terça-feira, 13 de setembro de 2011

O doze de Setembro e a voz da Europa.

Acordou-se da década perdida do ocidente. E agora?

Bin Laden está morto e com ele todo o dano colateral. Uma crise militar e uma crise económica mostrarão um ocidente decadente em ponto de não-retorno? No entanto pediu-se liberdade em Tahir e os mais islamitas do Magrebe sabem que sem eleições não sobrevivem. Uma hybris esperada e um deus ex machina subvalorizado. A força do ocidente é, foi, e só assim continuará a ser a força das ideias. A força da Europa é a ideia de Europa. Mas o berço da democracia, e vamos referi-lo assim para termos uma noção do que estamos a falar, no dia doze de Setembro, viu-se hipotecado a juros de 100%.

É alarmante como o projecto europeu está posto em causa. Mas afinal o que faz a força deste continente? É uma união fiscal como fim em si mesmo ou uma união política? Ou não serão estes aspectos, económicos e políticos, apenas travões a serem resolvidos para poder a Europa ter voz? É que essa mesma voz é o seu maior trunfo. É a voz da tolerância, da responsabilidade, da democracia.

O que assusta aos ditadores, aos terroristas, aos que estão do outro lado da História, aos Bin-ladens, Maos e Cheneys não é que a Europa encontrando um rumo encontre um exército comum, uma política fiscal a sério, uma pujança económica e uma influência política, mas que encontrando isso tudo encontre a sua voz. Tudo o resto é-lhes irrelevante porque não é o trunfo da Europa. Encontre ela sua albarroante força cultural fenómeno sem comparação na história da humanidade, e então há um problema. Porque enquanto todos essas condições primeiras podem apelar aos líderes, pode dar alavancagem em negociações, pode fazer bonitos discursos, a outra apela aos povos e alimenta os seus desejos de liberdade, de igualdade e de justiça. 

Porque se a Europa encontrasse a sua voz e promovesse os seus critérios como fazer valer os interesses económicos sobre as vontades das comunidades políticas se a ideia de Europa é a res publica? Porque se a Europa encontrasse a sua voz como negar o aquecimento global em plataforma partidária se a ideia de Europa é a razão? Porque se a Europa encontrasse a sua voz como poderia a América, na sua sociedade tão anti científica e conservadora atrair os cérebros do mundo se a ideia de Europa é filosófica? Porque se a Europa encontrasse a sua voz como fazer guerra sem critérios se a ideia de Europa é a paz?

Mas a voz da Europa não é uma voz qualquer. Não é um tom monocórdico do caos organizado como a América. Mas não pode ser a cacofonia que tem assistido, berrando consigo mesma, dividindo-se, hipócrita e esquecendo-se dos seus valores. É uma voz de muitas vozes, de muitos sons, antigos e novos, reinventados e conservados, cruzando-se na sinfonia que a faz tão atraente. É a voz da reflexão dos homens ao longo dos séculos, do diálogo entre os vivos e os mortos, entre os modernos e os clássicos, os progressistas e os conservadores.

Esta ideia de reduzir o debate Europeu aos insultos catárticos à chanceler Alemã ou à Hélade é um sinal de perversão da ideia de Europa. É reduzir-nos ao jogo absurdo dos talking-points à americana e tentar marcar pontos enquanto o barco afunda. Por outro lado, também fazer do fim do projecto europeu um político, económico ou militar é perverter a sua voz. Essas vertentes do projecto europeu são imperativas, não nego, mas são-no porque sem elas não é possível potencializar ao máximo a livre expressão dos povos deste continente, a sua cultura, em toda a sua beleza, variedade, antiguidade e originalidade, que faz a sua maior força.

Na entrevista Euronews Dimitri Medvedev dizia que nem todos os manifestantes da Síria querem uma “requintada democracia europeia” e que por isso há que agir com calma. Mas o que assusta a Dimitri Medvedev não é que hajam extremistas entre os manifestantes, mas exactamente que haja quem peça uma “requintada democracia”. Porque essa é a voz da Europa ressoada na classe média emergente do outro lado do mare nostrum. E essa voz, para todos os que estão do lado errado da História, é mais assustadora que os bombardeiros americanos.

A América perdeu a oportunidade de liderar a ocidentalização do mundo, em todas as oportunidades que teve. A Europa tem de conquistar a sua. E tem de arrumar a casa. Mas não pode esquecer da sua bússola histórica. Do seu espírito essencial. A tal “requintada democracia”. Chamemos-lhe pelo nome próprio: Polis.

Pensámos que o ocidente seria um som mais ribombante quão mais originais fossem os produtos financeiros e as botas no deserto, mas nunca foi esse o som que inspirou os revolucionários de hoje, de ontem, e esperemos, do futuro. Na verdade é o som da Polis. É o som do livre debate e da tolerância, o som da responsabilidade cívica e o som da escala humana do mundo. É o som da Europa. Temos de aprender a substituir os telepontos pelo eco dos Maiores e pela capacidade do diálogo no projecto europeu.

Esta Europa que nasceu dos escombros do fascismo arrisca-se agora a se a desintegrar nas ruínas do seu próprio silêncio. Não só não fala como ninguém sabe falar por ela. Perdidos na lógica eleitoralista temos estado a sacrificar a ética e as reformas necessárias chamando pragmatismo a taticismo. Tal como sem essa voz nunca conseguirá mudar e reformar o que necessita de mudar, como sem essas mudanças arrisca-se este continente a ser mudo.

E no dia doze de Setembro os juros do berço da democracia chegaram aos 100%. Temos de salvar a Grécia para nos salvarmos. Mas temos de resgatar a Europa do atoleiro do absurdo porque é um imperativo histórico. E para um liberal esse imperativo é ainda maior, porque enquanto o capitalismo ou os modelos autoritários poderão subsistir, o liberalismo afundará com o fim da Ideia de Europa.

1 comentário:

  1. Este texto está cheio de preconceitos e ficções que merecem algum esclarecimento. Não existe nem nunca existiu uma só Europa ou uma voz europeia. A Europa não é mais a voz da razão do que a voz do fascismo, nacional-socialismo, comunismo e toda uma série de outras ideias que por cá originaram. A Europa é tanto rés pública como absolutismo, feudalismo ou totalitarismo. A Europa não é melhor que os outros e assumir que a ocidentalização (já de si um termo difícil de definir) é um bem universal a atingir é caminhar para um elitismo cultural perigoso. Não é sensato tentar impor os nossos modelos aos outros.

    De seguida, acusar os EUA de serem uma sociedade irracional é não compreender a natureza de um país profundamente heterogéneo, mais provavelmente do que a UE, que apesar de ter de facto discussões sobre se se deve ensinar o criacionismo nas escolas também pôs um homem na lua entre outros marcos científicos. Aliás, se existe uma Europa em paz e com algum semblante de união agora, é graças essencialmente à estabilidade que os EUA, mesmo com as suas intervenções militares, têm mantido no mundo desde 1945.

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