quinta-feira, 31 de março de 2011

Os mercados não acalmam (II)

As avaliações feitas pelas agências de notação financeira aos títulos de dívida portuguesa pioram a cada nova avaliação que é anunciada. Após cada avaliação, há ataques às agências de notação financeira, e ataques às medidas de austeridade. Entretanto, os juros relativos à dívida portuguesa sobem, e a sucessão de PECs não parece surtir qualquer efeito.

Os ataques às agências de notação financeira relacionam-se com o seu papel na crise financeira cujos efeitos ainda hoje vivemos. E é certo que há problemas na forma como essas agências operam, que aliás estão a ser sujeitos a análise a nível europeu (ver o «site» da Comissão Europeia para mais sobre o tema das reformas ao sistema financeira a nível europeu, e ler o Relatório Larosière para saber em que se basearam).

Mas por muito que se possa criticar a actuação das agências de «rating» durante e antes da crise, os ataques às mesmas neste momento em Portugal servem essencialmente para desviar as atenções de uma questão fundamental: a nossa crise vem de trás. Portugal está estagnado e com potenciais de crescimento baixíssimos há uma década, ao mesmo tempo que, ao longo de vários PEC, vai prometendo reformas estruturais abrangentes.

Ora, onde está a reforma do sistema judicial no sentido de o tornar mais célere?  É que em Portugal, continuamos a potencialmente levar muitos anos a cobrar uma simples dívida, mesmo com uma maior aposta em meios extrajudiciais de resolução de conflitos. 

Onde está a reforma do mercado laboral, ou do mercado de arrendamento? A primeira, nunca se fez. A segunda, também sempre polémica, vai sendo feita, e foram apresentadas recentemente algumas medidas sobre a mesma. 

O mercado de arrendamento não funcionar bem leva a que as pessoas se vejam «forçadas» a comprar casa, o que tem efeitos como os seguintes: têm maior dificuldade em sair de casa dos pais (saímos por volta dos 29 anos, ou parecido, em média), têm maior dificuldade em movimentar-se quando encontram emprego noutro ponto do país (porque não podem simplesmente lá arrendar uma casa), e quando compram a casa têm de se endividar. Um mercado de arrendamento a funcionar levaria uma redução no endividamento das famílias, que poderiam simplesmente arrendar a sua casa. Ora bem, um dos nossos problemas é também um problema de dívida privada, incluindo de dívida das famílias, que um melhor funcionamento do mercado de arrendamento ajudaria a resolver.

O mercado laboral funciona a duas «velocidades»: há quem tenha imensa protecção, e a grande maioria não tem protecção nenhuma. Há também muitas fraudes. Os custos de contratar uma pessoa com um contrato sem termo em Portugal são elevados, dado que é um risco bastante grande para as empresas. Ao mesmo tempo, e isto é outra reforma que ainda é necessária, continua a ser demasiado difícil começar uma nova empresa em Portugal (uma medida como a redução do capital social mínimo das sociedades por quotas ajuda, mas não é suficiente). Isto dificulta a entrada de jovens no mercado de trabalho, por um lado, e a entrada de novas empresas no mercado em geral, por outro. 

Aliás, continuamos a proteger certos sectores da Economia, nomeadamente referentes a bens não-transaccionáveis, que vivem de dinheiro do Estado. Até ao ano passado, o Governo português parecia apostado em gastar rios de dinheiro em obras de rentabilidade social e financeira duvidosas, e ainda estamos a pagar outras obras deste estilo em que fomos gastando dinheiro (emprestado) ao longo das décadas. Nada disto ajuda a competitividade da nossa economia. Nada disto ajuda a nossa credibilidade.

A parte interessante, e que é de realçar, é que as empresas que não são protegidas, essas empresas adaptam-se. Essas empresas são competitivas internacionalmente. Essas empresas têm práticas de gestão que valorizam os colaboradores, porque têm de competir pela qualidade e pelo talento de que dispõem. Precisamos de apostar mais na concorrência. Isso sim, dar-nos-ia credibilidade, e não a protecção a alguns sectores que depois vivem à sombra do Estado e à custa dos nossos impostos.

Em 2002, andámos com «medidas extraordinárias» que não resolveram problemas estruturais relativos à despesa do próprio Estado. Neste momento, andamos de PEC em PEC sem, mais uma vez, tratar de problemas fundamentais referentes ao funcionamento do Estado. Aumenta-se a receita, mas quase não se corta na despesa. Isto não é sustentável, não vamos andar eternamente a aumentar a receita. O Governo anuncia um «superavit», e diz que é suficiente. Não é suficiente. É preciso ver como se chegou lá (e se, de facto, há mesmo um «superavit», tendo em conta todos os dados). E quando se olha a como se chegou lá, a conclusão não é animadora. Não credibiliza nada o Estado português. E os juros não param de aumentar.

Além disso, quanta dívida andava a ser «escondida», e anda a ser «escondida», através de desorçamentações? Quanta dívida não foi «despachada» para empresas públicas várias, de forma a não aparecer nas contas públicas do Estado? E quanto tempo tentou o Governo que o BPN não fosse contabilizado? E qual a credibilidade de estatizar o fundo de pensões da PT, que está, segundo creio, subcapitalizado, e portanto vai ser uma fonte de despesa a longo prazo? O Governo anuncia os seus números às pinguinhas, dizendo que tudo corre bem. Ao mesmo tempo, os investidores sabem que isto se passa, porque todos sabemos que isto se passa. Qual a credibilidade que vem deste tipo de actuações? Vem credibilidade negativa - vem a descredibilização completa do Estado Português. (E só para terminar, depois de tudo isto, o nosso nível de dívida pública é imenso, qualquer coisa como 90% do PIB!)

Outra questão que em nada ajudou a nossa credibilidade é a forma como se tem lidado com um cenário de recessão este ano. Neste momento, o Governo já admite a recessão. Mas antes andava a dizer que íamos crescer 0,2%. Mudou de discurso para aumentar a sua credibilidade, disse o Ministro das Finanças. Não a aumentou. Só teria credibilidade se tivesse começado, desde o início, por apresentar um cenário realista e credível. Mudar o discurso em desespero da causa não ajuda a credibilidade em nada. É sempre preferível que o Governo tenha deixado de apresentar um cenário completamente irrealista. Mas teria sido muito preferível que tivesse apresentado um cenário realista do início. Isso sim, teria dado maior credibilidade às medidas tomadas.

