grandes debates europeus. Estes, infelizmente, pura e simplesmente não são prioridades mediáticas.

Quando eventualmente há alguma cobertura, a perspectiva transmitida é paroquial. A narrativa é simplista e, fora de programas de debate muito especializados (e mesmo aí, é preciso sorte nos participantes), ignora os grandes argumentos e as grandes a serem debatidas. Há distorções inadmissíveis. As várias posições em jogo são apresentadas em planos inclinados e, de novo, muitas vezes distorcidas. Conta-se uma história e ignora-se aquilo que não entre nela.

Não há, obviamente, nenhuma conspiração. O que me parece é que há é uma gritante ignorância sobre temas europeus, bem como um enorme desinteresse em relação a eles por parte do meio que trata das notícias. O resultado é o afastamento desses temas as primeiras páginas, a sua apresentação com erros de palmatória (no que ajuda a queda para os títulos bombásticos, mas enganadores), ou a forma como pura e simplesmente se ignoram temas que, na verdade, têm impacto directo na qualidade do sistema político, económico e social europeu e, portanto, mesmo que indirectamente, na qualidade de vida das pessoas.

A meu ver, a proposta da Comissão para a futura criação de um Tesouro da Eurozona, a proposta da criação de uma união bancária, o próprio Tratado Orçamental, nada disto tem sido verdadeiramente explicado ao grande público pelos meios de comunicação social, nem lhe tem sido dada a relevância editorial e jornalística que merece. A secundarização do debate europeu pelos meios de comunicação social de massas é mais uma das causas de afastamento dos cidadãos europeus em relação às instituições europeias e à União Europeia.

Num momento em que o debate europeu atingiu um ponto crítico, em que se fala inclusivamente de haver uma Convenção em 2014, é fundamental os cidadãos europeus estarem atentos e informados sobre os grandes temas em discussão. É importantíssimo para o bom funcionamento da democracia. Nisto, os meios de comunicação social têm um papel crucial a desempenhar, tal como a sociedade civil organizada e os próprios partidos políticos.

A comunicação social continuar desleixada no cumprimento do seu papel a este nível é um problema importante para o futuro da União Europeia.

Os intérpretes

"(...)os signatários interpretam - e justamente - o crescente clamor que contra o Governo se ergue, como uma exigência(...)"
Olhando para a lista, conhecendo apenas a parte "pública" destas "pessoas públicas", não ponho em causa o democratismo de uma grande fatia.

Porém, a concepção de democracia que este tipo de iniciativa exala parece-me algo tresmalhada 
no sentido de perdida e desviada mas não, infelizmente, no de separada da manada i.e. original. Este douto conjunto de personalidades pelo seu percurso consensualmente brilhante apresenta-se assim com pompa como "intérprete" de uma espécie de vontade geral à Rousseau que, está claro!, não corresponde à vontade de qualquer maioria, nem de 99,9%, nem a qualquer combinação das preferências individuais das pessoas, mas antes àquilo que o Povo, maiúsculo, uno, indivísivel, está claro!, quer e que apenas os "intérpretes", está claro!, podem e sabem interpretar convenientemente. 

C'est à dire: sondagens?
eleições? Instituições democráticas em geral? Para quê? Isso são histórias de embalar, não servem para nada. Complicam tudo e não resolvem nada, sobretudo quando vão os seus resultados contra o que interpretam os intérpretes.
"No meio deste vendaval, as previsões que o Governo tem apresentado quanto ao PIB, ao emprego, ao consumo, ao investimento, ao défice, à dívida pública e ao mais que se sabe, têm sido, porque erróneas, reiteradamente revistas em baixa."
Ah! Mas os intérpretes, esses sim, para eles é claro que através da sua expertise em tudologia, que lhes permite saber tudo sobre "abismos", "ventos e marés" e outras coisas "nunca antes vistas" mas que estamos sempre a ver, têm a capacidade de ler o "clamor" da rua e não só mas também através dele a "vontade do povo".

E estão, nessa qualidade, "muito preocupados" com isto tudo. Serious business! Eu também, mas o círculo que limita as minhas inquietações é muito mais largo. Acontece que é preciso espaço para acomodar cabeças tão grandes como as suas...

Bom, mas pelo menos servem para dar boas notícias: só através deles ficámos a saber que as previsões do défice e da dívida "têm sido reiteradamente revistas em baixa"!


de Groningen, Países Baixos

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

As mais absolutas certezas e as mais profundas convicções

Comece-se com uma enorme dose de ignorância. Acrescente-se uma dose de ignorância sobre o nível de ignorância anterior. Polvilhe-se com umas noções básicas sobre um tema qualquer, mesmo que incoerentes, e uma enorme vontade de acreditar numa determinada coisa. Deixe-se a cozer no lume brando do teatro mediático e pronto. Temos as mais absolutas certezas e as mais profundas convicções.

São crenças. Inferências abusivas a partir de meia dúzia de dados, a que se atribui credibilidade muitas vezes precisamente por ajudarem a provar aquilo que se quer provar. A credibilidade é atribuída em função da utilidade daquele dado ser verdadeiro para apoiar a crença, para reforçar a certeza, para aprofundar a convicção, e não por qualquer critério de razoabilidade. Mesmo que estejamos perante nada mais que rumores.

Para apurar a certeza absoluta e a convicção profunda, abstenha-se de ouvir opiniões contrárias e ignorem-se dados que contrariem aquilo que está em causa. Coloque-se em causa a credibilidade de tudo o que não se coaduna com a opinião que se tem à partida. Coloque-se em causa a idoneidade de quem apresenta dados contrários a crença em questão. E ser desconfiado, quase paranóico, e ter enorme abertura ao pensamento mágico ajuda, também.

As mais absolutas certezas. As mais profundas convicções. Abertura apenas àquilo que se encontra de acordo com o que já se pensa - tudo o resto é para rejeitar. Confundir factos com opiniões e opiniões com factos. Confundir o que é desejável, ou aquilo que se deseja, com o que é real. Nos casos mais extremos, uma profunda arrogância, narcisismo e sobranceria - o ego depende das certezas vazias e as convicções vazias sustentam o ego. O pensamento desestruturado, tal como o mágico, também ajuda.

As mais absolutas certezas e as mais profundas convicções, particularmente as assentes em teorias da conspiração sem ponta por onde se lhes pegue, não parecem ajudar nada. No entanto, o fascínio que exercem é patente. A arrogância misturada com a ignorância é uma combinação explosiva. Fecha as pessoas numa jaula mental, de onde apenas muito a custo conseguem sair. Destrói a possibilidade de diálogo e pode dar num feroz pendor destrutivo.

Oh Pedro não te esqueças de tomar os Comprimidos!

Leio aqui que o PS, pela voz de Pedro Marques ,avisa que as renegociações das PPP farão aumentar os custos para os contribuintes.
Curioso, seria interessante terem tido esta lembrança, antes de terem negociado e assinado contratos com cláusulas leoninas contra o Estado.
Tento ser apartidário na analise, mas é por atitudes demagógicas e populistas como estas de quem toma duas posturas completamente diferentes se está no Poder ou na Oposição que estamos como estamos.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

O rumor

Já ouviu o rumor?

Sim, sim, esse mesmo. O rumor.

Diz que sim, diz que sim.

Li no jornal - e já me falaram disso, um amigo meu que viu na Internet. No Facebook, algures.

Pois. O rumor prova isso mesmo. Claro. Sim.

Do rumor retira-se que as pessoas más são más e que há uma conspiração.

Claro. Sim.

Pois, as sombras estão cada vez mais escuras. Sim. Basta ver o rumor. E o outro rumor, o anterior. E o rumor contraditório de 5.ª feira passada, que também aponta para algo de mau, mas diferente e incompatível com a do rumor actual.

Sim, claro, o que importa é que os rumores apontam todos para o mesmo.

Naturalmente.

Nem é preciso estar lá - basta conhecer bem os rumores e preencher o resto com aquilo que se sabe por ser do senso comum. E pronto.

Sim, sim.

E assim se formam certezas absolutas. Com a mais forte das bases.

O rumor.

As Parcerias do Nosso Descontentamento!

Para quem quer saber mais sobre PPP, os 5 cenários avançados pela Ernst & Young.

http://economico.sapo.pt/noticias/cinco-cenarios-da-ernst-para-solucionar-as-ppp_151490.html

Para os que defendem a nacionalização, tenham medo, tenham muito medo.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Comité dos Comentadores e Analistas e outros

O nosso azar é que muitos dos nossos comentadores televisivos e jornalísticos estejam na TV ou nos jornais e não no Governo. Armados com as suas certezas absolutas e escudados nas suas análises simples, óbvias e evidentes, decerto esses comentadores conseguiriam tirar o país da crise com meio Orçamento - é isso mesmo, nem de um Orçamento completo precisariam para tirar o país da crise.

Há uma solução evidente para este problema. Cria-se um Comité dos Comentadores e Analistas, que ficaria responsável pela política económica portuguesa e pela gestão das finanças públicas do país. O Comité incluiria personalidades como as de José Gomes Ferreira ou Pedro Santos Guerreiro, e seria presidido, naturalmente, por Nicolau Santos. «Um pacote de bolachas para todos os meninos» seria o lema do Comité.

Os Orçamentos para cada ano seriam preparados por este Comité, que seria totalmente independente do Governo, e seriam apresentados sob o formato de comentários simplistas de cinco a dez minutos sobre a situação do país, bem como de artigos de opinião. Na senda da decisão do Ministro das Finanças de arranjar alguém para lhe tratar da comunicação, Marcelo Rebelo de Sousa seria o porta-voz principal do Comité - e Rodrigo Moita de Deus trataria da secção audiovisual.

O país seria salvo. Conhecedores como ninguém desta crise, de todos os erros cometidos por todos os políticos e Ministros das Finanças (PS, PSD e independentes - não interessa), conseguiriam não cometer qualquer desses erros e implementar todas as medidas que toda a gente sabe colocariam a economia portuguesa a crescer de novo. Seria tudo muito fácil.

Portugal sairia do euro sem sair do euro, cortaria despesa sem a cortar, aumentaria a receita sem aumentar impostos ou taxas, faria uma desvalorização sem diminuir o valor dos salários e tornar-se-ia mais competitivo. O défice e a dívida seriam uma coisa do passado. E que com o Comité de Comentadores e Analistas existiria - finalmente! - uma grande e imensa aposta na agricultura. Nas pescas também, em particular do bacalhau - porque o bacalhau à Brás é bom.

Seria o fim da pobreza. Todas as desigualdades desapareceriam enquanto o mérito triunfaria. E um povo agradecido, de lágrimas nos olhos, contemplaria os homens e mulheres que, com as suas análises superficiais e hipóteses infundadas, teriam salvo o país. E, todos em conjunto, como estímulo à economia e agradecimento embevecido, enfrentaríamos o futuro com um largo sorriso - martelando os narizes em estátuas honrando Fátima Campos Ferreira, Judite de Sousa, e José Pacheco Pereira.

sábado, 24 de novembro de 2012

Onde está o debate sobre a reforma do Estado?

O Governo já lançou o debate há tempo suficiente para que se coloque a seguinte questão: onde está o debate sobre a reforma do Estado?

