Vítor Gaspar demitiu-se. Deixou uma carta. Foi substituído por Maria Luís Albuquerque. Paulo Portas não gostou, porque queria uma mudança política qualquer, vaga, e, depois de deixar tomar posse um Secretário de Estado do CDS-PP na área das Finanças, demite-se, sem dar água vai a ninguém.
Cai o carmo e a trindade. Há quem tente culpar Vítor Gaspar pela crise, mas confesso que a minha opinião é simples: a crise abriu-se, a sério, com a saída de Paulo Portas. E Paulo Portas saiu de forma absurda, sem sequer avisar o próprio partido. Se não gostava da escolha do Primeiro Ministro a esse ponto, devia ter de imediato dito que se demitia quando soube o nome. E mais: ao demitir-se, devia ter sido claro que o CDS-PP saía da coligação.
Não foi essa a escolha do nosso agora Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiro, que preferiu demitir-se a título pessoal e de forma "irrevogável". O Primeiro Ministro não aceitou a demissão e colocou a bola de volta no campo do CDS-PP - e, confesso, gostei de o ver a fazê-lo. Entretanto, o CDS-PP, não estando interessado em ser considerado culpado por levar à queda do Governo, leva o seu líder a renegociar a Coligação com o PSD e o CDS-PP.
(O CDS-PP, note-se, tinha duas escolhas claras: manter-se no Governo sem o líder que se tinha demitido do mesmo ou sair do Governo com o seu líder. Curiosamente, ou talvez não, não escolhe nem uma nem a outra - com isso dizendo possivelmente mais sobre a sua condição actual de dependência de Paulo Portas do que desejaria.)
A Coligação lá chega a um novo acordo, que leva ao Presidente da República. O Presidente da República, entretanto, decidiu ouvir os partidos com assento parlamentar e os 'parceiros sociais'. E no fim ia falar ao país e anunciar uma solução. Sendo que as duas soluções que lhe propuseram foram: eleições antecipadas e dar posse à remodelação da Coligação.
A minha opinião sobre essas duas soluções é clara: havia uma maioria parlamentar disposta a suportar o Governo remodelado. Nestes termos, o Presidente deveria ter dado posse aos novos Ministros que lhe foram apresentados por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Sendo que, a meu ver, nessa remodelação se criou uma posição que devia ter existido desde sempre: Vice-Primeiro Ministro. E o CDS-PP foi colocado na posição de negociador com a troika e responsável por políticas económicas, impedindo-o claramente de estar com um pé dentro e com outro fora do Governo.
Essa solução tinha, a meu ver, condições para funcionar, dados os ónus que existiam sobre os partidos da Coligação. E podia até levar a Coligação a estender-se às eleições europeias. Além de que estava a ser aceite, também lá fora, como pelo menos relativamente credível em termos de sustentabilidade.
Não defendo eleições antecipadas. A democracia parlamentar não se faz apenas de eleições. Uma democracia parlamentar saudável não se faz de eleições antecipadas constantes, principalmente quando existe uma maioria disposta a suportar um Governo. Existindo essa maioria parlamentar, com novo acordo e maior responsabilização do CDS-PP, o Governo é viável, existem condições para continuar a aplicar o seu programa.
As eleições antecipadas não são "mais democráticas" do que uma solução que mantenha em funções um Governo com apoio parlamentar. O regular funcionamento das instituições não passa por eleições constantes. E eleições neste contexto teriam custos económicos e financeiros relevantes, bem como custos políticos relevantes, minando ainda mais a credibilidade das nossas instituições e da nossa economia, quer interna, quer externamente.
De qualquer forma, compreendo que haja quem pense que sejam necessárias eleições antecipadas. Há razões que entendo como razoáveis para defendê-las, embora não concorde com a solução. (Claro que também há aqueles que defendem eleições antecipadas quase desde o Governo tomar posse, cujas razões parecem prender-se principalmente com não concordarem com este Governo do que com quaiqsquer outras.)
Mas o Presidente da República não escolheu nem a solução de dar posse ao Governo remodelado, nem a solução das eleições antecipadas. Clamou por um "compromisso de salvação nacional" de médio prazo entre PS, PSD e CDS-PP, fácil de negociar tecnicamente (?!), com conteúdo programático que inclui temas como a sustentabilidade financeira do Estado, o emprego, entre outras grandes questões. Não deu prazo para as negociações terem lugar. Não tornou claro exactamente o que pretendia. Sugeriu que podia existir uma figura com grande credibilidade para as auxiliar (mas demitindo-se de o fazer ele próprio).
Havendo esse compromisso, teríamos eleições em 2014. Depois do PAEF. Como se o PAEF acabar fosse verdadeiramente um marco. Como se este Parlamento não tivesse mandato até 2015. Como se esse facto fosse irrelevante. Como se não fosse melhor negociar o pós-troika de forma razoável e com tempo. Como se não tivesse de ter chamados o CDS-PP, o PSD e o PS às suas responsabilidades há dois anos, e constantemente promovido o diálogo, em vez das suas habituais intervenções esfíngicas de qualidade duvidosa no debate político e económico em Portugal.
Subitamente, o Presidente da República, com duas soluções simples em cima da mesa, põe o país em suspenso. Exige negociações. Não dá prazo (!) para essas negociações. Não se sabe exactamente os termos do acordo que quer - mas se é tecnicamente simples, então imagina-se que o conteúdo será um conjunto de generalidades sobre os temas quentes do momento. Mantém um Governo que se quer remodelar em funções em o remodelar, mas também com a clara declaração do Presidente de que não é a solução que defende - da mesma forma que descredibilizou a solução da remodelação e das eleições antecipadas.
Nós devíamos ter começado a preparar o pós-troika há tempo. Da mesma forma que devíamos ter começado a preparar a reforma do Estado há anos. São temas complexos, que exigem ainda por cima compromissos alargados. Eis que temos o nosso Presidente a dizer que exige um "compromisso de médio prazo" negociado em cima do joelho e à pressa - porque apesar de não haver prazo, é evidente que estamos em contra-relógio. Principalmente porque depois do incêndio financeiro causado pela demissão de Paulo Portas, tínhamos acalmia advinda de já haver uma possível solução, que se encontrou rapidamente.
É muito giro ver o Presidente fazer jogos políticos de um ponto de vista teórico. Vê-lo encostar o PSD, o PS e o CDS-PP à parede a dizer "entendam-se". Só que qual o entendimento que pode sair, à pressão, daqui? Um entendimento credível e sustentável a prazo? Um entendimento que vá para além de um conjunto de banalidades irrelevantes? Tenho sérias dúvidas. Para ser credível, precisamos de um entendimento a sério sobre, por exemplo, a reforma do Estado. Vamos consegui-lo em cinco minutos?
Não faz sentido. A meu ver, o Presidente devia ter dado posse ao Governo remodelado. Tê-lo-ia criticado se tivesse escolhido eleições antecipadas. Mas, afinal, o que o Presidente escolheu foi lembrar-se de fazer coisas que já devia ter feito à anos, provavelmente até antes da existência de Memorando, e de dizer que a sua solução ideal também passa por eleições antecipadas - só que em 2014.
O Presidente deve garantir e preservar o regular funcionamento das instituições. E ao lançar a confusão, com um discurso que tem tido milhentas interpretações, o nosso Exmo. Presidente da República fez o oposto.
E vamos todos pagar por isso.
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