domingo, 1 de dezembro de 2013

Reforma constitucional revisitada

Reformar a constituição é anátema para quem se reveja na dita, o que se compreende. Também se compreende que aqueles que achem que a democracia, para ser democracia, tem de incluir tudo o que está agora na CRP - e provavelmente até mais, em alguns casos.

O mais problemático é a noção de que quem defenda que a CRP tem de ser alterada 'não é um democrata' ou 'não defende o Estado Social'. Primeiro, porque há mais do que uma visão sobre o que é a democracia. Segundo, porque não existe apenas um modelo de Estado Social. E terceiro, pode haver quem não considere que deve ser constitucionalizada muita coisa que está na CRP apesar de concordar com o que lá está.

Naturalmente, há quem queira alterar a CRP e não seja um democrata ou não queira um Estado Social. Mas basta olhar para os programas políticos dos principais, ou mesmo da quase maioria, dos partidos políticos portugueses para se perceber claramente que não são parte do 'mainstream'. O que acontece, isso sim, é ver diferentes concepções de democracia e diferentes modelos de Estado Social em confronto. Porque não é obrigatório concordar com quem concorda com o que está na CRP.

A diabolização de quem defende alterações à CRP com base em teorias da conspiração, em distorções e no aproveitamento do desconhecimento generalizado de realidades diferentes da portuguesa tem sido muito útil para a manutenção do 'status quo'. Tem sido muito útil para tentar impedir que sequer se debata o tema de uma forma não imediatamente inquinada. 

Nisto, quem deseja que tudo fique na mesma tem sido ajudado pela forma como propostas de mudança têm sido apresentadas. Mas claro que essa apresentação é sempre 'contextualizada' de forma negativa, logo á partida. Em todo o caso, urge que se comece a explicar claramente que o ponto não é simplesmente que a CRP é restritiva e não dão dá jeito porque estamos em crise - o ponto não é que se suspenda a CRP em tempo de crise. Antes pelo contrário.

Há uns tempos, escrevi um texto em que tentei explicar (de forma não totalmente conseguida) o que me parece ser um problema na forma como se tem apresentado a reforma da CRP. Parece sempre ser demasiado restrita a 'é preciso mudar a CRP porque me dá jeito'. Ou facilmente apresentável como tal. E é isso que tem acontecido, também, acompanhado de acusações e de questionamento imediato das 'reais motivações' (sempre nefastas) de quem defende as reformas.

Acontece que a nossa CRP não é um texto sagrado escrito por entes divinos omniscientes, necessariamente inquestionável. A CRP é um texto político-jurídico preparado por seres humanos. Político que é, qualquer debate em seu torno terá cariz ideológico (mesmo que as ideologias sejam inominadas). E do confronto e compromisso ideológico surgirão novas respostas, novas ideias e novas soluções possíveis. 

Eu defendo uma democracia em que este debate público e confronto político - e portanto ideológico - estejam no seu cerne. E a nossa CRP retira uma quantidade incrível de temas ao debate público, mesmo eleitoral, que lá podiam, e deviam, estar. E certos grupos buscam na constitucionalização daquilo que defendem uma legitimidade acrescida, ao mesmo tempo que procuram retirar toda e qualquer legitimidade (e, de novo, diabolizar) a quem defenda reformas constitucionais.

Acontece que as ideias de quem defende a manutenção da CRP nos seus moldes actuais são tão questionáveis como as de quem defende alterações. E a forma como se furtam ao debate recorrendo a insultos, a manipulações, a diabolizações, a descaracterizações, a teorias da conspiração e a imputações de motivações memos claras não é um sinal de força. É um sinal de fraqueza. Porque nenhuma dessas invocações na verdade defende a CRP. E ajudam apenas à deterioração continuada do debate público português.

Muitas das pessoas que assim defendem a CRP devem deplorar o Tea Party. Mas as suas tácticas, a sua atitude perante o debate e o seu moralismo lembram-me sistematicamente... O Tea Party.

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