As armas e os barões assinalados deste rectângulo à beira-mar plantado vêm amiúde a terreiro dizer ai e ui e oi. Raramente os seus raciocínios vão além dos "soundbytes", mas raramente lhes pedem mais do que isso. E os "soundbytes" representem o rol de ideias feitas que tem sustentando o nosso "status quo" nas últimas décadas.
Não se encontram diferenças substantivas entre o que diz Mário Soares ou Freitas do Amaral, hoje em dia, e uma pessoa pergunta-se quais as grandes batalhas travadas por estes personagens quando estavam no seu auge. Quais as grandes divergências, de um ponto de vista fundamental, que moviam o debate político.
De qualquer forma, as circunstâncias levaram a que haja finalmente um debate público sobre a reforma do Estado, bem como sobre cortes na despesa. É bastante claro onde se encontram os grandes senadores do regime. É também bastante claro onde se encontram muitos comentadores, que por entre mágoas carpidas sobre a necessidade de mudança, acabam invariavelmente por fazer a apologia de mudanças cosméticas e da manutenção do "status quo".
Não têm que se esforçar muito. Quando António Arnaut, por exemplo, diz alguma coisa sobre o Serviço Nacional de Saúde ou sobre o sistema de Saúde, e invariavelmente diz sempre que tem de ficar tudo na mesma, é tratado como o alfa e o omega da opinião sobre o tema. Quem defenda ideias diferentes tem de se contentar com insultos ou insinuações, como se só se pudesse organizar um sistema de Saúde de uma só maneira e ser um democrata.
As armas e os barões assinalados agem como se fossem donos do regime. A democracia, em toda as suas vertentes, o Estado, em todas as suas vertentes, todo o regime, tudo tem de mudar para melhor, certamente - mas só se ficar tudo na mesma. Freitas do Amaral, Mário Soares, António Arnaut e outros têm hoje dos discursos mais simplistas que se encontram na comunicação social, e a reverência que lhes é dada é desproporcionada à substância do contributo que dão, hoje em dia, ao debate público.
O mundo mudou. O regime forjado em 1974-1976 e que tem sobrevivido até hoje tem problemas que têm de ser resolvidos, que vão desde o sistema eleitoral à estrutura do Estado. O debate deve ser alargado. Ficar agarrado ao que dizem estas pessoas para pouco mais serve que ficar na mesma. No fim, pagamos todos. Mas os ilustres continuam a ser reverenciados, como se o estatuto fosse um eterno posto, uma posição de autoridade inabalável.
A autoridade daquelas pessoas não é inabalável. E quando escolhem intervir publicamente com discursos demagógicos e populistas, que aliás por vezes pouco interesse revelam no regular funcionamento das instituições, encarnam bem a figura de falsos ídolos em busca de adoradores. O seu posto não torna as suas posições intrinsecamente melhores. E chegou o tempo de retirar os grandes ídolos dos seus pedestais, porque mais relevante que esses ídolos e o barro que atiram à parede é construirmos um Portugal melhor para todos.
"Deve haver um dia em que a sociedade, como os indivíduos, chegue à maioridade." - Alexandre Herculano
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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
Os intérpretes
"(...)os signatários interpretam - e justamente - o crescente clamor que contra o Governo se ergue, como uma exigência(...)"
Olhando para a lista, conhecendo apenas a parte "pública" destas "pessoas públicas", não ponho em causa o democratismo de uma grande fatia.
Porém, a concepção de democracia que este tipo de iniciativa exala parece-me algo tresmalhada – no sentido de perdida e desviada mas não, infelizmente, no de separada da manada i.e. original. Este douto conjunto de personalidades pelo seu percurso consensualmente brilhante apresenta-se assim com pompa como "intérprete" de uma espécie de vontade geral à Rousseau que, está claro!, não corresponde à vontade de qualquer maioria, nem de 99,9%, nem a qualquer combinação das preferências individuais das pessoas, mas antes àquilo que o Povo, maiúsculo, uno, indivísivel, está claro!, quer e que apenas os "intérpretes", está claro!, podem e sabem interpretar convenientemente.
C'est à dire: sondagens? eleições? Instituições democráticas em geral? Para quê? Isso são histórias de embalar, não servem para nada. Complicam tudo e não resolvem nada, sobretudo quando vão os seus resultados contra o que interpretam os intérpretes.
Porém, a concepção de democracia que este tipo de iniciativa exala parece-me algo tresmalhada – no sentido de perdida e desviada mas não, infelizmente, no de separada da manada i.e. original. Este douto conjunto de personalidades pelo seu percurso consensualmente brilhante apresenta-se assim com pompa como "intérprete" de uma espécie de vontade geral à Rousseau que, está claro!, não corresponde à vontade de qualquer maioria, nem de 99,9%, nem a qualquer combinação das preferências individuais das pessoas, mas antes àquilo que o Povo, maiúsculo, uno, indivísivel, está claro!, quer e que apenas os "intérpretes", está claro!, podem e sabem interpretar convenientemente.