Nos jornais, sucedem-se notícias sobre todo o tipo de coisas. O Governo e o principal partido da Oposição digladiam-se no campo das trocas de acusações e das retóricas bonitas. 

O PS já disse que não quer cortar 4000 milhões de euros no Estado Social. Só lhe fica bem e é provavelmente muito popular, que é aliás uma das razões pela qual disse isso. Se estivesse no Governo, veríamos que cantiga estaria a cantar relativamente a cortes na despesa.

Mas adiante. Apesar disso, o PS diz-se disponível a debater a reforma do Estado. O PSD diz-se também disponível para debater a reforma do Estado. O CDS-PP, admito, também está disponível para debater a reforma do Estado. Outros partidos estão disponíveis para debater a reforma do Estado. A sociedade civil organizada contém diversas organizações capazes e interessadas em debater a reforma do Estado. E vários cidadãos têm o maior dos interesses em contribuir para este debate.

Pelo que, já agora, se não fosse pedir muito, que tal termos um debate sério sobre a reforma do Estado? Bem sei que é extremamente aliciante discutir longa e duramente os comentários do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa sobre sei lá o quê, ou o mais recente «slogan» saído de um partido. Saindo do trivial, bem sei que é importante cobrir manifestações. Mas não nos podemos ficar pela cobertura de manifestações. É preciso haver, finalmente, um debate sobre a reforma do Estado.

Um debate sobre a reforma do Estado implica um debate sobre o Estado. Implica discutir para que serve e como deve ser estruturado o Estado. Uma verdadeira reforma autárquica passa por esta discussão. Uma verdadeira reforma do Estado Social passa por esta discussão. Uma verdadeira reforma do nosso sistema político passa por esta discussão. Uma verdadeira reforma do nosso sistema económico passa por esta discussão. E o tempo chegou para que, de forma alargada, ela tenha lugar.

Isto inclui um debate constitucional sério - ou seja, um debate que não se resuma a habitual troca de acusações de que um ou outro lado persegue um ou outro ideal totalitário qualquer. O que implica que o debate não pode ser dominado pelos extremos, cuja tendência para confluir «debater» com «trocas de insultos e impropérios» é o habitual. Convinha que o debate fosse dominado por gente interessada em chegar a um compromisso democrático e pacífico sobre como alterar o nosso Estado para lidar com o contexto geopolítico actual e para melhor enfrentar o futuro.

Este debate é um debate complexo e um debate que se quer abrangente. Os meios de comunicação social (incluindo os blogues) vão ter um papel importante em divulgá-lo junto da população. Os partidos políticos e as organizações da sociedade civil vão ter um papel importante em fomentar o debate e em tentar que este seja saudável e tenha qualidade. E cada um de nós vai ter a escolha de intervir activamente, de alguma forma, neste debate - seja através da participação em eventos relativos ao tema, sendo na divulgação de artigos que consideremos interessantes, seja preparando propostas próprias, etc.

Agora, para tudo isto acontecer, tem que haver um debate sobre a reforma do Estado. O Governo já o lançou, supostamente. E portanto, a pergunta fica: 

Onde está o debate sobre a reforma do Estado?

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Estimular a imaginação - resposta a comentário

(Resposta ao comentário do leitor Rui Torres, que ficou demasiado longo para a caixa de comentários.)

Caro Rui,

Agradeço os seus comentários.

Começo por dizer que não me parece que seja arrogante que eu queira que o PS apresente propostas sobre cortes de despesas.

Quanto ao Governo, que me parece ser o alvo do comentário, parece-me que uma acusação melhor seria de hipocrisia - estão agora a exigir o apoio que não deram a um Governo minoritário do PS, quando até têm uma maioria parlamentar. Só que ao PS também se pode fazer a acusação de hipocrisia: não estão a dar o apoio que queriam ter tido enquanto Governo e, apesar deste Governo ter maioria, não é indiferente que o principal partido da Oposição rejeite por completo iniciativas estruturais do Governo - cria incerteza sobre o que aconteceria se o PS chegasse ao Governo, o que, como o Rui bem diz, pode acontecer já nas próximas eleições.

Esta situação lembra-me este vídeo, com as devidas adaptações: http://www.youtube.com/watch?v=Vgil5gKBwWE Especificamente, a partir do minuto 3:17.

Quantos ao estímulos do Estado, eu sei porque é que são defendidos os estímulos do Estado. O problema é que o Estado já tem programas de estímulos (pelos vistos não tantos como o PS desejaria) e não estamos em situação financeira para fazer os estímulos - e, aliás, o último programa de estímulos ajudou a colocar-nos na situação que temos hoje. Entretanto, o Governo já anunciou que quer criar um banco de fomento - ao que parece com particular ênfase na promoção da industrialização do país. (Tenho bastantes reservas relativamente a este novo banco.) Por outro lado, também se tem agora falado de uma reforma, de alto a baixo, ao IRC (em vez daquela ideia de aplicar uma taxa de IRC de 10% a novos investimentos) - só que não se sabem grandes pormenores, pelo que vai mesmo ser preciso esperar para ver.

O programa de ajustamento não me parece pensado para diminuir o nível de dívida de um dia para o outro - aliás, não é por acaso que o FMI diz o que diz. Só que acontece que nós temos os nossos problemas de curto prazo e de longo e médio prazo a alimentarem-se mutuamente - eu concordo que o ênfase esteja mesmo em diminuir o défice, fazer cortes na despesa e fazer uma reforma do Estado para o tornar mais eficiente.

De qualquer forma, mesmo para quem pense que deve haver um grande programa de estímulos, o Estado português não tem uma enorme margem para estimular a economia (diria que tem quase nenhuma, apesar de já existirem programas de estímulos). O programa teria de ser a nível europeu. O que mais se fala agora é de investimento público através de project bonds europeus - provavelmente com enfoque em projectos relativos a I&D e educação, pelo que entendo). Só que, com a experiência portuguesa na gestão deste tipo de projectos, tenho as minhas dúvidas sobre como isto iria funcionar. E tenho as minhas dúvidas sobre a sua eficácia.

Quanto ao programa de reforma laboral alemão, terá notado que este Governo tem dado grande ênfase, pelo menos mediaticamente, ao ensino técnico - precisamente inspirando-se no modelo alemão, segundo as notícias.

Além de que as reformas laborais que o Governo fez, em particular relativamente ao despedimento por inadaptação sem motivos tecnológicos mas sim por incumprimento de objectivos, não foram a revolução que por aí alguns proclamaram (para o bem ou para o mal). A nova forma de despedimento não permite um despedimento imediato - exige um procedimento prévio (que aliás é uma resposta a uma exigência já antiga do Tribunal Constitucional, que veio na senda da introdução de novas formas de despedimento nos início dos anos 90, segundo creio). O empregador não pode despedir «porque sim» e imediatamente, portanto.

Outra alteração, por exemplo, foi a de que, em caso de extinção de posto de trabalho, a selecção do trabalhador despedido terá de ser feita por uma razão objectiva, mas não tem necessariamente ser por antiguidade, que julgo ser a regra britânica e me parece mais razoável.

Aliás, cada vez mais me parece que o Governo está a tentar copiar o modelo de desenvolvimento económico alemão, pedaço a pedaço, desde a aposta na indústria à aposta no ensino técnico, passando pelo banco de fomento (que é apoiado pelo PS e que Angela Merkel, pelos vistos, também disse apoiar).

Concordo plenamente que os anos que vêm vão ser determinantes, e aliás penso que estamos num momento decisivo, "make or break", a nível europeu, que pode permitir uma maior federalização da UE (que eu gostava de ver acontecer) e com isso aumentar a legitimidade democrática das suas instituições.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Estimular a imaginação

O BE continua com a arrogância e a superioridade moral de sempre. Já se espera do BE este tipo de acusações, à falta de algo útil para dizer. Para o BE, é tudo tão simples. E já se vê que não mudou nada com a nova liderança. É isto, e apenas isto, que podemos esperar do BE.

Para o PS, também é tudo muito simples. Não contente por estarmos a pagar, e bem, o último programa de estímulos, o PS quer outro. Depois, quando estivermos a pagar esse programa de estímulos, o PS vai querer outro. E assim sucessivamente. A puxar pela economia portuguesa com dinheiro que não existe, despejando esse dinheiro inexistente nos problemas a ver se eles desaparecessem.

O PS tem a distinta lata de acusar o Governo de só falar de cortes. Temos António José Seguro a dizer que com ele a austeridade existiria, mas seria uma «necessidade», não uma «prioridade». Continua a mentalidade de que as finanças públicas não estarem em ordem é irrelevante. Basta que haja «crescimento económico», que se consegue com «estímulos» e desvalorizando o euro.

Mesmo com esta crise, continua muito popular a noção de que haver alguma preocupação em termos as finanças públicas em ordem é terrível. Que o crescimento económico surge porque o Estado o promove através de «estímulos». Mesmo sabendo o que aconteceu depois do último programa de estímulos, de vermos serem planeadas e lançadas grandes obras públicas para serem canceladas mais tarde por não termos hipótese nenhuma de as pagar.

Mas a parte melhor de tudo isto é que já se prevêem milhares de milhões para PME e há programas de incentivo à contratação em curso. Com efeitos notórios. Mas claro, o problema nunca poderá ser esses programas não funcionarem. O problema será sempre esses programas precisarem de mais dinheiro. Dinheiro que nós não temos. Mas isso é um pormenor irrelevante, porque por puro voluntarismo, tudo vai acontecer de acordo com o que nós queremos, e o crescimento brotará por despejarmos dinheiro público como temos vindo, sistematicamente, a fazer.

Numa altura em que temos problemas e somos forçados a confrontar os nossos constantes défices públicos, em que um Governo vem dizer que temos de fazer uma reforma do Estado e fazer cortes drásticos na despesa pública, o PS aproveita para se tornar mais popular através do populismo. Não deve ter reparado no que está a acontecer em França com Hollande ou na Grécia com Samaras. Também eles preferiram o populismo. Chegaram ao topo. Agora, estão a ter, eles, de se ajustar à realidade.

Os programas de estímulos estimulam a imaginação. Contam histórias agradáveis de crescimento, emprego, felicidade, em que por nossa vontade, tudo corre como nós queremos, e com um punhado de medidas, as nossos problemas tornam-se uma coisa do passado. Põem-nos a sonhar, a sonhar, a sonhar, em vez de a debater, a debater, a debater... a reforma do Estado. Sobre a reforma do Estado, só se debatem calendários e possíveis conferências. Preferimos debater se o corte de 0,5% da taxa que era 4% e passou a 3,5% foi uma grande vitória ou não, como se isso fosse sequer parecido com o essencial.

Claramente, a reforma do Estado não estimula tanto a imaginação. 

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Cebola: O Ilustre Fugitivo!