Finalmente, o país anda em crise política permanente desde 2009. O clima de crispação política interno em que temos vivido é conhecido internacionalmente. Era preciso que tivesse havido um consenso alargado, um conjunto de medidas que eram passadas com votos a favor, não abstenções, e sem desculpas públicas ou distanciamentos imediatos. Era necessário que o nosso Parlamento e o nosso Governo se tivessem entendido, e tivesse havido um programa de reformas estruturais de longo prazo cujas medidas iriam sendo passadas. Mas em vez disso, tivemos trocas de acusações e insultos constantes. Qual a credibilidade que isto dá ao nosso país?

Os mercados não acalmam. Não acalmam e não nos devemos nós também acalmar. Devemos exigir transparência nas nossas contas públicas, devemos exigir medidas que de facto solucionem os nossos problemas estruturais, devemos exigir um novo modelo de desenvolvimento económico para o país, assente na qualidade de vida, na sustentabilidade e no bem-estar. Quando começarmos a agir de forma diferente daquela que temos agido nos últimos dez anos (para não dizer nas últimas décadas), aí daremos um passo importante para resolvermos os nossos problemas. Enquanto nos ficarmos pelo que temos agora, continuaremos sempre a ler, e a sentir na pele, que os mercados não acalmam.

terça-feira, 29 de março de 2011

What is Liberalism?

(O artigo que eu queria fazer sobre agências de notação financeira foi adiado por manifesta falta de tempo.)



domingo, 27 de março de 2011

sexta-feira, 25 de março de 2011

A Educacao e o Processo de Bolonha

Numa altura em que se fala tanto de educacao, o Parlamento Europeu encomendou o seguinte estudo, que foi publicado ontem aqui:

"The Bologna Process: Stocktaking and Prospects".

Enjoy!

quinta-feira, 24 de março de 2011

Demissão do Primeiro Ministro

O resultado ontem foi o esperado, e José Sócrates demitiu-se.

Considero o resultado esperado porque desde que aquelas medidas (ou «princípios orientadores») não foram discutidos com ninguém, nem com o Presidente da República, com o Parlamento, e até mesmo, parece, com vários Ministros e membros do próprio Governo, e houve um simples telefonema ao PSD no dia anterior à noite, a credibilidade do Governo desceu até um nível inaceitavelmente baixo. O Governo esteve no Parlamento no dia anterior, e nada disse - chegámos a esse ponto. Foi isto que iniciou a crise política em que caímos. Foi esta forma de agir do Primeiro Ministro que levou inexoravelmente à sua demissão.

Claro que temos andado com a crise em lume brando desde 2009. Mas o ponto final foi este desrespeito institucional bastante grave. O Governo depois lá disse que as medidas não eram um novo PEC, mas sim «princípios orientadores». Depois disse que negociava os ditos. Depois disse que negociava tudo. O discurso alterava-se de dia para dia. Ao mesmo tempo, culpava a Oposição, dizia que a Oposição ia abrir uma crise política. Mas a crise, nessa altura, já estava aberta. A crise foi aberta com o anúncio daquilo a que o Governo chamou os seus «princípios orientadores» e o resto do país chamou o PEC IV.

O debate do PEC foi cansativo. Durou horas e horas. O Governo desprezou o debate. O Primeiro Ministro assistiu ao discurso do Ministro das Finanças, e depois foi-se embora. O Ministro das Finanças, depois do período de debate, por duas vezes ausentou-se da sala, sem explicações. Os discursos da Oposição foram os esperados, nada adiantaram de novo. O PSD não apresentou alternativas. No final, o resultado esperado. Depois, a demissão do Primeiro Ministro. E depois dessa demissão, o Primeiro Ministro demissionário culpou a Oposição pela sua queda. Foi essa a sua comunicação ao país, aliás alinhada com intervenções de Francisco Assis, Manuel Alegre, e do PS em geral.

A culpa é de todos. É do Governo pela forma como lidou com esta situação. É da Oposição pela forma como forçou uma votação sobre este tema ontem, votação essa entendida, claro, como uma moção de censura. O clima de crispação política em que temos vivido foi criado por todos os partidos, que passaram mais tempo a degladiar-se do que verdadeiramente a tentar encontrar consensos e soluções de longo prazo. Os eventos de ontem são apenas uma evolução natural de tudo o que começou com a eleição de 2009. 

Ninguém fica bem na fotografia. Está na altura de surgirem alternativas.

Redistribuição da riqueza

Hoje caiu o nosso governo nacional. Caiu porque, de acordo com os partidos da oposição, este PEC4 era mau em dois aspectos: redistribuição da riqueza e crescimento económico (todos os partidos se focaram no primeiro, os da direita focaram-se também no segundo). Não só hoje, mas na generalidade da vida política, a retórica é liderada predominantemente por estes dois elementos. No entanto, seria bom que o cidadão comum tivesse consciência das limitadas linhas com que se cose um governo nacional na sua capacidade de influenciar ambos.

Sou dos que acreditam que a redistribuição da riqueza é absolutamente necessária para a garantia das liberdades. Em Portugal, não somos só dos países mais pobres da Europa, estamos também entre aqueles com maiores assimetrias de rendimentos. Temos pobres entre os mais pobres da Europa, mas os ricos situam-se perfeitamente na média dos ricos. Quem conhece a realidade de alguns grupos sociais mais desfavorecidos, percebe o drama, de destino perfeitamente traçado, de falta de liberdade intelectual e económica, a que ficam confinados estes grupos e os seus filhos.

Para além da garantia de liberdades, também sou dos que consideram que redistribuir é uma questão de justiça social, pela mesma razão que se impede que o irmão mais forte fique com um brinquedo em disputa só para ele. A natureza da nossa sociedade não nos assegura uma distribuição justa da riqueza (por exemplo, linearmente proporcional ao esforço e ao mérito), mas tem traços de uma uma sociedade em que o vencedor fica com tudo (a “winner take-all society”).

No entanto, quem acreditar que um governo nacional tem a função de garantir, em toda a extensão que seria desejável, a redistribuição da riqueza dos cidadãos do seu país, está a ser irrealista. Um governo nacional não tem esse poder. Ou melhor, se tiver a ousadia de o exercer, também terá a angústia de ver a economia do seu país colapsar, e a riqueza que pretende distribuir desvanecer-se. As explicações para isto são relativamente simples.

