1. Miguel Relvas demitiu-se. Nuno Crato, Ministro do mesmo Governo, disse que, mesmo não sendo ilegal, ter um curso em que 160 de 180 créditos eram dados por equivalência com base em sabe-se lá o quê era um abuso. Miguel Relvas demitiu-se e agora o Governo vai ter um novo Ministro dos Assuntos Parlamentares. São boas notícias. O Governo precisa de alguém com capacidade para a pasta da coordenação política, e precisa de dar novo fôlego ao processo de privatização da RTP 1.
2. O Tribunal Constitucional continua a tratar de forma igual aquilo que é diferente e a chamar àquilo que está a fazer «aplicar o princípio da igualdade», tanto quanto consegui perceber. Um acórdão de 200-300 páginas sem um sumário explicativo da decisão no início é inaceitável, a forma como foi anunciada a decisão foi um «show televisivo» de pobre qualidade, e, de acordo com o que vi, o Tribunal não se limita a ter fraca argumentação jurídica, tem também fraca argumentação económica e financeira, e imiscui-se por vezes na política. Fiquei com apetite para ler o acórdão, que cada vez mais me parece tão «bom» e «fundamentado» como o do ano passado.
3. A resposta do Governo ao acórdão do Tribunal Constitucional é perfeitamente legítima. O Primeiro Ministro veio prometer cortes na despesa. Pois bem, eu espero para ver. Quero vê-lo cumprir o que prometeu. De preferência, com anterior publicação de um Livro Branco sobre a Reforma do Estado, em condições, com versão completa e versão mais reduzida e portanto mais acessível a todos. De preferência, com anterior tomada de posição clara sobre aquilo para que serve o Estado, e, dado que é improvável que se altere a Constituição nos tempos mais próximos, sólida argumentação jurídico-constitucional, além de económica e política, para as reformas que se pretende fazer. Tudo isto é complexo e temos pouco tempo? Sim, com sempre. Teria ajudado ter-se começado por aí. Mas não se começou. Só que agora, tem de se fazer.
4. Quando se pensava que António José Seguro não podia demonstrar mais claramente a sua total falta de preparação para o cargo que ambiciona, eis que o próprio, depois de se declarar pronto para assumir a posição de PM no imediato, após eleições realizadas a breve trecho, torna evidente que não faz a mínima ideia de como resolveria o problema do buraco de 1,3 mil milhões de euros aberto pelo Tribunal Constitucional no OE 2013, e não explica onde cortaria na despesa, e não se compromete com baixar impostos - e, no fundo, continua sem se fazer a mínima ideia de qual é a alternativa financeira do PS a este Governo. Essa alternativa, e bato sistematicamente nesta tecla, devia vir num Orçamento Sombra. Só que para isso o PS tinha mesmo de já ter nomes para um eventual futuro Governo. E como se viu na moção de censura do PS, que deveria ter servido para apresentar esses nomes (como alternativa ao Governo actual), a única coisa que agora temos do PS é teatro. E nem sequer teatro de qualidade: uma tragicomédia política em que António José Seguro vai ameaçando o país com a possibilidade de se tornar PM. Como se nós já não tivéssemos problemas suficientes...
5. O Presidente da República já tornou claro que, neste momento, só teremos eleições se alguns aspirantes a Napoleão ou Maquiavel do PSD e do CDS-PP decidirem deitar abaixo o Governo. Isso são boas notícias. Juntar à crise económica e financeira uma dose elevada de instabilidade política não faz qualquer sentido. Quem quer que pense que o que é bom é andar a trocar de Governo como quem troca de peúgas, e se entretém a discutir esse tipo de coisas como se fossem banalidades, apenas me demonstra que tem as prioridades trocadas.
6. Ver na SIC Notícias José Gomes Ferreira dizer que ouviu de manhã que Vítor Gaspar estava "em baixo" com a decisão do Tribunal Constitucional, tratar isto como um grande furo jornalístico, e depois activamente conjecturar e especular com base nisto e com base no tema da conversa entre o PM e o Presidente da República ser relativa ao debate das maturidades da dívida portuguesa que o Ministro das Finanças se ia demitir, dizendo que estávamos a assistir a uma notícia a nascer em directo, diz demasiado sobre o estado da comunicação social em Portugal neste momento.
"Deve haver um dia em que a sociedade, como os indivíduos, chegue à maioridade." - Alexandre Herculano
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segunda-feira, 8 de abril de 2013
Miguel Relvas, Tribunal Constitucional, Governo, PS e notícias a serem feitas em directo
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domingo, 10 de fevereiro de 2013
Confusões em contínuo - reforma da comunicação social
Confundir uma linha de mercadorias com o TGV é um erro grosseiro que lança a confusão relativamente a um tema que teria bastado prestar o mínimo de atenção à política de transportes do Governo para se perceber que não fazia sentido. A linha de mercadorias não é novidade. Que tem por profissão acompanhar estes temas tinha a obrigação de saber isto, ou pelo menos de investigar o assunto (tal como no caso Baptista da Silva, não seria uma investigação complicada). Em vez disso, tivemos comentários a comentários a notícias e a comentários a uma notícia que estava, pura e simplesmente, errada.
Pior: mesmo depois de se perceber que está em causa uma linha de mercadorias, o tema continuou a ser tratado (pelo menos, foi o que eu ouvi), por certos títulos, com referências ao TGV, que, naturalmente, induzem em erro quem as lê. Nada disto contribui para um debate público saudável, nem para a credibilidade da comunicação social. Se subitamente nos virmos na contingência de investigar por nós próprios as notícias que lemos por nos parecer que há ali qualquer coisa que não faz sentido, em que medida é que a comunicação social estará a cumprir o seu papel de nos poupar, pelos menos em larga medida, esse trabalho?
Confusões em contínuo geram mais confusões, numa altura de crise em que finalmente se debatem temas tão fundamentais como a reforma do Estado, políticas orçamentais a médio e longo prazo, bem como aumentos de impostos e cortes na despesa de uma forma genérica. Conjugar estas confusões com o empolamento e a distorção de citações fora de contexto em que pessoas de carne e osso são caricaturadas sob a forma de terríveis vilões (Fernando Ulrich, Isabel Jonet) diminui a nossa capacidade de debater temas fundamentais (que também incluem, por exemplo, a reforma da UE). Acabamos a gastar recursos a desfazer confusões (ou a tentar, o que por vezes se revela complicado) e a clarificar afirmações tornadas polémicas e não a discutir as nossas opções de futuro.
