Num segmento
do seu programa Real Time with Bill Maher, o comediante Bill
Maher, senhor que aprecio bastante, tanto pelo que costuma defender
como pelo seu tom politicamente incorrecto, perguntou a um dos seus
convidados se os Estados Unidos estariam melhores com um sistema de
governo parlamentar. A convidada, uma deputada no Canadá, não
respondeu directamente qual dos sistemas, presidencialista ou
parlamentarista, seria melhor mas admitiu apreciar a celeridade do
processo de decisão no seu país em comparação com o vizinho a
sul. O próprio Maher apresentou algumas das vantagens que via no
parlamentarismo. Reconhecendo a validade de muita coisa do que foi
dito nessa pequena troca de impressões, devo dizer que considero que
este tipo de debates acerca dos méritos de cada sistema não é tão
produtivo como seria de esperar.
Considero fundamental que se
conheçam as diferenças entre os vários modelos e que se perceba
quais as competências de cada órgão tanto como previsto
constitucionalmente como na prática, já que é muito provável que
estes divirjam bastante. Simultaneamente é fundamental perceber o
sistema para conhecer quais os incentivos que gera. No entanto é
importante voltar a dizer que não é a organização do sistema que
é decisiva na forma como os vários agentes da comunidade política
se comportam. O modelo pode criar incentivos nesta ou naquela
direcção mas são os hábitos e os costumes dos membros da
comunidade que vão ser os principais arquitectos dos meios de
funcionamento de um dado regime (claro que estes a longo prazo também
serão influenciados pelo modelo). A deputada canadiana provavelmente
estará certa quando elogia o regime do seu país mas isso é antes
de mais um elogio ao Canadá, não ao parlamentarismo. Muitas das
coisas que ela aprecia naquele regime não serão válidas noutros
países dotados das suas próprias variantes do parlamentarismo.
Muitas das coisas admiráveis no modelo de governo americano, e ainda
vai havendo algumas nestes tempos de crise de identidade, são antes
de mais coisas que acho admiráveis no carácter da nação
americana. O regime e o seu funcionamento reflectem a história de um
país mas também os seus hábitos e costumes. Naturalmente que se
deve ter cautela com as generalizações mas há padrões e hábitos
observáveis em larga escala e estes variam de sociedade em sociedade
com efeitos divergentes.
A título de exemplo e já o disse aqui, os
americanos tendem a preferir viver com o risco que a liberdade impõe
enquanto nós tendemos a tentar restringi-la de modo a evitar
comportamentos considerados abusivos. Ambas as posições têm um
custo e consequências práticas que vão para além das questões de
princípio. No caso português, a realidade e a ficção da
constituição estão muito longe uma da outra. Por cá sofremos
naturalmente de termos mais uma vez importado lixo reciclado de
origem francesa, neste caso o semi-presidencialismo, mas sofremos
antes de mais por sermos pobres e somos pobres não porque temos o
modelo de regime que temos mas por sermos periféricos e pequenos. De
igual modo não somos pobres por termos políticos corruptos, temos
políticos corruptos devido sobretudo à pobreza. Podemos e devemos
discutir reformas do nosso modelo de governo* mas iludem-se aqueles
que depositam a sua fé na importação de modelos como meio de
resolver os nossos vícios. Estes últimos, sejam eles quais forem,
irão impor-se e subverter qualquer ordem política e jurídica que
optemos por criar. Nesse
sentido, a asfixia da liberdade torna-se ainda mais perniciosa, já
que impede aqueles que não se revêm no sentido tomado pela maioria
de se exprimirem e promoverem alternativas, não necessariamente
apenas pela palavra, mas por práticas diferentes.
* A mais recente proposta de alteração da lei eleitoral do sempre acéfalo líder do centro de emprego socialista é um óptimo exemplo de irrelevâncias disfarçadas de reformas.
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