As empresas nacionais geradoras de riqueza para o país competem num mercado internacional, cujas regras não escolhemos. Essas são regras em que a competitividade se joga na atractibilidade para os investidores, que depende da política de incentivos a esses investidores, eminentemente representada pela carga fiscal que sentem. Aplica-se o mesmo a talentos que estejam à procura das melhores condições de remuneração, e que estejam dispostos a emigrar. Assim, um país que deseje redistribuir dos mais ricos para os mais pobres sai imediatamente prejudicado na competitividade, e com isso na riqueza que o mercado internacional lhe permite produzir.

Existe também o problema da fuga fiscal a nível internacional, através do fenómeno dos off-shores. Também perante estes, um governo que opte por levar a redistribuição a determinado nível, terá como consequência a fuga ao imposto por via da relocalização das empresas em locais onde ele não se cobra.

Assim, sendo a redistribuição de riqueza necessária para a garantia das liberdades, e também justa, não se deve esperar de um governo nacional que o faça tanto quanto seria desejável. Defender o contrário é simplesmente política económica suicida (o nosso destino, se os partidos mais à esquerda governassem).

O único caminho possível para a redistribuição da riqueza está na cooperação internacional. Só quando forem criadas regras internacionais que impeçam que a competitividade se jogue em aspectos constrangedores das políticas locais, e totalmente não geradores de riqueza a nível global, como o são a competição fiscal e em particular os off-shores, poderão os governos locais permitir-se a tomar conta em absoluta medida da questão da distribuição da riqueza (entre outros).

Nós, liberais, defendemos a integração europeia e mundial. Por isso, também na questão da distribuição da riqueza, estamos no caminho certo. Mais do que qualquer partido da esquerda “defensora” dos mais pobres.

Até lá, as políticas redistributivas devem ser realizadas com conta, peso e medida, e da forma mais orientada possível, à garantia das liberdades e à igualdade de oportunidades.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Identidade Individual e Comunidade

Todos somos parte de uma comunidade. Essa comunidade formou um Estado para lidar com questões que, por si só, cada um de nós, individualmente, não consegue resolver. Existem ainda outras entidades colectivas (empresas, associações, cooperativas, etc.) que também servem o mesmo propósito de base: resolvem questões que as pessoas, individualmente consideradas, não conseguem resolver.

Há uma enorme tendência para o "group think", para pensarmos conforme o grupo no qual estamos, e há quem se aproveite dessa tendência para moldar a personalidade das pessoas no sentido da ausência de crítica, na subserviência, na destruição da individualidade em nome do colectivo. É urgente resistir a estas tentativas. É importante que a identidade individual de cada um de nós não se desvaneça face aos colectivos nos quais nos inserimos.

Cada um de nós encerra em si potencialidades únicas e ideias próprias, um conceito específico de felicidade e de sucesso que cada um de nós procura atingir. É fundamental, numa sociedade aberta e plural, que cada um de nós tenha a oportunidade de, pelo nosso mérito e esforço, atingir os objectivos a que nos propomos, encontrar aquilo que para nós é a felicidade, contribuir com as nossas potencialidades e ideias para a comunidade. A nossa identidade não pode ser absorvida pela identidade colectiva.

Isto não significa que sejamos egoístas e não pensemos nos outros. Significa que numa sociedade aberta, cada um pensa por si, sem ter alguém que pensa por essa pessoa, e a força a aceitar esse pensamento que não é o seu. Essas sociedades fechadas são menos dinâmicas, mais estáticas, menos capazes a adaptar-se a mudanças. Pelo contrário, as sociedades abertas são dinâmicas e flexíveis, capazes de encontrar dentro de si uma panóplia de ideias tal que lhes permite mais facilmente encontrarem novas soluções para novos problemas.

(Para a semana, conto ter um novo texto sobre a falta de acalmia dos mercados face à situação portuguesa, com base num debate que tenho tido no Fórum das Gerações - 12/3 e o Futuro, no Facebook.)

sexta-feira, 18 de março de 2011

A Líbia

https://twitter.com/#!/UN/status/48512720999428096

Os líbios querem ver-se livres de um louco, da sua família, e dos seus mercenários. E a comunidade internacional deve ajudá-los a fazê-lo. A resolução só peca por tardia.

«Nada de Cultura»

http://www.tvi24.iol.pt/programa.html?prg_id=4162

Podem clicar neste «link» para ver o programa «Nada de Cultura», da TVI 24, sobre o tema da «Geração à Rasca».

quarta-feira, 16 de março de 2011

Crescer... exactamente para quê?

É permanentemente dito, por governo, oposição, comentadores, economistas, empresários, que é preciso termos crescimento económico. Mas afinal, porque é ele tão importante para nós?

O fim último da ciência da economia é o bem-estar das pessoas. É permitir que elas atinjam tenham as condições mínimas de vida, mas também que conseguem concretizar os seus sonhos e ambições. Mas afinal, em que medida é que produzir (e consumir) cada vez mais contribui para essa melhoria do bem-estar das pessoas? Estamos a crescer há séculos; podemos mesmo eternamente garantir mais bem-estar através de mais produção?

Um dos trade-offs mais importantes em economia é o trade-off entre a quantidade daquilo que produzimos (para podermos consumir mais) e a quantidade de tempo que temos disponível para tudo o resto – família, amigos, desporto, ler livros, pensar, etc. Os economista falam em “criação de riqueza”, mas... convém estabelecer de que tipo de riqueza estamos a falar: riqueza de produção/consumo? Mas, será esta mais importante que a riqueza de conhecer o Mundo ou de educar um filho? Em grande parte, elas estão em conflito. Até certa medida, o crescimento económico é inimigo da felicidade.

E como evoluiu essa felicidade com o crescimento económico? A partir dos anos 70 a questão começou a ser estudada e a conclusão foi a de que existe uma relação entre crescimento económico e felicidade... em sociedades pouco desenvolvidas. Ou seja, o crecimento é importante em locais onde as necessidades básicas das populações, como a alimentação ou a saúde, ainda não são garantidas. Em sociedades evoluídas, esta relação é, na verdade, inexistente! Crescer não nos torna de facto mais felizes. Uma questão de consumismo zero-sum? Em grande parte, sim. O economista Fred Hirsch demonimou o problema de “limites sociais ao crescimento”. Segundo ele, à medida que as sociedades crescem economicamente, isso deixa progressivamente de se traduzir em bem-estar, e o crescimento económico per si deixa de fazer sentido. O que é totalmente ineficiente, porque se desperdiçam recursos em troca de nada.