Leio aqui, que o primeiro condenado por fuga ao fisco em Portugal está novamente a meças com a Justiça.
Lendo mais a fundo percebe-se que tudo ficou na mesma.
Gasta-se dinheiro e tempo dos contribuintes em vão sem resultados.
Se isto não é falha das instituições não sei o que seja. 

domingo, 18 de novembro de 2012

É tudo tão fácil

É tudo tão fácil. Resolver a crise, por exemplo. É muito fácil. Tão fácil, que apenas por tenebrosa conspiração a crise ainda não foi resolvida. Bastava que toda a gente pensasse da mesma forma, tivesse exactamente as mesmas prioridades e agisse exactamente conforme o que é necessário resolver a crise. É simples, como se pode ver. Apenas por má vontade as pessoas que estão erradas não vêem a luz e mudam de opinião. Porque é óbvio e evidente que não têm razão. Pelo que, se não mudam de opinião para a opinião correcta, única admissível pelos factos, e que só por acaso é aquela defendida pelas pessoas que têm razão, é por defeito de carácter ou por opção perversa.

Para começar, toda a gente devia concordar naquilo em que consiste a crise. Depois, toda a gente devia concordar nas soluções para aquilo em que toda a gente concordasse em que consistisse a crise. E, finalmente, essas opções teriam de funcionar exactamente como previsto, sem consequências nefastas não pretendidas - e toda a gente teria de concordar o que seriam consequências nefastas. Como se pode ver, é simples. Porque é evidente aquilo em que consiste a crise, as soluções são óbvias e é evidente que as soluções, quando aplicadas, funcionariam exactamente conforme planeado, sem quaisquer desvios, e que existiria consenso quanto à inexistência de consequências nefastas não previstas.

Deste modo, é evidente que se a crise não está já resolvida, em três tempos e muito antes de ser necessário tentar arranjar tempo suplementar, é por evidente estupidez de quem não tem as opiniões correctas. As opiniões correctas baseiam-se em crenças que são evidentes e que estão correctas por duas razões principais: (i) porque sim, (ii) porque os comentadores preferidos de quem as defende as defendem na televisão e (iii) porque os títulos dos jornais lidos assim o indicam. Argumentos em contrário estão por definição errados e é, naturalmente, um descaramento apresentá-los. É apenas uma forma de perder tempo, de impedir as soluções evidentemente correctas de serem implementadas, de forma a que possam ter os efeitos imediatos previstos.

É tudo tão simples. É apenas aparente que a situação seja complexa. Não é. A complexidade é uma mera ilusão, que apenas existe por força da ignorância, incompetência e estupidez de quem decide coisas. Na verdade, a crise é muito simples. Aliás, as crises são muito simples. É claro que as coisas más devem ser atacadas e as coisas boas promovidas. É elementar que se deve ajudar quem precisa e cortar no desperdício, fazer as reformas necessárias e ou deixar ficar, ou melhorar, o que já está bem feito. Parece impossível ninguém ser capaz de se lembrar de fazer isto. De melhorar as coisas. É que se melhorarmos as coisas, as coisas melhoram.

É preciso coragem para dizer estas verdades. Claro que muitos dos que dizem estas verdades não querem aborrecer-se a ter de tomar as decisões. São os treinadores de bancada da política. Embora muitos atirem as suas opiniões no café, há alguns que as atiram do «banco» do Parlamento. Por entre insultos, naturalmente, porque um bom insulto vem sempre a calhar. É que é tudo tão simples, tão simples, que os horrores que não tomam as decisões óbvias têm mesmo de ser insultados. Merecem. Afinal, o sado-masoquismo que exibem ao não fazer aquilo que é óbvio apenas pode ter como resposta um insulto.

É tudo tão óbvio. Deixando de lado as coisas complexas, que são evidentemente irrelevantes, desprezando as opiniões contrárias, que estão obviamente erradas, e ignorando aquilo que não convém, porque é evidentemente de ignorar, torna-se claro o quão óbvio é o que se tem de fazer. E fácil. Basta fazer o que deve ser feito. E quando o que deve ser feito, for feito, os problemas desaparecem. Assim, de uma só vez.

Ou talvez não.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O que foi isto?

Retirado do vídeo de Brandon Jourdan (globaluprisings.org)


1. Confesso ter-me emocionado ao assistir às imagens deste incompreensível momento. Um bando de impensantes passa uma animada journée a atirar pedras da calçada à casa da democracia - à nossa casa - e aos agentes incumbidos de a defender, enquanto manda abaixo a enésima litrosa da tarde. Sim, porque foi a nossa rua que eles "privatizaram" ao destruir o pavimento para alimentar uma intifada a forças de segurança pagas por nós para defender a nossa casa. É como se cada pedra que choveu naquela escadaria não tivesse falhado o alvo mas antes acertado num bocadinho de cada um de nós.

2. Também por isso me consternou igualmente a sensação de laissez-faire naqueles longos minutos. Porque, durante tanto tempo, ficou a polícia a olhar para eles enquanto destruíam pedra a pedra património da cidade? Se numa situação quotidiana, um inteligente decidisse começar a desmontar a calçada "na cara" de um agente, não seria impedido? Ao ver as imagens ainda me permiti sonhar que houvesse alguém, manifestante pacífico ou outro, no local com a presença de espírito para, se não impedi-los tout court, se colocar à frente do CI, estilo Tank Man invertido, tentando que parassem com a brincadeira - não seria justificado ter receio de ser apedrejado a escassos metros de centenas de polícias ou seria? (edit: há relatos, se não imagens, de quem o tenha tentado fazer)

3. O que significa o desenrolar desta tristeza num alegre ambiente de festival de verão - cerveja, fumo, mochilas às costas? Serão estes os que "se vêem obrigados" à violência de "tão desesperados e sem saída" que estão? "Aqueles que fazem da revolução pacífica algo impossível, farão com que uma revolução violenta seja inevitável" citava um dos cartazes dos ignorantes - portanto, vamos embora, é começar já para sermos nós a aparecer na fotografia? Será isso? A pergunta é sincera: o que significa? Anarcas de pacotilha? Hormonas pubescentes? Piromania? A arrogância "eu-sou-democrata-desde-que-concordes-comigo-se-não-levas-com-um-calhau" de alguns componentes da extrema-esquerda? Se já é péssimo destruir cadeiras de estádios de futebol e vandalizar as suas zonas circundantes, aquilo que aconteceu tem outra dimensão que deve provocar abjecção em qualquer democrata.


4. Não se ficaram pelas pedras. Caixotes do lixo, vidrões e entulho foram postos a arder por meia dúzia de vândalos. Mais, segundo a PSP, em relação à qual, para aqueles de nós que vivem na Terra, não há razão credível para duvidar ter a certeza absoluta que o quer que diga é mentira e que o ministro da tutela é que decide directamente tudo o que diz e faz, mais de vinte agentes foram feridos, o que mostra como os coitadinhos que só estavam a tentar jogar à petanca com bolas de calcário foram verdadeiras vítimas indefesas da brutalidade policial. "Remember remember the 14th of November" gracejava sem graça uma página de pirómanos no Facebook, como se um momento "No Name" pudesse representar uma grande revolução seja do que for - by the way, convém lembrar que na tradição britânica, aquilo que se simbolicamente queima na fogueira anualmente é o revolucionário pirómano.

5. Uma das ideias que me assombrou também foi a possibilidade de à conta daquela meia dúzia de acéfalos, aquilo que aparentemente, pese embora as pontuais declarações incendiárias do "se não ouvem a bem, ouvem a mal", foi mais uma manifestação pacífica dos funcionários públicos e da extrema-esquerda, ficasse registado como um protesto todo ele de cariz violento, como se tivesse havido um grande motim - nomeadamente, claro, onde realmente interessa, fora do pequeno rectângulo. Seria triste que por causa deles o "tipo" do nosso país tal como é percepcionado no exterior por quem investe passasse a "bestas violentas" no que à situação social diz respeito. Felizmente não foi o caso, passando os olhos pelos relatos da imprensa económica internacional, a coisa parece ter sido tratada com o devido peso.

- da banlieue parisienne

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A ladainha

Há uma ladainha que se repete no nosso debate público. Essa ladainha transforma Alemanha ou Grécia (consoante quem debita a ladainha; outra alternativa são os EUA, mas estão menos em voga) em demónios e assenta em ressentimentos, «revanchismos», dados tirados do contexto/meias-verdades e puras e simples mentiras e teorias da conspiração. Essa ladainha é parte dos nossos problemas.

Primeiro, essa ladainha, em muitas das suas versões, retira toda e qualquer responsabilidade pelo que está a acontecer aos cidadãos. Trata-os como coitadinhos, como vítimas, como peões num jogo que nunca poderiam tentar influenciar. Só que não é bem assim, e esta desresponsabilização é muito perigosa porque corrói a base do sistema democrático.

A base de uma democracia ocidental moderna é a intervenção cívica dos cidadãos. As escolhas que esses cidadãos fizeram nas urnas, as escolhas que fizeram ao decidir abster-se, a apatia e desinteresse generalizados em relação à política, a fraqueza da sociedade civil, tudo isto é parte do que nos trouxe até à crise, e tudo isto é da responsabilidade dos cidadãos. Tudo isto é responsabilidade nossa.

Parte da solução para a crise encontra-se precisamente em os cidadãos assumirem essa responsabilidade, em a sociedade civil organizada assumir as suas responsabilidades. Identificar claramente o facto disto não ter acontecido no passado como uma das causas da crise, como foi, é importante para tornar claro que esta crise que vivemos é precisamente um dos resultados possíveis do alheamento político da generalidade da população.

Por outro lado, desresponsabilizar os cidadãos por aquilo que se passa é uma forma de retirar legitimidade ao sistema democrático vigente. O discurso anti-políticos, anti-partidos, anti-parlamento das versões mais extremas da ladainha tem por objectivo substituir a nossa democracia, imperfeita que é, por um sistema em que o poder cai na rua. E quando o poder cai na rua, não é uma «democracia real» que vem a seguir. A não ser que por «democracia real» se entenda o «caos». Ou então, o poder não cai na rua: simplesmente voltamos a ter uma ditadura.

Assumir as nossas responsabilidades cívicas enquanto cidadãos, tomar consciência de que viver em democracia implica, para que esta continue de boa saúde, o cumprimento de deveres cívicos, é um passo em frente na resolução dos nossos problemas. Essa tomada de consciência colectiva é enfraquecida por discursos populistas que tratam os cidadãos como crianças manipuladas, manipuláveis e incapazes.

A ladainha é perversa também porque nos lança uns contra os outros. PSD contra PS. Portugueses contra Alemães. Norte contra o Sul. Irlandeses contra Portugueses. Gregos contra todos. No final, em vez de um debate sobre como resolver os nossos problemas, em vez de um debate sobre como acertar posições, temos trocas de acusações estéreis, interpretações maliciosas sobre tudo o que o «outro lado» faz, descaracterizações mútuas, e uma grande dose de histeria.

É fundamental que se tentem compreender as posições de todos os que estão à mesa a debater a reforma do Estado e a reforma da União Europeia. Compreender as posições de todos, não tratar todos como se de estereótipos ambulantes se tratassem, e tentar encontrar compromissos. A ladainha cria ruído, histeria e apelos «revanchistas» e, nas suas versões mais extremas, xenófobos; cria uma narrativa de conflito inconciliável que ajuda a que tudo se desintegre, em vez de ajudar a que tudo se resolva.

