terça-feira, 31 de maio de 2011

O dilema entre o Estadão e o medo. Em conversa com um amigo maquinista do Metro

Este fim-de-semana encontrei-me num casamento com um amigo de escola com quem não falava vai para dez anos. Novidades em dia, contou-me que trabalha hoje como maquinista do Metro de Lisboa, e a conversa resvalou rapidamente para o tema da crise e como ela se vive entre os seus colegas de profissão. Destacou alguns factores para o sentimento de injustiça que vivem. Primeiro, “a dívida do Metro, de que tanto se fala, foi causada sobretudo pelo investimento em infra-estruturas que o Estado não quis cobrir, e depois acusam-nos de ser os culpados”. Segundo, “existe a imagem de que trabalhamos pouco, de que não somos eficientes, mas fartamo-nos de trabalhar e dedicamo-nos. Já ao nível dos quadros superiores, a inércia é muito grande, trabalham pouco por comparação, e têm todas as regalias. Isto também contribui muito para o endividamento da empresa”. E, “podes ter a certeza, por mais competente que sejas, lá dentro só chegas a um nível elevado se tiveres o cartãozinho do partido”. Uns dias antes tinha eu lido um papel distribuído pelos sindicatos dos trabalhadores do Metro em que se queixavam da sua situação e procuravam explicar aos utentes o porquê das greves. Quando lhe observei que eles só tinham refletido as primeiras questões e não a última, respondeu que “Pois, se os puseres em causa, podes ter problemas. Além disso, os sindicatos também representam parte dos quadros de topo”. Típico? “Noutras empresas, como a REFER ou a CP, tudo é ainda pior.”

Numa parte anterior da conversa, tinha-me ele referido que normalmente vota em branco porque não se revê em nenhum partido, mas que desta vez estava tão revoltado que pensava votar num determinado partido da esquerda. Prossegui a discussão: “Então, mas se os problemas que identificaste estão basicamente relacionados com o intervencionismo do Estado, e do aparelho partidário que vem atrás, porque é que vais votar num partido que defende precisamente esse intervencionismo?” e dei-lhe o exemplo da Fertagus como caso de sucesso, em que os contribuintes já nem têm que subsidiar a operação dos comboios, e o serviço é bastante razoável. “Tens razão, mas no privado nunca se sabe bem o que vai acontecer... ouve-se dizer que lá trabalha-se muitas horas extraordinárias, recebe-se pouco, não se tem garantias...” E eu: “pode haver esse risco, mas AÍ é que deve estar o Estado a intervir, através do ordenado mínimo, da regulação laboral, da justiça, do subsídio de desemprego, da redistribuição da riqueza... E as empresas têm mais incentivo a captar bons trabalhadores e a não ir pelos cartões que se tem.” Não sei bem se o consegui demover do medo.

E ele não é totalmente descabido. O Estado também pode ser incompetente a regular. Nesta campanha, alguns actores do Partido Socialista têm tentado explorar esse medo até ao tutano. Mas, se mal já nós estamos, talvez seja o momento certo (ou a última oportunidade?) para o enfrentar. Como pessoas, só evoluímos quando saímos da zona de conforto. Temos mais tendência a fazê-lo em momentos de crise. Na política não é diferente. E nem “todos” os políticos são maus da fita.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Acordos com a «Troika» (II)

Fala-se das medidas de consolidação orçamental, fala-se de austeridade, fala-se dos dois próximos anos de recessão, e esquece-se quase tudo o resto que está no Memorando. E esse «quase tudo o resto» é o essencial: é o programa de reformas que reestruturam a nossa economia no sentido de voltarmos a crescer, desta vez de forma sustentável.

Implementar as medidas constantes do Acordo é fundamental não só para voltarmos a crescer, como para pagarmos a dívida e melhorarmos as condições em que a pagamos. À medida que reestruturamos a nossa economia no sentido do crescimento sustentável, menor será o risco de nos emprestar dinheiro, e em melhores condições estaremos de ver as taxas de juro aplicadas à nossa dívida descer - o que por sua vez tornará, de novo, mais fácil resolver o nosso problema de dívida pública.

Os partidos que assinaram o Acordo passam mais tempo a fingir que não o fizeram e a fugir dele, ou a falar de outras coisas, do que a defender as medidas estruturantes que o compõem. A falta de coragem política implícita nesta atitude é confrangedora. Numa altura em que precisamos de liderança como alguém que atravessa um deserto precisa de água, olhamos à nossa volta e vemos apenas e só gente a fugir às suas responsabilidades.

Já devíamos ter acordado antes, mas se não acordámos, agora temos de o fazer. Já não há tempo para continuar a viver ilusões.

Avaliação de Programas Políticos do Movimento Liberal Social

O Movimento Liberal Social apresentou hoje uma avaliação dos Programas Políticos dos quatro partidos políticos com representação parlamentar que hipoteticamente poderiam receber o voto de um eleitor liberal BE, PS, PSD e PP. A avaliação ponderou a análise específica de 18 áreas políticas seleccionadas. Trata-se de um guia útil para o eleitor liberal (e não só) à procura de esclarecimento.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Eleições (VI)

O PSD parece apostado em deixar de estar na defensiva e passar à ofensiva, procurando claramente que seja o PSD a definir a narrativa da campanha, e os debates que se vão tendo. Viu-se com a questão das nomeações «escondidas», e vê-se agora com a questão da interrupção voluntária da gravidez.

Pessoalmente, penso que estrategicamente o PSD está a fazer o que deve, a tentar «ganhar» o debate delimitando ele próprio qual o debate a ter. Infelizmente, os temas escolhidos não me parecem os mais felizes, embora os entenda por questão táctica (o primeiro é um ataque ao PS, o segundo um piscar de olho aos votantes do CDS-PP).

Esta campanha devia ser marcada por um debate público alargado sobre economia, criação de emprego, reforma estruturais, propostas concretas para o desenvolvimento do país. Todos os partidos, incluindo o PSD, deviam ter a coragem de falar claramente nestes temas. Reabrir a questão da IVG por questões tácticas não se enquadra propriamente nisto.

Precisamos de mais coragem política em Portugal. Temos agora campanhas em que os partidos procuram dizer aos eleitores o que pensam que os eleitores querem ouvir. Isto não é liderança. É medo. Liderança seria uma apresentação clara das propostas que se têm, uma defesa vigorosa daquilo que se pretende, e depois arcar com as consequências.