Existe ainda o problema do ambiente. Quanto mais produzimos e consumimos, mais prejudicamos o ambiente. E, como o produtor não sente directamente os danos que causa, produz mais do que devia. Também aqui, o crescimento económico é inimigo do nosso bem-estar.

Então, se estamos perante três factores tão determinantes para não crescer mais, em prol do bem-estar, porquê esta urgência tão grande em crescer?

Como Galbraith já identificava, esta urgência resulta da instabilidade social e económica que é gerada sempre que se deixa de crescer: desemprego, produtores insatisfeitos, ordenados mais baixos, revolta social, governos a caír, oposições a prometer crescimento, estímulos económicos. Períodos de não crescimento são o terror dos políticos e dos cidadãos, não tanto pelo que isso implica em termos de produção (menos 3% de produção equivale a menos 3% de consumo; quem numa sociedade desenvolvida não vive bem com menos 3% de consumo?), mas pelo que implica em termos de instabilidade e insegurança. Assim, somos uma sociedade "prisioneira" do crescimento económico. Outro factor, referia ele, é a própria geração de necessidades no consumidor pela indústria que se alimenta dessas próprias necessidades. Leia-se, os produtores tentam através do processo de marketing que os consumidores sintam a necessidade de adquirir os seus produtos, ajudados pelo ímpeto de competição social entre os próprios consumidores, e perpetuando assim o consumo (voltamos a ele) consumista.

Falar em crescimento económico continua a ser, na sabedoria convencional, a chave para o nosso bem-estar. No curto prazo, o crescimento económico será mesmo essencial para que Portugal não entre em colapso financeiro, económico e social. Por isso, é essencial que permaneça na nossa agenda.

Mas, se quisermos pensar além do curto prazo, saindo da caixa, é necessário começar a reflectir se crescer mais é mesmo o que quereremos para nós. E em que circunstâncias.

(Esta reflexão está a ser realizada em alguns países europeus. Tentarei falar dela em próximas oportunidades)

Condições de trabalho

Uma ideia para pensar: a Google começou com duas pessoas com um motor de busca muito eficiente, numa universidade. Uma das primeiras coisas que a Google fez quando foi fundada, e era muito pequena, foi contratar um bom cozinheiro. Para quê? Para cozinhar almoços de qualidade para os colaboradores. Com isto, atraíram colaboradores de qualidade, e continuaram sempre a investir na qualidade das condições de trabalho na Google. É parte da razão para a Google ser tão competitiva: boas condições de trabalho (e bons salários) atraem talento.

Empresas que atraem talento têm maiores hipóteses de serem bem sucedidas, por agradarem aos consumidores e atraírem clientela para os seus produtos. As empresas não começam a dar formação aos colaboradores simplesmente por haver subsídios para isso. Esses subsídios podem bem ir para outras coisas, que é quase impossível de controlar, ou então para formações sem grande interesse. É necessário um mercado competitivo, em que as empresas sobrevivam por terem uma boa relação qualidade/preço (ou seja, serem eficientes) para que estas tenham verdadeiros incentivos a criar boas condições de trabalho para os seus colaboradores.

terça-feira, 15 de março de 2011

Pensar no futuro

Portugal passou anos a empurrar para a frente. Fomos gastando dinheiro público que tínhamos e não tínhamos em grandes obras, mas o pagamento ficou para depois. Pior: os contratos que o Estado celebrou com as empresas privadas concessionárias sistematicamente socializavam os custos (e os riscos!) e privatizavam o lucro. Os contratos eram sistematicamente preparados fora do Estado, com base em estudos encomendados pelo Governo do dia e que, também sistematicamente, diziam que os projectos seriam excelentes.

É preciso começarmos a pensar no futuro. É preciso um novo modelo de PPP. No Reino Unido, nos últimos tempos do Governo trabalhista de Gordon Brown, começou a discutir-se os chamados «social impact bonds». A ideia destas «obrigações de impacto social» é, de um modo simples, relacionar os ganhos privados com o impacto social benéfico da actividade que o Estado contratualizou com estas. Se as entidades privadas atingirem os objectivos previstos no contrato, recebem. Caso contrário, não recebem. Assumem esse risco.

Parece-me que é um tema que devia ser também estudado cá em Portugal. Não podemos continuar a usar os nossos impostos para pagar contratos de PPP em que o impacto social não é o pretendido, e os custos são imensos, ao mesmo tempo que se mantém uma rede de empresas à volta do Estado que simplesmente depende dele e das quais, ao mesmo tempo, o próprio Estado depende.

(Para saber mais sobre o tema, pode clicar aqui ou aqui.)

segunda-feira, 14 de março de 2011

12 de Março: um testemunho...

Cheguei ao Marquês às 14h30. Comigo trazia a ansiedade e a esperança. Ansiava pelo materializar de um momento único, esperava que a minha ansiedade se concretizasse. Ainda não estava muita gente. Já existiam ilhas de pessoas, mas não como em outras manifestações. Sem saber esta era já a primeira imagem da diferença. Uma manifestação que não é organizada centralmente não tem um ponto de encontro mas muitos. O nosso era o Tivoli e por isso começamos por descer a Avenida.

Cheguei também dividido. Parte de mim estava ali por ele próprio, outra parte estava pelo movimento a que pertence. Esta foi uma dúvida que carreguei até ao ultimo momento. Deveria ou não explicitar o movimento a que pertenço. Afinal era uma manifestação apartidária e não queria distorcer o âmbito da mesma. Por isso, um simples acto de vestir uma T-shirt foi um acto de reflexão profunda. Depois de muito pensar e me questionar decidi vestir. Para mim seria hipócrita não o fazer. Eu sou ambos, e entrei nesse movimento para participar na vida cívica. Tendo ou não a camisola vestida eu pertenço ao mesmo. A camisola tinha a vantagem de não sonegar essa informação aos outros. O que os outros pensariam do meu acto não é da minha competência.

Na mochila levamos a resposta a uma crítica feita na semana passada. Diziam que os “jovens” não tinham soluções, que nunca apresentavam soluções. Nós quisemos demonstrar o contrário e levávamos uma sugestão das mesmas. Era um simples gesto, no meio de outros tantos. E também apenas uma proposta de soluções, no meio de tantas outras.

Entretanto as ilhas já não o eram, tinham-se transformado num oceano de pessoas. Olhar para o mesmo era uma alegria dada a diversidade do mesmo. Lá fomos nós integrar também aquela multidão.

