Convém ler o que escreveu Miguel Poiares Maduro no seu Mural do Facebook sobre o Caso Icesave, para evitar cair em algumas conversas que se ouvem e lêem por aí sobre este caso:
http://expresso.sapo.pt/os-islandeses-nao-aguentam=f783684
Como alguns de vós sabem eu fui o consultor jurídico da Islândia nesse processo. Por essa razão e apesar de o processo se ter concluindo com a decisão do Tribunal, mantenho alguma reserva em falar do caso mas não posso resistir a clarificar algumas coisas.
Primeiro, tem-se confundido em Portugal o caso do Icesave com uma recusa dos Islandeses em intervir para salvar os bancos. Na verdade, não era disso que se tratava. Do que se tratava no processo era, em primeiro lugar, saber se existia uma obrigação jurídica, decorrente de uma Directiva europeia, em os Estados garantirem os valores mínimos dos depósitos (nessa altura 20.000 euros) quando os fundos de garantia (impostos por essa directiva) não tinham os fundos suficientes. O Tribunal entendeu que não seguindo a argumentação que apresentámos e não vou repetir. Isso não significa, como notou também o Tribunal, que os Estados não possam intervir para salvar os bancos. Não têm é uma obrigação jurídica (mesmo em relação aos depósitos mínimos garantidos). A ironia, em contradição com o que diz o Daniel Oliveira, é que o Estado Islandês na verdade interviu para salvar os bancos (na prática nacionalizando-os) embora o tenha feito apenas em relação às agencias desses bancos na Islândia e não aos depósitos no estrangeiro. Esta era a segunda questão no processo: consistia isto em discriminação proibida pelos Tratados ou não? Na "nossa" opinião não era porque, tal como tem acontecido noutros Estados (incluindo, bem ou mal, no diferente tratamento do BPN e BPI em Portugal) um Estado tem uma larga margem de discricionaridade em decidir quais os bancos que são ou não fundamentais em termos sistémicos para garantir o funcionamento do seu sistema financeiro. O Tribunal não entrou nesta questão aceitando um outro argumento que apresentámos e que dizia respeito à forma como a questão da hipotética discriminação foi suscitada pelas outras partes (poupo-vos os detalhes jurídicos).
Isto é, in a nutshell, o caso Icesave. Como daqui se retiram as conclusões que retira Daniel Oliveira no seu artigo não sei. Repito: a Islândia interviu para salvar os seus bancos mas a nível nacional porque entendeu que tal era necessário para salvaguardar o funcionamento do seu sistema financeiro (a questão das agencias e depósitos no estrangeiro e o seu diferente tratamento era relevant na Islândia, mas não num caso como o português, porque os bancos islandeses tinham tido uma política muito agressiva de estabelecimento e abertura de depósitos noutros Estados). Mais, os próprios depósitos estrangeiros acabarão por ser pagos com base na massa falida desses bancos visto que foi dada prioridade a esses créditos e uma vez que os depósitos nacionais tinham sido transferidos para os novos bancos nacionalizados. Uma outra ironia, como me dizem alguns amigos islandeses, é que esses depósitos acabaram por ser mais beneficiados a longo prazo por serem denominados em euros. É que os depósitos nacionais sofreram uma perda enorme com a desvalorização da moeda islandesa e a obrigação imposta aos seus detentores de não os poderem movimentar.
E isto leva-me à imagem que se quer passar de que os Islandeses não sofreram ou sofreram muito menos do que nós. O Pedro Lains há poucos dias trazia um artigo interessante no The Economist que acabava por concluir que simplesmente é complicado de comparar as situações. Na minha opinião a grande diferença é esta: os Islandeses tiveram uma quebra brutal do seu PIB e rendimento per capita (à volta de 40%) e tendo hoje uma moeda muito desvalorizada podem voltar a crescer (mas pouco, 2,5%) mas não têm dinheiro para comprar produtos importados como automóveis cujos preços duplicaram. A nosso sofrimento é muito mais moderado (por comparação com o deles) mas mais longo. Ainda estamos longe no entanto da queda de rendimento que eles tiveram. Podem confirmar isso aqui:
http://data.worldbank.org/indicator/NY.GNP.PCAP.CD/countries/IS--XS-PT?display=graph."
Para advogado, este texto está muito mal redigido, incluindo dois erros de português ("interviu", "acabarão").
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