A ladainha emerge da crise, alimenta-se da crise, mas alimenta também a própria crise. É um círculo vicioso, em que comentadores, meios de comunicação social, blogues e outros intervenientes mediáticos parecem encontrar-se numa câmara de eco, a repetir várias versões da ladainha. Em que as posições se extremam desnecessariamente, em que ódios se inflamam, em que atirar pedras à Assembleia da República ou comparar a Chanceler Merkel a Adolf Hitler é tratado com paninhos quentes por muito boa gente.

É neste contexto que o filme de Marcelo Rebelo de Sousa e Rodrigo Moita de Deus se insere. Esse filme, em poucos minutos, apresenta-nos a versão anti-Alemanha da ladainha. A análise oca, feita com base em títulos de jornal e meias-verdades, é patente. Em vez de discutirmos uma proposta que existe, do eurodeputado liberal e Presidente da União dos Federalistas Europeus, Andrew Duff, para alterar o sistema eleitoral europeu, ou de discutirmos seriamente a proposta do Governo e do PS (apoiada pela Chanceler Merkel) de criação de um banco de fomento, acabamos a ver um vídeo mesquinho que apresenta «os portugueses» no seu pior, e a fingir que foi impedida a sua transmissão na Alemanha (não foi; não foi permitida a sua passagem na Praça Sony, mas o filme foi transmitido na Alemanha).

A ladainha pode servir para que algumas pessoas se sintam bem com elas próprias, culpando outros por todos os males que as assolam, mas serve também para nos paralisar. No meio do ruído, no meio das sucessivas histerias por este ou aquele caso mediático sem conteúdo útil, não se vê uma discussão sobre o essencial. Importantes reformas na lei da concorrência, na lei das rendas e na lei da insolvência, por exemplo, foram atiradas para o ar, estiveram no ar uns tempinhos, e desapareceram.

A ladainha não me atrai. É notório que está assente em bases pouco sólidas, que parecem sólidas porque são repetidas e repetidas e repetidas por muita gente, a quem depois não é reclamado que justifique as suas posições para além de meia dúzia de chavões e um ou outro número. A ladainha não me atrai e parece-me destrutiva, uma espécie de areia movediça na qual nos afundamos sem reparar. Longe de nos ajudar a resolver a crise, fortalece-a, e cria bloqueios para a sua resolução.

Ora, temos de deitar abaixo esses bloqueios. Temos de contrariar a ladainha, de a pôr em causa, de mostrar que é vazia e oca e que nos está a fazer ir para baixo e não para cima. À Esquerda e à Direita, porque a ladainha, embora una nas suas implicações e na sua roupagem, tem variações. É nossa responsabilidade pôr em causa esta nova forma de «sabedoria convencional» que tem muito de convencional e nada, mesmo nada, de sabedoria.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Este País não está para Greves 2!

Mais uma vez Greve Geral, sem que se perceba o que há a ganhar.
Um exemplo é o do cantigueiro abaixo de vitória em vitória até à derrota final...
http://samuel-cantigueiro.blogspot.co.uk/

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Rodrigo Moita de Deus pensa mesmo aquilo?

Rodrigo Moita de Deus escreve no 31 da Armada. Costuma ter piada. A maior parte do que faz no blogue é dizer coisas engraçadas mas sem grande conteúdo. Dá para rir, geralmente. Esperar-se-ia que Rodrigo Moita de Deus tivesse mais conteúdo que o que evidencia nos seus vídeos satíricos e nas piadinhas que vai lançando no blogue.

Pelos vistos, no entanto, Rodrigo Moita de Deus acha que a ladainha simplista sobre a crise que nos sufoca é de alguma forma algo a promover fora de portas. Não satisfeito por a população portuguesa ser sujeita a análises sofríveis sobre a crise, e ser estereotipada, Rodrigo Moita de Deus decidiu, inspirado pelo Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, fazer um filme cheio de erros factuais, de qualidade técnica sofrível mesmo do ponto de vista de um verdadeiro amador, em que os portugueses são estereotipados pelo próprio filme (ironia das ironias) e apresentados no seu pior.

Aquilo que me aborrece mais nisto tudo é que Rodrigo Moita de Deus é dirigente no PSD. Tem responsabilidades num partido que é o maior partido da maioria que sustenta o Governo. E o conteúdo passivo-agressivo daquele filme, que eu presumo reproduza as ideias defendidas por Rodrigo Moita de Deus, é de bradar aos céus. Será possível que Rodrigo Moita de Deus seja assim tão oco que verdadeiramente acredita naquelas coisas? Será que é isto o melhor que podemos esperar de um dirigente do PSD e de um antigo Líder da Oposição da área social democrata (Marcelo Rebelo de Sousa)?

Podiam ter lançado um concurso para que pessoas fizessem filmes a promover Portugal, e depois escolhido os melhores. Podiam ter lançado o projecto num «site» de «crowdfunding» para terem dinheiro para fazerem um filme com maior qualidade técnica. Podiam ter feito um filme que mostrasse que havia ali ideias, que havia ali alguma pesquisa que ia para além dos títulos e das capas dos tablóides. Podiam ter simplesmente posto o vídeo na Internet, em vez de tentar passá-lo no meio de Berlim (e depois enviar cartas de protesto ao embaixador da Alemanha quando isto não foi admitido - para grande sorte dos portugueses).

Rodrigo Moita de Deus pensa mesmo aquilo que está naquele filme? Marcelo Rebelo de Sousa pensa mesmo aquilo que está naquele filme? É isto que eles acham que teria piada representar Portugal? É isto que eles acham do que se passou nos últimos 10 anos (para não ir mais longe...) em Portugal? É isto que eles pensam da «troika»? Se é, fico esclarecido - as opiniões daquelas duas pessoas resumem-se ao que leram apressadamente em blogues e em artigos de opinião, e não em investigações sérias sobre o que se está a passar em Portugal, na Europa e no mundo. Se não é, fico na dúvida da razão para acharem que fazer um filme com aquele conteúdo ajudaria Portugal junto da opinião pública alemã.

Entretanto, Angela Merkel visitou o país e deu o seu apoio ao Governo. Disse ainda que o Governo alemão ajudaria Portugal a criar o seu banco de fomento (o tal que tanto PSD como PS querem criar). E convém lembrar que o Governo alemão tem apoiado um imposto sobre as transacções financeiras (o tal que o PSD e o PS querem) a nível europeu. François Hollande, entretanto, fez uma desvalorização fiscal (ninguém foi perguntar a António José Seguro o que pensava sobre o tema). E o PS acusou o Governo de «subserviência» face a Angela Merkel (como sempre) e queria ser convidado para falar com a Chanceler (a que título, não sabemos).

Alguém lembre o PS de que estão na Oposição e que não são por inerência convidados a falar com a Chanceler da Alemanha quando esta visita Portugal - e já que queriam tanto, podiam ter pedido (por carta, naturalmente, que no PS faz-se tudo por carta, posteriormente publicada no Facebook). Alguém lembre o PS de que da última vez que foram convidados a falar com alguém sobre temas sérios, nomeadamente os cortes de 4000 milhões a preparar até Fevereiro do ano que vem, o PS lavou daí as suas mãos. E alguém lembre ao PS que ainda recentemente visitaram a França para falar com François Hollande e tratam François Hollande (que aplica austeridade e desvalorizações fiscais em França) como se fosse o último grande herói - também se vão acusar a si próprios de subserviência?

De facto, é bem provável e bem possível que Rodrigo Moita de Deus pense mesmo aquilo que está naquele filme. Que um dirigente do PSD e um dos principais fazedores de opinião do país, Marcelo Rebelo de Sousa, de facto pensem que aquilo que puseram naquele filme, de forma «satírica», tem subjacente uma análise séria da situação em que nos encontramos. E sendo isto verdade, é um sintoma claro da fraca qualidade do nosso debate público, porque a análise subjacente àquele filme é do menos séria e do mais simplista, demagógica e populista que se pode encontrar.

Por outro lado, dão-me esperança algumas críticas que li àquele filme. E quanto mais depressa passarmos deste filme a propostas concretas de corte de despesa, melhor. Quanto mais depressa passarmos deste filme para o Governo vir anunciar ideias específicas e fundamentadas e sustentadas para a reforma do Estado, melhor. E quanto menos filmes Rodrigo Moita de Deus e Marcelo Rebelo de Sousa quiserem no futuro projectar na Praça Sony em Berlim, melhor também.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Rebelo de Sousa - O pioneiro do empreendedorismo terrorista!

O Marcelo Rebelo de Sousa adoptou uma postura Do It Yourself e apontou ele mesmo à Alemanha alguns dos grandes defeitos do nosso país! Mas calma, ele tem uma justificação para o que fez!
E a justificação é: Ele quis que os alemães ficassem com uma melhor impressão acerca dos portugueses!
Pois, eu sei, isto não faz sentido. Mas na cabeça dele ele lá viu que dizer que trabalhamos e trabalharemos mais horas que os Alemães e mesmo assim não saímos da cepa torta, ao contrário deles, é um motivo para confiar mais em Portugal. Entre outras coisas, claro. É incrível como ele se deu até ao trabalho de incluir num vídeozeco informação encontrada sabe-se lá onde para poder pintar Portugal pior do que é. Informação falsa, como se a verdade não fosse suficiente para nos enterrar.
Espero sinceramente que os alemães não liguem muito ao vídeo. Espero também que os portugueses façam exatamente o contrário, já que no vídeo econtram inúmeros defeitos de Portugal. Espero já agora também que procurem informação correta sobre os temas abordados
Não sei quanto a vocês mas a mim dá-me vontade de mostrar aos alemães que o Marcelo é apenas um pobre coitado e que ninguém lhe liga em Portugal. Infelizmente torna-se complicado convencê-los disto já que o Marcelo Rebelo de Sousa manda bitaites durante bastante tempo em horário nobre num canal português que é líder de audiências.

domingo, 11 de novembro de 2012

Um vídeo para esquecer

Tive a infelicidade de assistir, do início ao fim, ao vídeo que Marcelo Rebelo de Sousa lançou e no qual Rodrigo Moita de Deus ajudou. (Pode ser visto, por exemplo, aqui, em alemão, e aqui, em português.)

Esteticamente, o amadorismo é patente. Músicas várias rapidamente cortadas servem de banda sonora a um conjunto de figuras sorridentes e de estereótipos que avançam em direcção a uma câmara que se afasta. A meu ver, palavras como «foleiro», «piroso» e sinónimos são perfeitamente aplicáveis.

Mas o pior do filme não é a parte estética, por muito má que esta seja. É mesmo a narração. É o conteúdo programático no filme, que supostamente devia ajudar-nos a conquistar a opinião pública alemã, mas que não tem rigorosamente nada a ver com a opinião pública alemã. Não, tem tudo a ver com a opinião pública portuguesa.

O conteúdo do filme é a ladaínha que comentadores vários vão despejando sobre leitores de jornais ou espectadores de programas de televisão cá em Portugal. Nada naquele vídeo tem alguma coisa a ver com alemães ou com preocupações alemãs. É um vídeo feito por portugueses para portugueses, que por algum motivo que me escapa ia, se projectado na Praça Sony em Berlim, servir para de alguma forma ajudar em alguma coisa.