Mas este medo e esta falta de liderança tem uma explicação. As pessoas não se identificam com os partidos, não acreditam nas mensagens que os partidos lhes transmitem. Só que quanto mais as narrativas dos partidos se mantiverem as mesmas de sempre, menos esse problema é resolvido.

Especificidades Portuguesas?

Marcelo Rebelo de Sousa, José Pacheco Pereira, e todos os outros que falam de «especificidades portuguesas» demonstram hoje cabalmente porque é que nós nunca tivemos reformas estruturais.

Parte do nosso problema, parte da razão pela qual não nos desenvolvemos, é a defesa intransigente por parte de alguns dessas coisas qualificadas como «especificidades portuguesas». Ora, não é o Estado que define a cultura de uma certa população, são as pessoas. E eu pergunto, já agora, quais «especificidades portuguesas»?

Aquela «especificidade portuguesa» conhecida por «cunha»?

Aquela «especificidade portuguesa» que é o baixo nível de confiança nos outros?

Aquela «especificidade portuguesa» que se traduz num desprezo pelo cumprimento de contratos?

Aquela «especificidade portuguesa» que é um sistema fiscal complexo em que quem pode foge, e quem não pode paga?

Aquela «especificidade portuguesa» que é um mercado laboral a duas velocidades?

São estas as «especificidades portuguesas» que nós devemos sempre levar em conta de tal forma que nunca reformamos nada?

Será isto que queremos manter?

Ou será que nós temos é pouca gente com coragem política para fazer reformas? Claro que esta não é uma «especificidade portuguesa»...

Na minha opinião, ou nós nos deixamos de conversas sobre «especificidades portuguesas» tendencialmente vazias de conteúdo, e deixamos as pessoas, através da sua interacção umas com as outras, criarem uma cultura vibrante, e avançamos com reformas, ou continuamos no marasmo vigente. Claro que essas reformas não iam ignorar as circunstâncias concretas do país, mas seriam mesmo reformas, e não uma manutenção do «status quo».

Mas claro que é completamente legítimo que alguns queiram continuar na mesma. Aí, manteríamos outra «especificidade portuguesa»: o nosso empobrecimento relativo.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Apelo à Participação Democrática

(O projecto «Ideias em Ebulição», no qual estou envolvido, lançou um apelo à participação democrática, que pode ser encontrado aqui.)


APELO À PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA

Vivemos em democracia.

Foi essa a grande e principal conquista da revolução do dia 25 de Abril de 1974.

Viver em democracia significa que a soberania está no povo, e o povo somos tod@s nós.

Vivemos num Estado de Direito, onde são garantidas a liberdade de pensamento, de associação, de expressão e de manifestação, entre outras liberdades fundamentais.

Temos ao nosso dispor vários meios de intervenção política, incluindo o voto; a criação de, ou adesão a, associações políticas; a criação de, ou filiação em, partidos políticos; petições; orçamentos participativos; ou as iniciativas legislativas dos cidadãos.

Temos ainda a possibilidade de intervir no debate público através dos jornais, da rádio, da televisão, de blogues, de podcasts, de vídeos colocados na Internet, entre outros meios de fazermos ouvir a nossa voz, e de darmos a conhecer as nossas ideias.

Enquanto cidadãos, não temos apenas direitos, temos também responsabilidades:


  • A responsabilidade de contribuirmos para uma melhoria constante da nossa comunidade.
  • A responsabilidade de intervir e participar activamente na nossa democracia.
  • A responsabilidade de exigir o bom funcionamento das instituições públicas, às quais devemos exigir uma prestação de contas constante.
  • A responsabilidade de ajudar a desbloquear o nosso sistema político.

Apelamos a tod@s que assumam as suas responsabilidades, através de todos os meios legais disponíveis, contribuindo assim para uma democracia mais saudável e mais dinâmica.


TODOS SOMOS CIDADÃOS.

TODOS TEMOS O DIREITO E O DEVER DE INTERVIR.

EXERÇA OS SEUS DIREITOS. MELHORE A NOSSA DEMOCRACIA.

sábado, 21 de maio de 2011

Como combater a crise e fazer o país crescer?

Há uns dias atrás, em conversa com um amigo, pessoa com experiência e trabalho feito na área financeira, percebi o que trouxe o país ao estado actual: excesso de consumo externo e pouca exportação.

Para que este problema seja mais entendível imagine uma família composta por 5 pessoas com 10 mil euros, imagine que, por exemplo, em vez de pagar 500 € a uma empregada doméstica, a família paga a um dos elementos os mesmos 500 €. No final das contas a família continua com os mesmos 10 mil euros mas com uma distribuição diferente. Se pelo contrário a família pagar 500 € a uma empregada externa, está a subtrair esse valor ao dinheiro inicial. Desta relação com uma pessoa externa, a família fica com apenas 9500€.

Neste ponto devem estar alguns a pensar, então é simples, para não fazer o dinheiro sair da família esta deve apenas consumir internamente. Este é o argumento de algumas campanhas demagógicas que defendem que para Portugal crescer economicamente deve começar a consumir apenas internamente. Isto não poderia estar mais errado, se pensarmos no caso da família, no caso em que o consumo é interno não existe um aumento de riqueza (i.e. após a transacção, a família continua com os mesmo 10 mil euros). Por outro lado, a família terá sempre que recorrer ao exterior para se abastecer de produtos/serviços que não produz (o que acontece também com os países).

Neste sentido, o que deve fazer a família para conseguir manter os 10 mil euros? Criar uma relação de troca com o exterior, fornecendo serviços/produtos em troca de dinheiro. É precisamente isto que acontece nas famílias, as pessoas trocam o seu trabalho por dinheiro. Assim, se a família tiver que pagar os 500 € a uma empregada doméstica, mas conseguir vender produtos/serviços para o exterior pelo preço de 3 mil euros, vai conseguir manter os 10 mil euros intactos e ainda ter um acréscimo de 2500€, ficando com 12500€.

Assim, a crise que Portugal enfrenta actualmente, relacionada com a dívida soberana e com a dívida dos privados, não se resolve apenas com ajustes no consumo interno, ou seja com a redistribuição do dinheiro. Ainda que compreenda, e em certa medida até defenda, as medidas da “troika”, a verdade é que estas resolvem apenas o (grave) problema da dívida soberana através de uma redistribuição do dinheiro (passagem dos privados para os estado). No exemplo da família, equivale a dizer que parte do dinheiro que está atribuído a cada um dos membros terá que passar para a família no seu todo para pagar dívidas contraídas por esta, no final a família ficará com menos de 10 mil euros, ou seja, mais pobre.