É evidente que quaisquer afirmações públicas vão ser sujeitas a escrutínio público. É assim que as coisas funcionam quando há liberdade de expressão. Mas o tratamento jornalístico é um filtro que medeia aquilo que acontece e as pessoas, e que vai ajudar, e muito, a moldar e a balizar o debate, incluindo a definir prioridades no debate público. Confusões geradas pelo filtro geram confusões no debate, pelo que seria importante que os meios de comunicação social assumissem os erros que cometem e expliquem como vão tentar melhorar no futuro. E deve haver pressão para que existam essas melhorias, tendo em conta a situação do debate público em Portugal, a credibilidade da comunicação social, e mesmo a sua actual situação financeira e comercial.
Pior: mesmo depois de se perceber que está em causa uma linha de mercadorias, o tema continuou a ser tratado (pelo menos, foi o que eu ouvi), por certos títulos, com referências ao TGV, que, naturalmente, induzem em erro quem as lê. Nada disto contribui para um debate público saudável, nem para a credibilidade da comunicação social. Se subitamente nos virmos na contingência de investigar por nós próprios as notícias que lemos por nos parecer que há ali qualquer coisa que não faz sentido, em que medida é que a comunicação social estará a cumprir o seu papel de nos poupar, pelos menos em larga medida, esse trabalho?
Confusões em contínuo geram mais confusões, numa altura de crise em que finalmente se debatem temas tão fundamentais como a reforma do Estado, políticas orçamentais a médio e longo prazo, bem como aumentos de impostos e cortes na despesa de uma forma genérica. Conjugar estas confusões com o empolamento e a distorção de citações fora de contexto em que pessoas de carne e osso são caricaturadas sob a forma de terríveis vilões (Fernando Ulrich, Isabel Jonet) diminui a nossa capacidade de debater temas fundamentais (que também incluem, por exemplo, a reforma da UE). Acabamos a gastar recursos a desfazer confusões (ou a tentar, o que por vezes se revela complicado) e a clarificar afirmações tornadas polémicas e não a discutir as nossas opções de futuro.
É evidente que quaisquer afirmações públicas vão ser sujeitas a escrutínio público. É assim que as coisas funcionam quando há liberdade de expressão. Mas o tratamento jornalístico é um filtro que medeia aquilo que acontece e as pessoas, e que vai ajudar, e muito, a moldar e a balizar o debate, incluindo a definir prioridades no debate público. Confusões geradas pelo filtro geram confusões no debate, pelo que seria importante que os meios de comunicação social assumissem os erros que cometem e expliquem como vão tentar melhorar no futuro. E deve haver pressão para que existam essas melhorias, tendo em conta a situação do debate público em Portugal, a credibilidade da comunicação social, e mesmo a sua actual situação financeira e comercial.
terça-feira, 15 de janeiro de 2013
Reforma do Estado num minuto e meio!
Leio aqui, que a Conferência organizada por Sofia Galvão do PSD, para ouvir a sociedade civil tem limitações aos jornalistas.
Não podem gravar, nem citar sem expressa autorização dos próprios intervenientes.
A organização prontifica-se a oferecer minuto e meio de imagem e som!
Percebia isto se se estivesse a tratar de algo interno ao Partido, mas nesta questão é dificil de defender.
Se bem entendo a sociedade civil que pode participar e ouvir o que ali se passa é aquela tem a vida para estar presente no local.
Uma élite que pode tirar a terça-feira e não precisa de trabalhar e de governar a vida.
Quando o César me explicou o que era o PSD não era nada disto...
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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
O jornalismo português vai nu
Artur Baptista da Silva enganou uma série de gente, incluindo Nicolau Santos (mas também, por exemplo, a TSF), ao afirmar que era perito da ONU, e foi-lhe concedido amplo espaço mediático para apresentar um conjunto de teses sobre a crise e sobre a economia portuguesa.
Por esta altura, muito já foi escrito sobre o que se passou. Sobre a qualidade técnica das teses defendidas pelo suposto perito, remeto para o que a Priscila Rêgo disse no seu blogue. Quer a Priscila Rêgo, quer o João Miranda, no Blasfémias, mencionam o caso Sokal. É sobre a razão que os leva a falar deste caso (do qual também me lembrei ao ler sobre este caso) que gostaria de deixar umas pinceladas.
Artur Baptista da Silva apresentou-se como trabalhando para o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, ao abrigo do qual viria constituir um Observatório da ONU em Portugal, relativo aos países com programas de ajustamento. Esta história, desde logo, não bate certo. O PDNU (como terá a oportunidade de ver quem clicar no «link») trata de países em desenvolvimento, ajudando-os a combater a pobreza extrema, a criar mecanismos de governança democrática, a lutar contra a SIDA, etc.
O PDNU não tem presença em Portugal ou na Grécia, nem as condições desses países se comparam com as condições da Somália, da Papua Nova Guiné, ou mesmo do Perú e de países da Europa de Leste. No entanto, a forma como o empobrecimento do país tem sido tratado, e empolado, leva a que quase pareça um corolário das teses muito difundidas entre os nossos comentadores que o PDNU aqui viesse estabelecer um observatório. Também aqui, como no resto, o burlão parece ter dito o que se queria ouvir - o facto desta intervenção da ONU ser pouco plausível quando se para um bocadinho para pensar, além de nada publicitada pela própria ONU, não parece ter sido relevante.
De seguida, temos o cartão de visita do suposto membro da ONU, que inclui um e-mail do Gmail. Acredito que Nicolau Santos não tenha reparado neste pormenor, e que o cartão lhe pareceu tão legítimo como qualquer outro cartão para o qual olhasse sem ver e fosse rectangular com os símbolos mais ou menos certos e o nome que se estava à espera. Acredito também que Nicolau Santos não tenha pensado muito no assunto. E acredito, porque ele próprio o confirmou, que Nicolau Santos não tenha verificado a informação que lhe era passada por alguém munido do tal cartão com e-mail do Gmail para o qual ele deve ter olhado sem grande atenção.
Essa verificação, no mundo com o Internet, poderia passar por uma pesquisa no Google. Nem isso. Nem sabendo que ia entrevistar o referido Artur Baptista da Silva o director adjunto do Expresso e comentador de Economia da Antena 1 fez uma mísera pesquisa no Google (com a qual se pode aprender muito, nos dias que correm), ou tentou confirmar com a ONU a história de Artur Baptista da Silva. Também não teve este cuidado porque Artur Baptista da Silva tinha, ao que parece, uma posição económica coerente (remeto de novo para Priscila Rêgo) - principalmente, julgo eu, coerente com o que Nicolau Santos pensa e vem defendendo (e quem diz Nicolau Santos, diz muito boa gente que tem comentado a situação económica e financeira do país) - fica a dúvida se o procedimento teria sido o mesmo em relação a alguém que sufragasse posições diferentes.
