Mostrar mensagens com a etiqueta ética de trabalho. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta ética de trabalho. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Desestabilizadores automáticos (II)

Portanto, o inflamado título reduz-se a isto: o cortador de relva “motorista do Relvas” recebe, afinal, “o que equivale a 1300 euros líquidos”. Longe de mim querer defender qualquer espécie de gramado, mas o que é senão de má-fé pespegar um título como aquele à notícia?

Outro mau exemplo é o termo que a imprensa conseguiu fazer com que se banalizasse como a tradução geralmente aceite para junk – “lixo”. O significado que junk assume é normalmente bastante mais próximo da nossa “tralha”, algo que já não serve, sendo utilizado para designar “lixo” mais raramente.

Consultando o dicionário Inglês/Português da Porto Editora observamos que antes de “lixo”, aparecem os termos “1. tralha; 2. Ferro-velho, artigos em segunda mão, velharias de pouco valor”. A entrada remete até para a definição “económica”: “junk bond – obrigação de alto risco”. (Também consta o seguinte: “calão (droga) - cavalo”. Já agora, também não ficava mal nas parangonas «Portugal é o cavalo dos investidores»…)

Dir-me-ão, “bem, mas tralha não é muito melhor do que lixo. E isso não iliba as agências de rating de (inserir teoria, mais ou menos conspirativa, aqui)” Pois não, mas that’s not the point here. Compreendamos que o esquema segundo o qual os famosos “ratings da República” são atribuídos pretende, à partida, permitir a um investidor identificar de forma instantânea o risco associado a uma determinada obrigação (risk-free, o emitente é obrigado a reembolsar o seu portador no seu valor facial na data em que vence) – i.e. por oposição a acção. Daí haver uma gama de notações, abaixo de um certo nível, chamado “especulativo”, que são associadas a obrigações que o ratador considera não ser certo que possam ser reembolsadas totalmente na sua maturidade – e (isto pode ser rebuscado) das quais um investidor que pretenda manter a sua carteira risk-free se deve livrar (lembram-se da definição?).

A verdade é que a opção pelo lixo versus tralha ou eventualmente cavalo não foi arbitrária.
Faz parte das pequenas acções que contribuem, sim, para atear a fogueira da “caça as bruxas”, a das paixões patrioteiras (que contribuem, por sua vez, para um certo esbater do patriotismo, já para não falar do europeísmo). Se é verdade que esta pode ter associada uma “externalidade positiva” como válvula de escape para o stress acumulado, o que, dizem os entendidos, é fundamental neste tipo de momentos históricos “complicados”, constitui aquilo que é essencialmente uma enorme interferência no sinal entre a realidade e o seu entendimento pelas pessoas, o que, suponho, não será grandemente benéfico.

Podemos até presumir que se não fosse essa infeliz decisão, não teríamos tido a oportunidade de ouvir “senadores” tão inteligentes proferir declarações tão idiotas como “Mas quem são esses senhores para dizer que Portugal é um lixo? Lixo são V. Exas.!”.

É certo que como qualquer sector de actividade, também os media arcam com a sua quota-parte de “pontapés” da crise. E não será ninguém senão os da própria classe a ter real legitimidade para pregar sobre ética profissional por parte dos jornalistas na sua actividade, pelo menos em particular. But come on!

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Desestabilizadores automáticos (I)

A noção de estabilizador automático é um conceito do bê-à-bá da macroeconomia. Geralmente emprega-se fazendo referência a uma das funções que um estado desempenha numa economia: quando existe uma tendência de aumento do produto, esse acréscimo é suavizado de forma automática, pela subida dos impostos cobrados que o acompanha, uma vez que a receita fiscal é, simplificando, função do rendimento, do consumo, da produção. Já as transferências sociais (subsídios, pensões, etc.) tendem automaticamente a suavizar-se com esse aumento do rendimento da economia, uma vez que este é acompanhado por uma queda do desemprego, o que em conjunto com outros factores, faz reduzir quantitativamente a necessidade de prestações sociais. O raciocínio simétrico aplica-se em momentos de recessão.

O que isto significa é que a existência destes mecanismos permite que as flutuações económicas sejam mais suaves, não sofrendo variações momentâneas tão acentuadas, e contribuindo assim para a estabilidade da economia, ou seja, e da vida das pessoas em geral.