Na minha opinião, aquele filme, projectado na Praça Sony, serviria para cobrir o país inteiro de ridículo, não ajudaria nada a conquistar a opinião pública alemã, e ajudaria a reforçar estereótipos sobre os portugueses. Porque é que os alemães deveriam levar a sério um filme a tentar ser engraçado feito por portugueses com comparações quase passivo-agressivas com a Alemanha, e com culpabilizações da Alemanha, ao mesmo tempo falando em «solidariedade» quando a Alemanha já nos está a emprestar dinheiro? 

Aquele filme representa aquilo que várias pessoas em Portugal gostariam de dizer aos alemães, por razões que a elas pertencem. Mas não tem nada em atenção as preocupações alemãs. Não tem em atenção as sensibilidades alemãs. Em suma, está-se completamente nas tintas para o seu suposto público alvo. Poderá receber muitos aplausos entre alguns portugueses que com aquela mensagem se identifiquem, mas em que é que interessaria verdadeiramente a alemães?

Aliás, a mensagem do filme podia bem ser levada bastante a mal por vários alemães, que não gostariam necessariamente (eufemismo) de lhes serem atiradas à cara as «lembranças» em relação à Alemanha que o filme contém.  Um filme que tem por objectivo convencer alemães a apoiarem Portugal tratar os alemães da forma aquele filme faz, cheio de recadinhos e mensagens quase passivo-agressivas, não parece ter por verdadeiro objectivo convencer alemães. Facilmente aquilo era interpretado como pouco mais que um julgamento à Alemanha. 

A utilização da imagem do Muro de Berlim no final do filme da forma que é usada apenas serve para mostrar a vacuidade daquele projecto. Um apelo a um símbolo de verdadeira divisão e ao fim da Guerra Fria, como se o que se passa agora e a Guerra Fria fossem tão linearmente comparáveis. A evocação do discurso «Ich bin ein Berliner» quando o objectivo é que a Alemanha quase que despeje dinheiro em Portugal sem quaisquer constrangimentos, e ao mesmo tempo que sempre que o Governo alemão diz alguma coisa, é apresentando como um demónio por ser supostamente neo-imperalista.

Aquele vídeo é um bom símbolo daquilo que vai mal na política portuguesa, em que comentadores tratam assuntos complexos pela rama, criando narrativas simplistas e demagógicas sobre a crise. Em que conversa fiada é tomada como «sensibilidade social» e em que as análises se centram no tacticismo político e não na substância das medidas. (Editado: E em que vídeos «giros» de propaganda que ignoram as preocupações alemãs mas visam alemães, e lhes tentam atirar à cara a ladaínha mediática portuguesa, são apresentados, e vistos, como forma de ajudar o país.)

Vídeos na Praça Sony não resolvem problemas

Quando ouvi pela primeira vez falar da ideia de Marcelo Rebelo de Sousa de criar um pequeno vídeo «promocional» sobre Portugal para passar na Alemanha, na senda do vídeo relativo à Finlândia, tive a mesma reacção que tive em relação ao vídeo inspirador: que era uma ideia sem particular interesse e não nos ia ajudar a resolver os nossos problemas. Imaginei que quisessem passá-la na televisão ou pôr o vídeo na Internet, que ia ser história para um dia, e depois ia ser votado a um merecido esquecimento.

Pelos vistos, o objectivo era passar o tal vídeo numa das principais praças de Berlim. Felizmente, não foram autorizados a fazê-lo. Longe de promover Portugal, aquele vídeo, então se o conteúdo fosse o descrito na notícia, iria cobrir o país e os portugueses de ridículo. Porque é ridículo projectar um vídeo a dizer que em Portugal se trabalha muitas horas e se paga muitos impostos e que somos muito bons. O nosso problema de produtividade não se resolve assim, e na Alemanha a nossa imagem não é a mesma da Grécia. Além disso, não há de facto outra palavra para descrever melhor aquilo: seria ridículo.

Foi uma bênção terem-se recusado a projectar aquele vídeo, para nos pouparem o vexame e o embaraço de ver o seu conteúdo projectado daquela forma. Imaginemos que alguém na Alemanha decidia vir cá a Portugal projectar um vídeo numa das principais praças de Lisboa ou do Porto a dizer que devemos implementar medidas de austeridade ou o que seja. Qual não seria o alvoroço. Mas, ao que parece, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa e os seus apaniguados deviam poder projectar um vídeo de propaganda na Praça Sony - porque sim.

Não contente com o absurdo do próprio vídeo, Rodrigo Moita de Deus resolveu escrever uma carta à Embaixada da Alemanha a queixar-se da recusa em tom exaltado. Eu teria escrito uma carta a agradecer, e a pedir que outras iniciativas deste tipo tenham tratamento semelhante. E sugiro a Rodrigo Moita de Deus que perca menos tempo neste tipo de projectos sem conteúdo e mais tempo a participar, de forma relevante, no debate sobre a reforma do Estado que o Governo lançou. É que a reforma do Estado ajuda a resolver problemas estruturais do país. Vídeos de propaganda do tipo em causa servem para perder tempo.

Finalmente, assalta-me uma dúvida. Parece que os promotores da iniciativa querem que o filme chegue ao seu destinatário (o povo alemão, pelo que percebo). Já ouviram falar da Internet? Não que eu queira o vídeo publicitado. Por mim, ficava com Marcelo Rebelo de Sousa, para eventual visionamento nocturno com os amigos e, dentro de algumas décadas, poderia ser recuperado como documento histórico, e visto como forma de entretenimento para pessoas com interesse em História com vontade de rir. Mas já que querem tanto publicitar o vídeo, podem facilmente colocá-lo na Internet. Logo a seguir, vai passar nas televisões portuguesas. E podem também enviar o vídeo às televisões alemãs.

Tudo isto parece ser demasiado complexo para Marcelo Rebelo de Sousa, Rodrigo Moita de Deus e o resto das pessoas envolvido neste projecto que diz tanto sobre a actual situação portuguesa. É que em vez de estarem à procura de soluções substantivas para os nossos problemas, estas pessoas estão a fazer vídeos a dizer aos alemães que os portugueses são bué da fixes, pagam bué da impostos e trabalham bué da horas. E eu prefiro que os alemãs pensem que nós estamos de facto a tentar resolver os nossos problemas - e não a fazer vídeos a implorar que eles venham resolvê-los por nós, dando-nos dinheiro. É que essa é a melhor forma de a opinião pública alemã apoiar ajudas a Portugal, convencê-la de que nós estamos a assumir responsabilidade pelos nossos erros e o contexto internacional é adverso.

A melhor forma de fazer isto é, efectivamente, assumindo essa responsabilidade e tendo um debate sério sobre reforma do Estado, e continuar a tomar medidas para melhorar a nossa Economia. A Chanceler Merkel e membros do seu Governo, que por cá é passatempo insultar todos os dias, têm elogiado Portugal. A Chanceler, por sua vez, é popular na Alemanha. Esse tipo de apoio do Governo alemão, e do SDP, é muito mais importante para Portugal junto da opinião pública alemã do que um vídeo de Marcelo Rebelo de Sousa e dos seus amigos.

Contrariamente ao que por aí se lê, a Alemanha não quer criar um novo império, nem tem demonstrado particular apetência por o fazer. A União Europeia gera interdependências que significam que não é no interesse da Alemanha que Portugal vá abaixo (e quem diz Portugal, diz a restante União Europeia) e que aliás até será no seu interesse que Portugal e o resto da União Europeia prosperem. Sendo federalista, não concordo com as propostas alemãs (que não são necessariamente apenas alemãs, diga-se) para a resolução da crise. Mas não se pode ignorar os problemas políticos, económicos e financeiros levantados pela Alemanha, pelos Países Baixos, pela Suécia e apelidá-los de «terríveis» de forma a não se lidar com eles, ao mesmo tempo tratando o novo Governo francês (sob ataque por causa das suas próprias medidas de austeridade) como se fosse algo de messiânico.

O grande debate europeu sobre a federalização da União Europeia, para um federalista, passa por tornar claro ao Norte da Europa e ao Sul da Europa que uma federação europeia é a melhor forma de conciliar as suas posições. [Editado: Que, aliás, temos interesses comuns e que estamos todos juntos nisto.] Insultar a Alemanha (ou Grécia, diga-se) não ajuda rigorosamente nada neste ensejo, nem tratar as suas propostas como demoníacas. Ao mesmo tempo, também não ajuda rigorosamente nada passar vídeos de propaganda simplistas na Praça Sony. Aliás, teria tudo para nos prejudicar, dado que a cobertura mediática do vídeo não seria necessariamente (eufemismo) simpática, nem a cobertura política, nem a reacção da opinião pública.

O tempo das falsas soluções acabou. Nunca chegou, aliás, a começar. Se querem tanto, que ponham o vídeo na Internet e vejam se alguém lhes liga alguma coisa. Mas deixem a Praça Sony em paz.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Reforma Constitucional

Mudar nunca é pertinente. Quando há vacas gordas, tudo está bem e ninguém está para isso. Quando há vacas magras, toda a gente quer é segurança, e as mudanças aparecem como muito arriscadas e diz-se que não é numa altura de crise que se terá um debate com a qualidade  extensão necessária. No que toca à Constituição, este tipo de argumentos têm sido invocados para a deixar como está, para além daqueles que defendem a Constituição pelos méritos que consideram que ela tem.

Aqueles que não querem mudar por acharem que o que está, está bem, compreendo bem melhor que aqueles que dizem que até mudavam, mas não agora. É que a Constituição e a sua interpretação têm impacto relevante no nosso dia-a-dia, por balizarem leis e até mesmo debates públicos. O facto de termos uma Constituição que tudo regulamenta, de forma bastante específica em alguns casos, tem impacto nos termos do debate público, por causa das regras para que esta seja alterada, dada necessidade de haver uma maioria qualificada.

Mudar a Constituição necessita de uma maioria alargada, para tentar garantir que o texto das normas fundamentais seja o resultado de um compromisso mais alargado que as leis ordinárias. Em princípio, apenas pode ser feito em determinados períodos, de forma a conferir algumas estabilidade ao texto constitucional. Tudo isto se percebe e faz sentido. É importante que as regras fundamentais sejam objecto de um consenso mais alargado e que sejam estáveis. Acontece que, neste momento, estamos a ver os limites da nossa Constituição e do modelo, muito específico, de Estado (Social) que ela prevê.

Contrariamente ao que alguns gostam de dizer, nenhum dos maiores partidos defende o fim do Estado Social. Não vi nenhum dos principais partidos defender o Estado Mínimo. O que está em causa e em discussão, o que sempre tem estado em causa e discussão, é qual o modelo de Estado Social que queremos, e qual a capacidade da Assembleia da República de tomar decisões por maioria simples sobre certos temas agora constitucionalmente previstos. Isto inclui, por exemplo, saber se faz sentido regular constitucionalmente, de forma tão pormenorizada, o sistema eleitoral, ou até o sistema fiscal. Ou saber se queremos incluir uma referência expressa a um princípio de sustentabilidade financeira do Estado e/ou a um princípio de solidariedade intergeracional no texto constitucional, por exemplo.

