quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O individuo

Recentemente fui, juntamente com o fundador deste blogue, ver o filme “Captain Phillips”. Nessa película, Tom Hanks protagoniza o titular capitão Phillips e o drama que este viveu quando o cargueiro americano que capitaneava foi tomado por piratas somalis. Mais tarde, o capitão foi feito refém pelos piratas quando estes se escapuliram no barco salva-vidas do cargueiro. Neste permaneceram durante várias horas antes de forças americanas resgatarem o capitão feito prisioneiro. Apenas um dos piratas sobreviveu e apenas porque tinha aceite encontrar-se com um negociador a bordo do vaso de guerra norte-americano encarregue da operação de salvamento. O filme baseia-se no livro escrito pelo próprio Phillips depois da sua epopeia em 2009. Independentemente das liberdades que tomará no acto de adaptação, o filme é, como o João Mendes comentou à saída da sala de cinema, e estou a parafrasear, uma ode à resiliência do individuo quando este enfrenta situações extremas, um tema especialmente apreciado pela cultura americana.

Mais tarde, fui também com o João ver a mais recente obra-prima de Martin Scorsese, O Lobo de Wall Street, uma “queda do império romano” nas palavras de Leonardo DiCaprio que assume o papel do também real Jordan Belfort e a sua meteórica ascensão e queda como corrector de Wall Street ocupado em defraudar investidores em muitos milhões de dólares, o que lhe permitiu a ele e aos que com ele trabalhavam, usufruir de uma vida de excesso até ser detido e após negociações com a procuração, ter cumprido quase dois anos de cadeia. Desta vez, à saída do filme, comentei que esta obra apresentava o reverso da medalha daquilo que vimos retratado em Phillips. A obra de Scorsese retrata o individualismo desinibido e desprovido de regras, a procura desenfreada de acumulação material e a satisfação hedonística de todos os apetites do homem.

Esta face da moeda será provavelmente parte da justificação dada, geralmente pelo estado, para as variadas limitação à expressão e responsabilização individual. O individuo, egoísta e desprovido de moralidade inata, carece de uma força que o contenha e moralize de modo a que possa coexistir pacificamente em sociedade. O estado, e muitas vezes as autoridades religiosas que com ele pactua ou até se confundem, assumem este “fardo”, justificando assim toda a espécie de restrições à liberdade de acção dos cidadãos. Em Portugal em particular, as corporações e a televisão e rádio públicas, entre outros, são muitas vezes vistas como essenciais baluartes da moral pública. Entre a anarquia e o estado totalitário, ambos formas de tirania, existe mesmo assim amplo espaço de manobra no que diz respeito ao grau de liberdade que cada comunidade política está disposta a permitir aos seus súbditos.

Tendencialmente o Estados Unidos, pelo menos em teoria se nem sempre na prática, favorecem a liberdade individual com todas as vantagens e responsabilidades que isso acarreta. No domínio da liberdade de expressão, são a meu ver ainda a referência a nível mundial. Na Europa, o espírito das leis e das mentalidades tende a vacilar para o outro lado desta equação e prefere-se geralmente restringir fortemente o raio de acção de cada um através de políticas paternalistas que fazem transparecer uma grande desconfiança no individuo, sendo a França um caso particularmente gravoso. Durante o próprio filme comentei que apreciava as possibilidades dadas às empresas quando procuram financiamento, quando este retratava os mercados de participações secundários onde se trocam acções de pequenas empresas, as chamadas “penny stocks”, um fenómeno que em Portugal não ocorre, sendo que temos empresas altamente endividadas e extremamente carentes de capital. Reflectirá provavelmente a atitude geral que mais vale proibir de modo a impedir excessos futuros, do que autorizar e responsabilizar para em caso de abuso fazer uso das instituições de justiça, numa lógica de que os possíveis ganhos que advêm da liberdade acrescida não ultrapassam os custos do policiamento de actividades potencialmente prejudiciais para o interesse público. No entanto, em casos em que a proibição é preferida, a procura poderá ser tanta que contornar a lei se torna rotineiro, algo que em Portugal já se torna habitual.

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