Estava nervoso. Seria um teste ao que estava a acontecer. Será que a realidade que tenho conhecido nas discussões internáuticas e facebookianas se tinha transferido para a rua? Ou será que a antiga realidade “separatista” era ainda dominante? Afinal pertenço a um movimento ultra minoritário por cá, uma corrente de pensamento incompreendida e muitas vezes distorcida. Mas não passou nem 5 minutos até ter o meu teste. Uma pessoa aborda-me para falar comigo. Pertencíamos a pólos profundamente afastados. Numa outra situação, numa outra realidade, nunca nos teríamos ouvido. Seria discussão certa e quem sabe o que mais. Mas não agora e não ali. Discutimos os nossos mundos, defendemos as nossas causas e principalmente respeitamo-nos mutuamente. E passado uns momentos de trocas de ideias seguimos os nossos destinos. Este foi o momento para mim em que a esperança se tornou real.

Não foi apenas a quantidade de pessoas, foi tudo que tornou esta manifestação única. As pessoas, pelas suas acções, fizeram calar todas as criticas e os receios que existiam antes. Ali estiveram milhares de pessoas que protestavam contra uma realidade. Pessoas interessadas, pessoas preocupadas. Pessoas que carregam o sonho de mudança, de fazer as coisas de maneira diferente. Até ao 12 de Março ter-se-ia dito que era impossível juntar mais de 200.000 pessoas numa manifestação sem ser de um dos grandes “organizadores” nacionais. Que o “grande” protesto é monopólio das estruturas comunistas ou bloquistas. Que, se algo não centralizado acontecesse, iria descambar em violência. Dir-se-ia que as pessoas não estavam interessadas em protestar. Sei lá mais o que se disse. Toda essa realidade “virtual”, que era dogma a 11 de Março, foi quebrado ontem.

E a mensagem foi clara: queremos mudanças!

12 de Março de 2011

Não consegui estar presente fisicamente na manifestação por motivos pessoais. Tentei acompanhá-la o melhor que pude a partir de onde estive, e fiquei muitíssimo satisfeito com o seu sucesso. É importante que a sociedade civil dê sinal de vida, e é particularmente importante que a nossa geração dê sinal de vida, e demonstre que a política não é irrelevante para nós.

Numa democracia, o poder está em cada um de nós, e o exercício desse poder não se pode limitar a votar (ou não votar) de X em X anos. Numa democracia, nós temos uma responsabilidade cívica para com os nossos cidadãos de exercer os nossos direitos, de participar activamente na discussão política do país, para tentar mudar o que consideramos estar mal, e defender o que consideramos estar bem.

Eu não alinho no discurso puramente anti-partidos que alguns defendem. Acho que os partidos têm um papel a desempenhar numa democracia representativa moderna. No entanto, não podemos deixar os partidos monopolizar o espaço público. A manifestação apartidária de 12 de Março foi importante para demonstrar que a insatisfação não se limita a membros de um partido, a pessoas de uma determinada facção. A insatisfação é generalizada, e encontra-se espalhada por todos. A vontade para que haja mudança está lá, e tem força.

Na manifestação estiveram representados todo o tipo de ideias. Mas, principalmente, estiveram representadas pessoas que, por sua livre iniciativa, se decidiram unir a um movimento de contestação ao actual estado de estagnação em que vivemos. A manifestação de 12 de Março mostrou que a resignação não é considerada uma opção viável por centenas de milhares de pessoas que estiveram presentes, e para todas as outras que à manifestação se uniram de uma forma ou de outra. Foi uma demonstração viva do poder da cidadania activa.

É também natural que, em democracia, uma manifestação deste tipo tenha juntado ideias muito variadas. É importante que assim seja. O debate público é fundamental para a evolução da sociedade e, no caso presente, para que ocorram mudanças necessárias para melhorar o nosso país. Foi importante esta manifestação, que ocorreu, segundo li, com o maior dos civismos, para demonstrar que isso pode acontecer.

O dia 12 de Março foi um grande dia. É isto, em resumo, o que há a dizer!

Manifestação Geração à rasca: "in the mood" para participar

Estive na Manifestação “Geração à rasca”. Além de participar nela, estive a distribuir panfletos com colegas do Movimento Liberal Social. Tanto quanto a massa humana, foi impressionante ver a receptividade e simpatia das pessoas para receberem os papéis que lhes entregávamos. A manifestação parece ter ajudado a desenvolver algo de um valor incalculável em democracia: as pessoas estão, mais do que há muito tempo, “in the mood” para se informar e participar!
Que a onda continue.

sábado, 12 de março de 2011

Manifesto Liberal (12 de Março de 2011)


O LIBERALISMO

Defendemos que todos têm o direito de viver como quiserem, desde que não interfiram com a liberdade dos outros. Todos devem ter a possibilidade de, através do seu esforço e mérito, serem bem sucedidos.

Deve existir uma separação clara entre o poder económico e o poder político, e um respeito absoluto pela Lei. Devemos promover o associativismo e o voluntariado, e a sociedade civil tem de ter espaço para intervir na vida pública do país.

Defendemos um modelo de desenvolvimento económico assente na iniciativa individual e no crescimento sustentado, em que as pessoas decidem quais as empresas bem sucedidas através das suas escolhas, e não o Estado.

Os liberais confiam nas pessoas para tomarem as melhores decisões para as suas vidas.

NÃO SOMOS UMA GERAÇÃO PERDIDA

Confrontamo-nos com um sistema educativo em descrédito, graves problemas de desemprego e de entrada no mercado de trabalho, dificuldade em arranjar habitação, e dificuldade em começar novas empresas.

Educação
Exigimos uma reforma do sistema educativo que dê maior autonomia curricular, pedagógica e financeira às escolas públicas, sejam elas estatais ou privadas, e mais poder às comunidades locais e às famílias. A profissão de professor deve ser recredibilizada, e deve haver informação de qualidade disponível sobre as escolas, para que os pais possam escolher onde enviar os seus filhos.

Exigimos uma reforma do ensino superior que, garantindo o acesso à universidade com base no mérito académico, force as universidades a concorrer à escala global por talento. Em vez do ambiente fechado de demasiadas universidades portuguesas, queremos um ambiente aberto e inovador, e que as universidades tenham bons sistemas de inserção no mercado de trabalho.

Emprego
Exigimos um mercado de trabalho que não crie os actuais obstáculos à entrada dos jovens. Deve deixar de existir a actual situação em que alguns têm protecção absoluta, e todos os outros não têm qualquer protecção, e que é resultado directo da rigidez do mercado de trabalho actual.

