Nota inicial: a espaços vou escrever esta crónica sobre
temas que a distância de uma volta ao mundo possibilita.
Viajar permite conhecer outras culturas e realidades. Também
permite ver a imagem que o nosso espaço tem por este mundo fora. Nao deixa de
ser irónico que dois dos aspetos mais valorizados cá fora sejam precisamente
aqueles que mais ataques tem internamente. Falo do Estado Social e da Uniao
Europeia.
Hoje dedico este artigo ao segundo. A gota de agua
motivacional foi o artigo que Filipe Faria escreveu para o Insurgente (e outros
deste autor, inclusive um no Diario Económico). Eu gosto de debates. Gosto que
exponham e defendam posiçoes contrárias às minhas. No entanto, este deve ter o
mínimo de honestidade e sem a criaçao de posiçoes que nao correspondem
totalmente à realidade.
Este artigo é um bom exemplo de uma retórica que começa a
fazer escola e que passa por criar realidades “irreais” e defender a sua
posiçao a partir desse mundo virtual. Por exemplo: “Assim,
para se legitimarem, eurocratas e eurófilos agitam o fantasma da guerra.” Ora,
eu sou eurofilo e nao agito o fantasma da guerra para legitimar a Uniao
Europeia. No entanto, a realidade é que o arranque do projeto europeu nasceu
dai. Após uma violentíssima guerra entre naçoes europeias foi criado este
projeto como tentativa de criar um espaço dissuador de guerra nas naçoes que as
constituem.
Nao me parece que seja de minimizar o sucesso de tal
projeto. Arrisco a desafiar o autor a me dar um periodo de paz da história da naçoes europeias ocidentais (de onde esse projeto se iniciou) superior a este
projeto europeu A defender este meu argumento tenho as guerras mundiais no sec.
XX; as guerras Austria-Prussia; Invasao de Espanha pela França e guerras napoleónica no sec. XIX (antes destes séculos, e apesar de alguns
exemplos, o conceito de estado naçao nao era amplamente presente).
E se é um fato que alguns utilizam este argumento de paz (e
ao contrario do que o Filipe afirma, com alguma base na história europeia) a
realidade é que a maioria dos eurofilos que conheço nao o fazem.
Depois, o autor passa para uma posiçao que nao corresponde
nada há realidade. Ou seja, passa a uma mistificaçao como se de realidade se
tratasse: “Os eurófilos alegam que a
guerra termina se juntarmos todos os povos europeus sob o mesmo Estado e que,
se estes últimos puderem independentemente usar as suas afiliações étnicas para
defenderem os seus interesses, terminaremos todos em guerras entre Estados
Nação.”
Ninguém alega isso. Uma posiçao defendida é que a Uniao Europeia
facilita a resoluçao de problemas entre naçoes. A existencia de uma entidade
para resolver questoes supra-nacionais (e já agora uma entidade legitimada pela
soberania nacional dos seus estados) cria um espaço de comunicaçao e
inter-dependencias que afasta cenarios mais extremos. A mesma soberania
nacional permitiria à Grecia legitimamente decidir nao pagar. Cenário que num
contexto sem Uniao Europeia obrigaria a uma resoluçao direta entre os países
afetados e colocaria em cima da mesa a possibilidade de medidas mais extremas e
animos bem mais “quentes”. Seria – aliás como está a ser mas de uma forma mais
suave – o cenário ideal para retóricas populistas ainda mais radicais (dito de
uma forma simples, a ameaça de expulsao seria substuida pela a de invasao).
Até aqui nao falámos de Federalismos. E esta é uma confusao
– deliberada ou nao – de argumentaçao. O argumento de paz (para ser mais
preciso de dissuador de guerra) é para a existencia de um projeto europeu (quer
seja na sua forma minima ou mais ampla) nao de uma federaçao.
Um ponto que o Filipe aborda sobre o federalismo é: “Para os que almejam os Estados Unidos da Europa, esta
crise é mais uma oportunidade para atingir o federalismo europeu e retirar de
vez o que resta das soberanias nacionais.” Sendo que ele apenas concebe
um estado federal centralizador.
Esta é uma versao redutora do debate e nao corresponde a
todos os tipos de federalismos defendidos (eu diría que a quase nenhum visto
que um estado federal é na maioria das vezes antagónico a um estado
centralizador, como a Gran Colombia é um exemplo perfeito).
O Federalismo que eu defendo – e que a maioria das pessoas
que conheço defendem – é um que passa por capacitar e democratizar as
instituiçoes supra-nacionais já existentes. Defendemos que Uniao Europeia seja
mais próxima do individuo e transparente.
Comecemos pelo primeiro ponto. Atualmente eu voto num
partido para eleger deputados. Depois esses deputados elegem um Governo. E é
esse governo (ou representantes do governo) que se reúne para decidir questoes
europeias (entre elas a comissao europeia). Um estado federal permite cortar
este intermediario. Entre mim e a pessoa que decide sobre questoes europeias
passa a existir apenas um (e nao dois): os eurodeputados legitimados em
eleiçoes europeias.
Entre os dois modelos (o que o Filipe defende e o que um
federalista como eu defende) está em confronto a soberania da naçao contra a
soberania do individuo. O Filipe argumenta a favor da primeira. Eu, como liberal,
defendo a segunda.
Quanto ao segundo ponto, o Filipe defende que perderíamos
soberania nacional. No meu ponto de vista isso já aconteceu e de forma
voluntaria. O federalismo – além da vantagem principal anterior – apenas
tornaria todo o processo de decisao mais
transparente e com um grau de responsabilizaçao maior. Ou seja, tornaria todo o
espaço europeu mais democrático.
Ao contrario do que o Filipe e outros eurocepticos pretendem
fazer crer, nao se defende uma maior integraçao porque é o paraíso na Terra e
porque a Uniao Europeia é uma entidade sem falhas. Entre os federalistas estao
os mais críticos das suas instituiçoes e algumas políticas. Mas entre os mesmos
estao também aqueles que reconhecem os seus enormes beneficios e que pretendem
contribuir para a melhoria das Instituiçoes Europeias.
Mais de duas décadas de demagogia anti-europeia (que em
alguns políticos roça o esquizofrenismo) fizeram com que alguns europeus nao
percepcionassem corretamente os beneficios de estar nesta realidade. O fim da
Uniao Europeia nao é tabu entre os federalistas. A acontecer nao acabaria o
mundo. Ele apenas se tornaria pior e mais dificil…
P.S. Uma nota final
para algo que o Filipe Faria diz no seu artigo: “E a eurocracia tem “trabalhado” intensamente no sentido
de gerar antagonismos: […] a promoção deimigração em massa vinda de fora de Europa para enfraquecer as
coesões etno-culturais das nações” esta ultima frase nao corresponde
minimamente há realidade. Pegar numa frase de um membro das naçoes unidas e
descontextualiza-la desta forma é uma tremenda desonestidade argumentativa
(como nota positiva nao posso deixar de realçar o colocar do link… mesmo que nao seja um link direto, do mal o
menos.).
P.S.2 Peço desculpa pelos erros mas estou a escrever num
teclado espanhol…
Itálico retirado do artigo de Filipe Faria
Muito bom Texto João!
ResponderEliminarDiria que nesta altura em que a União Europeia luta pela sobrevivência no meio está a virtude entre o que os dois defendem.
Estou ansioso por mais artigos!
Aliás, não precisam de ser coisas de fundo.
Pequenos apontamentos, estados-de-alma...
Um Abraço