As comunidades humanas são feitas de diversidade. Por muito homogéneas que aparentem ser, são sempre formadas por vários grupos, e esses grupos são sempre constituídos por indivíduos. E esses indivíduos são sempre diferentes. Cada um de nós integra vários grupos. Mas nem por isso perde a sua individualidade.
Ao mesmo tempo que todos somos diferentes, e devemos reconhecer e respeitar a individualidade de cada um, todos partilhamos algo em comum: a nossa humanidade. Por muito diferentes que sejamos enquanto indivíduos, e quaisquer que sejam os outros grupos a que pertençamos, todos somos seres humanos. E a nossa humanidade comum deve ser reconhecida e respeitada. Todos devemos, em princípio, ver as nossas liberdades respeitadas de igual modo, sem distinções arbitrárias.
As democracias liberais reconhecem e respeitam a liberdade individual, por um lado, e a humanidade comum de todos os seres humanos, por outro. Ambos servem de limites à soberania popular. O povo, o conjunto dos cidadãos, é soberano, mas não pode arbitrariamente violar a liberdade de cada um de nós viver a nossa vida como entender melhor. Essa intervenção deve ser validamente justificada, e proporcional ao objetivo que pretende atingir.
Claro que entre o indivíduo e a humanidade como um todo existe uma miríade de grupos. Podemos subdividir a humanidade em grupos segundo o género, a idade, a etnia, a raça, a orientação sexual, a nacionalidade, a cultura, a classe social, a família, o tipo de emprego, a licenciatura, o QI, vários tipos de personalidade (segundo vários testes diferentes), a ideologia política, os interesses artísticos, musicais ou desportivos, entre muitos, muitos outros (incluindo interseções entre os vários grupos). Não faltam formas de nos catalogarmos em grupos, se quisermos.
No entanto, a forma de todos os indivíduos conseguirem viver em comum, apesar das suas diferenças, passa por respeitar a sua liberdade individual, enfatizando a sua humanidade comum. Passa por reconhecer que todos somos diferentes, mas todos somos iguais. Passa pelo reconhecimento de que estamos todos juntos, no mesmo barco, à procura de um futuro melhor, e que todos temos, em princípio, o direito de o fazer. Passa por adotar uma perspetiva cosmopolita, aberta e dialogante.
As ideologias identitárias, à esquerda e à direita, destroem este terreiro comum, absolutamente crucial ao bom funcionamento das nossas democracias liberais. Abolem o indivíduo do discurso político, focam-se naquilo que nos distingue, e não naquilo que nos une, e negam o direito à divergência dentro dos respetivos grupos. O mundo humano é dividido em grupos absolutamente homogéneos e estanques (e aqueles que se desviem do preconceito grupal são tratados como apóstatas). O diálogo com outros grupos é considerado uma traição. A liberdade de consciência e de expressão cedem perante o pensamento único e o controlo do discurso (incluindo censura com base na moral e bons costumes, ou no que certo grupo entende como sendo politicamente correto).
Os discursos identitários, à esquerda e à direita, promovem o medo, a intolerância, o preconceito, os estereótipos, a diabolização do outro, a incompreensão mútua, e a inexistência de compromissos. São discursos marcados por apelos à pureza ideológica e ao ódio a grupos vistos como rivais a aniquilar. O objetivo é a criação de um paraíso terrestre, sempre ao virar da esquina se toda a gente pensar como os membros do grupo. E, entre os mais extremistas, este objetivo vem acompanhado de uma justificação ampla para a utilização da violência física.
A xenofobia é um problema. O ódio assente em preconceito, em geral, é um problema. Odiar a civilização ocidental, os valores asiáticos, os americanos, os alemães, os franceses, os gregos, os muçulmanos, os ateus, os cristãos, os judeus, os negros, os brancos, os asiáticos, os capitalistas, os sindicalistas, os heterossexuais, os homossexuais, os liberais, os socialistas, os conservadores, os comunistas, os homens, as mulheres, e um sem número de outros grupos não vai ajudar a resolver problema nenhum. Antes pelo contrário. É esse ódio que cria o problema, tornando impossível dialogar.
