terça-feira, 18 de setembro de 2012

A descida da TSU

Provavelmente já ouviu falar de que o preço de algo resulta do encontro entre a procura e a oferta. Se o preço for demasiado baixo, parte da procura existente não é satisfeita devido ao esgotamento dessa coisa. Se o seu preço for demasiado alto, vão ficar unidades do produto por vender. Em mercados competitivos e livres, o preço das coisas ajusta-se no ponto em que não exista nem procura nem oferta a mais, o que a acontecer seria um desperdício de recursos.

O mercado de trabalho não é diferente. O preço, que corresponde aos custos salariais, resulta do equilíbrio entre a oferta e a procura de trabalho. Se os custos salariais por qualquer motivo tiverem um nível demasiado elevado, as instituições empregadoras contratam menos pessoas do que as que estão disponíveis para trabalhar, ou seja, surge desemprego.

Essas pessoas desempregadas são um recurso valioso que é desperdiçado. Mais grave do que isso, são pessoas que ficam sem rendimentos para a sua própria vida.

Quando algo impõe um preço diferente daquele que o mercado determinaria, acontecem desequilíbrios como este. O preço do trabalho encontra-se neste momento artificialmente elevado pelo facto de a lei não permitir às entidades empregadoras diminuir salários, o que seria a ocorrência natural e desejável numa situação de redução da atividade económica. O facto de o “preço” do trabalho não poder ser ajustado causa desemprego, mas causa também uma redução ainda mais grave dessa atividade económica, porque existem pessoas que poderiam estar a trabalhar e não estão.

Tem-me por isso surpreendido bastante o ceticismo que tem sido ecoado no nosso país relativamente aos efeitos sobre o emprego da descida da Taxa Social Única.

A descida da TSU correspondente liminarmente a uma redução do “preço” no mercado laboral. A consequência dessa descida será o aumento da procura de trabalho pelos empregadores, e a redução (relativa) do desemprego.

Ao reduzir o desemprego, aumentará a atividade económica, pelo maior utilização dos recursos humanos que estavam desaproveitados. E será superior a receita fiscal do Estado, contribuindo para a redução do deficit público.

Ouve-se muito o argumento de que a redução dos salários líquidos fará diminuir a procura interna. Essa é uma verdade parcial, dado que em contrapartida da redução da procura de quem já trabalha aumentará a procura de quem estava desempregado e passa a trabalhar.

Ainda que haja redução da procura interna, acresce que só parte dela é fornecida pela economia nacional. A par disso, a redução dos custos de produção fará aumentar as exportações. Ambos os fatores contribuirão por sua vez para um saldo mais positivo na nossa balança comercial.

Em conclusão, uma análise superficial à medida de descida da TSU segundo alguns princípios básicos do funcionamento dos mercados, e de acordo com os objetivos de redução do desemprego e redução da dívida, parece indicar que estamos perante uma medida corretiva adequada e até inteligente.


Foi ontem divulgado um estudo que contraria esta conclusão. Assim que possível falarei sobre ele.

10 comentários:

  1. Este é um dos problemas de muitas medidas dos governos, a utilização de ciência para justificar medidas que nada têm a ver.

    A decisão de contratação das organizações pouco tem a ver com a economia pura,ou com as regras de mercado, mas sim com decisões estratégicas de gestão de recursos humanos. Existem duas, e apenas duas, razões pelas quais as empresas devem contratar. A primeira é a existência de um acréscimo de trabalho e outra é a substituição de um trabalhador, ambas necessidades podem ser temporárias ou permanentes. Neste sentido, a diminuição da taxa de desemprego através da contratação apenas ocorre se existir um aumento de produtividade, e não tornando a contratação mais barata.

    Forte abraço!

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  2. Olá André!

    Obrigado pelas críticas.

    Consegues apontar UM mercado (em que o produto não entre em esgotamento físico: e.g. situação de pleno emprego, petróleo) em que a descida do preço não aumente a procura?

    A visão de que as empresas baseiam as decisões de contratação se baseiam em decisões estratégicas de gestão de recursos humanos parece ser curta para este problema, por alguns motivos: As empresas também podem contratar se desejarem investir a partir do excedente que geram, as empresas não despedem tanto se não forem à falência, as empresas estão dispostas a ter uma receita marginal menor se os custos marginais de produção forem menores.

    Grande abraço

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  3. "as empresas estão dispostas a ter uma receita marginal menor se os custos marginais de produção forem menores" trocado por miúdos significa que se conseguirem reduzir os custos de produção compensa-lhes em seu próprio interesse baixar os preços para ter maior procura (incluindo casos de mercados monopolistas!), e com maior procura podem necessitar de mais trabalhadores ou vão despedir menos trabalhadores conforme o caso. Isto pode não ser intuitivamente óbvio sem ler uns manuais de economia mas é um facto aceite por 99,9% das pessoas que estudaram economia.

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  4. Precisamente, 99,9% das pessoas que estudaram economia e não 99,9% das pessoas que estudaram Gestão de Recursos Humanos, ou mesmo Gestão ;) Infelizmente, hoje percebemos que a economia (clássica) não é a resposta para todos os males, nem sequer é a "supra-sumo" das ciências que estudam o comportamento humano. Felizmente, investigadores tanto da Economia como de outras ciências sociais e comportamentais, já perceberam isso e viram-se agora para outras áreas (por exemplo economia comportamental.)

    Infelizmente, esta mudança de paradigma ainda não chegou aos decisores políticos ou mesmo aos opinion makers.