Com a sua falta de profissionalismo gritante, quer ao nível da falta de confirmação das suas fontes, quer ao nível da sua falta de preparação para uma entrevista, Nicolau Santos deu um pódio a um burlão, e abriu as portas para que este fosse citado um pouco por todo o lado. Com a sua falta de profissionalismo gritante, Nicolau Santos reduziu a sua credibilidade a zero, porque ficamos sem saber se isto é procedimento habitual ou não - e, de qualquer forma, quem comete um erro crasso destes uma vez, pode bem cometê-lo outra vez, e pode bem tê-lo cometido antes, mas sem o erro ter sido apanhado. E nada foi feito para apurar se isto é procedimento habitual, esta negligência e este desmazelo, ou não - nem houve quaisquer consequências para Nicolau Santos, que ainda hoje de novo ouvi a cumprir o seu papel de comentador económico da Antena 1.
Nicolau Santos demonstrou muita falta de cuidado no tratamento da informação que recebe. Demonstrou que o que parece útil é ter autoridades para conferir aparente seriedade a análises superficiais (e não fazer análises substantivas). Mostrou que não prepara convenientemente as suas entrevistas nem confere as suas fontes. E, por fim, parece considerar que um mero «ups, enganei-me, mas podia ter acontecido a toda a gente!» é suficiente num caso de burla deste género, em que é apanhado de calças na mão num nível de incompetência a roçar o amadorismo puro.
O que aconteceu a Nicolau Santos aconteceu, de facto, a mais gente. Aconteceu a mais gente que ignorou deveres deontológicos básicos do jornalismo. Mas isso não torna o caso menos maus para Nicolau Santos. Antes pelo contrário. Torna-o pior - e para o jornalismo português. O que Artur Baptista da Silva veio demonstrar é que o jornalismo português vai nu. E que qualquer um com um cartão mal amanhado e boas cantigas consegue lugar de destaque no Expresso da Meia Noite.
Por esta altura, muito já foi escrito sobre o que se passou. Sobre a qualidade técnica das teses defendidas pelo suposto perito, remeto para o que a Priscila Rêgo disse no seu blogue. Quer a Priscila Rêgo, quer o João Miranda, no Blasfémias, mencionam o caso Sokal. É sobre a razão que os leva a falar deste caso (do qual também me lembrei ao ler sobre este caso) que gostaria de deixar umas pinceladas.
Artur Baptista da Silva apresentou-se como trabalhando para o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, ao abrigo do qual viria constituir um Observatório da ONU em Portugal, relativo aos países com programas de ajustamento. Esta história, desde logo, não bate certo. O PDNU (como terá a oportunidade de ver quem clicar no «link») trata de países em desenvolvimento, ajudando-os a combater a pobreza extrema, a criar mecanismos de governança democrática, a lutar contra a SIDA, etc.
O PDNU não tem presença em Portugal ou na Grécia, nem as condições desses países se comparam com as condições da Somália, da Papua Nova Guiné, ou mesmo do Perú e de países da Europa de Leste. No entanto, a forma como o empobrecimento do país tem sido tratado, e empolado, leva a que quase pareça um corolário das teses muito difundidas entre os nossos comentadores que o PDNU aqui viesse estabelecer um observatório. Também aqui, como no resto, o burlão parece ter dito o que se queria ouvir - o facto desta intervenção da ONU ser pouco plausível quando se para um bocadinho para pensar, além de nada publicitada pela própria ONU, não parece ter sido relevante.
De seguida, temos o cartão de visita do suposto membro da ONU, que inclui um e-mail do Gmail. Acredito que Nicolau Santos não tenha reparado neste pormenor, e que o cartão lhe pareceu tão legítimo como qualquer outro cartão para o qual olhasse sem ver e fosse rectangular com os símbolos mais ou menos certos e o nome que se estava à espera. Acredito também que Nicolau Santos não tenha pensado muito no assunto. E acredito, porque ele próprio o confirmou, que Nicolau Santos não tenha verificado a informação que lhe era passada por alguém munido do tal cartão com e-mail do Gmail para o qual ele deve ter olhado sem grande atenção.
Essa verificação, no mundo com o Internet, poderia passar por uma pesquisa no Google. Nem isso. Nem sabendo que ia entrevistar o referido Artur Baptista da Silva o director adjunto do Expresso e comentador de Economia da Antena 1 fez uma mísera pesquisa no Google (com a qual se pode aprender muito, nos dias que correm), ou tentou confirmar com a ONU a história de Artur Baptista da Silva. Também não teve este cuidado porque Artur Baptista da Silva tinha, ao que parece, uma posição económica coerente (remeto de novo para Priscila Rêgo) - principalmente, julgo eu, coerente com o que Nicolau Santos pensa e vem defendendo (e quem diz Nicolau Santos, diz muito boa gente que tem comentado a situação económica e financeira do país) - fica a dúvida se o procedimento teria sido o mesmo em relação a alguém que sufragasse posições diferentes.
Com a sua falta de profissionalismo gritante, quer ao nível da falta de confirmação das suas fontes, quer ao nível da sua falta de preparação para uma entrevista, Nicolau Santos deu um pódio a um burlão, e abriu as portas para que este fosse citado um pouco por todo o lado. Com a sua falta de profissionalismo gritante, Nicolau Santos reduziu a sua credibilidade a zero, porque ficamos sem saber se isto é procedimento habitual ou não - e, de qualquer forma, quem comete um erro crasso destes uma vez, pode bem cometê-lo outra vez, e pode bem tê-lo cometido antes, mas sem o erro ter sido apanhado. E nada foi feito para apurar se isto é procedimento habitual, esta negligência e este desmazelo, ou não - nem houve quaisquer consequências para Nicolau Santos, que ainda hoje de novo ouvi a cumprir o seu papel de comentador económico da Antena 1.
Nicolau Santos demonstrou muita falta de cuidado no tratamento da informação que recebe. Demonstrou que o que parece útil é ter autoridades para conferir aparente seriedade a análises superficiais (e não fazer análises substantivas). Mostrou que não prepara convenientemente as suas entrevistas nem confere as suas fontes. E, por fim, parece considerar que um mero «ups, enganei-me, mas podia ter acontecido a toda a gente!» é suficiente num caso de burla deste género, em que é apanhado de calças na mão num nível de incompetência a roçar o amadorismo puro.
O que aconteceu a Nicolau Santos aconteceu, de facto, a mais gente. Aconteceu a mais gente que ignorou deveres deontológicos básicos do jornalismo. Mas isso não torna o caso menos maus para Nicolau Santos. Antes pelo contrário. Torna-o pior - e para o jornalismo português. O que Artur Baptista da Silva veio demonstrar é que o jornalismo português vai nu. E que qualquer um com um cartão mal amanhado e boas cantigas consegue lugar de destaque no Expresso da Meia Noite.