Habitação
Exigimos a flexibilização do mercado de arrendamento que promova o aparecimento de mais habitações que possamos arrendar. A actual situação em que o mercado de arrendamento praticamente não existe, e os jovens são 'forçados' a comprar casa para sair de casa dos pais é insustentável.

Inovação
Exigimos que se continuem a tomar medidas para diminuir a burocracia necessária para começar uma empresa. Exigimos também um fim do desperdício em massa dos nossos impostos que faz permanecer no mercado empresas que já não são sustentáveis, e cria obstáculos à entrada de novas empresas, potencialmente com melhores condições de sucesso.

OS NOSSOS PROBLEMAS SÃO REFLEXO DOS MALES QUE ATINGEM TODA A SOCIEDADE PORTUGUESA.

A MUDANÇA NECESSÁRIA É NECESSÁRIA PARA TODOS, NÃO SÓ PARA NÓS.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Origens e fim(?) do consumismo

O documentário de hoje da Linha da Frente, “Perdidos por compras”, trouxe à superfície a questão do consumismo. Onde fica a fronteira entre comprar por doença e o consumismo? - perguntava-se.

Num post anterior falava de limites do ser humano ao controlo das suas capacidades intelectuais e este é um bom exemplo. Porque consumimos mais do que racionalmente deveríamos fazer? Perante esta situação, o Estado deveria intervir de algum modo?

Consumimos de mais porque as nossas necessidades biologicamente determinadas nos dizem que, ao fazê-lo, seremos pessoas mais bem vistas, autoconfiantes, e... que assustam os rivais e atraem os parceiros sexuais. Pela mesma razão que os pavões têm uma cauda inútil e concerteza incomodativa, nós temos comportamentos igualmente inúteis, como consumir algumas das coisas que consumimos.

Mas nem todo o consumo serve este tipo de propósito, e certamente não terá o Estado a capacidade de o influenciar decisivamente para propósitos mais úteis. Por isso mais vale, apesar de tudo, deixar o consumidor decidir o que é melhor para si.

A abertura dos mercados trouxe o consumo para a linha da frente dos comportamentos determinados pela necessidade de emulação do indivíduo. Devemos fechar mais os mercados? Antes de concentrarmos os nossos comportamentos emulativos no consumo, fazia-mo-lo através de outras coisas, por exemplo:

“The ownership of women begins in the lower barbarian stages of culture, apparently with the seizure of female captives. The original reason for the seizure and appropriation of women seems to have been their usefulness as trophies”. (Thorstein Veblen, 1899, “The Theory of the Leisure Class”)

Talvez seja preferível manter o consumo como veículo emulativo, em vez de o fazer regredir para outro tipos de práticas.

Mas sobra-nos um motivo que pode bem motivar a intervenção do Estado, que é a existência de custos externos. Não dos ambientais, bem conhecidos e cuja necessidade de intervenção é quase unanimemente aceite, mas outros de carácter mais humano.

Quando um consumidor consome com o propósito de “melhorar” o seu lugar na sociedade, fá-lo sempre na perspectiva do seu posicionamento em relação ao dos outros. Um automóvel de marca importante só trás estatuto social ao consumidor enquanto a marca permanecer de facto distintiva na sua relação com as restantes marcas. Se todos comprássemos ferraris, o Ferrari deixava de ser distinto... e de conferir estatuto. Quer isto dizer que quando alguém compra um bem qualquer que lhe dá estatuto social, está a retirar esse estatuto (igual a perda de satisfação) aos outros, que descem lugares no seu próprio posicionamento social.

A existência de custos externos justifica a intervenção do Estado. Neste caso, a deriva colectiva para o consumo por via da competição pelo estatuto (e pela auto-estima) que este dá, traduz-se de facto num jogo de soma zero entre os consumidores competidores, uma vez que o estatuto não pode crescer, apenas transferir-se de dono. Este tipo de problema não existe apenas na procura do estatuto, mas é generalizável a todo o tipo de consumo em que a satisfação de uns dependa do consumo de outros.

O economista Robert Frank tem sido o mais entusiasta apologista da intervenção nesta área. Numa série de artigos no NYT, fala do tema em diversas dimensões.

terça-feira, 8 de março de 2011

Os mercados não acalmam

Os mercados não acalmam em relação a Portugal, dizem notícias espalhadas um pouco por todos os jornais do país (e de fora do país). Apesar das medidas tomadas pelo Governo, apesar de todos os sacrifícios de que o Governo e os vários partidos vão falando, os mercados não abrandam, e demonstram contínua desconfiança em Portugal.

Ora, importa tornar claro que estamos a falar aqui em emprestar dinheiro a um país que, quando se fala de cortes na despesa pública, fala de cortes no ritmo a que a despesa cresça. Trocado por miúdos: a despesa continua a crescer, mas agora cresce mais devagar. Entretanto, vamos tentando resolver as coisas com aumentos de receita.

Quem nos empresta dinheiro não olha simplesmente para o que o Governo vai dizendo ou para as medidas que vai anunciando. Olha para o que é efectivamente implementado. Pequenos pormenores como o fundo de pensões da PT não passam despercebidos, nem o facto de serem necessários PEC sucessivos e de, mesmo assim, ainda nos virmos e desejarmos para reformar o que seja.

A crise de financiamento do Estado está intimamente ligada ao modelo de desenvolvimento económico que escolhemos, enfaticamente assente no Estado e nos seus subsídios, em detrimento do sector privado. Aquilo que vai fazer os juros baixar vai ser a implementação de medidas que reformem verdadeiramente o Estado. Medidas como a extinção de cargos que não estavam efectivamente a ser executados, embora necessárias, apenas demonstram a verdadeira dimensão do problema.

Os mercados não acalmam porque, por muito que se apregoe o contrário, não lhes temos dado motivos para se acalmarem. Quem investe em dívida portuguesa precisa de saber que o dinheiro lhe será pago de volta, e o risco disso não acontecer só vai diminuir se começarmos a fazer reformas profundas, as célebres reformas estruturais. Enquanto só houver anúncios, não há grande razão para acalmia, quer para os mercados, quer para nós cidadãos.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Uma questão de confiança (II)

Em Portugal, não confiamos muito uns nos outros. No limite, confiamos naqueles que nos estejam mais próximos. Mas não mais do que isso. E, certamente, não confiamos no Governo e na nossa classe política em geral, por muito que nos peçam que confiemos neles.

