Quando se fala de liberdade em Portugal, as pessoas tendem a pensar sobretudo em liberdade política. E efectivamente, o facto de hoje podermos escolher quem nos governa é algo de absolutamente fabuloso, tendo em conta a história da humanidade. Em Portugal, a memória do tempo em que isto ainda não acontecia é ainda muito recente. Ainda assim, no meu caso e no de cerca de metade dos portugueses, já pertencemos à geração dos que só podem sentir a diferença entre uma coisa e outra ao ouvir o que lembram os mais velhos (ou a ver o Conta-me Como Foi). É talvez por isso que tendemos a abrir os horizontes e a reflectir sobre outro tipo de liberdades, cujas limitações mais sentimos na pele e na dos que me rodeiam.
Actualmente, outro tipo de liberdades estão na agenda mediática e política. A liberdade económica, que tem a ver com a capacidade de cada um desenvolver sem restrições as actividades económicas que desejar, é agora por exemplo introduzida no debate político pela nova liderança do PSD. Esta liberdade pode conflituar em parte com outra liberdade talvez menos falada, a de oportunidades, ou seja, a capacidade de cada um de ter oportunidades (à partida) equivalentes às dos outros indivíduos. Felizmente tem estado também na ordem do dia a questão das liberdades dos costumes, por via pelo menos das questões do casamento homosexual e da adopção, e hoje Portugal é dos países mais evoluídos nesta área. A liberdade que temos de viver em espaços não poluídos ou o direito à privacidade têm sido também debatidas e objecto de intervenção política, ainda que porventura insuficiente.
Neste espaço falarei de outras liberdades, menos divulgadas, mas importantes, também para a esfera da intervenção política. Nalguns casos pode até parecer estranho, à primeira vista, admiti-las como questões de liberdade. Mas a sua manifestação no mundo real é uma realidade.
A liberdade potencial do ser humano segmenta-se por diversas dimensões e pode ser consequentemente restringida por diversos tipos de obstáculos. Porventura a mais importante de todas – talvez mais que a liberdade política ou a económica – é a liberdade intelectual. Tendemos a dar sobretudo importância às liberdades restringidas ao homem pelo homem mas, no caso da liberdade intelectual, esta é em primeiro lugar restringida pela biologia. O que não a torna, em termos absolutos, menos importante.
Tal como todos os outros animais, aquilo que somos biologicamente resultou de um longo processo de selecção natural. Somos o resultado da necessidade de sobreviver e de nos reproduzirmos no meio em que viveram os nossos antepassados, não neste em que vivemos actualmente. Tratando-se o homem do animal mais racional e inteligente que existe na Terra, ele está longe de ser um animal particularmente racional, inteligente ou independente no seu pensamento; ou seja, estamos longe de ser intelectualmente livres, pela via biológica. Pelo contrário, em grande parte somos dominados pelos nossos instintos primários sob a forma de emoções. Emoções essas formuladas para responder a objectivos muito concretos – a sobrevivência, a reprodução – num ambiente muito concreto – o dos nossos antepassados. Não fomos, de todo, concebidos à medida do que, pelos valores de hoje, um ser humano normalmente ambicionaria para si próprio. Todos nós, em determinados momentos da nossa vida, sofremos, ficámos alegres, ou inclusivamente agimos segundo padrões perfeitamente irracionais, e até contrários ao nosso interesse próprio. Alguns seres humanos infelizmente não se conseguem libertar deste padrão e fazem-no regra na sua vivência, ou levam-no ao extremo em momentos específicos da sua vida. Outros lidam melhor com o problema e conseguem que a racionalidade impere, não sem gastarem energias para isso.
Na política, quando assistimos a debates, quer as ideias base quer a troca de argumentos entre políticos e comentadores é frequentemente dominada pela emoção mais do que pela razão. E o eleitor é frequentemente convencido pela primeira, não pela segunda. O Nazismo não foi mais do que um acontecimento impulsionado por institintos primários – de poder, vingança e domínio do próximo – de um indivíduo que conseguiu manipular emocionalmente uma nação naquele momento aparentemente pouco “intelectualmente livre”.