Desta forma, é importante por um lado que o próximo governo cumpra com as medidas acordadas com a “troika”, e por outro que promova o aumento da entrada de riqueza no país, sob o risco de Portugal se tornar num país muito mais pobre. A promoção do aumento da entrada de riqueza significa nada mais nada menos que a promoção do aumento das exportações. Só assim se promove o aumento da riqueza em Portugal e se pode pensar na melhoria das condições de vida do povo português.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O meu Liberalismo

Sou liberal.

Defendo que cada um deve ser livre de viver como quiser, desde que não prejudique os outros, e que todos somos iguais em dignidade.

Defendo que à nossa liberdade vem associada uma responsabilidade pelas nossas escolhas, mas não por circunstâncias que não controlamos, e que a todos deve ser dada igual oportunidade de, com o seu esforço e mérito, serem felizes e atingirem os objectivos a que se propõem.

Defendo o Estado de Direito democrático, em que todos sejam (verdadeiramente) iguais perante a Lei, e que seja garantida a liberdade de pensamento, de expressão, de associação, de manifestação, de culto (e portanto defendo um Estado laico), e outras liberdades. Para que tenhamos uma democracia funcional, todos estes direitos devem ser efectivamente utilizados pelos cidadãos, de forma a que haja uma sociedade civil fervilhante, capaz de pedir contas às entidades públicas, e intervir em, e fomentar, activa e eficazmente, debates públicos alargados sobre os grandes problemas do país.

Considero que o Estado deve assumir um papel primordialmente de Estado Regulador, protegendo a propriedade privada, criando condições favoráveis ao investimento, fomentando a concorrência (ou seja, 'partindo' cartéis e impedindo abusos de posição dominante), protegendo o meio ambiente e garantindo os direitos dos consumidores, criando assim condições para que haja um bom funcionamento de uma Economia de Mercado Sustentável. Para que possa desempenhar esse papel de forma idónea, defendo o fim da promiscuidade existente agora entre o Estado e certas empresas privadas; o sucesso das empresas deve depender da sua capacidade de atrair consumidores (e para evitar abusos, neste campo, deve a publicidade ser bem regulada).

O Estado deve ainda manter as contas públicas em ordem, evitando o endividamento excessivo. Em períodos de crescimento económico, o Estado deve ter um Orçamento equilibrado e, caso exista 'superávit', deve utilizá-lo para pagar dívida pública. Em períodos de recessão, o Estado tenderá a ter défice, dado que perderá receita dos impostos. Mas isso não afectará a sua situação financeira de forma tal que torne impossível que o Estado sirva verdadeiramente de estabilizador, em vez de piorar uma situação já de si problemática.

Mas falei já em igualdade de oportunidades. Ora, isso, e mesmo a minha defesa da liberdade individual, leva-me a defender o financiamento público da Educação e da Saúde, garantindo a todos, independentemente da sua posição socio-económica, acesso a um sistema de Educação e de Saúde de qualidade, em que haja capacidade de escolha e avaliação da qualidade do serviço prestado. Isto inclui capacidade de escolher entidades privadas, e avaliação da qualidade do serviço prestado pelos privados (e publicação dos resultados). Defendo que deve haver um sistema público de Segurança Social, mas que este deve servir de trampolim, não de teia de aranha, ajudando as pessoas em situações de crise, mas não as mantendo presas à pobreza. Deve existir, e ser fomentada, a mobilidade social.

Defendo ainda a descentralização do Estado, e uma revisão urgente do mapa autárquico (no sentido de termos um número de autarquias locais razoável, especialmente ao nível do número de freguesias). Deve existir maior controlo local sobre a Educação, sobre a Saúde, e sobre outras políticas públicas. Não é o Estado Central que vai fazer desenvolvimento local. São as próprias localidades que o devem fazer, porque as comunidades locais sabem melhor o que se passa lá que o Estado Central.

Ainda numa lógica de aproximação das decisões aos eleitores, defendo a democracia representativa, mas com um sistema eleitoral que aproxime os eleitos dos eleitores, sendo que os eleitos representariam, no Parlamento, o interesse de todos, não apenas daqueles que os elegeram. Defendo ainda um reforço de mecanismos de democracia participativa. E considero que as regras de referendo poderiam ser revistas. Não concordo, no entanto, que a democracia mais directa seja a solução, porque considero que, em democracia, as opiniões de cada um devem ser igualmente válidas, e que devem tender a influir nas decisões na proporção em que sejam defendidas. Trocado por miúdos: não defendo uma 'tirania das maiorias', em que a maioria tem uma capacidade alargada de garantir que as suas opiniões são implementadas, em detrimento das da maioria, mas sim um sistema em que estejam acauteladas as opiniões minoritárias.

Combinando uma Economia de Mercado devidamente regulada e dinâmica com Segurança Social e Serviços Públicos (estatais ou privados) de qualidade, um Estado isento, idóneo e que não gasta demais, com as decisões sobre os problemas a serem tomados o mais perto possível das pessoas, teremos um novo sistema de desenvolvimento que garante qualidade de vida, sustentabilidade e bem-estar. Voltando ao início, garante que cada um de nós procure a sua felicidade e tenha maior capacidade de a encontrar.

Sou europeísta, e até federalista. Penso que a integração europeia trouxe o maior período de paz e prosperidade que a Europa viveu, e que é urgente continuar este processo de integração, ao mesmo tempo aproximando a União Europeia das pessoas, democratizando-a mais, e transformando-a numa verdadeira 'Europa de Cidadãos', deixando para trás a 'Europa de Estados', promovendo o desenvolvimento do espaço público europeu e de uma sociedade civil europeia. Nesta linha, defendo o euro, e a independência do Banco Central Europeu.

Finalmente, e voltando de novo atrás, por considerar que todos somos iguais em dignidade, defendo que somos, todos, neste mundo globalizado, Cidadãos do Mundo, e que devemos ser reconhecidos como tal. Isto significa uma promoção dos Direitos Humanos a nível global, na defesa do Direito Internacional como um todo, na defesa da integração dos mercados (para criar interligações entre os diversos espaços geográficos, e portanto promover a resolução pacífica de conflitos) e numa reforma do modelo de governação global (no sentido de o apromixar das pessoas e democratizar, e de criar regras globais para regular mercados globais, na linha do que acabei de dizer sobre integração de mercados).