A falta de confiança que temos uns nos outros tem consequências, que por sua vez tornam mais forte o sentimento de desconfiança que lhes está subjacente. Uma das consequências principais é a falta de capacidade para cooperarmos uns com os outros, por desconfiarmos sempre que o outro nos vai enganar.

É um risco confiar nos outros, porque não sabemos se os outros nos vão enganar. Em Portugal, a cultura do desenrascanço torna-nos mais adaptáveis e mais flexíveis, mas também nos leva a negociar de má fé, a fugir aos impostos, a tentar «tramar» os outros. Temos de manter esta flexibilidade e esta adaptabilidade, mas juntar-lhe uma maior dose de confiança mútua.

Também por aqui passa a mudança em Portugal. Confiarmos mais uns nos outros significa uma maior capacidade de cooperarmos uns com os outros quando necessário. E essa cooperação permitir-nos-ia atingir objectivos que, sozinhos, não conseguiríamos atingir. 

Temos de competir quando faz sentido competir, e cooperar quando faz sentido cooperar.

(De notar que eu não advogo que seja o Estado a promover uma maior confiança entre indivíduos, e que aliás não me parece possível que o Estado sirva essa função. Um aumento da confiança entre as pessoas teria de ser um processo gradual que viria de baixo para cima, e não de cima para baixo.)

P.S. Para uma definição do que é «capital social» (aqui entendido como algo diferente do capital social de uma sociedade comercial), um conceito intrinsecamente ligado a este tema, e qual a sua importância potencial numa democracia liberal, pode ler-se este paper de Francis Fukuyama. 

P.P.S. Em breve escreverei um texto em que exploro a relação entre «individualismo» e o «egoísmo». Mas já me referi brevemente a este tema há uns tempos, e escrevi o seguinte:

"É fundamental tornar claro também que «individualismo» e «egoísmo ganancioso» não são a mesma coisa. O facto de eu ser individualista não significa que não queira saber de mais ninguém sem ser de mim, significa que quero viver a minha vida à minha maneira, tanto quanto possível, e com o mínimo de directrizes «de cima» sobre como me devo conformar à norma (qualquer que ela seja). Ora, isto é perfeitamente compatível com eu me preocupar com os outros, e com eu tomar decisões com base nas consequências e riscos dessas decisões a longo prazo."

Ou seja, o facto de se promover maior reciprocidade entre as pessoas não põe em causa a individualidade das decisões que estas tomam.  Um sociedade em que as pessoas confiam mais uma nas outras e cooperam mais não é uma sociedade menos livre do que aquela em que as pessoas não cooperam e pensam exclusivamente nelas próprias. Aliás, parece-me haver algum mérito no argumento mencionado no artigo de Fukuyama de que em sociedades em que há baixos níveis de confiança, a liberdade individual será ameaçada por tentativas estatais de, através de regulação formal, lidar com as externalidades negativas dessa falta de confiança.

domingo, 6 de março de 2011

Uma questão de confiança (I)

Os Governos portugueses pedem constantemente às pessoas que confiem neles. Asseguram-lhes que sabem o que é melhor, para elas e para todos, e que se as pessoas lhes derem a sua confiança, eles decidirão por elas e em favor do interesse público.

Os Governos liberais também pedem às pessoas que confiem neles, mas têm outra característica: confiam nas pessoas. Os Governos liberais têm por objectivo defender a liberdade individual e a igualdade de oportunidades, para que as pessoas, cada uma delas, escolham o seu caminho para a sua noção de felicidade.

Ou seja:
  • Os Governos portugueses têm pedido às pessoas que confiem neles.
  • Os Governos liberais pedem às pessoas que os deixem confiar nelas
A mudança em Portugal passa, e muito, por esta questão de confiança.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Oitocentos anos por um cheque

Desculpem lá, mas não percebo: Portugal passa anos a fio a endividar-se para além das suas capacidades. Até há poucos meses, o actual Governo preparava alegremente a construção de um TGV e de um aeroporto, obras essenciais ao desenvolvimento do País. O Ministro das Finanças, duas vezes considerado o pior a nível europeu pelo Financial Times, contradiz-se dia após dia, originando uma situação insustentável para o Pais. A possível necessidade de recurso ao FMI ou ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (no qual o FMI está envolvido) é significativa, pelo menos tendo em conta os relatos diários e algumas opiniões.

Ainda assim, a grande preocupação do País é que o Primeiro-Ministro seja chamado à Alemanha para explicar as medidas de austeridade. E que regresse com um “não está mal, mas não chega”. “Quem é que a Alemanha pensa que é?”, pergunta-se pelos corredores virtuais. Talvez o País que contribuiu com 119 biliões de euros para o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Talvez o Estado-Membro que, juntamente com a França, mais tem contribuído para (tentar) resolver a complexa situação em que se encontram alguns dos países da zona Euro.

Nada disto interessa, porque se trata aqui de uma questão de soberania. Gosto das questões de soberania, sobretudo quando são construídas sobre o dinheiro de terceiros. Portugal, o País com oitocentos anos de História; Portugal, o País que nunca foi nazi; Portugal, et cetera e tal. Quem se dedica à investigação de políticas europeias está familiarizado com as questões de soberania. São estas que nos impedem, por exemplo, de reagir rapidamente e em força, se me permitem a expressão, ao massacre líbio. E são também estas que impedem a criação de um governo que a França anda a, digamos, exigir há anos: um governo económico europeu. A discussão não é de agora. Aquando das discussões sobre a criação de uma moeda única, já a França indicava que, além de uma união monetária, talvez fosse necessária uma união fiscal. Que é complicado (como se comprova) ter uma moeda única que pode ser desbaratada pela profligacy de terceiros. O argumento, porém, não passou. Tal como nenhuma dona de casa aceita comentários sobre o orçamento doméstico, nenhum Estado Membro aceita que lhe digam como gerir (leia-se “quanto gastar”) a sua política orçamental. Sobretudo, se se tratar de um Estado-Membro anti-nazi, octocentenário, periférico e, acima de tudo, falido.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Sabedoria convencional

O termo sabedoria convencional (conventional wisdom) foi disseminado no vocabulário americano a partir do ano de 58 pelo eminente economista John Kenneth Galbraith, após a publicação do livro mais vendido de sempre na área da economia, The Affluent Society. A sabedoria convencional corresponde àquelas ideias feitas, presentes no senso comum da generalidade da sociedade, que são tidas como verdades inquestionáveis. Frequentemente penetram o suficiente nas crenças comuns para que quem as tente contestar passe por insano.

