Vamos continuar a ter de reformar o Estado, cortar despesa e reformar o nosso modelo de desenvolvimento. Vamos continuar a ter um problema de finanças públicas para resolver. Todas essas questões fundamentais não fogem só porque dá jeito em termos de retórica política.
Mas eis que nos anunciam um 'novo ciclo', virado para o investimento. O 'novo ciclo' vem com nova orgânica ministerial e com um plano de reforma do Código do IRC preparado por um grupo de trabalho que já vinha do 'antigo ciclo'.
Acontece que nós continuamos a ter de resolver o nosso problema de finanças públicas e a ter de reformar o Estado. Por outro lado, o crescimento das exportações com a crise não é o mesmo que dizer que o nosso modelo de desenvolvimento se alterou - em particular quando vemos ideias a flutuar sobre programas de apoio à construção.
Por outro lado, se quisermos continuar a ter financiamento externo, em particular da «troika», vamos ter de continuar a aplicar medidas de austeridade. Por muito que muito boa gente pense que o que é preciso é ter «voz grossa», isso é muito fácil de dizer da Oposição, mas na prática serve essencialmente para antagonizar o outro lado com que se negoceia.
O «novo ciclo», em termos substantivos, não se iniciou com a remodelação governamental e com a moção de confiança. Teve início em 2011, quando uma crise internacional veio pôr a nu os problemas estruturais que Portugal passou (sejamos simpáticos) dez anos a empurrar com a barriga. E os problemas com que nos defrontamos são problemas complexos, não se resolvem em dois anos, e podemos bem ter mais uma década deste ciclo, depois da década anterior de crescimento quase inexistente.
O «novo ciclo» anunciado pelo Governo é uma manobra retórica. O ênfase retórico agora vai estar em falar sobre crescimento económico, sobre investimento (público e privado), sobre «a economia», e menos sem finanças. Vamos ver medidas como a reforma do Código do IRC anunciadas com pompa e circunstância.
Mas o problema de finanças públicas vai continuar a existir, o problema da reforma do Estado vai continuar a existir e o problema dos cortes de despesa vai continuar a existir. Cortar no IRC significa que o ênfase no corte de despesa pública não só não vai desaparecer, como vai tornar-se ainda mais relevante - é importante que o corte no IRC, a existir, não seja visto como temporário, na medida em que o défice se mantenha um problema.
Em termos substantivos, vamos continuar a ter medidas de austeridade. A retórica do Governo poderá mudar. Mas duvido que tenhamos um milagre económico trazido por um pacote de medidas intervencionistas governamentais com dinheiro que não existe, tenho quase a certeza que os estímulos que vão sendo passados continuem a ter efeitos nulos (Impulso Jovem, Estímulo 2012 e 2013...), e não estou a ver a reforma do Código do IRC a ter grandes efeitos sem cortes na despesa e uma reforma a sério do Estado.
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