sábado, 5 de julho de 2014

O “ultraje” de bandeiras não deve ser crime

Élsio Menau, que não conheço pessoalmente, criou uma obra artística que consiste numa Bandeira Nacional na forca. Por isto, vai a tribunal, acusado de ultraje a símbolo nacional. Mas descansemos – o próprio Ministério Público pede a absolvição. E descansemos duplamente – é bem provável que seja absolvido. Mas mesmo duplamente descansados quanto a Élsio Menau, julgo que não podemos suspirar de alívio.

A República Portuguesa tem uma Bandeira Nacional, aliás constitucionalmente prevista. É a bandeira da República instaurada em 5 de outubro de 1910. Segundo o art.º 11.º, n.º 1 da Constituição, é um “símbolo da soberania da República, da independência, unidade e integridade de Portugal”. E, segundo o Código Penal, é crime ultrajar a República, as Regiões Autónomas e símbolos nacionais e regionais, incluindo a Bandeira Nacional, ou mesmo “faltar ao respeito que lhes é devido” (sic!). A pena pode ser de multa ou ir até dois anos de prisão no caso de “ultraje” a símbolos nacionais ou à República.

Em Portugal, teoricamente, alguém pode ir preso por “ultrajar” a Bandeira Nacional. Alguém pode ir preso por exercer a sua liberdade de expressão de forma que um determinado tribunal considere um “ultraje” ou uma “falta de respeito”, o que quer que isso signifique. Face a isto, eu disse que não podemos suspirar de alívio. E insisto. Querendo uma sociedade livre, não podemos ficar aliviados apenas porque Élsio Menau deve ser absolvido.

É razoável que a lei ordinária regule a simbologia nacional e regional por questões protocolares. Mas o significado desses símbolos varia de pessoa para pessoa. Estamos a decretar o que não é verdadeiramente decretável. A bandeira, o hino e a própria República significam coisas diferentes para cada um de nós. E a sua verdadeira defesa é feita pela atuação idónea e credível das instituições. De pouco serve existir uma lei que condene o “ultraje” de bandeiras se os cidadãos sentem a bandeira maculada pela falta de confiança que sentem na Assembleia da República, no Governo ou nos tribunais. E se o quiserem expressar utilizando para o efeito essa mesma bandeira, isso não deve ser proibido.

A República não precisa de crimes de lesa-majestade. Não precisa, não pode e não deve criminalizar, ou sequer proibir, que os seus símbolos sejam usados de forma chocante e crítica ou mesmo de forma chocante e gratuita. O crime de “ultraje a símbolo nacional ou regional” é uma ingerência inaceitável na liberdade individual dos cidadãos. Numa sociedade que se quer livre, esses símbolos são património de todos, para utilizar como entenderem.

O verdadeiro ultraje em todo este caso é que a lei sequer preveja que se gastem recursos a acusar pessoas como o Élsio Menau. O respeito pela bandeira não se decreta: obtém-se através de uma atuação idónea das instituições republicanas.

O “respeitinho”, ao contrário do que alguns dizem, não é bonito. O respeito que vem pelo exemplo, esse, é precioso.

2 comentários:

  1. A Lei é justa e os vândalos e anarquistas devem SIM pagar na cadeia pelo ultraje e insulto ao estandarte pátrio que representa a nação.
    Fora comunistas de merda! A cadeia é seu lugar!

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  2. Concordo inteiramente com o texto, ao nível do conteúdo. Mas lamento a «forma» - a utilização do AO90 que, este sim, constitui uma falta de respeito para com a identidade nacional.

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