sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Revisão crítica ao estudo “Emprego e TSU”


O estudo “Emprego e TSU – O impacto no emprego dasalterações nas contribuições dos trabalhadores e das empresas”, elaborado por cinco economistas investigadores da Universidade do Minho e da Universidade de Coimbra, propôs-se a estudar o impacto das variações dos descontos para a Segurança Social consequentes da medida proposta pelo Governo de descida da Taxa Social Única (TSU) para as empresas e consequente aumento para os trabalhadores.

Este estudo teve um elevado impacto na comunicação social. Por exemplo, foi citado em lugar de destaque em órgãos da imprensa escrita como o Público, o Diário de Notícias, o Jornal I ou o Jornal de Notícias, entre diversos outros. Os seus resultados “apontam para uma quebra no emprego e um aumento do desemprego de longa duração”. 

Venho realizar uma análise crítica ao estudo.

O estudo inclui uma análise teórica e uma análise prática. Na análise teórica os autores afirmam demonstrar “que o impacto da proposta de alteração da TSU depende crucialmente dos pressupostos de partida, não sendo possível alcançar resultados inequívocos relativamente aos efeitos positivos ou negativos sobre o emprego” e que por esse motivo “a análise dos efeitos desta proposta do Governo terá, necessariamente, de ser empírica.”

A análise teórica observa três cenários possíveis resultantes da medida, e conclui que não é claro qual deles será o predominante. Vejamo-los.

No primeiro cenário (i) assume-se que as empresas, após a redução da TSU, manterão o salário bruto dos trabalhadores (não o pondem baixar, mas também não o sobem), vendo por isso reduzidos os seus custos salariais na mesma medida da redução da TSU. Em consequência dessa redução de custos salariais ocorre uma diminuição do desemprego.

Este cenário parece, quanto a mim, aderir à realidade atual. As empresas encontram-se numa situação de constrangimento financeiro, e existe um número anormal de desempregados, por isso não existirão respetivamente condições ou incentivos para aumentar salários.
Isto não significa que não existam exceções à regra ou mercados específicos em contraciclo (p.e. mecânicos de bicicletas), mas em termos agregados será este o comportamento prevalecente da economia. Num artigo anterior realizei uma análise baseada no modelo básico de oferta e procura que conduz a um cenário deste tipo.

É relevante acrescentar que, mesmo que algumas empresas venham a aumentar salários em resposta a esta medida, é suficiente que a média dos custos salariais das empresas diminua após a introdução da medida para que a conclusão dos autores de que o desemprego diminuiria se mantenha válida.

Supor-se-ia um absurdo que, contrariamente ao cenário acima, como resposta à medida de redução da TSU as empresas viessem, em média, a voluntariamente manter ou mesmo aumentar os seus custos salariais, através da subida dos salários em montante suficientemente elevado para tal?

Fazendo uma analogia ao comportamento dos trabalhadores, isto seria mais ou menos equivalente a um trabalhador receber do seu empregador uma proposta de aumento e gentilmente recusar a oferta. A hipótese acima parecer-me-ia de facto desconectada da realidade, no momento atual de crise económica e financeira e muito elevado desemprego.

E no entanto é a isto que correspondem os cenários (ii) e (iii). O cenário (ii) assume que os empregadores aumentam o salário bruto dos trabalhadores por forma a que o salário líquido se mantém igual à situação anterior à medida, o que implica um aumento dos custos salariais dos empregadores. Neste cenário o desemprego, naturalmente, aumenta. No cenário (iii), assume-se que os empregadores em média irão simplesmente recusar a benesse do Governo, mantendo os seus custos salariais iguais à situação anterior à medida. Neste cenário o efeito sobre o desemprego é nulo. Segundo os autores, ele “permite confirmar a ideia de que há vários efeitos possíveis resultantes da medida proposta pelo Governo”.

A justificação dos autores para a possibilidade de ocorrência destes dois últimos cenários relaciona-se com a questão de os empregadores poderem ter este comportamento para evitar quebras de produtividade dos trabalhadores. Admitindo que este fenómeno possa vir ocorrer com uma parte significativa dos empregadores, o que parece pouco plausível numa situação de crise económica como esta, não será fora do real considerar que essa compensação voluntária das empresas aos trabalhadores possa chegar ao ponto de os custos salariais das empresas atingirem um nível igual ao superior ao existente antes da medida?

Eu descartaria estes cenários como irrealistas (as estatísticas sobre salários praticados após a medida poderão validar esta hipótese). Descartando-os, a conclusão teórica seria a de que o desemprego diminuirá e a receita do Estado aumentará.

No entanto, para os autores, só uma análise empírica permite retirar conclusões. Vejamos a análise que desenvolveram.

A análise empírica realizada pelos autores utiliza uma série de dados de contribuições para a segurança social de empresas e trabalhadores e relaciona-os com diversas variáveis, incluindo o desemprego. A série de dados utilizada pertence a 25 países da OCDE no período de 1982 a 2009.

1982 a 2009? Como é possível realizar uma análise compatível com a realidade que vivemos se quase todos os anos deste período correspondem a uma situação de crescimento económico e pleno emprego? Será porventura semelhante a tentar estimar a temperatura num dia de Inverno com base numa série de dados de dias de Verão. Como é possível, a partir de uma análise do comportamento da economia em que ela é manifestamente diferente do atual, retirar conclusões sobre o que acontecerá neste contexto particular?

A medida de descida da TSU foi proposta para responder a um problema específico de curto prazo. Não foi proposta para obter efeitos no longo prazo, nem foi proposta antes da crise económica, nem será proposta para aplicação após ultrapassada a crise económica. O seu fim e efeitos esperados respeitam ao momento presente, de crise económica, anormalmente elevado desemprego e quase colapso das contas públicas.

Como sugeri num artigo anterior, no momento presente o “preço” do trabalho (custos salariais) encontra-se a um nível artificialmente alto face ao que seria o preço de equilíbrio do mercado laboral, em consequência dos constrangimentos legais à redução de salários. O “preço” demasiadamente elevado, assim como noutros mercados provocaria um não escoamento do produto, provoca aqui o desemprego. Esta medida terá sido proposta agora porque é uma forma possível de aproximar o “preço” do trabalho ao preço de equilíbrio e assim reduzir o desemprego anormalmente elevado que existe. Se estivéssemos numa situação em que, pelo contrário, os salários estivessem em equilíbrio e o desemprego no seu nível natural, a medida não faria sentido, e é provável que provocasse danos à economia, tal como sugerido por este estudo.
(Sugeria aos autores que, como forma de tentar testar empiricamente um modelo mais adequado à situação que se pretende estudar, adicionassem como variável explicativa dos impactos o nível de desemprego, e obtivessem novas estimativas com o nível de desemprego fixo ao valor atual).

Se a análise contida nesta revisão crítica estiver correta, o estudo em questão é inconsequente na tentativa de prever os impactos da redução da TSU em Portugal em 2013.

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