O diálogo é uma parte importante da solução. Um diálogo vigoroso, assente na liberdade de expressão, que permite criar pontes, ultrapassar problemas, atingir compromissos, e unir-nos em torno de objetivos comuns. Um diálogo que permita uma troca acesa de ideias, em que tudo seja passível de crítica, e em que o discurso não seja toldado e limitado, incluindo em nome do chamado “politicamente correto”. As pessoas devem ser tratadas como adultos, como pessoas autónomas e responsáveis. E deve ser ponto assente que, numa comunidade livre, é bem possível que encontremos discurso que consideramos ofensivo, sem que isso nos dê motivo válido e objetivo para o censurar.
A forma de lidar com a diversidade numa comunidade é o compromisso. O compromisso permite a pessoas muito diversas viverem em conjunto em comunidades abertas, vibrantes inovadoras, que aproveitam ao máximo a diversidade existente. O cosmopolitismo, o individualismo (que não deve ser confundido com o egoísmo) e o humanismo são os alicerces destas comunidades, e também das democracias liberais saudáveis.
São também estes os princípios que nos devem orientar sobre a forma como lidar com a questão das migrações, incluindo as migrações em massa. Devemos encarar os migrantes como os indivíduos que são, como seres humanos, tal como nós. Pessoas em busca de uma vida melhor para si e para as suas famílias, demasiadas vezes porque fogem de situações de guerra, ou de carência económica extrema.
É essencial desenvolver, promover e implementar políticas que promovam a integração dos imigrantes na nova comunidade, com todos os benefícios advenientes. Para o efeito, não devemos nem fechar fronteiras e dificultar arbitrariamente a entrada legal (o caminho indicado pelo nacionalismo, especialmente o nacionalismo exacerbado), nem aceitar ou promover a formação de comunidades imigrantes paralelas estanques, que funcionem de acordo com regras diferentes do resto da comunidade (o caminho indicado por uma certa esquerda identitária).
Passos na direção certa incluem: (i) facilitar a sua entrada legal no país, lutando-se assim contra a clandestinidade advinda de uma entrada ilegal; (ii) uma economia com poucas barreiras à entrada (o que permite aos imigrantes facilmente criar e encontrar empregos); (iii) escolas inclusivas; (iv) regras simples e claras para a aquisição da cidadania (em princípio, quem vive num determinado território e integra, de facto, uma determinada comunidade soberana, deve ser titular de direitos civis e políticos, assim se promovendo a sua efetiva integração na comunidade). Como bónus, facilitar a imigração legal contribui para combater as organizações criminosas, com destaque para as especializadas em tráfico de seres humanos, e que se aproveitam da situação de carência e de ilegalidade dos imigrantes para os explorar.
Não presumo que todos os imigrantes são boas pessoas, ou más pessoas. Sei, simplesmente, que são pessoas. Sei que são seres humanos, como eu. E defendo que devem ser tratados como tal. Se eu cometer um crime, devo ser punido. Se um imigrante cometer um crime, deve ser punido. E não vejo motivo para presumir que a vasta maioria dos imigrantes imigra para cometer crimes, porque não tenho dados credíveis que apontem nesse sentido. Antes pelo contrário.
Lidar com a diferença não é fácil. Mas é essencial. A diferença temperada pelo cosmopolitismo (numa aceção humanista e universalista), e pelo diálogo, é um motor de adaptabilidade, de melhoria, de inovação, e de progresso. A homogeneidade fechada sobre si mesma é um motor de incapacidade de adaptação, de degeneração, de estagnação, e de retrocesso.
A união pode bem fazer a força. Mas fá-lo, especialmente, quando acompanhada de diversidade. É essa a diversidade que nos enriquece.