quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Apresentação/Um povo contra si mesmo

Antes mesmo de me apresentar, vejo-me na obrigação de agradecer ao João pelo amável convite para este desafio de participar no Cousas que, concordarão, vem atingindo um nível geral em todos os artigos muito elevado, o que ganha relevo em particular ao compararmo-lo com outros blogs bem mais reputados...

Chamo-me Luís, estou a versar Economia, no ISEG e sou um liberal em formação, em dois sentidos: um, estou ainda a moldar o meu próprio framework ideológico; dois, a aprender sobre o liberalismo, as ideias, autores, mitos e desmitos associados. Se acredito que toda a abordagem séria e não-sofística não passa deste ponto, espero que a falta de sofisticação da minha não dê demasiado peso ao outlier que representarei na minha contribuição para o blog.

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Macroeconomia 101: Uma definição para uma economia eficiente: é aquela em que “todas as oportunidades para melhorar a situação de alguém sem piorar a de outrém são aproveitadas”. Urge não misturar este conceito de eficiência com o de produtividade, principalmente a do trabalho...

Uma das propaladas putativas razões para termos chegado a esta crise é a nossa produtividade muito baixa, que confere uma desvantagem competitiva à nossa economia inserida nos vários mercados globais. Parece óbvio que tudo está por melhorar nesta matéria - é a dita e redita história:

- Não, frau Merkel, o Zé trabalha bem mais do que vós!
- Und? A questão é que arbeitam pior.

E mesmo se olharmos apenas para algo tão redutor como a proxy variable para a produtividade do trabalho, produto/homem-hora, e mesmo se esquecermos milhares de outros factores que contribuem, no nosso caso, para o seu desvalor... não é preciso puxar muito pela cabeça para se lembrar de uns quantos exemplos de conhecidos seus peritos em gerar “homem-horas” perdidas, não é assim?

Isto é, a nossa ética de trabalho, parte integrante da nossa cultura, apresenta-se, ainda que discutivelmente, como uma de muitas causas para este défice de produtividade, o que, importa sublinhar, é sustentado por ser um “problema” comum às culturas ditas mediterrânicas, mais semelhantes à nossa - curiosamente ou talvez não, salvo o caso da Irlanda, as que se vêem mais “aflitas” neste período. Ainda mais curioso é que os próprios dados para o referido e redutor produto/homem-hora são relativamente sugestivos: Grécia, Portugal, Itália e Espanha apresentam todos valores abaixo da média da zona euro e excepto no caso hermano, também da OCDE, cujo valor se situa acima de países como o Reino Unido e a Finlândia.

No fundo, tudo isto vai ao encontro do estéril discurso do “Temos que trabalhar mais, produzir mais e melhor(...)”, também pela brigada do bolo-rei aventado...

“Que monstruoso animal é aquele que se causa horror a si mesmo, que é manchado pelos seus prazeres, como se condena à desdita!”

- Voltaire

(Um dos bónus que traz ler Savater, essa espécie de Carl Sagan, ou já agora, Nuno Crato da filosofia, é que cada capítulo é uma colecção de interessantes citações...)

Agora, convém aferir se é efectivamente “mudar” uma parte de uma forma de estar na vida aquilo que, de um modo geral, a psique do povo português almeja, aliás, if it all came down to this, seria mais que legítimo não ser o caso (na minha opinião, seria até salutar, se não do ponto de vista ético, pelo menos do estético). O que não podemos ter é o que actualmente, mais do que noutras ocasiões, se verifica, que é uma certa existência esquizofrénica - estamos, como um todo, constantemente a surpreender-nos com certas coisas que nada de novo têm, sem querer perceber que cada efeito tem a sua causa.

Queremos passar a ponte para ir à praia sem nos dignarmos a pagar portagem como quem o faz por obrigação. Queremos que nos emprestem dinheiro a juros simbólicos sem nos dignarmos pagar o que já emprestaram. Queremos bons políticos sem nos dignarmos a votar. Queremos ter saúde “à borla”, transportes quase, água e luz baratas, sem nos dignarmos a pagar o básico de impostos. Queremos emprego (direitos), mas não queremos trabalhar (deveres)? Et cetera.

Mais, exigimos.

Basicamente, estamos convictos de que as omoletes têm a obrigação, no mínimo moral, ou até, por vezes, legal, vide a divina lei de St.ª Constituição, de aparecer na frigideira, independentemente de lá pormos ovos ou não. E se por um lado censuramos veemente certas atitudes, principalmente quando limitadas a grupos restritos, temos dificuldade em não compactuar com elas no quotidiano, em consonância com o seu enraizamento cultural.

A génese deste tipo de atitude parece-me a mesma da tal “work ethic” à portuguesa. Ouve-se muito, no entanto, a teoria de que isso é imutável, porque não podemos perder a nossa identidade como povo, somos quem somos e não queremos imitar a “ética protestante”, nem a “ambição americana”, ou a “dedicação oriental”. I don’t buy this - acho que podemos ampliar os numerosos exemplos bem portugueses de trabalho em quantidade e em qualidade, a uma fatia maior da nossa sociedade, sem perder a nossa identidade... mas o facto é que me soa lógico que a nossa situação pode ser melhorada independentemente da propalada melhoria da produtividade.

Isto é, por um lado, seria importante caminhar no sentido de apaziguar a esquizofrenia de expectativas, isto é, não tem mal nenhum sermos, como levemente referi, “assim e pronto”, desde que aceitando o que isso acarreta, ou vivendo apenas com o que isso permite.

Por outro, é sobretudo no aumento da eficiência da nossa small open economy que devemos pensar. Parece óbvio, mas a verdade é que, embrulhando-nos noutras discussões, amiúde este ponto a meu ver essencial é esquecido. O próprio “triunvirato” referiu isto como fundamental (simbolicamente falando, o termo eficiência aparece 20x no memorando de entendimento, vs. 1x produtividade). Sob uma lógica de maior abertura e transparência dos mercados, aumentando simultaneamente a liberdade de escolha não no demagógico-conservador, mas no verdadeiro sentido do termo, dos consumidores e empresas, para as quais as guidelines para as reformas em sectores como o da justiça e o da supervisão, o energético, ou o dos transportes apontam, o aumento da eficiência na nossa economia, ou daquilo que conseguimos ganhar e fazer com o que ganhamos, atendendo ao que a nossa work ethic e cultura, que se traduzem, também, em demasiados free riders, nos permitem.

Naturalmente, mesmo por aqui, alguns velhos hábitos se atravessam no caminho...

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