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
O debate europeu
A atenção mediática ao debate europeu é praticamente inexistente. A preocupação com as discussões em torno de temas tão relevantes como a possível eleição directa do Presidente da Comissão, com a proposta da Comissão para (entre outras coisas) a futura criação de um Tesouro da Eurozona, com a reforma eleitoral a nível europeu, e muitos outros, não se vê. É dada mais relevância a notícias sobre leilões do corpete da Madonna que a questões europeias com esta relevância.
Os nossos meios de comunicação social continuam a tratar questões europeias como se fossem questões «de fora», muitas vezes como se apenas indirectamente nos dissessem respeito. Esse tratamento enviesa a forma como as pessoas vêem a União Europeia e ajuda, também ele, a promover um afastamento generalizado da população em relação aos grandes debates europeus. Estes, infelizmente, pura e simplesmente não são prioridades mediáticas.
Quando eventualmente há alguma cobertura, a perspectiva transmitida é paroquial. A narrativa é simplista e, fora de programas de debate muito especializados (e mesmo aí, é preciso sorte nos participantes), ignora os grandes argumentos e as grandes a serem debatidas. Há distorções inadmissíveis. As várias posições em jogo são apresentadas em planos inclinados e, de novo, muitas vezes distorcidas. Conta-se uma história e ignora-se aquilo que não entre nela.
Não há, obviamente, nenhuma conspiração. O que me parece é que há é uma gritante ignorância sobre temas europeus, bem como um enorme desinteresse em relação a eles por parte do meio que trata das notícias. O resultado é o afastamento desses temas as primeiras páginas, a sua apresentação com erros de palmatória (no que ajuda a queda para os títulos bombásticos, mas enganadores), ou a forma como pura e simplesmente se ignoram temas que, na verdade, têm impacto directo na qualidade do sistema político, económico e social europeu e, portanto, mesmo que indirectamente, na qualidade de vida das pessoas.
A meu ver, a proposta da Comissão para a futura criação de um Tesouro da Eurozona, a proposta da criação de uma união bancária, o próprio Tratado Orçamental, nada disto tem sido verdadeiramente explicado ao grande público pelos meios de comunicação social, nem lhe tem sido dada a relevância editorial e jornalística que merece. A secundarização do debate europeu pelos meios de comunicação social de massas é mais uma das causas de afastamento dos cidadãos europeus em relação às instituições europeias e à União Europeia.
Num momento em que o debate europeu atingiu um ponto crítico, em que se fala inclusivamente de haver uma Convenção em 2014, é fundamental os cidadãos europeus estarem atentos e informados sobre os grandes temas em discussão. É importantíssimo para o bom funcionamento da democracia. Nisto, os meios de comunicação social têm um papel crucial a desempenhar, tal como a sociedade civil organizada e os próprios partidos políticos.
A comunicação social continuar desleixada no cumprimento do seu papel a este nível é um problema importante para o futuro da União Europeia.
Os nossos meios de comunicação social continuam a tratar questões europeias como se fossem questões «de fora», muitas vezes como se apenas indirectamente nos dissessem respeito. Esse tratamento enviesa a forma como as pessoas vêem a União Europeia e ajuda, também ele, a promover um afastamento generalizado da população em relação aos grandes debates europeus. Estes, infelizmente, pura e simplesmente não são prioridades mediáticas.
Quando eventualmente há alguma cobertura, a perspectiva transmitida é paroquial. A narrativa é simplista e, fora de programas de debate muito especializados (e mesmo aí, é preciso sorte nos participantes), ignora os grandes argumentos e as grandes a serem debatidas. Há distorções inadmissíveis. As várias posições em jogo são apresentadas em planos inclinados e, de novo, muitas vezes distorcidas. Conta-se uma história e ignora-se aquilo que não entre nela.
Não há, obviamente, nenhuma conspiração. O que me parece é que há é uma gritante ignorância sobre temas europeus, bem como um enorme desinteresse em relação a eles por parte do meio que trata das notícias. O resultado é o afastamento desses temas as primeiras páginas, a sua apresentação com erros de palmatória (no que ajuda a queda para os títulos bombásticos, mas enganadores), ou a forma como pura e simplesmente se ignoram temas que, na verdade, têm impacto directo na qualidade do sistema político, económico e social europeu e, portanto, mesmo que indirectamente, na qualidade de vida das pessoas.
A meu ver, a proposta da Comissão para a futura criação de um Tesouro da Eurozona, a proposta da criação de uma união bancária, o próprio Tratado Orçamental, nada disto tem sido verdadeiramente explicado ao grande público pelos meios de comunicação social, nem lhe tem sido dada a relevância editorial e jornalística que merece. A secundarização do debate europeu pelos meios de comunicação social de massas é mais uma das causas de afastamento dos cidadãos europeus em relação às instituições europeias e à União Europeia.
Num momento em que o debate europeu atingiu um ponto crítico, em que se fala inclusivamente de haver uma Convenção em 2014, é fundamental os cidadãos europeus estarem atentos e informados sobre os grandes temas em discussão. É importantíssimo para o bom funcionamento da democracia. Nisto, os meios de comunicação social têm um papel crucial a desempenhar, tal como a sociedade civil organizada e os próprios partidos políticos.
A comunicação social continuar desleixada no cumprimento do seu papel a este nível é um problema importante para o futuro da União Europeia.
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terça-feira, 27 de novembro de 2012
O rumor
Já ouviu o rumor?
Sim, sim, esse mesmo. O rumor.
Diz que sim, diz que sim.
Li no jornal - e já me falaram disso, um amigo meu que viu na Internet. No Facebook, algures.
Pois. O rumor prova isso mesmo. Claro. Sim.
Do rumor retira-se que as pessoas más são más e que há uma conspiração.
Claro. Sim.
Pois, as sombras estão cada vez mais escuras. Sim. Basta ver o rumor. E o outro rumor, o anterior. E o rumor contraditório de 5.ª feira passada, que também aponta para algo de mau, mas diferente e incompatível com a do rumor actual.
Sim, claro, o que importa é que os rumores apontam todos para o mesmo.
Naturalmente.
Nem é preciso estar lá - basta conhecer bem os rumores e preencher o resto com aquilo que se sabe por ser do senso comum. E pronto.
Sim, sim.
E assim se formam certezas absolutas. Com a mais forte das bases.
O rumor.
Sim, sim, esse mesmo. O rumor.
Diz que sim, diz que sim.
Li no jornal - e já me falaram disso, um amigo meu que viu na Internet. No Facebook, algures.
Pois. O rumor prova isso mesmo. Claro. Sim.
Do rumor retira-se que as pessoas más são más e que há uma conspiração.
Claro. Sim.
Pois, as sombras estão cada vez mais escuras. Sim. Basta ver o rumor. E o outro rumor, o anterior. E o rumor contraditório de 5.ª feira passada, que também aponta para algo de mau, mas diferente e incompatível com a do rumor actual.
