terça-feira, 4 de setembro de 2012

Aqui de longe: Uniao Europeia


Nota inicial: a espaços vou escrever esta crónica sobre temas que a distância de uma volta ao mundo possibilita.

Viajar permite conhecer outras culturas e realidades. Também permite ver a imagem que o nosso espaço tem por este mundo fora. Nao deixa de ser irónico que dois dos aspetos mais valorizados cá fora sejam precisamente aqueles que mais ataques tem internamente. Falo do Estado Social e da Uniao Europeia.

Hoje dedico este artigo ao segundo. A gota de agua motivacional foi o artigo que Filipe Faria escreveu para o Insurgente (e outros deste autor, inclusive um no Diario Económico). Eu gosto de debates. Gosto que exponham e defendam posiçoes contrárias às minhas. No entanto, este deve ter o mínimo de honestidade e sem a criaçao de posiçoes que nao correspondem totalmente à realidade.

Este artigo é um bom exemplo de uma retórica que começa a fazer escola e que passa por criar realidades “irreais” e defender a sua posiçao a partir desse mundo virtual.  Por exemplo: “Assim, para se legitimarem, eurocratas e eurófilos agitam o fantasma da guerra.Ora, eu sou eurofilo e nao agito o fantasma da guerra para legitimar a Uniao Europeia. No entanto, a realidade é que o arranque do projeto europeu nasceu dai. Após uma violentíssima guerra entre naçoes europeias foi criado este projeto como tentativa de criar um espaço dissuador de guerra nas naçoes que as constituem.

Nao me parece que seja de minimizar o sucesso de tal projeto. Arrisco a desafiar o autor a me dar um periodo de paz da história da naçoes europeias ocidentais (de onde esse projeto se iniciou) superior a este projeto europeu A defender este meu argumento tenho as guerras mundiais no sec. XX; as guerras Austria-Prussia; Invasao de Espanha pela França  e guerras napoleónica no sec. XIX  (antes destes séculos, e apesar de alguns exemplos, o conceito de estado naçao nao era amplamente presente).

E se é um fato que alguns utilizam este argumento de paz (e ao contrario do que o Filipe afirma, com alguma base na história europeia) a realidade é que a maioria dos eurofilos que conheço nao o fazem.

Depois, o autor passa para uma posiçao que nao corresponde nada há realidade. Ou seja, passa a uma mistificaçao como se de realidade se tratasse: “Os eurófilos alegam que a guerra termina se juntarmos todos os povos europeus sob o mesmo Estado e que, se estes últimos puderem independentemente usar as suas afiliações étnicas para defenderem os seus interesses, terminaremos todos em guerras entre Estados Nação.” 

Ninguém alega isso. Uma posiçao defendida é que a Uniao Europeia facilita a resoluçao de problemas entre naçoes. A existencia de uma entidade para resolver questoes supra-nacionais (e já agora uma entidade legitimada pela soberania nacional dos seus estados) cria um espaço de comunicaçao e inter-dependencias que afasta cenarios mais extremos. A mesma soberania nacional permitiria à Grecia legitimamente decidir nao pagar. Cenário que num contexto sem Uniao Europeia obrigaria a uma resoluçao direta entre os países afetados e colocaria em cima da mesa a possibilidade de medidas mais extremas e animos bem mais “quentes”. Seria – aliás como está a ser mas de uma forma mais suave – o cenário ideal para retóricas populistas ainda mais radicais (dito de uma forma simples, a ameaça de expulsao seria substuida pela a de invasao).

Até aqui nao falámos de Federalismos. E esta é uma confusao – deliberada ou nao – de argumentaçao. O argumento de paz (para ser mais preciso de dissuador de guerra) é para a existencia de um projeto europeu (quer seja na sua forma minima ou mais ampla) nao de uma federaçao.

Um ponto que o Filipe aborda sobre o federalismo é: “Para os que almejam os Estados Unidos da Europa, esta crise é mais uma oportunidade para atingir o federalismo europeu e retirar de vez o que resta das soberanias nacionais.” Sendo que ele apenas concebe um estado federal centralizador.

Esta é uma versao redutora do debate e nao corresponde a todos os tipos de federalismos defendidos (eu diría que a quase nenhum visto que um estado federal é na maioria das vezes antagónico a um estado centralizador, como a Gran Colombia é um exemplo perfeito).

O Federalismo que eu defendo – e que a maioria das pessoas que conheço defendem – é um que passa por capacitar e democratizar as instituiçoes supra-nacionais já existentes. Defendemos que Uniao Europeia seja mais próxima do individuo e transparente.

Comecemos pelo primeiro ponto. Atualmente eu voto num partido para eleger deputados. Depois esses deputados elegem um Governo. E é esse governo (ou representantes do governo) que se reúne para decidir questoes europeias (entre elas a comissao europeia). Um estado federal permite cortar este intermediario. Entre mim e a pessoa que decide sobre questoes europeias passa a existir apenas um (e nao dois): os eurodeputados legitimados em eleiçoes europeias.

Entre os dois modelos (o que o Filipe defende e o que um federalista como eu defende) está em confronto a soberania da naçao contra a soberania do individuo. O Filipe argumenta a favor da primeira. Eu, como liberal, defendo a segunda.

Quanto ao segundo ponto, o Filipe defende que perderíamos soberania nacional. No meu ponto de vista isso já aconteceu e de forma voluntaria. O federalismo – além da vantagem principal anterior – apenas tornaria todo o processo  de decisao mais transparente e com um grau de responsabilizaçao maior. Ou seja, tornaria todo o espaço europeu mais democrático.

Ao contrario do que o Filipe e outros eurocepticos pretendem fazer crer, nao se defende uma maior integraçao porque é o paraíso na Terra e porque a Uniao Europeia é uma entidade sem falhas. Entre os federalistas estao os mais críticos das suas instituiçoes e algumas políticas. Mas entre os mesmos estao também aqueles que reconhecem os seus enormes beneficios e que pretendem contribuir para a melhoria das Instituiçoes Europeias.

Mais de duas décadas de demagogia anti-europeia (que em alguns políticos roça o esquizofrenismo) fizeram com que alguns europeus nao percepcionassem corretamente os beneficios de estar nesta realidade. O fim da Uniao Europeia nao é tabu entre os federalistas. A acontecer nao acabaria o mundo. Ele apenas se tornaria pior e mais dificil…

P.S.  Uma nota final para algo que o Filipe Faria diz no seu artigo: “E a eurocracia tem “trabalhado” intensamente no sentido de gerar antagonismos: […] a promoção deimigração em massa vinda de fora de Europa para enfraquecer as coesões etno-culturais das nações” esta ultima frase nao corresponde minimamente há realidade. Pegar numa frase de um membro das naçoes unidas e descontextualiza-la desta forma é uma tremenda desonestidade argumentativa (como nota positiva nao posso deixar de realçar o colocar do link… mesmo que nao seja um link direto, do mal o menos.). 

P.S.2 Peço desculpa pelos erros mas estou a escrever num teclado espanhol…

Itálico retirado do artigo de Filipe Faria

1 comentário:

  1. Muito bom Texto João!
    Diria que nesta altura em que a União Europeia luta pela sobrevivência no meio está a virtude entre o que os dois defendem.
    Estou ansioso por mais artigos!
    Aliás, não precisam de ser coisas de fundo.
    Pequenos apontamentos, estados-de-alma...
    Um Abraço

    ResponderEliminar