C'est à dire: sondagens? eleições? Instituições democráticas em geral? Para quê? Isso são histórias de embalar, não servem para nada. Complicam tudo e não resolvem nada, sobretudo quando vão os seus resultados contra o que interpretam os intérpretes.
"No meio deste vendaval, as previsões que o Governo tem apresentado quanto ao PIB, ao emprego, ao consumo, ao investimento, ao défice, à dívida pública e ao mais que se sabe, têm sido, porque erróneas, reiteradamente revistas em baixa."
Ah! Mas os intérpretes, esses sim, para eles é claro que através da sua expertise em tudologia, que lhes permite saber tudo sobre "abismos", "ventos e marés" e outras coisas "nunca antes vistas" mas que estamos sempre a ver, têm a capacidade de ler o "clamor" da rua e não só mas também através dele a "vontade do povo".
E estão, nessa qualidade, "muito preocupados" com isto tudo. Serious business! Eu também, mas o círculo que limita as minhas inquietações é muito mais largo. Acontece que é preciso espaço para acomodar cabeças tão grandes como as suas...
E estão, nessa qualidade, "muito preocupados" com isto tudo. Serious business! Eu também, mas o círculo que limita as minhas inquietações é muito mais largo. Acontece que é preciso espaço para acomodar cabeças tão grandes como as suas...
Bom, mas pelo menos servem para dar boas notícias: só através deles ficámos a saber que as previsões do défice e da dívida "têm sido reiteradamente revistas em baixa"!
– de Groningen, Países Baixos
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quarta-feira, 18 de julho de 2012
Soares é fixe e Torgal Ferreira também
Parece que o Bispo das Forças Armadas (posição que não devia existir num Estado laico) decidiu acusar o Governo, indistintamente, de corrupção. Ainda bem que temos este indivíduo para servir de megafone à ideia de que todos os políticos são corruptos e os que estão no Governo ainda o são mais que os outros, sem concretizar e limitando-se a atirar suspeitas para cima de toda a gente. Deixando por momentos de lado a sua importante tarefa de serviço público religioso num Estado laico, o referido Bispo presenteou o país com a sua imensa sabedoria, mostrando assim que se pode dedicar a ser comentador político profissional. Pessoalmente, penso que o deve fazer. E deixar de ser Bispo das Forças Armadas. (Podemos até aproveitar para acabar com a posição.)
Claro que o Governo não pode punir o Bispo em questão, apesar deste ter violado o seu dever de reserva. O Governo sabe que punir o Bispo desta forma apenas serviria para o referido Bispo proclamar aos sete ventos que estaria a ser censurado, e assim por diante. Pelo que o Governo não vai punir o Bispo das Forças Armadas. Este continuará alegremente a disparar em todas as direcções, veiculando as suas fantásticas ideias sobre economia e política, todas elas aparentemente assentes numa mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. Ah, e em insultos. Não nos podemos esquecer deles.
Entretanto, também o sempre fixe Mário Soares tem andado a intervir insistentemente no debate público. Depois de tentar ficar com o crédito de convencer o então Primeiro Ministro Sócrates a pedir um resgate externo, agora promove que o acordo com a Troika seja rasgado e que se imprima dinheiro até não haver amanhã. Porque isto resolve todos os problemas, sem custos, e isto foi-lhe dito por alguém que sabe mesmo, mesmo de Economia. Que o Mário Soares não repete acriticamente o que lhe é dito por qualquer um. Apenas repete acriticamente o que lhe é dito por gente que sabe mesmo, mesmo daquilo que fala. É por isso que devemos ouvi-lo e fazer o que ele diz. Porque quando ele fala nos males do «ultraliberalismo», tem por trás dele muita gente. E quando diz que quer imprimir moeda, também (em particular, o João Galamba).
Depois de ter governado com o FMI e ter imposto medidas bem duras, depois de ter, segundo ele, convencido José Sócrates a negociar um resgate com a Troika, Mário Soares afirma-se agora grande defensor de mandar o acordo negociado pelo PS às urtigas. À enorme hipocrisia junta-se, então, uma enorme dose de oportunismo, bem misturados com a forma demagógica como apresenta as impressão de euros como uma solução milagrosa.
Soares é fixe e Torgal Ferreira também. São tão fixes, tão fixes, que tudo o que dizem é notícia. E empurra para fora do topo das prioridades mediáticas o facto do caso Freeport ter dado no Ministério Público a pedir a absolvição dos réus. É bem mais importante discutir o que disseram Mário Soares e uma pessoa que tem uma posição que não devia existir num Estado laico do que discutir seriamente a corrupção em Portugal. Uma discussão que tem de ir bem mais fundo do que acusações a torto e a direito. E na qual a TIAC, por exemplo paradigmático, tem trabalhado.
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