Claro que os exemplos não acabam ali. Outros temas, como o da forma como a Constituição regula o mercado de trabalho, ou como a Constituição regula o sistema fiscal, ou até como a Constituição regula os poderes das autarquias locais e prevê regiões administrativas para o Continente, tudo isto também pode, e deve, ser debatido. Sem histerias, sem falsos moralismos, sem manifestações de superioridade intelectual. Simplesmente, deve ser debatido, com trocas de argumentos sobre porque é que a solução deve ser uma ou deve ser outra, argumentos sustentados em mais do que retórica.

Todo este debate vai ser ideológico, como não podia deixar de ser (ver aqui e aqui). As ideologias estruturam como defendemos que a comunidade deve estar organizada, pelo que qualquer debate constitucional vai ser um debate ideológico. Desse debate virá um compromisso entre as várias visões participantes do debate e um novo texto constitucional (tendo em conta que temos uma constituição escrita), que naturalmente não porá em causa vivermos num Estado de Direito e numa democracia parlamentar, mas poderá alterar a forma constitucional do nosso Estado Social. Isto porque nem de perto nem de longe em Portugal as pessoas que querem acabar com o Estado Social têm a força e a maioria necessárias para o fazer - são, aliás, pelo contrário, uma minoria.

A histeria retórica que envolve este debate serve apenas para mascarar as parecenças entre os vários partidos do arco do poder. As opiniões de uns e outros são descaracterizadas, tudo se extrema, e temos teatro mediático para dar e vender. O pior é que este teatro mediático tem repercussões, nefastas. A constante preocupação com dizer às pessoas o que se pensa que elas querem ouvir para receber votos, ocultando ou não dando ênfase suficiente ao que não convém, é um enorme problema. Apresentar falsas certezas em tempos de crise, optimismos que rapidamente são postas em causa, é outro problema, e ambos os problemas se alimentam entre si.

No meio de tudo isto, temos de ter um debate sobre a reforma do Estado, e esse debate não estará completo sem um debate sobre uma reforma constitucional. Afinal, as funções do Estado e como estas são e podem ser exercidas resultam, em primeira linha da Constituição. O debate tem de olhar para a Constituição de alto a baixo, para a regulação económica e política, de forma a fazermos escolhas sobre o que queremos manter, o que queremos eliminar e o que queremos alterar. E tem de ter uma participação alargada, apesar de o estarmos a fazer quase em contra-relógio, aproveitando também contributos que foram sendo dados para este debate em anos anteriores (ou seja, aproveitando trabalho já eventualmente feito, no caso de ainda aplicável nos dias de hoje).

Nós vivemos hoje num mundo diferente dos anos 70 e 80, anos que verdadeiramente moldaram a Constituição que temos hoje. Dada a forma como a Constituição foi escrita, de forma muito extensa, isso significa que ela tem de ser revista e trazida para a segunda década do séc. XXI e, com isso, provar que em democracia, mesmo em crise, conseguimos resolver os problemas complexos que nos afligem.

Até o CL sucumbe à metafilosofia da bica

Isabel Jonet não disse nada de útil naqueles minutos "horribilis". Disparou meia dúzia de "truísmos" moralistas cuja carapuça servirá concerteza a muitos, porém certamente a sua visão do que são os grandes desafios do país não passa pela redução do consumo de bifes. Não é propriamente algo raro na cena do "debate" público que pessoas com os melhores backgrounds dediquem tempo na imprensa a conversa de café, pelo que em condições normais aquele momento seria alvo da chacota de quem estivesse por acaso refastelado no sofá a ver a 5 naquela noite e nada mais.

Mais non! Meia dúzia de youtube's e petições online depois, já aquilo se transformara num "episódio" ou mesmo num "caso" que surge como um dos hot topics da semana, sendo motivo de profunda indignação por parte de indignados profissionais e amadores. Editoriais, artigos de opinião, notícias, comentários, cartas abertas de três páginas, blogs de indignados, blogs de dignados (ups, mea culpa aqui), "a fúria das redes sociais", enfim, uma discussão nacional profunda toma lugar sobre uma questão crucial e fracturante.

"Está-se a aproveitar da posição de presidente do Banco Alimentar para fazer política!", dizem uns escrevem uns em cartas abertas de três páginas. Isto é, há quem pense que dizer que "no meu tempo lavava-se os dentes com o copo", ou "temos que nos habituar a viver com menos", em Portugal é fazer política.
  
Dito de outra forma, chegamos a um momento curioso em que conversas nos cafés, táxis, caixas de comentário de sites de jornais, grupos de Facebook indignados e outros afins, se dedicam a analisar, debater e criticar a conversa dos cafés, táxis, caixas de comentários, etc. Ainda que a metafilosofia da bica pingada seja sem dúvida estimulante e salutar do ponto de vista teórico, parece-me algo improdutiva no presente contexto de emergência.

É a histeria de que aqui já falou o João a seguir o seu caminho alegremente. E já são palavras a mais gastas com isto, também aqui no CL.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Ainda os «certificados de desenvolvimento»

Os bancos estão a desalavancar e não emprestam dinheiro, e que é um problema. Mas a desalavancagem é uma cura necessária e não justifica a criação de instrumentos de dívida pública para investimento, e ainda menos para investimento especificamente em indústria.

Primeiro, parece ser intenção competir directamente com os bancos pela poupança de quem viva em Portugal, precisamente quando já há dificuldades dos bancos em encontrarem financiamento. Convinha não dificultar ainda mais. Convém lembrar que o negócio base dos bancos é captar depósitos para depois emprestar dinheiro.

Na prática, o Estado estaria a açambarcar investimento bancário em dívida pública e depois a açambarcar a poupança para a usar para investir em indústria. Ou seja, a substituir-se, tranquilamente, aos bancos privados. A partir desse momento, seria oficializado que teríamos uma gestão centralizada da economia portuguesa - os projectos seriam aprovados por estarem de acordo com as políticas preferidas pelo Estado - ou seja, pelo Governo, na pessoa do Ministro da Economia e Emprego - e não com base em análises de rentabilidade feitas por entidades privadas interessadas em lucrar com o negócio.

Por outro lado, estes títulos serviriam apenas para ajudar a indústria, provavelmente a indústria exportadora, criando condições de acesso ao financiamento desiguais para essas indústrias face a outras e face a outros sectores. O Estado estaria a inclinar claramente a balança no sentido da indústria exportadora, prejudicando todos os outros de forma arbitrária, simplesmente porque o Ministro decidiu, a partir de cima, «reindustrializar o país» e dirigir a economia portuguesa.

Os bancos não estão a emprestar porque não podem. O Estado português, já sem dinheiro, decide então criar-lhes ainda mais dificuldades em conseguir financiar-se - com a ideia até de criar um banco de fomento público. Banco de fomento público esse que teria «taxas justas», politicamente determinadas para serem bem mais atractivas que as dos bancos privados, pelos vistos. E que escolheria os seus investimentos com base em doutrinas políticas, e não simplesmente com base na rentabilidade potencial do investimento.

O facto de agora estarmos em tempo de crise não significa que o Estado tenha de assumir o lugar dos bancos, especialmente numa altura em que também o Estado está em crise. Temos criar condições para que haja confiança nos bancos privados e esperar que estes estejam em condições de emprestar. Condições que não chegarão se o Estado decidir substituir-se-lhes com «certificados de desenvolvimento», ao mesmo tempo que lhes pede consistentemente que os bancos lhe comprem dívida pública. E para que o Estado deixe de desesperar por impingir dívida pública, tem de haver uma reforma do Estado no sentido da sustentabilidade das contas públicas.

Vai demorar até isto acontecer. Acontece que tentar acelerar as coisas da forma que o Governo pelos vistos quer fazer terá efeitos negativos precisamente na recuperação dos bancos privados, ao mesmo tempo que cria problemas de concorrência e problemas relativos ao mercado único europeu e auxílios de Estado. Ou seja, temos problemas, continuaremos a ter os problemas, e passaremos a ter novos problemas.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Títulos de dívida para reindustrialização?...

Os portugueses vêem-se em crise. Com isto, poupam. Não surpreende. Uma crise leva a que as pessoas se retraiam e joguem pelo seguro. E, portanto, refreiam o consumo e começam a poupar. Por muito custoso que seja, arranjam forma de deixar de lado uns trocos ao fim do mês, num local que considerem seguro, para acautelar o seu futuro. Normalmente, isso significa um banco, que poderá canalizar este dinheiro para financiamento da economia. O desenvolvimento de hábitos de poupança significaria assim uma maior quantidade de dinheiro disponível nos bancos para fazerem, por exemplo, empréstimos a empresas. Agora estamos em recessão, mas parte de sair da recessão é criar condições para o investimento tornar a florescer, e hábitos de poupança é um começo.

Isto não é suficiente para o Ministro da Economia e Emprego. Dado que um banco de fomento não se cria de um dia para o outro, anda agora a estudar criar «títulos de dívida para a reindustrialização». Aliás, vai mais longe, e já decretou que a indústria tem de ter um peso mínimo de 20% na economia portuguesa. O dinheiro que vem da UE vai, portanto, ser canalizado através do QREN para «reindustrializar o país». O Ministro não diz, mas adivinha-se que hão-de ser definidos pelo seu Ministério os sectores prioritários para receber esse dinheiro, de forma a melhor promover as exportações, que é um dos grandes objectivos deste Governo. Esse e, pelos vistos, «ajudar as PME» - um dos grandes objectivos de vários Governos ao longo dos últimos anos em Portugal.

O Ministro da Economia e Emprego não deve ter reparado que, mesmo sem os seus títulos de dívida para  reindustrialização, os portugueses já começaram a poupar, e não deve considerar relevante que as decisões sobre onde aplicar esse dinheiro não sejam feitas com base em decisões políticas arbitrárias assentes em decisões retiradas de um chapéu sobre qual o peso mínimo dos sectores na economia portuguesa, mas sim com base na viabilidade e rentabilidade futura dos projectos. Não deve considerar também importante promover as condições para que o capital de risco privado surja em força em Portugal, dando prioridade ao capital de risco público, como não podia deixar de ser.

Álvaro Santos Pereira julga que, como Ministro da Economia e Emprego, o seu papel é dirigir e controlar a economia portuguesa, de acordo com as suas preferências pessoais e as dos seus conselheiros. Age, então, em conformidade com aquilo que pensa. E aquilo que pensa não se distingue muito daquilo que o principal partido da Oposição, o PS, tem vindo a defender. Também o PS carpe mágoas pelas pequenas e médias empresas, prometendo todo o tipo de auxílios públicos. Também o PS quer um banco de fomento. Também o PS quer controlar a economia portuguesa a partir de cima.

Não bastando os títulos de dívida para a reindustrialização, temos também as propostas relativas a gasolina «low cost», de que Pedro Pita Barros aqui fala. Como ele diz, a prioridade devia estar em retirar barreiras à entrada. Em vez disso, criam-se obrigações vindas de cima, com a ideia de que isto fará, milagrosamente, baixar o preço dos combustíveis. E se forem tabelados preços para o combustível, ainda pior. Mas, de novo, o Governo demonstra que o seu instinto nestas matérias não é pensar como sair da frente de quem queira vender combustíveis a preços mais baixos (note-se que eu considero que há aqui externalidades negativas relevantes a ter em causa, e não acho que o Governo deva ignorá-los ao tomar as suas decisões a este respeito), o Governo toma as decisões directamente.