O proteccionismo gera conflitos e empobrecimento. Basta ver o resultado da Política Agrícola Comum europeia e dos subsídios agrícolas americanos nas economias de países africanos ou sul-americanos que, por agora, se baseiam essencialmente na agricultura. Basta também ver o resultado nefasto das medidas proteccionistas que se tomaram nos anos 30 e, felizmente, não se tomaram em tão grande medida agora. Precisamos de regras globais para mercados globais criadas por entidades globais idóneas, isentas e com maior legitimidade democrática.

Quer estejamos aqui ou no Burundi, ou na própria China ou nos EUA, cada um de nós tem direitos fundamentais que devem ser garantidos. Cada um de nós deve ter a liberdade e a oportunidade de ser feliz.  

Intervenções no blogue 'The Lisboners' (IV)

We need a real European Treasury. We need European taxes. And we need Eurobonds (though I’m not advocating the European Union should go into debt!).
We need to go beyond a single currency. Ultimately, we need the European Union to be funded directly by European citizens. We need it to be as independent as possible from the influence of all Member States as Member States, and be directly accountable to European citizens.
That is what we need to tell all European politicians, including President Sarkozy and Chancellor Merkel. The European ideal is not dead, and cannot die, and it is our best bet to face the challenges of today, and of the future.

[Em resposta a este artigo.]

Intervenções no blogue 'The Lisboners' (III)

1) Portugal should want a federal Europe. A federal Europe accountable to European citizens. It should therefore support all moves in that direction, such as the promotion of a European public sphere, European political parties, European civil society organisations, European taxes.
The European Union needs to be about freedom, equality of opportunity, sustainability, and cosmopolitanism.
2) Outside Europe, we should not forget that Portugal has a seat at the UN Security Council, and we should use it properly. That means we cannot use it to cozy up to dictators. It means we need to keep voting ‘Aye’ when it comes to helping peoples that want democratic change and are being brutalised by dictatorships for wanting that change.
We need to promote human rights, free trade, sustainability and (long term goal) reform of the global governance model.
3) and 4) Our economic development model needs to go beyond GDP growth (though that is certainly a key goal right now). We need an economic development model focusing on quality of life and sustainability – or even happiness. (I’m thinking about this kind of thing:http://www.beyond-gdp.eu/)
That means, in my opinion, the model should focus on freedom and equality of opportunity. Though we can try to find ways of measuring ‘quality of life’ or ‘happiness’ objectively, and we certainly should, we also need to accept that those two concepts are also highly subjective. We need a system that gives people the freedom to choose what they consider to be best for themselves and their loved ones, and equal opportunities to pursue those goals.
That means vigorous competition and consumer rights policies, for a start. It also means a working judicial system, housing market (including the market of houses for rent), labour market, and a simplified tax code (that includes closing loopholes and addressing excessive tax expenditure). And it means the State needs to know how to run the public purse!
Portuguese people can be highly productive. Portuguese business can be highly competitive. We have many examples of that. (Look at what’s happening with cork right now!)
We need to stop protecting uncompetitive, unproductive businesses with public money (e.g. through public contracts for extremely expensive infrastructure projects, but also through mass subsidisation – in other words, we need to end corporate welfare). We need a State that is concerned with the public interest, not private interests, and we also need regulatory agencies that are truly independent and have the necessary tools to do their job.
We need more autonomous public schools where children and young adults obtain wide-ranging knowledge on a variety of subjects, including Citizenship. People need to be aware of their rights and duties as citizens, of how the political system is meant to work, and they need to learn how to take part in public debates, and they also need to learn languages, mathematics, hard sciences, History, geography, philosophy, etc.
I could go on, but this is a rather large comment already. Suffice it to say that I believe we need the State to do what it does best, the private sector to do what it does best, and we need to keep private interests away from the public interest, and we need to keep the State away from things that jeopardise its ability to do its job well.

[Em resposta a este artigo.]

Individualismo, Egoísmo, Altruísmo

O individualismo não é o mesmo que o egoísmo.

O individualismo refere-se à noção de que cada um de nós é um ser autónomo, específico, com características próprias, com preferências diferentes, e diferente dos outros, sendo que todos temos direito a ser quem somos, a ser diferentes à nossa maneira, aplicando-se a máxima 'todos diferentes, todos iguais'. 

O egoísmo tende a significar que alguém apenas pensa em si próprio, ignorando todos os outros à sua volta. Tende também a contrapor-se ao conceito de altruísmo, que se refere a alguém que não pensa apenas em si, mas pensa também nos outros.

Acontece ainda que os próprios conceitos de egoísmo e altruísmo estão ligados de outra forma. É que eu não deixo de procurar, pessoalmente, ser o mais feliz possível quando penso nos outros ao tomar as minhas decisões. Simplesmente, a minha felicidade depende em parte da felicidade alheia. O facto dos outros serem felizes contribui para a minha felicidade, o que ajuda a que eu, então, procure ajudar os outros a serem felizes.

O Liberalismo não promove o egoísmo. O Liberalismo constata que as pessoas querem ser felizes, qualquer que seja a sua noção de felicidade, e defende que, desde que não haja uma intromissão ilegítima na liberdade de outras pessoas o fazerem, cada um de nós deve ter a liberdade de procurar a sua própria felicidade, com base nas suas preferências. (Caso haja uma intromissão ilegítima na liberdade de outrem, então deve haver intervenção externa [no limite, uma intervenção pública] no sentido de impedir essa intromissão, ou indemnizar quem seja prejudica pela mesma.)

O Liberalismo defende o direito à diferença. Não temos todos de nos submeter à norma. Não temos todos de pensar da mesma maneira. Aliás, é saudável que não pensemos todos da mesma maneira. O pluralismo é a base de uma sociedade dinâmica e capaz de se reinventar quando necessário. E ninguém pode ser coagido pela sociedade a confinar-se a um certo papel devido a preconceitos e estereótipos, a tradições, ou ao que seja. Cada um de nós deve ter a oportunidade de se afirmar enquanto si próprio, e não simplesmente enquanto parte de um padrão social normalizador.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Sempre a aprender

Viver em comunidade é uma aprendizagem constante.

Aprendemos sobre nós próprios e sobre os outros. Aprendemos sobre as questões em que intervimos, mas também sobre outras por causa das pessoas que conhecemos. Conhecemos gente nova, somos expostos a ideias novas, desafiamo-nos a nós próprios de forma constante a pensar sobre as coisas de uma nova maneira.

O fervilhar constante de uma tertúlia, a solenidade de uma conferência, mas também as perguntas pertinentes de alguém que se encontre numa acção de rua, ou o sorriso de alguém que se ajude num projecto de voluntariado, tudo isto é valioso. O contributo cívico é importante para a comunidade em geral, mas também para o próprio que contribui.