Sim, claro, o que importa é que os rumores apontam todos para o mesmo.
Naturalmente.
Nem é preciso estar lá - basta conhecer bem os rumores e preencher o resto com aquilo que se sabe por ser do senso comum. E pronto.
Sim, sim.
E assim se formam certezas absolutas. Com a mais forte das bases.
O rumor.
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sexta-feira, 9 de novembro de 2012
Até o CL sucumbe à metafilosofia da bica
Isabel Jonet não disse nada de útil naqueles minutos "horribilis". Disparou meia dúzia de "truísmos" moralistas cuja carapuça servirá concerteza a muitos, porém certamente a sua visão do que são os grandes desafios do país não passa pela redução do consumo de bifes. Não é propriamente algo raro na cena do "debate" público que pessoas com os melhores backgrounds dediquem tempo na imprensa a conversa de café, pelo que em condições normais aquele momento seria alvo da chacota de quem estivesse por acaso refastelado no sofá a ver a 5 naquela noite e nada mais.
Mais non! Meia dúzia de youtube's e petições online depois, já aquilo se transformara num "episódio" ou mesmo num "caso" que surge como um dos hot topics da semana, sendo motivo de profunda indignação por parte de indignados profissionais e amadores. Editoriais, artigos de opinião, notícias, comentários, cartas abertas de três páginas, blogs de indignados, blogs de dignados (ups, mea culpa aqui), "a fúria das redes sociais", enfim, uma discussão nacional profunda toma lugar sobre uma questão crucial e fracturante.
Mais non! Meia dúzia de youtube's e petições online depois, já aquilo se transformara num "episódio" ou mesmo num "caso" que surge como um dos hot topics da semana, sendo motivo de profunda indignação por parte de indignados profissionais e amadores. Editoriais, artigos de opinião, notícias, comentários, cartas abertas de três páginas, blogs de indignados, blogs de dignados (ups, mea culpa aqui), "a fúria das redes sociais", enfim, uma discussão nacional profunda toma lugar sobre uma questão crucial e fracturante.
"Está-se a aproveitar da posição de presidente do Banco Alimentar para fazer política!", dizem uns escrevem uns em cartas abertas de três páginas. Isto é, há quem pense que dizer que "no meu tempo lavava-se os dentes com o copo", ou "temos que nos habituar a viver com menos", em Portugal é fazer política.
Dito de outra forma, chegamos a um momento curioso em que conversas nos cafés, táxis, caixas de comentário de sites de jornais, grupos de Facebook indignados e outros afins, se dedicam a analisar, debater e criticar a conversa dos cafés, táxis, caixas de comentários, etc. Ainda que a metafilosofia da bica pingada seja sem dúvida estimulante e salutar do ponto de vista teórico, parece-me algo improdutiva no presente contexto de emergência.
É a histeria de que aqui já falou o João a seguir o seu caminho alegremente. E já são palavras a mais gastas com isto, também aqui no CL.
É a histeria de que aqui já falou o João a seguir o seu caminho alegremente. E já são palavras a mais gastas com isto, também aqui no CL.
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sábado, 27 de outubro de 2012
Mais uns parágrafos sobre debate público
Jornalistas que comentam comentadores que comentam coisas que não viram, não ouviram ou não leram (se tivermos sorte, alguém lhes contou o que se passou em segunda mão). Com base em informação pública e em especulações assentes em presunções de má fé ou outros preconceitos vários, temos direito a ouvir toda a espécie de inflamados comentários sobre os mais variados temas, dos mais complexos aos mais simples.
O conteúdo útil desse tipo de comentários não é muito elevado, e o pouco que existe tende a dizer mais sobre os preconceitos e presunções do/a comentador/a do que sobre aquilo que ele/a está a comentar. No caso de temas particularmente complexos, em que há muitas variáveis em jogo, como se estivéssemos a jogar xadrez num tabuleiro com muitas dimensões, tende a ser particularmente confrangedor.
Outra coisa confrangedora é a incapacidade de muita gente admitir que não sabe, ou a convicção (real ou fictícia) com que fala sobre temas que pura e simplesmente não domina ou não conhece. Infelizmente, a convicção, mesmo que assente no maior dos vazios, parece vender mais que a humildade. Claro que, ao fim de algum tempo, aquilo que era visto como convicção poderá ser visto como arrogância, mas isso será uma degradação que demora tempo a acontecer.
É também curioso notar como as pessoas usam peritos, ou pessoas que se apresentam como tal, como guias para as suas próprias opiniões sobre temas que desconhecem. Claro que é impossível a toda a gente estudar tudo a um nível de profundidade imenso. Mas é importante conhecer pelo menos o suficiente do assunto para seguir o que o suposto perito diz e entender a sua posição, antes de a defender como se de uma verdade absoluta se tratasse.
Um problema é que a pessoa pode estar convencida que sabe o suficiente para avaliar quando, na verdade, não sabe. O resultado é a defesa tenaz de uma posição relativamente à qual não se tem informação suficiente para defender daquela forma, quase com base na fé. E quanto mais pessoas fizerem isto, maior é o efeito sistémico das opiniões de comentadores e «opinion makers» e maior o seu poder no contexto do debate público democrático. Sendo que, muitas vezes, não há debate entre «opinion makers» - há quase que uma «posição oficial» defendida por um comentador atrás do outro, e repetido como se numa câmara de eco nos encontrássemos.
Junte-se a este poder o poder da comunicação em geral para balizar e enquadrar os debates, a forma como esta não assume (em Portugal) as suas cores, tentando criar uma ilusão de isenção e objectividade absolutas, e temos um problema. Um problema que neste momento, para o bem e para o mal, está a ser resolvido pela Internet, onde a oferta de informação é variada e pode mesmo ser imediata. Discernir entre informação de qualidade e a relevar e informação sem qualidade e a não relevar é uma competência fundamental, ligada ao espírito crítico, a desenvolver neste contexto.
O espírito crítico é importante para penetrar nas, e ver além das, narrativas mediáticas que vão sendo construída e para resistir à tentação se seguir uma opinião porque se ouve essa opinião muitas vezes. Importante também é saber reconhecer quando pura e simplesmente não se sabe o suficiente para se ter convicções profundas sobre um determinado assunto, reconhecer que não basta repetir o que dizem uns peritos sem verdadeiramente saber avaliar o que esses peritos (ou supostos peritos) dizem.
É importante saber reconhecer que presunções de má fé com base em inferências a partir de notícias de jornal não são uma boa base para convicções sobre um determinado tema. É corrosivo para um debate público saudável partir sistematicamente do pressuposto que o outro lado está de má fé e que a única explicação racional para a sua actuação é essa má fé. É também arrogante, ao assumir que a única forma racional de fazer as coisas de boa fé é a da pessoa em causa, e é uma forma profundamente anti-democrática de pensar, porque facilmente se resvala daqui para o pensamento único e a legitimação de uma única política e um único conjunto de prioridades como «verdadeiramente democráticos».
