Já não escrevia aqui há muito tempo, mas agora que tenho mais disponibilidade apeteceu-me escrever sobre a entrevista que a Judite Sousa fez ao Lourenzo (também conhecida como Judite Vs Lourenzo).
Li uma série de artigos e opiniões (em jornais, blogs, etc...) e causou-me alguma confusão a unanimidade que existia nas opiniões expressas nesses textos. Em quatro linhas a opinião de toda a gente que li sobre o assunto era a seguinte.
A Judite Sousa, jornalista que calça Louboutin e aufere um salário milionário, faz uma entrevista a um rapaz brasileiro rico, onde além de ter ignorado uma série de erros apontados por Lourenzo na peça que tinha antecedido a entrevista, fez uma série de insinuações (enfim “insinuações” é uma forma porreira de referir o que acontceu ali) sobre o estilo de vida de Lourenzo, num país que atravessa uma crise económica grave.
Que uma coisa seja clara, concordo com todos os que dizem que a entrevista foi uma vergonha. Isso não está em causa.
O que me custa a compreender é o choque que isto causou. Aliás não sou só eu, a Judite também ficou chocada. Passo a explicar.
O telejornal da TVI tem, desde há uma série de anos, optado por um estilo de notícias mais populares, estilo esse que foi acentuado com a migração de uma série de pessoas de classe social mais elevada para os canais do cabo (como aliás também aconteceu a outros canais generalistas).
Tal significa que algo que causaria estranheza ao público alvo num canal como a SIC Notícias, seria aceitável numa estação como a TVI ou como a CM TV. Não estou aliás a criticar essas estações ou programas. É o posicionamento escolhido pela estação emitente para certos segmentos de mercado.
Por outro lado, parece também haver alguma confusão sobre o porquê da entrevista. A resposta é simples: do ponto de vista informativo não há nenhuma. Mas um telejornal de um canal generalista é suposto ser um programa informativo? Talvez, mas não é.
Um telejornal de um canal generalista não passa de um programa de entretenimento que é interessante porque os acontecimentos foram (ou podiam ter sido) verdade. No fundo, são verosímeis, mas se são geralmente verdadeiros por vezes são falsos.
(nunca vi aliás num telejornal uma errata (mas admito que tenham sido feitas), o que os colocará ao lado do Papa, na capacidade de não errar).
É que a mera aparência de realidade é a razão pela qual a Judite Sousa nem pestanejou quando o rapaz desmentiu uma série de pontos na peça.
É que na verdade é pouco relevante se o que está a ser dito (e ela sabe-o) é verdade ou é mentira, sendo que se for mentira pode ser pior para a história (no presente caso retirava apoio à tese de opulência e esbanjamento que a peça tentava passar).
Também acho que se discutiu pouco o significado das palavras da Judite Sousa quando confontada com a polémica: “Se o meu tom foi considerado excessivo é porque as pessoas têm razão. Dou a mão à palmatória."
No meu entender são palavras de quem está vencida mas não convencida e eu compreendo porquê.
É que cada vez que a Judite faz este tipo de entrevistas ela encarna um personagem, que não se deve confundir com o que a verdadeira Judite acha sobre o caso.
A personagem que lhe pareceu profissionalmente correcto encarnar foi a personagem do seu público alvo, que lhe pareceu que ficaria chocado com o dinheiro que o rapaz esbanja.
A Judite real provavelmente está-se nas tintas para quanto o rapaz gasta ou como gasta. Provavelmente se tivesse o dinheiro dele, gastaria da mesma forma.
Ficou espantada, porque as pessoas acreditaram mesmo que ela estava verdadeiramente chocada com o estilo de vida do rapaz.
O que a Judite achou, é que a entrevista tinha tudo para correr bem para o canal dada a exuberância do "rico mau" (num país em que os ricos se esforçam para não ser exuberantes), a demografia do canal e uma peça inflamatória inicial.
E o que era para ser um sucesso tornou-se num case study para os diretores de informação, onde se descobriu o limite da imbecilidade que pode existir num telejornal (sobretudo se houver contraditório do entrevistado).
Não se pense no entanto que o resultado deste raciocínio será informação de qualidade e isenta. Isso é chato e não é esse o objectivo do programa em causa. No fundo diminui-se a intensidade, admite-se um erro e business as usual.
O que me faz confusão, como vi várias vezes escrito, é olhar para um telejornal da TVI como uma referência de informação séria e isenta e para uma jornalista de um programa neste formato como baluarte da verdade. Isso parece-bastante inocente.
É que não é assim para o Lourenzo, como não é assim há anos para todos os outros entrevistados, e é isso que me faz alguma confusão.
É que no caso dos outros ninguém disse nada.
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