Quem andava infeliz por o Ministro da Economia e Emprego não vir a terreiro com uma medida nova todos os dias, aqui as vamos tendo todas, em todo o seu esplendor, demonstrando que também este Governo quer dirigir e fomentar a economia portuguesa com recursos públicos. Só que agora mudaram os destinatários das benesses. Agora queremos estimular as exportações, subsidiar o empreendedorismo e fomentar a indústria nacional. Porque o Ministro da Economia e Emprego assim decretou. Tal como decretaria um qualquer Ministro da Economia do PS.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Ser Primeiro Ministro implica ter de governar

António José Seguro não tem programa.

A sua actuação enquanto Secretário-Geral do PS tem sido pautada por falar em generalidades e em «slogans».

Como sempre, enquanto principal partido da Oposição, o PS de António José Seguro tem fugido das responsabilidades o mais que pode, procurando sempre colocar-se nas posições mais confortáveis em qualquer debate, em vez de apresentar soluções sustentadas e credíveis.

Quando António José Seguro diz, sem rir, que está preparado para ser Primeiro Ministro, só falta de facto a música épica e a lágrima no canto do olho. Porque não é para ser levado a sério.

Se o PS chegasse ao Governo amanhã, com um conjunto de Ministros que ninguém sabe qual seria* (e que poderia incluir gente como João Galamba ou Pedro Nuno Santos, nunca se sabe), os novos Ministros teriam de estudar todos os «dossiers» desde o zero. Como não há qualquer programa, ter-se-ia de fazer um no momento, ir inventando à medida que o tempo passa, como aliás, no que toca à reforma do Estado, já está agora a acontecer (esperemos que o debate agora lançado ao menos tenha lugar de forma decente e estruturada).

Relativamente à aposta nas empresas exportadoras e tudo o mais, o Governo concorda plenamente e já existe dinheiro a ser canalizado precisamente para isso. Aliás, chegado ao Governo, o PS tenderia a ser muito parecido com o Governo actual. Não só por causa do Memorando com a Troika, que o novo Primeiro Ministro muito preparado rapidamente descobriria não poder ser renegociado com base sonhos e voluntarismos alegres, mas também porque, retirando a retórica de grandes oposições, as propostas de base do Governo e do PS são as mesmas.

No Governo, o PS descobriria que teria de fazer cortes na despesa para equilibrar as contas públicas. Já não se poderia escudar no seu actual discurso de que a culpa e o interesse são do Governo e da «troika» e que têm de ser o Governo e a «troika» a encontrar os cortes. Porque nesse momento, o Governo seria liderado por ele, e seria ele a ter de procurar os cortes com a «troika», com o Banco Mundial, se com quem mais o novo Primeiro Ministro muito preparado estivesse interessado em chamar.

António José Seguro está tão preparado para ser Primeiro Ministro como Pedro Passos Coelho estava antes de se tornar Primeiro Ministro - ou seja, não está preparado. O resultado de eleições antecipadas seria criarmos uma enorme dose de desconfiança desnecessariamente (dado que este Governo é apoiado por uma maioria bem mais estável do que alguns dizem/gostariam) e uma vitória do PS seria simplesmente perder mais tempo até os novos Ministros aprenderem a ser Ministros e o novo Primeiro Ministro aprender a ser Primeiro Ministro. Tudo numa altura em que já nos dedicámos a perder tempo há anos e em que temos, mais do que brincar às conversas sobre eleições antecipadas e fazer votos de enorme preparação (que é patente não existir), de agir no sentido de tornar o Estado estruturalmente solvente.

Isso demorará anos e não será nada fácil. Não dependem só de nós as condições em que levamos a cabo o nosso processo de ajustamento. Mas naquilo que depender de nós, então convém agir de forma responsável . Quanto menos teatro mediático, melhor. Quanto mais diálogo político sério em torno da reforma do Estado, melhor. E sim - quanto melhor o debate sobre cortes na despesa, para evitarmos constantes aumentos de impostos, também melhor. Seria útil também deixar cair ideias como bancos de fomento ou impostos sobre as transacções financeiras, mas parece que pelo menos esta última vai mesmo avançar (com o resultado que as poucas grandes transacções financeiras abrangidas que seriam feitas em Portugal vão deixar de ser feitas em Portugal, e a arraia miúda que faça transacções financeiras vá ter de pagar o imposto).

Em França, François Hollande, avança com uma desvalorização fiscal e é atacado pelos cortes de vários milhares de milhões de euros que promete fazer. Os aumentos de impostos sobre os rendimentos dos ricos estão a levar a que os ricos saiam de França. E as perspectivas para a França não são nada positivas. Em Portugal, António José Seguro teria um choque com a realidade equivalente. Os resultados seriam, também, os mesmos. E a falta de preparação seria a mesma do Primeiro Ministro actual, com a agravante da crise entretanto ter piorado por causa de uma eleição antecipada desnecessária (que não vai ocorrer, pelo menos pouco verdadeiramente indica que sim).

Ser Primeiro Ministro implica ter de governar. Governar significa enfrentar a realidade. E a realidade não é o mundo retórico em que vivem os principais partidos da Oposição em Portugal. António José Seguro, como todos os Líderes da Oposição em Portugal, não está preparado para ser Primeiro Ministro, porque o principal partido da Oposição não se prepara para ser Governo enquanto está na Oposição, o que abrange também o seu líder não se preparar para ser Primeiro Ministro.

Assim, António José Seguro pode dizer o que quiser sobre o seu nível de preparação. A forma como age e o facto do PS não ter um programa apenas servem para demonstrar que não está.

Aos Ombros de Saramago!

Vejo aqui uma grande frase de Saramago.

"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."

in Livro dos Conselhos


PS: Um Obrigado ao João Mendes pelas palavras de amizade um destes dias.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O estranho tango a quatro da reforma do Estado

António José Seguro enviou uma carta a Pedro Passos Coelho.

Do conteúdo da carta pode ignorar-se grande parte, que é a narrativa já conhecida do PS sobre o seu amor ao Estado Social vigente, por entre outras coisas pouco relevantes, e ir ao que mais interessa: o PS está disponível para sentar à mesa e dialogar.

Por outro lado, apesar de estar disponível para sentar à mesa e dialogar, António José Seguro, entretanto, também mandou o Governo e a «troika» procurarem 4 mil milhões de euros para cortar no Estado Social, lavando as mãos das medidas difíceis que, contrariamente àquele que António José Seguro «argumenta», também se tornaram necessárias por obra e graça do seu PS.

Portanto, António José Seguro está disposto para discutir a reforma do Estado, mas nunca quaisquer cortes no Estado Social. Esses ficam para o Governo e para a «troika». António José Seguro prefere clamar por crescimento económico, estimulado maioritariamente por medidas com que o próprio Governo já se comprometeu também (incluindo um banco de fomento público, de todas as coisas que estas pessoas podiam ter ido desencantar numa altura em que o Estado não tem dinheiro e vivemos numa economia aberta na UE - sendo que mesmo em abstracto, não é ideia que me agrade).

António José Seguro enviou uma carta a Pedro Passos Coelho. Depois, colocou-a no Facebook.

Enquanto António José Seguro fazia isto, temos notícia de que a maioria parlamentar se lembrou de vir pedir  conferências, no Parlamento, sobre a reforma do Estado.

Questão que me parece relevante: qual a razão do atraso? Demoraram, contando apenas desde as últimas eleições, cerca de ano e meio a lembrarem-se que precisavam de conferências sobre a reforma do Estado - que, aliás, acho bem que se realizem, só preferia que já estivéssemos bem mais avançados que isto.

Não só estas conferências junto do Parlamento deviam ter começado mais cedo, PSD e CDS-PP (e mesmo o PS) deviam ter organizados conferências próprias ainda antes das eleições. Cada partido devia ter ideias muito claras sobre o que pretendia para o Estado e apresentado essas ideias aos portugueses. Em particular, o PS, estando no Governo, tinha acesso a um manancial de informação que lhe permitia ter uma noção bastante melhor do que se passava no Estado, e portanto a capacidade de criar um programa bastante sustentado de reforma do Estado. Mas as próprias Oposições não cumpriram, como nunca cumprem, o papel de desenvolver as suas políticas de forma substanciada, para se afirmarem como verdadeiras alternativas de Governo.

Claro que o PS teve, durante o primeiro Governo Sócrates, um programa de reforma do Estado, que foi essencialmente ignorado. O Governo actual também apresentou um programa de cortes que na verdade não reformava Estado nenhum. E, com atraso imenso, o Governo, o PS e a maioria parlamentar fazem danças políticas mediáticas, envolvendo cartas e convites e virgens ofendidas a rasgarem vestes por tudo e mais alguma coisa. Pelo meio, ficamos com a certeza que não é só o PS que não tem um programa - a maioria parlamentar também não tem, e o Governo também não tem.

É claro que a incapacidade do Governo de explicar o que ia fazendo ia deixando claro que não tinha um programa de reforma do Estado. Não podia ser tudo explicado pela incapacidade comunicacional do Governo - a substância também tinha de faltar, para as coisas serem tão aflitivas. Também pela reacção da maioria parlamentar ao Orçamento se percebeu que PSD e CDS-PP falavam de cortes mas não tinham nada de específico pensado, falando apenas de forma genérica para marcar posição.

O estranho tango a quatro (Governo, PSD, CDS-PP e PS) da reforma do Estado resulta de, no meio de uma profunda crise económica, financeira e política, os três principais partidos no Parlamento, bem como o Governo, não terem um programa de reforma do Estado ao fim de cerca de ano e meio de funcionamento do Parlamento. De irmos agora começar um debate que já seria difícil em tempos de vacas gordas, e que agora se torna fantasticamente difícil com a pressão da dívida e os jogos políticos que caracterizam a nossa vida politico-partidária. De termos todo este atraso por causa da incapacidade que a nossa classe política tem para não se embrenhar em táctica política pura em vez de tentar criar uma estratégia para o país.

A ver se é possível engolir isto sem gritar: os principais partidos do país vão agora negociar uma reforma do Estado. Depois dos atrasos no pedido de ajuda a FMI e União Europeia. Depois dos anos de vacas pouco gordas que mesmo assim apenas resultaram em meias medidas, se lhes podemos chamar isso. Depois de haver um Governo com um mandato para fazer a reforma do Estado. Mesmo depois de tudo isto, foi preciso todo este tempo para que o debate fosse lançado - e, mesmo assim, temos toda uma classe política a jogar à política com a vida de toda a população do país (já para não falar da vida de toda a população da União Europeia), no meio de estridentes títulos sensacionalistas de jornais e com uma inacreditável ausência de debate que resulta em unanimismos em torno de posições que se vão contradizendo com o tempo.

