O estudo “Emprego e TSU – O impacto no emprego dasalterações nas contribuições dos trabalhadores e das empresas”, elaborado por
cinco economistas investigadores da Universidade do Minho e da Universidade de
Coimbra, propôs-se a estudar o impacto das variações dos descontos para a
Segurança Social consequentes da medida proposta pelo Governo de descida da
Taxa Social Única (TSU) para as empresas e consequente aumento para os
trabalhadores.
Este estudo teve um elevado impacto na comunicação social.
Por exemplo, foi citado em lugar de destaque em órgãos da imprensa escrita como
o Público, o Diário
de Notícias, o Jornal
I ou o Jornal
de Notícias, entre diversos outros. Os seus resultados “apontam para uma
quebra no emprego e um aumento do desemprego de longa duração”.
Venho realizar uma análise crítica ao estudo.
O estudo inclui uma análise teórica e uma análise prática.
Na análise teórica os autores afirmam demonstrar “que o impacto da proposta de
alteração da TSU depende crucialmente dos pressupostos de partida, não sendo
possível alcançar resultados inequívocos relativamente aos efeitos positivos ou
negativos sobre o emprego” e que por esse motivo “a análise dos efeitos desta
proposta do Governo terá, necessariamente, de ser empírica.”
A análise teórica observa três cenários possíveis
resultantes da medida, e conclui que não é claro qual deles será o
predominante. Vejamo-los.
No primeiro cenário (i) assume-se que as empresas, após a redução
da TSU, manterão o salário bruto dos trabalhadores (não o pondem baixar, mas também
não o sobem), vendo por isso reduzidos os seus custos salariais na mesma medida
da redução da TSU. Em consequência dessa redução de custos salariais ocorre uma
diminuição do desemprego.
Este cenário parece, quanto a mim, aderir à realidade atual.
As empresas encontram-se numa situação de constrangimento financeiro, e existe um número anormal de
desempregados, por isso não existirão respetivamente condições ou incentivos
para aumentar salários.
Isto não significa que não existam exceções à regra ou
mercados específicos em contraciclo (p.e. mecânicos de bicicletas), mas em
termos agregados será este o comportamento prevalecente da economia. Num artigo
anterior realizei uma análise baseada no modelo básico de oferta e procura que
conduz a um cenário deste tipo.
É relevante acrescentar que, mesmo que algumas empresas
venham a aumentar salários em resposta a esta medida, é suficiente que a média
dos custos salariais das empresas diminua após a introdução da medida para que
a conclusão dos autores de que o desemprego diminuiria se mantenha válida.
Supor-se-ia um absurdo que, contrariamente ao cenário acima, como resposta à medida de redução da TSU as empresas viessem, em média, a
voluntariamente manter ou mesmo aumentar os seus custos salariais, através da
subida dos salários em montante suficientemente elevado para tal?
Fazendo uma analogia ao comportamento dos trabalhadores,
isto seria mais ou menos equivalente a um trabalhador receber do seu empregador
uma proposta de aumento e gentilmente recusar a oferta. A hipótese acima parecer-me-ia
de facto desconectada da realidade, no momento atual de crise económica e financeira e muito elevado
desemprego.
E no entanto é a isto que correspondem os cenários (ii) e
(iii). O cenário (ii) assume que os empregadores aumentam o salário bruto dos
trabalhadores por forma a que o salário líquido se mantém igual à situação
anterior à medida, o que implica um aumento dos custos salariais dos
empregadores. Neste cenário o desemprego, naturalmente, aumenta. No cenário
(iii), assume-se que os empregadores em média irão simplesmente recusar a
benesse do Governo, mantendo os seus custos salariais iguais à situação
anterior à medida. Neste cenário o efeito sobre o desemprego é nulo. Segundo os
autores, ele “permite confirmar a ideia de que há vários efeitos possíveis
resultantes da medida proposta pelo Governo”.
A justificação dos autores para a possibilidade de
ocorrência destes dois últimos cenários relaciona-se com a questão de os
empregadores poderem ter este comportamento para evitar quebras de
produtividade dos trabalhadores. Admitindo que este fenómeno possa vir ocorrer com
uma parte significativa dos empregadores, o que parece pouco plausível numa
situação de crise económica como esta, não será fora do real considerar que
essa compensação voluntária das empresas aos trabalhadores possa chegar ao
ponto de os custos salariais das empresas atingirem um nível igual ao superior
ao existente antes da medida?
Eu descartaria estes cenários como irrealistas (as
estatísticas sobre salários praticados após a medida poderão validar esta
hipótese). Descartando-os, a conclusão teórica seria a de que o desemprego
diminuirá e a receita do Estado aumentará.
No entanto, para os autores, só uma análise empírica permite
retirar conclusões. Vejamos a análise que desenvolveram.
A análise empírica realizada pelos autores utiliza uma série
de dados de contribuições para a segurança social de empresas e trabalhadores e
relaciona-os com diversas variáveis, incluindo o desemprego. A série de dados
utilizada pertence a 25 países da OCDE no período de 1982 a 2009.
1982 a 2009? Como é possível realizar uma análise compatível
com a realidade que vivemos se quase todos os anos deste período correspondem a
uma situação de crescimento económico e pleno emprego? Será porventura semelhante a tentar estimar a temperatura num dia de Inverno com base numa série de dados de dias de Verão. Como é possível, a
partir de uma análise do comportamento da economia em que ela é manifestamente
diferente do atual, retirar conclusões sobre o que acontecerá neste contexto
particular?
A medida de descida da TSU foi proposta para responder a um
problema específico de curto prazo. Não foi proposta para obter efeitos no
longo prazo, nem foi proposta antes da crise económica, nem será proposta para
aplicação após ultrapassada a crise económica. O seu fim e efeitos esperados respeitam
ao momento presente, de crise económica, anormalmente elevado desemprego e quase
colapso das contas públicas.
Como sugeri num artigo
anterior, no momento presente o “preço” do trabalho (custos salariais)
encontra-se a um nível artificialmente alto face ao que seria o preço de equilíbrio
do mercado laboral, em consequência dos constrangimentos legais à redução de
salários. O “preço” demasiadamente elevado, assim como noutros
mercados provocaria um não escoamento do produto, provoca aqui o desemprego.
Esta medida terá sido proposta agora porque é uma forma possível de aproximar o
“preço” do trabalho ao preço de equilíbrio e assim reduzir o desemprego anormalmente
elevado que existe. Se estivéssemos numa situação em que, pelo contrário, os
salários estivessem em equilíbrio e o desemprego no seu nível natural, a medida
não faria sentido, e é provável que provocasse danos à economia, tal como sugerido
por este estudo.
(Sugeria aos autores que, como forma de tentar testar empiricamente um modelo mais adequado à situação que se pretende estudar, adicionassem como variável explicativa dos impactos o nível de desemprego, e obtivessem novas estimativas com o nível de desemprego fixo ao valor atual).
(Sugeria aos autores que, como forma de tentar testar empiricamente um modelo mais adequado à situação que se pretende estudar, adicionassem como variável explicativa dos impactos o nível de desemprego, e obtivessem novas estimativas com o nível de desemprego fixo ao valor atual).
Se a análise contida nesta revisão crítica estiver correta, o estudo em questão é
inconsequente na tentativa de prever os impactos da redução da
TSU em Portugal em 2013.
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