Daí a ilegalizar/inconstitucionalizar os outros, o passo não é pequeno. Basta ver a nossa Constituição, em particular a versão original de 1976.
domingo, 21 de outubro de 2012
A ausência de debate
Os temas surgem e desaparecem. Esfumam-se em dias. Figuras dedicam-se a mediaticamente dizer as mesmas coisas sobre esses temas. Não há dois lados da questão. Há um lado. O lado a que adere uma quantidade imensa de comentadores na comunicação social. E esse lado é passado à opinião pública, para absorção, como se de uma verdade absoluta se tratasse. Ou de sabedoria convencional. E o tema desaparece como tema relevante, podendo ser mais tarde ressuscitado se der jeito para a opinião mediática quase unânime seguinte.
Isto não é um debate, mas é o que temos. Além de explicados muito superficialmente e, muitas vezes, com erros, os temas não são abordados como se existissem diversas visões. Antes pelo contrário, alinham-se supostos especialistas e comentadores que, na prática, dizem todos o mesmo, com raras excepções. O tema não é debatido, os méritos ou falta deles de uma proposta não são discutidos. Um ponto de vista, tendencialmente histérico e de crítica destrutiva, é apresentado não como opinião, mas sim quase como facto - dado que como factos são tratadas as opiniões das «autoridades» e comentadores.
O pouco tempo dedicado a cada tema na praça pública, a sua simplificação e muitas vezes descaracterização e transmissão de uma narrativa única à opinião pública sobre o tema significam que não temos debates públicos de qualidade em Portugal. A não ser que uma pessoa esteja mesmo interessada e invista em investigar o tema para aprender sobre ele, aquilo a que tem direito é uma espécie de opinião pré-formatada de plástico, que pouco serve para desenvolver uma opinião pública informada e crítica.
Claro que nunca teremos debates perfeitos. Mas podíamos, pelo menos, ter verdadeiros debates. O unanimismo e a subserviência com que são tratadas as opiniões de «autoridades» são um problema grave e enfraquecem a democracia.
A democracia saudável faz-se de vigorosas trocas de ideias, de debates que têm de durar mais tempo que um ou dois dias na praça pública. Os vários lados não podem ser ouvidos num plano inclinado, em que uma opinião, quase unânime, é colocada sobre o pedestal das ideias feitas incontestáveis.
A democracia saudável cria os mecanismos necessários para lidar com diversas correntes de opinião de forma pacífica. Mecanismos esses que promovem a saudável troca de ideias e a emergência de verdadeiros debates públicos sobre os temas, e que incluem uma comunicação social capaz de trazer valor acrescentado a esses debates, mostrando os vários argumentos dos vários lados.
O unanimismo das ideias feitas gera bloqueios, especialmente em tempos de crise, e é facilmente utilizado para impedir mudanças - quaisquer que elas sejam - e considerar toda e qualquer mudança como impensável e/ou intolerável. O resultado é rigidez, muita rigidez e, no limite, uma pura e simples quebra. Porque a realidade não se compadece com unanimismos, e as soluções sem custos são ilusões.
Isto não é um debate, mas é o que temos. Além de explicados muito superficialmente e, muitas vezes, com erros, os temas não são abordados como se existissem diversas visões. Antes pelo contrário, alinham-se supostos especialistas e comentadores que, na prática, dizem todos o mesmo, com raras excepções. O tema não é debatido, os méritos ou falta deles de uma proposta não são discutidos. Um ponto de vista, tendencialmente histérico e de crítica destrutiva, é apresentado não como opinião, mas sim quase como facto - dado que como factos são tratadas as opiniões das «autoridades» e comentadores.
O pouco tempo dedicado a cada tema na praça pública, a sua simplificação e muitas vezes descaracterização e transmissão de uma narrativa única à opinião pública sobre o tema significam que não temos debates públicos de qualidade em Portugal. A não ser que uma pessoa esteja mesmo interessada e invista em investigar o tema para aprender sobre ele, aquilo a que tem direito é uma espécie de opinião pré-formatada de plástico, que pouco serve para desenvolver uma opinião pública informada e crítica.
Claro que nunca teremos debates perfeitos. Mas podíamos, pelo menos, ter verdadeiros debates. O unanimismo e a subserviência com que são tratadas as opiniões de «autoridades» são um problema grave e enfraquecem a democracia.
A democracia saudável faz-se de vigorosas trocas de ideias, de debates que têm de durar mais tempo que um ou dois dias na praça pública. Os vários lados não podem ser ouvidos num plano inclinado, em que uma opinião, quase unânime, é colocada sobre o pedestal das ideias feitas incontestáveis.
A democracia saudável cria os mecanismos necessários para lidar com diversas correntes de opinião de forma pacífica. Mecanismos esses que promovem a saudável troca de ideias e a emergência de verdadeiros debates públicos sobre os temas, e que incluem uma comunicação social capaz de trazer valor acrescentado a esses debates, mostrando os vários argumentos dos vários lados.
O unanimismo das ideias feitas gera bloqueios, especialmente em tempos de crise, e é facilmente utilizado para impedir mudanças - quaisquer que elas sejam - e considerar toda e qualquer mudança como impensável e/ou intolerável. O resultado é rigidez, muita rigidez e, no limite, uma pura e simples quebra. Porque a realidade não se compadece com unanimismos, e as soluções sem custos são ilusões.
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sábado, 20 de outubro de 2012
The man's got a point
Só para fazer um bocadinho de oposição ao João e aliviar a má "vibe" de que o governante mais querido das feiras deste país tem sido alvo aqui no CL.
Ora disse
Se é verdade que houve vozes de figuras importantes no CDS a alvitrar barbaridades várias, inclusivamente a pedir, preto no branco, para que se desencadeasse uma «crise política», não o é menos que a suposta ou aparente crise da coligação governamental foi em grande medida alimentada e construída pela «CS». Tem sido, aliás, essa a tónica da larga maioria da imprensa que a coligação, nessa qualidade, tem recebido – desde 5 de Junho do ano passado que os ouvimos ver, prever, antever, profetizar, talvez sonhar com os problemas da coligação, desde diferenças ideológicas «irredutíveis» até estratégias escabrosas de vote-maximizing já a pensar nas eleições do porvir.