    Quanto a um mercado em que a descida do preço não gera aumento da procura é por exemplo o dos limpa-neves no Algarve. Podes ter limpa-neves extremamente baratos, no entanto, para as autoridades algarvias não têm qualquer utilidade. O mesmo se passa com a mão de obra, podes ter mão de obra mais barata, se não interessar às empresas contratar (ou até contratar aquele tipo de mão de obra)elas não vão contratar. Por exemplo, se fosse realmente (apenas) o preço que atraisse as empresas ou que as fizesse contratar, seria de esperar, num mercado globalizado, que na Holanda, um país em que a mão de obra é extramente cara, tivesse maior taxa de desemprego que Portugal. Como sabes o preço não é o único factor na decisão de compra, aliás a economia comportamental, a psicologia e até a sociologia já tem vindo a demonstrar que na maioria das vezes nem sequer é o factor principal.

    Muito obrigado pela discussão inteligente e interessante!

    Abraço.

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  5. É um facto que a ciência económica mainstream não resolve todos os males e que alguns modelos que esta encontrou para explicar a realidade estavam errados ou só funcionavam sob determinados parâmetros. Sou o primeiro a concordar com este chavão. Mas isto não significa que todas as lições da ciência económica estejam erradas.

    A ideia do mercado dos limpa-chaminês no Algarve é excelente e divertida :) Mas eu referia-me a mercados que existam no mundo real. Alguns economistas centram-se em problemas que não correspondem ao mundo real e acho que o teu exemplo incorre também nesse erro.

    Finalmente, o facto de o custo do trabalho não ser necessariamente O factor mais importante nas decisões de contratação/despedimento, o que me parece fazer todo o sentido, não retira uma vírgula à argumentação do artigo. Para ela ser válida é suficiente que o custo do trabalho seja UM DOS factores relevantes nas decisões.

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  6. andré tendo em conta o teu argumento e raciocinio, podemos aumentar os salarios em portugal para o nivel dos salarios da holanda?

    jorge

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  7. Caro Jorge, obrigado pela questão.

    Essa questão não deriva de todo do meu argumento nem raciocionio, no entanto tereito todo o gosto em manifestar a minha opinião.

    Não compreendi que tipo de aumento de salários se refere, é que falar de aumentos de salários médios, por exemplo, é diferente de falar de salários mínimos. Vou no entanto partir do pressuposto que se referia ao aumento do salário mínimo.

    O salário mínimo deve derivar sempre de uma análise profunda de vários indicadores. Vou dar dois como exemplo.

    Primeiro,deve ser tido em conta o nível de produtividade, ou seja, existir um aumento dos salários (pelo menos acima da inflação) sem que exista um aumento da produtividade significa que estamos a diminuir (artificialmente) a competitividade das empresas, colocando mesmo em risco algumas delas.

    Outro aspeto que gostaria de referir prende-se com a qualificação da população. A este nível é de referir que Portugal não é um país de Doutores e Engenheiros, como tantos de forma populista fazem crer, já para não falar da falta de formação profissional. Por outro lado, ser licenciado ou mestre em Portugal não é a mesma coisa que ser licenciado ou mestre na Holanda, em Portugal temos licenciados cuja língua nativa é o Português e que não sabem escrever nem falar nesta língua.

    Neste sentido, estamos muito longes da Holanda, como tal o salário mínimo em Portugal nunca pode (neste momento) ser o mesmo que na Holanda.

    Mais uma vez obrigado pela questão, espero ter sido claro.

    Um abraço,

    André.

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  8. [...]Existem duas, e apenas duas, razões pelas quais as empresas devem contratar. A primeira é a existência de um acréscimo de trabalho e outra é a substituição de um trabalhador[...] Quanto a isto não há como discordar. Nesse sentido a única relação directa que vejo entre a medida que diminui a TSU e criação de postos de trabalho é em relação à criação de algumas novas empresas. Digo isto porque em determinados casos o capital humano representa uma grande percentagem de capital necessário para entrar no mercado. No fundo esta medida pode acrescentar um factor facilitador de viabilidade financeira necessária para novas empresas chegarem ao mercado. De qualquer forma, não é este o intuito da medida.

    Abraços,
    Simão

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  9. Nem mais Simão, esta medida é uma medida de longo-médio prazo, que facilita a criação de empresas. A curto prazo o seu impacto no emprego é nulo. Por outro lado, a descida feita através da transferência para o colaborador também pode ter um impacto negativo no consumo, mas já nem vou por aí....

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  10. Simão, obrigado pelos comentários.

    Tenho alguns reparos:
    1. As empresas exportadoras iriam aumentar o trabalho devido à redução da TSU, porque poderiam praticar preços mais baixos e as encomendas aumentariam. Neste sentido a criação de novas empresas não é de todo a única forma de aumentar emprego.
    2. Os efeitos sobre o emprego não se conseguem só através de novas contratações, mas também através de existência de menos despedimentos. Se algumas empresas, devido à redução dos seus custos, não forem à falência ou despedirem menos pessoas, isso significa menos despedimentos e mais emprego.
    3. A medida de transferência de custos sociais das empresas para os trabalhadores teria um efeito relativamente neutral para empresas novas, porque estas não estão condicionadas à partida pelo problema que referi no artigo de o preço do trabalho estar artificialmente acima do preço de mercado. Ao contrário das que já existem, as novas empresas não são obrigadas a ter um custo salarial acima do que estariam dispostas a pagar naquele momento. Acrescento (também para o André) que a medida não teria efeitos previsíveis no longo prazo, não só pelo que acabei de referir mas também porque no longo prazo os preços (custos salariais) vão-se ajustar, e nessa altura será indiferente para a formação de custos salariais e ordenados líquidos qual será a distribuição formal de encargos sociais entre empresas e trabalhadores, ou seja, existindo uma determinada percentagem dos custos salariais que é dedicada a contribuições sociais é indiferente se formalmente esse dinheiro é cedido pelo empregado ou empregador.

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