Outro mau exemplo é o termo que a imprensa conseguiu fazer com que se banalizasse como a tradução geralmente aceite para junk – “lixo”. O significado que junk assume é normalmente bastante mais próximo da nossa “tralha”, algo que já não serve, sendo utilizado para designar “lixo” mais raramente.
Consultando o dicionário Inglês/Português da Porto Editora observamos que antes de “lixo”, aparecem os termos “1. tralha; 2. Ferro-velho, artigos em segunda mão, velharias de pouco valor”. A entrada remete até para a definição “económica”: “junk bond – obrigação de alto risco”. (Também consta o seguinte: “calão (droga) - cavalo”. Já agora, também não ficava mal nas parangonas «Portugal é o cavalo dos investidores»…)
Dir-me-ão, “bem, mas tralha não é muito melhor do que lixo. E isso não iliba as agências de rating de (inserir teoria, mais ou menos conspirativa, aqui)” Pois não, mas that’s not the point here. Compreendamos que o esquema segundo o qual os famosos “ratings da República” são atribuídos pretende, à partida, permitir a um investidor identificar de forma instantânea o risco associado a uma determinada obrigação (risk-free, o emitente é obrigado a reembolsar o seu portador no seu valor facial na data em que vence) – i.e. por oposição a acção. Daí haver uma gama de notações, abaixo de um certo nível, chamado “especulativo”, que são associadas a obrigações que o ratador considera não ser certo que possam ser reembolsadas totalmente na sua maturidade – e (isto pode ser rebuscado) das quais um investidor que pretenda manter a sua carteira risk-free se deve livrar (lembram-se da definição?).
A verdade é que a opção pelo lixo versus tralha ou eventualmente cavalo não foi arbitrária.
Faz parte das pequenas acções que contribuem, sim, para atear a fogueira da “caça as bruxas”, a das paixões patrioteiras (que contribuem, por sua vez, para um certo esbater do patriotismo, já para não falar do europeísmo). Se é verdade que esta pode ter associada uma “externalidade positiva” como válvula de escape para o stress acumulado, o que, dizem os entendidos, é fundamental neste tipo de momentos históricos “complicados”, constitui aquilo que é essencialmente uma enorme interferência no sinal entre a realidade e o seu entendimento pelas pessoas, o que, suponho, não será grandemente benéfico.
Podemos até presumir que se não fosse essa infeliz decisão, não teríamos tido a oportunidade de ouvir “senadores” tão inteligentes proferir declarações tão idiotas como “Mas quem são esses senhores para dizer que Portugal é um lixo? Lixo são V. Exas.!”.
É certo que como qualquer sector de actividade, também os media arcam com a sua quota-parte de “pontapés” da crise. E não será ninguém senão os da própria classe a ter real legitimidade para pregar sobre ética profissional por parte dos jornalistas na sua actividade, pelo menos em particular. But come on!
Complementando o que tu dizes, não é nada inocente passar de «a dívida portuguesa é lixo/tralha» para «Portugal é lixo/tralha», como se ouve por aí.
ResponderEliminarA dívida pública é transformada num símbolo nacional, quase ao nível da bandeira ou do hino, e passa a representar todos os portugueses.
Com isto transforma-se as agências de «rating» dizerem que é muito arriscado investir na nossa dívida para as agências de «rating» dizerem que os portugueses são lixo.
E acaba a discutir-se isso, em vez do conteúdo do relatório, que, já agora, convinha ler e perceber, por muitos problemas que haja com a regulação actual das agências de «rating».
Very true, também queria focar isso mas passou-me, fiquei só pela referência ao Só... Mas repara, "Portugal é tralha" não tinha pegado como pega "Portugal é LIXO".
ResponderEliminarComo é normal, confunde-se a núvem por Juno! A maior tristeza é que a maior parte nem sabe o mais grave da notação de lixo.
ResponderEliminarUma vez que muitos fundos são obrigados a vender todos os titulos que tenham em determinado país se este tiver a classificação de lixo.
Logo a espiral da fuga dos capitais vem por ai...
E até podem ser obrigados por lei a fazê-lo, por a lei forçar esses investidores institucionais a seguir as notações de certas agências de «rating» específicas (aquelas que tenham uma licença especial qualquer).
ResponderEliminarA suprema ironia é que ao fundo da Segurança Social aplica-se uma regra similar.
ResponderEliminarMas aquilo que permitiu que essas regras se difundissem, ao que sei, tem muito a ver com isto: enquanto as notas eram óptimas, era óptimo tê-las porque dava acesso a mundos, mas principalmente a fundos...
Não sabia, mas faz sentido. As agências de rating são necessárias mas precisam de funcionar com regras mais claras.
EliminarFazendo menos politica e mais análise de mercado:)
É triste concluir que a maioria nada "bem a leste" dos que se passa. A única certeza que têm é que estão pobres, ao contrário do quu o PM disse.
ResponderEliminarAntes fazer parte de uma minoria forte do que de uma maioria fraca:)
Eliminar