Aposto que se procurasse bem encontrava um artigo de 5 páginas de um qualquer jornal sobre as tensões na coligação com origem numa diferença irreparável quanto à cor a encomendar para as cápsulas do café para as reuniões de trabalho…
Se vos parece demasiado ridícula esta ideia atentem bem no que publicou o «i» no seu site com honras de comunicado oficial da direcção:
“O jornal i foi confrontado com o desmentido [via direito de resposta] do primeiro-ministro à manchete da edição de ontem, na qual se afirmava que, numa conversa a dois, Pedro Passos Coelho se dirigiu a Paulo Portas afirmando que «se o governo cair, o senhor será responsável por um segundo resgate». (…) [A]lém do descalabro das contas públicas, a austeridade sobre austeridade, o napalm fiscal, a incapacidade de conter a despesa, a desconjunção social, não levaram, portanto, a que o primeiro-ministro e o seu número três tenham tido o desaguisado que citámos. Muito bem. Folgamos com isso e tomamos boa nota como mensageiros habituados que estamos a ser os primeiros a sofrer por transportar a má notícia. Entramos em penitência que não em abstinência noticiosa. (…) Saudemos assim a harmonia que reina entre Pedro e Paulo. A bem da Nação!”
Outro exemplo, na notícia de onde se retira a citação de Portas supra: “«Se quisesse dizer que não concordo com o Orçamento dizia-lhe». Não disse, embora também não tenha dito o contrário.”
Parece quase existir uma verdadeira vontade de que a coligação se partisse já em mil e um bocadinhos, para que pudessem escrever reportagens award-winning sobre os pobres que levassem com eles na cabeça quando o orçamento fosse chumbado e chegassem novas eleições e um programa de ajuda financeira até 2078.
Claro que é fácil bater no «mensageiro» como diz o senhor do «i». No entanto, tenho para mim que esta sua tendência tem mais a ver com o importante ponto que refere Portas. Em Portugal não estamos habituados a ter coligações no governo – não é só a pobre da CS. Mesmo ignorando, claro, o período pós-revolucionário, as experiências de coligação que existiram não colheram durante muito tempo.
É natural que uma coligação governamental tenha muitos momentos de desacordo entre os dois partidos, é natural até mesmo que se parta uma ou outra peça de mobiliário de escritório, alguns dentes, eventualmente um baço perfurado, se não fosse assim seriam um só, mas porque tem isso de ser apenas mau? Tal como uma oposição forte é um factor positivo para a performance de um governo, também o equilíbrio entre dois ou mais partidos componentes pode acarretar importantes vantagens desse ponto de vista, não só, desde logo, pelo controlo mútuo que podem exercer, mas também para ajudar a que intervenientes com diferentes backgrounds, ideológicos, profissionais, etc., enriqueçam o debate interno no governo, bem como para que a sua legitimidade saia fortalecida por merecer o apoio de grupos de pessoas com preferências e necessidades diferentes e não só mais numerosos.
Não será, pois, por mero acaso que a norma na Europa democrática tenha vindo a ser a formação de governos de coligação – nem que o termo «coligação» seja uma das novas entradas do ελληνικό Λεξικό 2012.
Tempo no governo de partidos únicos
vs. coligações governamentais (%)
1945–99
vs. coligações governamentais (%)
1945–99
Fonte: British Politics and Policy at LSE com dados Müller and Strøm, 2000
Já nós por cá reagimos assim ao seu aparecimento. Intriga, «feridas de morte», «paz podre», no fundo uma atitude de «este já foi, quem é o próximo?», ainda mal o touro foi largado na arena. Oxalá desta vez seja diferente e a coligação possa perdurar um pouco mais. Com todas as implicações que isso possa ter para a despesa na saúde.
Este tema foi bastante discutido na Europa aquando das últimas legislativas no Reino Unido, talvez Mr. Portas o queira reintroduzir no nosso espaço de debate público e dar qualquer coisa de mais interessante aos cronistas para comentar do que as declarações do José Manuel Fernandes ou o seu pomposo comunicado. Digo eu…
- Da banlieue parisienne
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segunda-feira, 27 de agosto de 2012
António Borges e a RTP
António Borges devia ser Ministro das Privatizações e da Reforma do Estado, em vez de consultor. Coordenaria os processos de privatização em conjunto com os Ministros relevantes e auxiliaria o Ministro das Finanças a fazer uma reforma estrutural do Estado.
Se o Governo quer que alguém tenha poder relevante em relação a uma matéria tão importante como são as privatizações, então essa pessoa tem de ser sujeita a escrutínio público e, principalmente, a escrutínio parlamentar. Não só porque é a melhor forma de mitigar acusações de falta de transparência, como também porque tornaria tudo muito mais claro: quando António Borges falasse, falava um Ministro, falava em princípio em nome do Governo.
Como está, não se sabe bem a que título fala António Borges quando fala e qual a real autoridade das suas palavras. Isto é um problema para o país, um problema organizacional e de relações públicas para o Governo, e uma aberta para a Oposição se dedicar a falar de temas que bem poderiam ser acessórios e atirar achas para a fogueira das teorias da conspiração, desviando-se do debate substancial sobre qual o papel do Estado na área da comunicação social.
Aliás, o risível debate que houve sobre o relatório do grupo coordenado por João Duque sobre o tema do «serviço público de televisão», que deveria ter servido de base a uma nova lei através da qual o PSD cumprisse a sua promessa eleitoral de privatizar a RTP 1 e manter a RTP 2, subordinando-a a esse novo conceito de «serviço público de televisão» foi bastante elucidativo. Na prática, não houve debate. Pegou-se numas afirmações infelizes de João Duque, ignorou-se o conteúdo do relatório, e o Ministro Miguel Relvas enterrou-o e esqueceu-o.
Agora, temos um modelo de concessão da gestão da RTP 1 a privados (não vejo em que é o que o texto constitucional impede esta solução - parece-me que permite a concessão, deste que exista um serviço público). Passar-se-ia a pagar o valor arrecadado através da taxa audiovisual a uma entidade privada. E extinguir-se-ia a RTP2, em parte com o argumento de que ninguém a vê.
Ora, eu acho que se devia abolir a taxa audiovisual e privatizar os vários canais da RTP, incluindo os canais por cabo. A RTP 2 poderia funcionar como penso que funciona a PBS, através de um sistema de doações. E o Estado devia aproveitar as potencialidades do TDT para introduzir mais concorrência no canal aberto.
Neste momento, «serviço público de televisão» tornou-se sinónimo de «aquilo que dá na RTP». Quando o grupo de João Duque tentou criar um conceito mais concreto, foi sumariamente ignorado.
Foi-me dito, e eu concordo, que a cultura e o tamanho do país (mais a primeira do que a segunda) tornariam de difícil implementação o financiamento da RTP 2 através de um modelo de doações totalmente voluntárias, de gente que valoriza programação de qualidade e pretende, portanto, apoiar a existência de um canal aberto com esse tipo de programação.