Vivemos em comunidade, e vivermos em comunidade potencia-nos. Não é incompatível com mantermos a nossa individualidade e, aliás, é importante que a mantenhamos.

Viver em comunidade e ser interventivo não é apenas uma oportunidade de melhorar o que está à nossa volta. É também uma oportunidade de nos melhorarmos a nós próprios.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Eleições (V)

O Prof. Vital Moreira, eminente constitucionalista, tem escrito no Causa Nossa um conjunto de textos em que reproduz, de forma imaculada, a narrativa eleitoral do PS. Esses textos são bem elucidativos do estado de desresponsabilização a que chegou a política portuguesa, em que todos procuram culpar os outros pelos males que afligem o país, ignorando as suas próprias responsabilidades.

Há dois desses textos que eu considero particularmente elucidativos neste campo.

O primeiro é este (que pode ser lido aqui):

«O PSD diz que as eleições devem ser um "plebisctio à responsabilidade de Sócrates".
Segundo fontes vem informadas, o PSD vai provar que Sócrates foi o responsável pela crise bancária nos Estados Unidos em 2008, pela crise bancária e económica na Europa em 2009, pela crise orçamental na Grécia e na Irlanda no ano passado e pela persistente crise social em Espanha!...
Decididamente, o PSD não aprende nada. Depois de ter travado a campanha de 2009 em torno da "asfixia democrática", com o resultado que se viu, quer agora insistir de novo num fantasma.
Como se concluía há pouco tempo de uma sondagem de opinião, uma grande maioria dos portugueses sabe que, nas circunstâncias, a crise teria existido qualquer que fosse o governo, e que nenhum faria melhor. Ao contrário do que supõe o PSD, os portugueses não estão muito interessados em saber como se chegou aqui, mas sim em saber como se sai daqui., sem aproveitar a crise para transformar o País num laboratório de teste de uma agenda ideológica de cariz neoliberal

A mensagem é clara: desresponsabilização total do Governo e do Primeiro Ministro pela situação actual de crise, culpabilização por inteiro da crise financeira, e ataques ao PSD por ser extremista e neoliberal. Chega-se ao ponto de se citar uma sondagem para essencialmente afirmar que «a crise teria existido qualquer que fosse o governo, e que nenhum faria melhor».

De facto, a crise externa teria existido qualquer que fosse o Governo em Portugal. Mas teriam todos os Governos aumentado a Função Pública e cortado o IVA em 2009? Teriam todos os Governos ido a eleições em 2009 a falar de valores de défice bastante inferiores aos reais? Teriam todos os Governos continuado a insistir em grandes obras públicas para as quais não havia dinheiro até à última hora? Teriam todos os Governos passado tanto tempo a evitar pedir ajuda externa, com ataques de cariz nacionalista ao FMI e ao FEEF, por motivos claramente políticos, até que se tornou impossível aguentar mais?

O Governo do PS fez reformas interessantes entre 2005 e 2007, e tem modernizado e informatizado a Administração Pública. Mas o sistema judicial continua pouco célere, o sistema fiscal continua demasiado complexo, o mercado de arrendamento continuava em mau estado, temos um mercado de trabalho a duas velocidades, etc. etc. E o PS não esteve apenas no Governo desde 2005. Esteve no Governo entre 1995 e 2002, voltando ao Governo em 2005. É portanto impossível o PS ignorar as suas responsabilidades na crise actual, por muitas responsabilidades que tenham outros partidos. 

A forma como Vital Moreira o faz naquela breve mensagem é um exemplo claro do estado a que chegou a política portuguesa. Mas há ainda outra mensagem que exemplifica bem essa desresponsabilização, que pode ser encontrada aqui):


«Num regime de base parlamentar como o nosso, as eleições parlamentares são também a escolha do Governo e do primeiro-ministro. Como sempre, só há duas alternativas, o PS ou o PSD, ou seja, hoje, Sócrates ou Passos Coelho.


Não é preciso grande elaboração para ver que se trata de duas opções bem distintas, não só em termos ideológicos e programáticos, mas também em termos de liderança, experiência, maturidade, previsibilidade e confiança dos dois líderes e dos dois governos. 


O PS não pode deixar de explorar até ao fundo esse confronto. À experiência, à segurança e ao profissionalismo do PS de Sócrates contrapõe-se a imaturidade, o amadorismo, a imprevisibilidade, o aventureirismo e a incontinência retórica do PSD de Passos Coelho.


Enquanto o PS tem no seu activo uma vasta experiência em enfrentar e vencer crises económicas e financeiras (1976-77, 83-85, 2005-08), o PSD só pode ser lembrado por aquelas que deixou ao PS (1981-83, 2002-04), não tendo nunca passado por uma provação dessas.


Quanto às previsíveis equipas, não pertencem ao mesmo campeonato. Para além da inexperiência, impreparação e insegurança de Passos Coelho, a simples ideia de ver à frente do País, nas actuais circunstâncias, os mais loquazes dirigentes do PSD não pode tranquilizar ninguém. 


Decididamente, os tempos não estão para amadorismos nem para aventuras políticas


O PS, em 2009, também apresentou um programa. Programa esse que não cumpriu. Sim, não o cumpriu por causa da crise. Mas não se conhecia já a crise em 2009, ainda para mais estando no Governo e tendo acesso a todo o tipo de informação privilegiada? 


Este ano, o programa do PS foi lançado o mais depressa possível, para sair antes do programa do PSD. Isto para atacar o PSD por não ter ideias, por não ter uma visão para o país. Mas na ânsia de lançar o programa mais cedo, o PS lançou-o antes do acordo com a Troika. Na minha opinião, isto não faz sentido. Não se pode lançar um programa de Governo antes de se chegar àquele acordo, que terá impacto significativo na actuação do próximo Governo.

Relativamente a Passos Coelho, a mensagem que Vital Moreira procura transmitir só tem sido ajudada pelos problemas com Fernando Nobre e Santana Castilho, como  aliás já discuti neste blogue. Mas relativamente à competência e profissionalismo de José Sócrates, Wolfgang Munchau escreveu um artigo no Financial Times que tem passagens bastante elucidativas:


«The political reason this crisis goes from bad to worse is an unresolved collective action problem. Both sides are at fault. The tight-fisted, economically illiterate northern parliamentarian is as much to blame as the southern prime minister who cares only about his own backyard. The Greek government played it relatively straight but Portugal’s crisis management has been, and remains, appalling.