Possivelmente o caso maior de sabedoria convencional falsa na história do homem foi a criação do homem por Deus. Nem o primeiro grande defensor da liberdade da era moderna, John Locke, escapava a esta ideia feita nas sua argumentação:

“Além de não poder prejudicar ninguém, cada um é obrigado a conservar a sua vida. Porquê? Porque o homem é a obra de Deus. E a obra deve durar o tempo que o grande obreiro desejar.”

Com o tempo, a persistência dos desafiadores das ideias feitas, e o aumento das capacidades intelectuais dos indivíduos, a sabedoria convencional tenderá a estar menos centrada em verdades falsas. Mas elas continuam entre nós.

Esta semana fui com alguns colegas deste blog assistir ao Prós e Contras da RTP sobre a situação actual dos jovens em Portugal. Algumas das ideias feitas que ainda estão presentes entre nós tornaram-se ali evidentes:

  • Dar garantias ao trabalhador garante que não há desemprego, e dá mais segurança à generalidade dos trabalhadores
  • O Estado é o principal responsável pelo bom desenvolvimento da economia
  • O Estado pode criar empregos
  • Ter um curso superior é uma garantia de emprego e de uma vida boa

São crenças ainda bastante próprias da sociedade portuguesa, por comparação a outros países desenvolvidos, e certamente decorrentes do nosso contexto histórico do século XX. No entanto, o simples facto de terem sido temas ali discutidos, e as ideias contestadas por alguns dos oradores, indicia que – apesar do cepticismo manifestado por uma parte da assistência – são ideias feitas em decadência na nossa sociedade do século XXI.

Um País de Acomodados

Com a crise económica a prolongar-se por mais uns anos do que o esperado e o desemprego a assumir níveis muito preocupantes, os jovens portugueses, também conhecidos como a geração «dos 500 euros», «à rasca», «dos recibos verdes» (ou mais sucintamente «sem emprego») começam a dar ares de estarem realmente fartos de toda esta conjuntura. A habitual apatia, problema sério no nosso país, começa a desvanecer e cada vez maior é a mobilização da juventude para denunciar o que está mal.

Contudo, denunciar o que está mal é apenas o trabalho mais fácil. A questão que impera é: «Como?». Em que medida estamos nós a discutir soluções e estamos dispostos a aplicá-las? Um sério compromisso de mudança não vingará sem esforço por parte de cada um de nós.

Portugal é o país do comodismo, onde reina uma filosofia de vida que tem como máxima «deixar que os outros nos resolvam a vida». Estamos constantemente à espera que nos digam o que fazer e como fazer. Não importa porque o fazemos dessa maneira e não de outra. Desde a escola primária que temos pessoas (primeiro os professores e pais, depois patrões e até mesmo o Estado) a dizer-nos o que estudar, o que temos de saber e até quase (arrisco) o que pensar. A escola deveria ser muito diferente do que é hoje: deveria dar a oportunidade aos seus estudantes de aprofundarem as temáticas que realmente gostam (ao contrário de seguirem um leque rígido de programas, muitas vezes mal preparados), levar os alunos a construírem o seu próprio conhecimento, estimulando o desenvolvimento de metodologias de trabalho próprias, consciencializar os alunos de que eles são os verdadeiros responsáveis pelo seu futuro. Precisamos de uma escola que forme cidadãos responsáveis, críticos e empreendedores. É óbvio que nem todos temos de ser grandes líderes e visionários, mas todos podemos ser pessoas mais aptas a ultrapassar os problemas com que, naturalmente, nos deparamos diariamente.

Do mesmo modo, o Estado deveria procurar mudar as suas políticas de apoio ao tecido empresarial. Subsidiar não é a solução para tornar as nossas empresas mais competitivas e para criar empregos. Subsidiar só tem como efeito prático o enraizamento do comodismo. Enquanto as empresas andarem protegidas debaixo da «asa» do Estado, não seremos ousados e inovadores o necessário para conseguirmos vencer. Nenhuma criança aprende a andar de bicicleta se estiver constantemente apoiada pelas rodinhas auxiliares. Analogamente, as empresas só aprenderão a concorrer neste mercado global se o enfrentarem pelos seus próprios meios. Não tenho dúvidas de que o conseguiríamos, quiséssemos nós, como demonstram os múltiplos casos de sucesso de portugueses, cá dentro e lá fora.

Todas estas matérias têm sido bastante abordadas aqui no blog, mas a verdade é que assumem uma importância central quando queremos realmente mudar alguma coisa!

terça-feira, 1 de março de 2011

Uma cultura de risco

Ser empreendedor significa tomar decisões arriscadas e depois assumir responsabilidade por essas decisões: recolhem-se os benefícios, mas também as perdas. Uma cultura de empreendedorismo é uma cultura de risco. É também uma cultura de vários falhanços, até possivelmente falhanços sucessivos, para muita gente. Mas cada falhanço significa coisas a aprender para melhorar, significa a oportunidade de tentar de novo até ser bem sucedido e atingir o objectivo que se queria atingir.

Uma pessoa empreendedora vai falhar, vai cometer erros, vai fazer asneiras, mas no fim vai olhar para tudo isso e continuar a tentar. Vai também estudar e aprender, vai tomar decisões com base no seu objectivo final de longo prazo, e essas decisões podem incluir fazer alguma coisa de que não se gosta no curto prazo, para no final retirar daí benefícios de médio e de longo prazo. Não é que a pessoa não tenha medo, já que todos temos medo. A pessoa não vai é ser dominada e paralisada pelo medo.

Para sermos bem sucedidos temos de sair da nossa zona de conforto mais vezes do que gostaríamos. Temos de sair, e saímos. Não ficamos à espera que nos dêem uma oportunidade, vamos atrás delas. Vamos a todas as entrevistas para as quais formos convidados até conseguirmos entrar. No limite, tentamos criar a nossa própria oportunidade, por nós próprios. É arriscado, mas quem não arrisca não petisca.

O nosso Estado, neste momento, cria barreiras aos empreendedores. Precisamos que o Estado deixe de distribuir subsídios a empresas que não são sustentáveis. Os subsídios a empresas não sustentáveis são uma barreira à entrada de novas empresas no mercado, e são também um incentivo para que as empresas subsidiadas se encostem à sombra da bananeira com o subsídio estatal. No fim, perdemos todos, e quem quer arriscar, vai arriscar lá para fora.