quinta-feira, 8 de setembro de 2011

UMA HISTÓRIA PARTILHADA 2

(Parte 2 de 4 de um artigo que introduz alguns pontos importantes sobre a relação entre a China e o Japão.)

O JAPÃO AMADURECE

Até ao fim do regime Tokugawa em 1868 o Japão encontrava-se no seio da esfera cultural chinesa. No entanto, apesar daquele arquipélago ter importado a arte, a filosofia, a escrita e as crenças chinesas, a sua posição periférica posicionava-o fora da influência directa do poder central chinês. O que quer que o Japão importasse da China, a esta aquisição era sempre acrescentada uma camada de especificidade local num sincretismo de elementos nativos e estrangeiros.

A penetração de potências ocidentais no seu solo na segunda metade do séc. XIX foi inicialmente recebida com receios das implicações que isto traria ao modo de vida japonês que havia evoluído em quase total isolamento durante os séculos precedentes. Contudo, as mesmas elites que mais tarde seriam responsáveis pela Restauração Meiji cedo se aperceberam que o Xógunato constituía o maior impedimento face às reformas que estes entendiam ser cruciais para a sobrevivência da nação. A figura do Imperador, que até então preenchera um papel menor, foi reinstituída como centro de poder e eliminando assim o dualismo de Xógun e Imperador que havia dominado a política japonesa nos quase mil anos anteriores. Mais uma vez, a habilidade dos japoneses de assimilarem o externo sem diluírem a sua essência foi fundamental para a manutenção das estruturas de poder domésticas. A modernização não foi empreendida na crença de uma qualquer superioridade ocidental, pois aqui o Japão partilha alguns traços da mentalidade chinesa no que diz respeito à sua visão do exterior. Este processo era assim nada mais do que uma ferramenta de salvaguarda do próprio estado.

MUDANÇA DE EQUILÍBRIO

A industrialização e expansão europeias tornaram as economias asiáticas virtualmente obsoletas em todas as suas vertentes. O novo sistema internacional sustentado pelo imperialismo e o domínio naval britânico expandia-se até à Ásia e após a colonização da Índia pelos ingleses a China era agora olhada com ambição pelas potências Europeias e os Estados Unidos da América. Nos anos trinta daquele século a Grã-Bretanha tinha desenvolvido um negócio de ópio muito lucrativo no leste asiático ao exportar aquele narcótico da Índia para Cantão, o único porto autorizado a receber mercadores estrangeiros. A dependência do ópio no seio da elite chinesa exercia um efeito devastador e o Reino do Meio reagiu com a proibição do seu comércio e o despejar dos contentores nas águas do porto de Cantão. Em 1840 Londres respondeu com uma ofensiva militar que mais tarde ficou conhecida como a Primeira Guerra do Ópio. As forças inglesas ocuparam Hong Kong e Cantão, forçando os chineses a abrir portos em várias cidades, tudo isto sob os desígnios do Tratado de Nanquim de 1842, o primeiro numa série de tratados mais tarde apelidados de tratados desiguais.

As consequências da Guerra do Ópio e a humilhação da China foram instrumentais na motivação da nova elite Meiji japonesa para a total adaptação ao sistema internacional, ao invés de enveredar pelo caminho do seu vizinho chinês, o da resistência. O Japão entrou na ordem internacional da época como vítima do imperialismo, tendo também sofrido com a imposição de tratados desiguais pelas nações europeias e os Estados Unidos. O aparentemente inexorável avanço do ocidente pelo Extremo Oriente adentro representava uma ameaça de morte à soberania japonesa. A elite nipónica entendia que se os fracos regimes da China e da Coreia caíssem e o seus territórios fossem colonizados o Japão seria a próxima vítima ou no mínimo veria a sua segurança regional seriamente afectada.

As décadas seguintes testemunharam uma assimilação japonesa de tal maneira bem sucedida que foi o próprio Império do Sol a contribuir para o final da velha ordem sino-centrica. Chegados os anos setenta do séc. XIX o Japão procurou obter o estatuto de nação mais favorecida por parte do governo Chinês. Pequim recusou argumentando que seria inadmissível conceder tais direitos a um povo com tanta proximidade cultural face à China e que ocupava naturalmente um lugar inferior na hierarquia civilizacional. O continente mantinha uma imagem negativa do arquipélago e os Japoneses nunca se haviam livrado do estigma dos piratas anões que em tempos aterrorizavam os mares da China. Mesmo assim, Pequim aceitou regularizar as relações comerciais entre as duas partes o que já significava pelo menos de forma implícita uma igualdade de circunstâncias entre os dois intervenientes. A Coreia seria o próximo alvo de Tóquio. O reino peninsular estava profundamente entrincheirado na velha ordem tributária e o governo rejeitara todas as tentativas japonesas de ver reconhecido o seu imperador como um igual do monarca da chinês.

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