José Sócrates, prime minister, has chosen to delay applying for a financial rescue package until the last minute. His announcement last week was a tragi-comic highlight of the crisis. With the country on the brink of financial extinction, he gloated on national television that he had secured a better deal than Ireland and Greece. In addition, he claimed the agreement would not cause much pain. When the details emerged a few days later, we could see that none of this was true. The package contains savage spending cuts, freezes in public sector wages and pensions, tax rises and a forecast of two years’ deep recession.


You cannot run a monetary union with the likes of Mr Sócrates, or with finance ministers who spread rumours about a break-up. Europe’s political elites are afraid to tell a truth that economic historians have known forever: that a monetary union without a political union is simply not viable. This is not a debt crisis. This is a political crisis. The eurozone will soon face the choice between an unimaginable step forward to political union or an equally unimaginable step back. We know Mr Schäuble has contemplated, and rejected, the latter. We also know that he prefers the former. It is time to say so.»

Quanto às crises, de notar a diferença: o PSD causa crises, o PS resolve crises. No caso do PSD, nada se diz sobre a situação externa. Pelos vistos, quando o PSD está no Governo, a situação externa nunca interessa. Quando o PS está no Governo, só ela interessa. Nada disto faz sentido: as crises têm factores endógenos e exógenos, e é importante que se assuma responsabilidades pelas questões endógenas, como a incapacidade latente de fazer reformas estruturais até agora.

É por estas e por outras que as pessoas se tornam cínicas em relação à política. Usei o Prof. Vital Moreira como exemplo, mas todos os outros partidos têm maus exemplos a este respeito.

Está na altura dos nossos políticos assumirem responsabilidades, em vez de as tentarem sacudir para o capote dos outros. Está na altura de aparecerem à nossa frente e dizerem que, de facto, erraram, e que assumem que o fizeram.

Mas em Portugal, nós praticamente só vemos isso num jornal satírico.

Sou louco

Dizem-me que sou louco
Que perco tempo
Que o que faço não tem sentido
Nem contribui para o meu sustento

Dizem-me para pensar em mim
Que o serviço público não existe
Que para Portugal não há esperança
Que quem é esperto é quem desiste

Dizem-me que a política é para os políticos
Que todos os políticos são maus
Que os partidos em tudo mandam

Dizem-me que eu não posso nada
Que tudo o que faço é em vão
Que espertos são os que desandam

Tudo isto me dizem e sempre dirão
Mas não me convencerão

Sou louco, sim, e com orgulho
Ergo os braços e proclamo-o sem pudor
Num país onde por todo o lado há esbulho
Eu tento prevalecer pelo meu valor

Sou louco porque acredito no serviço público
Sou louco porque tenho espírito de missão
Sou louco porque quero mudar o mundo
Ainda tenho, e não quero perder, essa ilusão

E com o país mergulhado num trauma profundo
Sou louco porque só os loucos mudam o mundo

Tudo aquilo me dizem e sempre dirão
Mas não vão mudar o meu coração

terça-feira, 17 de maio de 2011

Intervenções no blogue 'The Lisboners' (II)

In my opinion, it’s possible to have a stronger, more integrated EU and, in fact, I believe a federal EU would solve a lot of the institutional problems we’ve been having.


We cannot be 27 States shouting at each other, divided over important issues, and slow to reach decisions on those critical issues. We need a federal state to adequately address the challenges posed by globalisation.

For that federal Europe to become a reality, we need institutional reform, but we also need things like this blog. This blog is part of a European public sphere. We need that public sphere. We need European debates to be European debates, not debates about Europe within each Member State.
[Em resposta a este comentário, relativamente a este artigo.]

The Portuguese Economy

Dois artigos muito interessantes no blogue «The Portuguese Economy»:

  • Neste artigo, Ricardo Reis trata das taxas de juro do empréstimo que vamos receber do FMI e do FEEF, explicando a diferença de valor.
  • Neste artigo, Pedro Silva Martins fala da taxa social única, explicando tecnicamente a medida e os seus efeitos.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Educação para a Cidadania (I)

Quantos cidadãos portugueses... 
a) sabem o que estão a eleger nas eleições legislativas?
b) conhecem os poderes da Assembleia da República, do Governo, do Presidente da República e dos Tribunais?
c) sabem como funciona o nosso sistema eleitoral?
d) conhecem o conteúdo da Lei dos Partidos Políticos e da Lei do Financiamento dos Partidos e das Campanhas Eleitorais?
e) conhecem o nosso sistema de referendo?
f) conhecem os seus direitos enquanto cidadãos?
g) conhecem a petição, a iniciativa legislativa do cidadão, ou o orçamento participativo?
h) conhecem os seus deveres enquanto cidadãos?
i) conhecem a totalidade dos partidos existente em Portugal, bem como as traves mestras dos seus programas?
j) conhecem as várias instituições europeias e os seus poderes?
l) conhecem o conceito de «cidadania europeia»?
m) conhecem as quatro liberdades da União Europeia?
n) sabem quais os partidos europeus a que cada partido português pertence?

Seria importante que todos aprendessem os temas mencionados, bem como outros conexos, na escola. Um cidadão deve conhecer os seus direitos e os seus deveres, mas também questões relacionadas com o sistema político e formas efectivas de exercer os seus direitos/deveres enquanto cidadão.

Não nos podemos limitar a dar às pessoas a possibilidade de votar, ou de fazer petições, ou de intervir politicamente em geral. Se as pessoas não conhecerem o sistema, esse desconhecimento vai servir, ele próprio, de bloqueio e entrave à participação, porque as pessoas não sabem verdadeiramente os mecanismos que têm à sua disposição para intervir.

Além de tudo isto, uma formação abrangente sobre estes temas, conjugada com um apelo ao pensamento crítico, facilitaria uma intervenção política informada por parte dos cidadãos. Conhecendo o sistema de forma crítica, é mais fácil tomar posição sobre vários temas que podem vir a surgir relacionados com a reforma desse mesmo sistema (ex. reforma do sistema eleitoral) ou sobre quem eleger para certo cargo. 

Por exemplo, saber quais os poderes e qual a função do Presidente da República ajuda a pessoa a decidir qual dos candidatos lhe parece melhor para exercer essa função, usando esses poderes. Conhecer o sistema eleitoral ajuda a pessoa a decidir qual a forma mais eficaz de votar de acordo com a sua consciência. Saber como funciona a União Europeia facilita a intervenção dos cidadãos no debate europeu. Finalmente, saber que existem iniciativas legislativas do cidadão é condição necessária para que estas se disseminem.