Permitindo-me voltar a um tema já amplamente debatido pelo João aqui, e rezando para que não perpasse um tom pachequista em demasia… Às vezes, fico com a sensação de que uma parte muito significativa da órbita dos mass media assume precisamente o papel contrário destes estabilizadores automáticos, no plano social. Isto é, uma, se quisermos, tendência depressiva num determinado momento do “espírito geral” de uma sociedade, é exacerbada pelos órgãos de comunicação, e (suponho eu, quando foi a última tendência optimista que vivemos?) vice-versa, constituindo um elemento de reforço e quase incitação.

E digo incitação, no seguinte sentido: nada contra que os camaradas exultem os seus companheiros a insurgirem-se contra, como dizia Henrique Raposo no outro dia, aquelas “figuras sinistras, anafadas, de cartola e fumando charuto” que são os “patrões”, contra “políticos” em geral, assumidos ou não, contra os “neo-liberais”, whatever that is, ou contra quem quiserem, munindo-se de todo o tipo de argumentos e acusações, fundadas ou não – aliás, se os factos forem maus, é torná-los piores - uma vez que o único critério aceitável para a sua validação é que exponham o Mal (maiúsculo, sempre maiúsculo, como “Agressão”, “Patronato”, “Senhores do Dinheiro”, etc.) que neles pulula. Nada contra. É o seu papel, voluntário e convicto. Essa incitação faz parte. Agora, quando este tom aparece em notícias, daquelas supostamente tão simples e neutras que podem aparecer órfãs de autor, ou assinadas com um simples “R.”, é outra loiça incitante.

Ontem, no Expresso online, vinha exactamente isto: em destaque na primeira página, um título sugestivo, “Motorista de Relvas recebe 73 mil euros”. Seguimos o link e descobrimos uma posta de 6 linhas, repescada de um outro periódico seu concorrente, o Correio da Manhã. “O motorista (…) tem um contrato que prevê o pagamento de 73 mil euros num prazo de três anos.”

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Apresentação/Um povo contra si mesmo

Antes mesmo de me apresentar, vejo-me na obrigação de agradecer ao João pelo amável convite para este desafio de participar no Cousas que, concordarão, vem atingindo um nível geral em todos os artigos muito elevado, o que ganha relevo em particular ao compararmo-lo com outros blogs bem mais reputados...

Chamo-me Luís, estou a versar Economia, no ISEG e sou um liberal em formação, em dois sentidos: um, estou ainda a moldar o meu próprio framework ideológico; dois, a aprender sobre o liberalismo, as ideias, autores, mitos e desmitos associados. Se acredito que toda a abordagem séria e não-sofística não passa deste ponto, espero que a falta de sofisticação da minha não dê demasiado peso ao outlier que representarei na minha contribuição para o blog.

---

Macroeconomia 101: Uma definição para uma economia eficiente: é aquela em que “todas as oportunidades para melhorar a situação de alguém sem piorar a de outrém são aproveitadas”. Urge não misturar este conceito de eficiência com o de produtividade, principalmente a do trabalho...

Uma das propaladas putativas razões para termos chegado a esta crise é a nossa produtividade muito baixa, que confere uma desvantagem competitiva à nossa economia inserida nos vários mercados globais. Parece óbvio que tudo está por melhorar nesta matéria - é a dita e redita história:

- Não, frau Merkel, o Zé trabalha bem mais do que vós!
- Und? A questão é que arbeitam pior.

E mesmo se olharmos apenas para algo tão redutor como a proxy variable para a produtividade do trabalho, produto/homem-hora, e mesmo se esquecermos milhares de outros factores que contribuem, no nosso caso, para o seu desvalor... não é preciso puxar muito pela cabeça para se lembrar de uns quantos exemplos de conhecidos seus peritos em gerar “homem-horas” perdidas, não é assim?

Isto é, a nossa ética de trabalho, parte integrante da nossa cultura, apresenta-se, ainda que discutivelmente, como uma de muitas causas para este défice de produtividade, o que, importa sublinhar, é sustentado por ser um “problema” comum às culturas ditas mediterrânicas, mais semelhantes à nossa - curiosamente ou talvez não, salvo o caso da Irlanda, as que se vêem mais “aflitas” neste período. Ainda mais curioso é que os próprios dados para o referido e redutor produto/homem-hora são relativamente sugestivos: Grécia, Portugal, Itália e Espanha apresentam todos valores abaixo da média da zona euro e excepto no caso hermano, também da OCDE, cujo valor se situa acima de países como o Reino Unido e a Finlândia.

