terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Federalismo em tempo de Colisão de Democracias

O Governo grego anunciou que ia rasgar o Memorando de Entendimento. O Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças passearam-se pela Europa a explicar que queriam um empréstimo sem contrapartidas. Sucede que o Memorando que Tsipras e Varoufakis tão avidamente rasgaram era pressuposto da credibilidade grega como Estado cumpridor. Ao anunciar aos sete ventos que iam rasgar o Memorando, essa credibilidade, já abalada, esfumou-se. E, cumprindo as regras estabelecidas, o BCE deixou de aceitar dívida grega como colateral, dificultando a vida à banca grega.


Agora, Tsipras veio reiterar que o seu programa é para cumprir. Que não vai honrar os compromissos anteriormente assumidos pelo Estado grego. E quer ser premiado por isso por aqueles perante quem esses compromissos foram assumidos. Naturalmente que esses, em especial a Alemanha, que tem aliás direito a acusações especiais só para si, fizeram o que se esperava, e, com tanta legitimidade democrática como a de Tsipras, mandaram Tsipras dar uma curva. Só que, quando os Governos democraticamente legitimados de certos países mandam Tsipras dar uma curva, o que aliás se coaduna com a atitude dos respectivos eleitorados, há quem pareça achar que só um lado está democraticamente legitimado. Ora, o Governo alemão e o Governo grego têm ambos legitimidade democrática. Como já vem sendo apontado por outros, encontramo-nos perante uma colisão entre democracias.


Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis querem governar outros países europeus a partir da Grécia. Querem forçá-los, através da ameaça de desagregação da Área do Euro, a transferirem dinheiro para a Grécia sem qualquer contrapartida. Ao mesmo tempo, piscam o olho à Rússia para meter medo. Podem piscar o olho à Rússia, empobrecida e economicamente esclerótica, o que quiserem. Mas não têm legitimidade democrática para forçar outras democracias a entregar-lhes dinheiro. O Estado grego não controla o dinheiro alemão. O Estado alemão controla o dinheiro alemão. E a maioria do eleitorado alemão tem preferências diferentes das do eleitorado grego quanto ao que fazer a esse dinheiro, que têm igual legitimidade democrática às do eleitorado grego. E se o Governo grego as quiser alterar, pode bem ter começado a fazê-lo: para pior.


E essa mudança de atitude para pior não é um problema apenas por causa da Grécia. É um problema que vai além da Área do Euro. É um problema que deve preocupar todos os federalistas. O futuro da União Europeia joga-se agora. O avanço ou o recuo na criação de uma verdadeira democracia europeia joga-se agora. E a Grécia, sob o manto da ‘solidariedade’, está a jogar cartas nacionalistas e soberanistas. Ao rasgar os compromissos que assumiu e tentar forçar a Alemanha e outros Estados a simplesmente entregar-lhes dinheiro, está a dar trunfos a quem no Norte da Europa defende que uma federação europeia apenas serviria para institucionalizar a subsidiação eterna, e sem regras, do Norte ao Sul. E isto, para quem defenda uma federação europeia, deve fazer soar alarmes.

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