No limite, para quem quiser mudar o sistema, conhecê-lo bem significa que se poderão mais facilmente fazer críticas fundamentadas ao dito, explicando o que corre mal e porquê, apresentando de seguida alternativas. Não basta dizer que alguma coisa está a correr mal para que se mude para melhor. É preciso perceber o que corre mal primeiro, e partir daí para possíveis soluções.

Estas matérias devem ser leccionadas a todos os alunos durante o período de ensino obrigatório. Isto para garantir que, independentemente da sua situação sócio-económica, todos tenham acesso a esta informação. Todos devem saber quais os meios idóneos, legítimos e legais de intervir politicamente na sua comunidade, como primeiro passo para que o pluralismo de ideias dessa comunidade se veja representado no debate público.

Num momento de crise de confiança nas instituições públicas, é importante perceber que parte dessa crise vem de puro e simples desconhecimento de como essas instituições funcionam. É certo que o nosso sistema político tem diversos bloqueios à entrada de novas ideias e dos próprios cidadãos, mas estes bloqueios não só não estão alheios ao desconhecimento geral que existe sobre estas matérias, como este desconhecimento é ele próprio um bloqueio quer a uma intervenção mais activa (as pessoas não sabem como podem intervir), quer a alterações ao sistema (as pessoas não só não conhecem o sistema, como não conhecem as alternativas).

Parte da mudança em Portugal, na minha opinião, passa também por aqui.

sábado, 14 de maio de 2011

Eleições (IV)

A campanha do PS tem sido extremamente negativa, focada essencialmente em constantes ataques ao PSD. Isto é algo de problemático. O PS está no Governo, e o normal seria ter uma campanha focada nas suas conquistas no Governo. Em vez disso, o foco da campanha está em atacar a Oposição, em particular o PSD. Este foco negativo da campanha diz muito sobre as 'conquistas' do Governo PS desde 2009 (já para não falar de 2007, que foi quando o impulso reformista dos dois anos iniciais desvaneceu).

A campanha do PSD tem sido uma sucessão de confusões umas atrás das outras, o que tem tornado quase impossível o PSD apresentar uma mensagem ao país. Do PSD, falou-se de Fernando Nobre, agora fala-se de expressões infelizes de Eduardo Catroga e das críticas acutilantes do Prof. Santana Castilho à secção relativa à Educação do programa do PSD. No meio de tudo isto, foi apresentado um programa, mas desse programa pouco se fala, e normalmente quando se fala, fala-se das críticas ao programa. O PSD tem estado permanentemente na defensiva, desde que se soube que ia haver eleições, e nada disto o tem ajudado a passar a sua visão para o futuro do país, como as sondagens parecem demonstrar.

A campanha do CDS contrasta frontalmente com a do PSD, e também com a do PS. O CDS tem-se focado nas suas ideias (mesmo que só agora tenha surgido o programa), embora pintalgadas com alguns ataques. Aliás, este foco já vem de trás, e tem ajudado imenso o CDS, porque com isto tem apresentado a sua visão para o país. Contrariamente ao PSD, o CDS tem passado a sua mensagem, e as sondagens, que habitualmente penalizam fortemente este partido, neste momento dão-lhe grande fôlego. O CDS pode afirmar-se como um importante «power broker» depois das eleições.

O BE e o PCP continuam a sua campanha, mas que não parece, pelas sondagens, estar a ser a mais eficaz, em particular a do BE (o PCP tem o seu eleitorado habitual garantido). A mensagem do BE de um 'Governo de Esquerda' não é muito convincente, tendo-se tornado particularmente pouco convincente quando o BE se recusou a encontrar com a «Troika». Falam de reestruturação da dívida, mas sem explicar cabalmente todos os efeitos de uma medida destas (Portugal entraria em incumprimento, iria para uma lista negra, e depois seria o cabo dos trabalhos conseguir financiamento, por exemplo...). Além disso, fala-se de um «imposto sobre mais-valias imobiliárias», e ataca-se José Sócrates.

«Governo de Esquerda» é algo de vazio de conteúdo, especialmente quando a nossa Esquerda tem tido uma mensagem económica tão ortodoxa e nacionalista, com retórica mais vezes encontrada em grupos conservadores que em grupos que se proclamam progressistas. Diga-se que isto em tudo tem ajudado José Sócrates, dado que enquanto à Direita, o voto no CDS-PP não é considerado inútil, à Esquerda a coisa muda de figura, e parece haver uma maior tendência para voto útil no PS.

Relativamente aos pequenos partidos, vi os programas do Partido pelos Animais e pela Natureza (PAN) e do Partido Humanista (PH) para estas eleições. Encontrei programas bem estruturados, com visões igualmente claras para o país. Para quem não se reveja nos partidos que actualmente se encontrem representados na Assembleia da República, em vez de pura e simplesmente não ir votar, seria importante explorar estes pequenos partidos sobre os quais, muitas vezes, pouco ouvimos. Talvez aí encontre algo com que se identifique, e descubra um bom motivo para, no dia 5 de Junho, ir votar.

Intervenções no blogue 'The Lisboners' (I)

People who predict that something will end are inevitably right: nothing lasts forever. I do believe, though, that the choices we make influence our future, which means that it is up to us to make the right choices, so that the EU takes this opportunity to improve, to become stronger.
Of course, it’s easier to predict that something will crumble than it is to actually build something. The task of those that believe in the European ideal is therefore harder than the task of those that prefer to simply attack the EU and wish for its downfall – we actually have to do something constructive!
Nevertheless, I think sustainable prosperity and peace are two goals worth fighting for. Our task may be harder, but the stakes are too high to abandon this fight.

[Em resposta a este artigo.] 

***

Various Portuguese Governments have promised to undertake several structural reforms to promote a more dynamic economy over the last decade. We’ve some positive developments, but a lot was simply left undone.
Our justice system remains slow and expensive, our tax code remains byzantine, our big spending commitments in key infrastructural projects remained (until very recently) extremely unrealistic, and Portugal’s been stockpiling debt in various public bodies, in an attempt to remove it from the national budget. Our labour market doesn’t work properly, and neither does our housing market.
Short-term consolidation measures are not the key issue of the Memoranda: the long-term structural reforms are what really counts. I think our Government owes it to its citizens to take this opportunity to, once and for all, implement a new model for economic development. It won’t be easy, and even those parties that signed on to the Memoranda are trying to find ways to duck their responsibilities, but it’s one of those opportunities that we need to grab on to.
But of course, you are right when you say that we need to look at the bigger picture, and that is the European Union. We need more political (and in certain areas, like services, economic) integration, we need European taxes, we need to bring the EU closer to European citizens, we need European political parties, we need a European public sphere. We need to be European citizens first, and Member State citizens second.
The European Union started out as an economic union of States. We need it to evolve into a federation. And we cannot allow the dream of a united Europe to be shattered: we cannot allow myopic politicians to roll back key advances in European integration for short-term electoral gain.
And it’s not just elected representatives that need to act on this. European citizens must unite to preserve the European ideal. Civil society has to act on this as well.