No fundo, tudo isto vai ao encontro do estéril discurso do “Temos que trabalhar mais, produzir mais e melhor(...)”, também pela brigada do bolo-rei aventado...

“Que monstruoso animal é aquele que se causa horror a si mesmo, que é manchado pelos seus prazeres, como se condena à desdita!”

- Voltaire

(Um dos bónus que traz ler Savater, essa espécie de Carl Sagan, ou já agora, Nuno Crato da filosofia, é que cada capítulo é uma colecção de interessantes citações...)

Agora, convém aferir se é efectivamente “mudar” uma parte de uma forma de estar na vida aquilo que, de um modo geral, a psique do povo português almeja, aliás, if it all came down to this, seria mais que legítimo não ser o caso (na minha opinião, seria até salutar, se não do ponto de vista ético, pelo menos do estético). O que não podemos ter é o que actualmente, mais do que noutras ocasiões, se verifica, que é uma certa existência esquizofrénica - estamos, como um todo, constantemente a surpreender-nos com certas coisas que nada de novo têm, sem querer perceber que cada efeito tem a sua causa.

Queremos passar a ponte para ir à praia sem nos dignarmos a pagar portagem como quem o faz por obrigação. Queremos que nos emprestem dinheiro a juros simbólicos sem nos dignarmos pagar o que já emprestaram. Queremos bons políticos sem nos dignarmos a votar. Queremos ter saúde “à borla”, transportes quase, água e luz baratas, sem nos dignarmos a pagar o básico de impostos. Queremos emprego (direitos), mas não queremos trabalhar (deveres)? Et cetera.

Mais, exigimos.

Basicamente, estamos convictos de que as omoletes têm a obrigação, no mínimo moral, ou até, por vezes, legal, vide a divina lei de St.ª Constituição, de aparecer na frigideira, independentemente de lá pormos ovos ou não. E se por um lado censuramos veemente certas atitudes, principalmente quando limitadas a grupos restritos, temos dificuldade em não compactuar com elas no quotidiano, em consonância com o seu enraizamento cultural.

A génese deste tipo de atitude parece-me a mesma da tal “work ethic” à portuguesa. Ouve-se muito, no entanto, a teoria de que isso é imutável, porque não podemos perder a nossa identidade como povo, somos quem somos e não queremos imitar a “ética protestante”, nem a “ambição americana”, ou a “dedicação oriental”. I don’t buy this - acho que podemos ampliar os numerosos exemplos bem portugueses de trabalho em quantidade e em qualidade, a uma fatia maior da nossa sociedade, sem perder a nossa identidade... mas o facto é que me soa lógico que a nossa situação pode ser melhorada independentemente da propalada melhoria da produtividade.

Isto é, por um lado, seria importante caminhar no sentido de apaziguar a esquizofrenia de expectativas, isto é, não tem mal nenhum sermos, como levemente referi, “assim e pronto”, desde que aceitando o que isso acarreta, ou vivendo apenas com o que isso permite.

Por outro, é sobretudo no aumento da eficiência da nossa small open economy que devemos pensar. Parece óbvio, mas a verdade é que, embrulhando-nos noutras discussões, amiúde este ponto a meu ver essencial é esquecido. O próprio “triunvirato” referiu isto como fundamental (simbolicamente falando, o termo eficiência aparece 20x no memorando de entendimento, vs. 1x produtividade). Sob uma lógica de maior abertura e transparência dos mercados, aumentando simultaneamente a liberdade de escolha não no demagógico-conservador, mas no verdadeiro sentido do termo, dos consumidores e empresas, para as quais as guidelines para as reformas em sectores como o da justiça e o da supervisão, o energético, ou o dos transportes apontam, o aumento da eficiência na nossa economia, ou daquilo que conseguimos ganhar e fazer com o que ganhamos, atendendo ao que a nossa work ethic e cultura, que se traduzem, também, em demasiados free riders, nos permitem.

Naturalmente, mesmo por aqui, alguns velhos hábitos se atravessam no caminho...