Demoraram imenso tempo a lembrar-se que, já agora, convinha implementar as célebres reformas estruturais, de que todos falam, falam, falam, mas sobre as quais se faz pouco. Demoraram imenso tempo a lembrar-se que, já agora, convinha haver diálogo alargado. E mesmo depois de se lembrarem, temos direito a um estranho tango a quatro, em que é notório o calculismo político dos passos dados. Perde-se mais e mais tempo com joguinhos mediáticos para aparecer bem na fotografia. O debate é polarizado propositadamente. As posições são extremadas para atrair votos da mesma forma que um pavão usa as penas para atrair parceiras, enquanto a substância é deixada de lado. Os técnicos da «troika» são insultados, como se nós não os tivéssemos chamado cá, como se não fosse o dinheiro da «troika» que vai mantendo Portugal a respirar e que impede um colapso imediato e austeridade extrema garantida.

O estranho tango a quatro da reforma do Estado é um exemplo claro do estado a que isto chegou. E um sintoma de uma doença institucional que precisa de ser curada. E para isso precisamos, mesmo, de uma reforma do Estado.

Se o conseguirmos fazer, fortaleceremos a nossa democracia, e provaremos que em democracia se resolvem problemas complexos - basta haver sentido de responsabilidade. Por muito difícil que seja. Por muito que isso não entre na cabeça a certas pessoas.

domingo, 4 de novembro de 2012

O circo

Torna-se confrangedor assistir à actuação das Oposições em Portugal. Salivando sempre por tomar o poder, nunca apresentam programas ou alternativas coerentes àquilo que o Governo está a fazer, com a desculpa descarada de que não é sua responsabilidade. Acontece que é da sua responsabilidade. E quem fica a perder por as nossas Oposições ignorarem as suas responsabilidades é o país inteiro.

O PS, sob António José Seguro, é um case study. Avança com ideias soltas sobre a UE que não lhe são originais. Aquelas, poucas, ideias que lhe são originais são puro populismo, desenhadas para colocar o PS do «lado certo» de um certo debate, e nunca são verdadeiramente discutidas. Agora, o PS coloca-se à margem do processo de reforma e reformulação do Estado, lavando as mãos com a maior das hipocrisias da resolução estrutural de uma crise que é, e muito, obra sua.

Falar em «apostar no crescimento» significa absolutamente nada. Dizer que vai haver «project bonds» é ignorar todas as debilidades estruturais existentes na nossa economia e, na prática, pelo que se lê e ouve, é transferir o nosso modelo de endividamento insustentável para o nível europeu. Já pouco se ouve falar de «eurobonds», que aliás eram defendidos de forma hipócrita por aqueles que tanto atacam o défice democrático da UE como o querem piorar criando «eurobonds» sem uma verdadeira união política e consequente legitimação democrática.

Vivemos num circo. Mediático, político e económico. Os artistas são uma classe política habituada a fazer acrobacias e sem capacidade para sair dos seus truques de magia para conseguir votos. O BE e o PCP dedicam-se a promover sistemas económicos que falharam no séc. XX. O PS dedica-se a provar que não tem ideias, não tenta liderar a agenda política, e a jogos políticos rasteiros. O Governo é incapaz de explicar aquilo que faz, mesmo quando faz alguma coisa interessante e potencialmente popular, e deixa-se emaranhar em questões de política pura que em nada ajudam o país a sair da crise.

A comunicação social desencadeia ondas de histeria por tudo e por nada. Subitamente, depois de quase só se ouvir gente a bramir por aumentos de impostos sobre o capital, agora ouve-se falar dos efeitos negativos que essa medida terá sobre a poupança. Subitamente, os portugueses demonstraram que conseguem poupar, e como é precisamente nesse momento que o Governo decidiu, de novo, aumentar os impostos sobre o capital, já se ouve dizer o quão negativa é esta medida.

O circo não pára por aqui. O acórdão do Tribunal Constitucional foi levado em ombros, e o então Presidente do Tribunal Constitucional deu uma entrevista em que uma das medidas de que falou foi, precisamente, o aumento de impostos sobre o capital. Não vi muita gente cair em cima do referido senhor por não saber que os juízes, num regime como o nosso, falam através de decisões judiciais, não através de entrevistas em jornais em que intervêm directamente na luta política. Não vejo também muita gente criticar a Associação Sindical dos Juízes por intervir na luta política diária pronunciando-se sobre os salários dos juízes ou sobre o Orçamento do Estado em geral.

Não vejo também muita gente criticar membros das Forças Armadas que, em vez de procurarem manter e preservar a integridade e o regular funcionamento das instituições, vêm a terreiro mandar achas para a fogueira. Não vejo suficiente gente a criticar severamente conjuntos de gente que se sente no direito de partir carros, cercar o Parlamento de forma agressiva ou agredir polícias. Vejo muitas vezes o oposto - desculpabilizações e tentativas de legitimação da sua actuação, com base na victimização e na teoria do coitadinho.

Vivemos numa democracia e num Estado de Direito, mas isso não é suficiente para quem não quer saber da democracia ou do Estado de Direito. As regras e o regular funcionamento das instituições apenas interessam e apenas são legítimos se estiverem a implementar políticas com que se concorde, e podem ser colocadas e causa sem problema quando as políticas que se aplicam não são da concordância de quem se considera dono do regime (em nome do povo, naturalmente, mas esse é considerado demasiado ignorante para tomar decisões avisadas - basta ver a reacção às pessoas, comparadas a «zombies», terem aderido à promoção do Pingo Doce no dia 1 de Maio). As organizações internacionais são atacadas por entidades que se auto-proclamam de «esquerda» com argumentação xenófoba e nacionalista, contra «estrangeiros», quando Portugal é membro dessas mesmas organizações internacionais e pediu a sua intervenção.

No meio de todo o circo, o PS tenta passar por entre os pingos da chuva. O partido sobe nas sondagens, apesar de (ou, provavelmente, por) não ter um programa político. O Governo é incapaz de demonstrar que tem um programa. Aliás, ao anunciar agora, um ano e meio depois de chegar ao poder, que vai começar um debate sobre a reforma do Estado, provou que não tem um programa. Estamos portanto numa situação de crise em que o Governo está, à pressão, a tentar reformar o Estado, e o principal partido da Oposição, sem programa ou ideias, e de forma intelectualmente desonesta, não se junta a esse grande debate. Procura apenas capitalizar nas reformas impopulares que o Governo tentará implementar para ganhar as próximas eleições.

O circo significa que vemos muita gente passar pelas televisões e pela rádio bramindo contra a crise, contra os mercados, contra a Chanceler da Alemanha, contra os EUA, contra as agências de notação financeira, contra aumentos de impostos e contra cortes na despesa, mas sem dizer rigorosamente nada. Só falta música circense quando se vêem deputados levantar-se no Parlamento e ignorar olimpicamente o que o PS fez para nos trazer até aqui. Ou quando se vêem deputados do PSD e do CDS-PP falar sobre cortes na despesa quando, também eles, não fizeram nada neste sentido desde as eleições - não é apenas o Governo que está atrasado, é também a própria maioria parlamentar.

 O circo é toda a «convicção» e toda a «indignação» e toda a «revolta» que por aí se vê ter demasiadas vezes a consistência de títulos de jornais, sensacionalistas e sem espessura, desenhados para chocar mais do que para informar. Em vez de um debate público sobre a crise, esta tem-nos sugado para uma gritaria histérica em que todas as corporações estrebucham para que não lhes tirem dinheiro, em que há quem procure com todas as suas forças obrigar-nos a engolir a mesma ilusão que temos engolido ao longo de décadas. Os ataques a todas as reformas sucedem-se. Por alguma forma que ninguém entende e poucos mediaticamente questionam, resolveríamos a crise mantendo o «status quo».

Isso não faz sentido. A crise forçou-nos a ter um debate que já devíamos ter tido há muitos anos. De pouco serve que não queiramos ter o debate, agora ou alguma vez no futuro. Confrontados com a bancarrota, o debate tem de ser tido, e tem de ter uma participação alargada e o mais informada possível. O principal partido da Oposição faria uma demonstração de responsabilidade inatacável entrando nesse debate de forma construtiva e lógica. Em vez disso, temos farsas sobre a destruição do Estado Social, esse que está a ser destruído precisamente por causa do nível de endividamento a que chegámos, e que tem gerado défices constantes (e consequente dívida) desde sempre.

O PS pode escolher ser o partido de Mário Soares. Mário Soares foi Primeiro Ministro e tomou medidas duríssimas nessa posição, tendo sido atacado da mesma forma que ataca agora este Governo por tomar medidas de austeridade, demonstrando um nível de hipocrisia ímpar em alguém que também se vangloriava há pouco tempo de ter convencido o anterior Governo PS a chamar a «troika». Mário Soares nunca percebeu nada de Economia ou Finanças e sempre apostou na sua personalidade, e não propriamente na substância, para conseguir votos. É isto que o PS quer? Ser o partido hipócrita, que ataca o Governo por implementar medidas que o PS implementaria se fosse Governo, que nada parece entender de Economia e Finanças, e aposta em conversa fiada populista para conseguir votos, em vez de posições sustentadas e fundamentadas para a sustentabilidade do Estado Social que diz defender?

O Governo demorou demasiado tempo a lançar este debate. A maioria parlamentar também andou a dormir todo este tempo. Mas agora, este debate está a acontecer. E mais do que de um circo, os portugueses precisam de um principal partido da Oposição responsável. Precisam de um Secretário Geral do PS com vontade de entrar no debate mais sério e mais importante da democracia portuguesa desde o 25 de Abril de 1974 com propostas substantivas e fundamentadas, porque uma Oposição desse tipo forçará o Governo a ter propostas sustentadas e fundamentadas também.

Nós estamos em crise porque temos vivido num circo, em que a Oposição não cumpre as suas funções e os seus deveres institucionais e os Governos caem de podres, e geralmente não têm grandes ideias antes de entrarem em funções (porque, enquanto Oposição, não as preparam). Estamos a sofrer mais porque o anterior Governo entrou em funções com um programa irrealista (e mesmo surrealista, tendo em conta a crise) e demorou demasiado tempo a pedir ajuda externa e porque o actual demorou demasiado tempo a lançar um debate que já devia ter começado há anos. Estamos a sofrer mais nesta crise porque as instituições não funcionam como devem.

Em vez disso temos o circo. Com cada vez menos dinheiro para comprar pipocas e doces, apenas deixaremos de ser audiência forçada das acrobacias políticas e mediáticas se fizermos uma reforma política e económica ou se sairmos do país. A segunda hipótese não é menos nobre do que a primeira, e não é mais nobre ficar do que sair. Mas acontece que aqueles que saem geralmente são aqueles que nós quereríamos que ficassem para ajudar a mudança. Aqueles que ficam a gritar parecem muitas vezes ser aqueles que querem que tudo fique na mesma, na ilusão de que a crise é que é uma ilusão.

Restam aqueles que querem mudar alguma coisa, que ficam e que são empreendedores o suficiente para colocar em marcha o seus projectos de mudança de forma pacífica, que podem passar por formar novas empresas ou por lançar novos movimentos políticos. Esses são a esperança daqueles que querem sair do circo vigente e realmente mudar o país.

Quem diz o país, diz a União Europeia. Mas isso é um circo ainda maior. No entanto, com muitas das mesmas características.

EDITADO: Outra esperança são precisamente os que agora emigram, se voltarem com novas ideias e nova vontade fazer coisas.