[Em resposta a este artigo.]

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Eu sou europeísta

No dia da Europa (dia 9), não escrevi este texto. Escrevo hoje.

Eu sou europeísta.

Sou europeísta porque acredito no ideal europeu, um ideal que vai para além da mera geografia, que engloba ideias e valores para mim fundamentais.

As liberdades económicas do Mercado Único traduziram-se numa interdependência económica geradora de paz e prosperidade num continente que anteriormente conhecia guerras constantes.

Esta crise tem avivado vozes eurocépticas, mas é sempre mais fácil criticar de forma destrutiva. Mais difícil é ajudar a construir algo novo, a dar ideias para melhorar o que já existe. Mais difícil é deixar para trás as rendas, para alguns, do proteccionismo, e tentar aproveitar as oportunidades de um mercado livre.

Nem tudo na União Europeia está a meu gosto, a começar pela Política Agrícola Comum (as reformas ténues têm de começar a ser menos ténues). Mas nem o mundo é perfeito, nem a perfeição é uma questão objectiva. Em todo o caso, claro, bater-me-ei por elas, porque considero que, se implementadas, trariam benefícios e resolveriam problemas.

Sendo federalista, considero que muitos desses problemas resolveriam através de uma maior integração política, e por uma maior proximidade entre União Europeia e cidadãos europeus.

Aliás, desde já digo que precisamos de um espaço público europeu.

Que precisamos de verdadeiros partidos europeus.

Que precisamos de um acompanhamento mediático mais constante das instituições europeias.

Que precisamos que as pessoas aprendam como funciona a União Europeia.

Desde já digo que precisamos de muitas coisas.

A começar pela própria União Europeia.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Voto útil, voto táctico?

É apelar ao voto útil, útil? Como se os indecisos fossem escolher o menos mau no PSD, ou "dar uma guinada à direita menor" se votassem no PS. Depois do debate de ontem entre Passos Coelho e Jerónimo de Sousa fico convencido de que a idiea essencial da campanha é o referendo a José Sócrates.
Queremos ideias.
Infelizmente as ideias vão desaparecer por entre o peso da avaliação ad hominem de José Sócrates e seu governo. E infelizmente é necessário perante o desastre que personaliza, e como já referi anteriormente (aqui), não se pode ser Berlusconi e Bush ao mesmo tempo. Ou se é incompetente, ou se é mal intencionado. E como em democracia tenho o direito de eleger quem eu queira por qual razão eu queira... acendam as tochas e preparem os calabouços.
Portanto como apelar ao voto útil no PS para um indeciso que não quer votar num desastre de 6 anos perante argumentos fortíssimos ao senso comum (como pode um grupo de técnicos estrangeiros em 3 semanas diagnosticar o mínimo necessário para as reformas, que em 6 anos não se fizeram?), num ambiente de campanha de comadres à pancada?
Depois simplificam tudo ao máximo nos argumentos, e tudo serve como facto.
O voto útil na inutilidade só não é paradoxal para os fieis seguidores da igreja universal do reino do PS.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Eleições (III)

Concordará Marcelo Rebelo de Sousa com o programa eleitoral do PSD? Depois do que afirmou sobre o acordo com a Troika e as «especificidades portuguesas», o Professor de Direito, comentador televisivo e ex-Presidente do PSD não pode facilmente colocar-se ao lado do programa que o PSD apresentou. E isto nota-se, esta divisão que existe sempre do PSD, entre várias facções que lutam entre si.

Nada disto é novidade neste partido. Recuando apenas até Marques Mendes, quem não se lembra da actuação de Luís Filipe Menezes? Quando Luís Filipe Menezes se tornou Presidente, várias foram as personalidades do PSD que claramente minaram a sua liderança. Quando Manuela Ferreira Leite assumiu a liderança, Passos Coelho manteve-se sempre quase visível, intervindo aqui e ali para marcar posição. Agora, fazem-lhe o mesmo quando chegou a vez dele.

Num partido com tantas facções a lutar entre si, lideranças fortes são difíceis. O eleitorado nota isto, e isso repercute-se negativamente nas intenções de voto. Não é por acaso que Pedro Passos Coelho não é visto como um líder forte (independentemente agora das suas características pessoais): para ser um líder forte no PSD, é preciso ser um líder muito forte.

Isto não significa que eu defenda uma situação como aquela que se vive actualmente no PS. Nesse partido, contrariamente ao que se passa no PSD, temos um líder claro e inequívoco que poucos questionam (pelo menos publicamente, mas também transparece uma imagem de subserviência mesmo a nível interno). José Sócrates é como um eucalipto: «seca» tudo à sua volta. No Governo isto também é visível, bastando notar como, neste momento, todos os Ministros se tornaram praticamente politicamente irrelevantes, dependendo tudo do Primeiro Ministro.

Outra diferença: no PS, vemos António Costa e Francisco Assis defender José Sócrates publicamente. Vemos Eduardo Ferro Rodrigues e António Vitorino nas listas do PS. Não vemos Luís Amado ou Teixeira dos Santos, mas isto é minimizado, enquanto António José Seguro anda bem calado. Relembremos o Congresso/Comício do PS e notaremos que houve uma pessoa a criticar a liderança: essa pessoa era pouco conhecida, interveio numa altura em que quase ninguém já assistia ao Congresso, e rapidamente tornou a desaparecer da comunicação social.

Não é isto que se pretende de um partido: nem a guerra civil interna que parece permanente do PSD, nem a rigidez monolítica do PS. Precisamos de partidos com dinamismo e debate interno profícuos (cfr. art. 51.º CRP e arts. 4.º, 5.º e 6.º LPP) e , abertos à sociedade civil (aqui o PSD tem tido iniciativas interessantes), que de facto cumpram o seu papel enquanto entidades que «concorrem para a livre formação e o pluralismo de expressão da vontade popular e para a organização do poder político» (cfr. art. 10.º CRP, e  art. 1.º LPP) que têm como fins estudar, debater e apresentar propostas sobre as várias áreas políticas, bem como contribuir para o esclarecimento e formação política da população (cfr. art. 2.º LPP).