Para além da política, em todos os domínios da vida humana podemos encontrar exemplos negativos de como os nossos instintos nos levam a ser fazer aquilo que não ambicionaríamos, estivéssemos nós totalmente dominados pelo potencial de faculdades intelectuais que temos cá dentro. Não somos aquilo que queremos, somos aquilo que o animal selvagem que temos cá dentro nos deixa ser.
Haverá, pois, elemento limitador da liberdade mais primordial do que a nossa própria liberdade intelectual?
(continua na próxima semana)
Excelente artigo, ansioso pela próxima semana.
ResponderEliminar"Tal como todos os outros animais, aquilo que somos biologicamente resultou de um longo processo de selecção natural." Como poderás ter a certeza disto?... A verdade é que ninguém sabe nada ao certo, nem sobre a Liberdade, pois este conceito e estado de alma não é mais que uma ilusão no mundo "moderno" das civilizações contemporâneas. A verdade, é que ninguém conhece a Liberdade. A verdade é que só conhecemos a mente, o intelecto, e as limitações culturais onde despontamos nesta existência. A verdade, é que a linguagem e o pensamento não são mais do que muletas para ser possível a expressão no mundo sensorial da 3D (este plano - Universo Físico Denso).
ResponderEliminarReinventarmo-nos como seres humanos, mas também Espirituais, Essenciais, esse é o desafio, bem como a sabedoria de integrar o Ego nos desígnios mais elevados do Espírito. As ferramentas sensoriais e de processamento mental com que contamos, servem bem como emuladores da realidade sensível, mas constituem-se, elas próprias, como limites à própria compreensão total do fenómeno da Existência, da Libertação do Espírito no mundo, sobre QUEM SOMOS. Uma vez conhecida esta resposta, tudo se torna mais fácil para compreender este mundo, onde circulamos durante um tempo limitado, como uma viagem, um sonho. Só o Amor é Real. Tudo o resto uma ilusão dos sentidos e da inteligente organização da energia em matéria (coisa que os cientistas não conseguem deslindar...) *
Grande abraço
Dr Bruegel,
ResponderEliminarOs teus comentários questionam o sentido de toda e qualquer coisa que possamos pensar, debater ou ambicionar.
E de facto de vez em quando é bom apercebermos-nos da nossa pequenez perante o universo, e na incompreensão que temos dele.
Ainda assim, espero que não tenhas tido a intenção de desmotivar os autores deste blog :)
Os teus comentários também são úteis porque nos podem naturalmente levar a pensar sobre o que ambicionamos verdadeiramente fazer na vida enquanto cá estamos, em face de uma realidade tanto quanto possível não distorcida pela nossa mente biológica e socialmente construída.
E conseguir isso é de facto conseguir ser mais livre.
Muito gosto em ouvir-te, e um grande abraço
Excelente artigo! Mas num mundo dominado pelo capitalismo selvagem, que nos invade com milhares de fontes de "entretenimento" e "média" emocionalmente estimulantes, cuja arma principal é a lavagem cerebral do povo através da propaganda e da publicidade (a publicidade massiva é resultado direto do capitalismo), é difícil abstrairmo-nos dos instintios primários que apelam à emoção, e sermos verdadeiramente Livres.
ResponderEliminarOu seja, concluindo o teu raciocínio, o ideário capitalista fez usa da biologia humana - sensação de medo pelo próximo, vingança, egoísmo, receio de partilha - para destruir qualquer tentativa comunitarista ou socialista!
O que preocupa muita gente por exemplo não é o arrombo do BPN ou o que o país paga de juros (7,2 mil milhões em 2014), mas sim o que recebem os ciganos do RSI. Um caso típico de demagogia da direita liberal, que coloca a biologia acima da razão e da liberdade do pensamento.