Parece-me, no entanto, que as pessoas que se dizem fãs da RTP 2 e que a pretendem manter podiam juntar-se e fazer essa proposta. Tornar a RTP 2 uma verdadeira televisão da sociedade civil - na prática, uma espécie de ONG televisiva vocacionada para programas educativos e culturais, provavelmente complementadas com séries de ficção com altos valores de produção. E nada a impediria de ter um serviço informativo também de qualidade.
Diga-se, aliás, que eu não considero que o serviço informativo público seja automaticamente mais fidedigno que o serviço informativo privado. Não é por ser público que é fidedigno e não é por ser privado que é fidedigno, e eu não considero que ser dono de estações de televisão seja parte das funções do Estado. Não vejo porque é que o Estado tem de garantir este serviço quando o serviço já pode bem ser prestado por privados ou por entidades não-governamentais.
De qualquer forma, e tendo em atenção que o que diz a Constituição não vai mudar tão cedo, e que Roma não foi construída num dia, a minha solução de compromisso teria sido claramente a que foi proposta pelo PSD nas eleições. Parte das funções do Ministro Miguel Relvas devia ter sido implementá-la.
Em vez disso, o relatório do grupo de João Duque morreu, a gestão da RTP 1 vai ser concessionada, e a RTP 2 desaparece. Ou seja, não se definiu "serviço público de televisão" e acaba-se desnecessariamente com um canal, mantendo-se a taxa audiovisual para se financiar a gestão de uma RTP 1 que não se percebe bem que serviço público prestará.
E como é que o assunto tem sido debatido? Aos gritos. Claro.
Se o Governo quer que alguém tenha poder relevante em relação a uma matéria tão importante como são as privatizações, então essa pessoa tem de ser sujeita a escrutínio público e, principalmente, a escrutínio parlamentar. Não só porque é a melhor forma de mitigar acusações de falta de transparência, como também porque tornaria tudo muito mais claro: quando António Borges falasse, falava um Ministro, falava em princípio em nome do Governo.
Como está, não se sabe bem a que título fala António Borges quando fala e qual a real autoridade das suas palavras. Isto é um problema para o país, um problema organizacional e de relações públicas para o Governo, e uma aberta para a Oposição se dedicar a falar de temas que bem poderiam ser acessórios e atirar achas para a fogueira das teorias da conspiração, desviando-se do debate substancial sobre qual o papel do Estado na área da comunicação social.
Aliás, o risível debate que houve sobre o relatório do grupo coordenado por João Duque sobre o tema do «serviço público de televisão», que deveria ter servido de base a uma nova lei através da qual o PSD cumprisse a sua promessa eleitoral de privatizar a RTP 1 e manter a RTP 2, subordinando-a a esse novo conceito de «serviço público de televisão» foi bastante elucidativo. Na prática, não houve debate. Pegou-se numas afirmações infelizes de João Duque, ignorou-se o conteúdo do relatório, e o Ministro Miguel Relvas enterrou-o e esqueceu-o.
Agora, temos um modelo de concessão da gestão da RTP 1 a privados (não vejo em que é o que o texto constitucional impede esta solução - parece-me que permite a concessão, deste que exista um serviço público). Passar-se-ia a pagar o valor arrecadado através da taxa audiovisual a uma entidade privada. E extinguir-se-ia a RTP2, em parte com o argumento de que ninguém a vê.
Ora, eu acho que se devia abolir a taxa audiovisual e privatizar os vários canais da RTP, incluindo os canais por cabo. A RTP 2 poderia funcionar como penso que funciona a PBS, através de um sistema de doações. E o Estado devia aproveitar as potencialidades do TDT para introduzir mais concorrência no canal aberto.
Neste momento, «serviço público de televisão» tornou-se sinónimo de «aquilo que dá na RTP». Quando o grupo de João Duque tentou criar um conceito mais concreto, foi sumariamente ignorado.
Foi-me dito, e eu concordo, que a cultura e o tamanho do país (mais a primeira do que a segunda) tornariam de difícil implementação o financiamento da RTP 2 através de um modelo de doações totalmente voluntárias, de gente que valoriza programação de qualidade e pretende, portanto, apoiar a existência de um canal aberto com esse tipo de programação.
Parece-me, no entanto, que as pessoas que se dizem fãs da RTP 2 e que a pretendem manter podiam juntar-se e fazer essa proposta. Tornar a RTP 2 uma verdadeira televisão da sociedade civil - na prática, uma espécie de ONG televisiva vocacionada para programas educativos e culturais, provavelmente complementadas com séries de ficção com altos valores de produção. E nada a impediria de ter um serviço informativo também de qualidade.
Diga-se, aliás, que eu não considero que o serviço informativo público seja automaticamente mais fidedigno que o serviço informativo privado. Não é por ser público que é fidedigno e não é por ser privado que é fidedigno, e eu não considero que ser dono de estações de televisão seja parte das funções do Estado. Não vejo porque é que o Estado tem de garantir este serviço quando o serviço já pode bem ser prestado por privados ou por entidades não-governamentais.
De qualquer forma, e tendo em atenção que o que diz a Constituição não vai mudar tão cedo, e que Roma não foi construída num dia, a minha solução de compromisso teria sido claramente a que foi proposta pelo PSD nas eleições. Parte das funções do Ministro Miguel Relvas devia ter sido implementá-la.
Em vez disso, o relatório do grupo de João Duque morreu, a gestão da RTP 1 vai ser concessionada, e a RTP 2 desaparece. Ou seja, não se definiu "serviço público de televisão" e acaba-se desnecessariamente com um canal, mantendo-se a taxa audiovisual para se financiar a gestão de uma RTP 1 que não se percebe bem que serviço público prestará.
E como é que o assunto tem sido debatido? Aos gritos. Claro.
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quarta-feira, 15 de agosto de 2012
Assumam-se
Gostava que a nossa imprensa se assumisse politicamente. Gostava que os nossos jornais tornassem claro quais as políticas que tendem a apoiar, quais os políticos que tendem a apoiar, quais os partidos que tendem a apoiar. Durante as eleições, por exemplo, poderiam perfeitamente apoiar uma determinada candidatura e explicar os seus motivos para essa selecção.
Preferia que as opções políticas dos meios de comunicação social, em particular dos jornais, fossem assumidas, do que a actual situação em que se encontram apenas subentendidas, escondidas sob um manto de falsa objectividade. As opiniões políticas não são dados objectivos que estão simplesmente a ser reportados, e devem ser assumidas.
Toda esta informação é importante para o cabal esclarecimento da opinião pública. É importante que os cidadãos saibam quais as perspectivas e quais as opções que enformam as tomadas de posição nos vários jornais e outros meios de comunicação social equivalentes. O que não impediria esses mesmos meios de comunicação social de continuarem a prestar um serviço imprescindível em democracia - antes pelo contrário, permitir-lhes-ia fazê-lo de forma mais transparente e clara.
Da mesma forma que é relevante saber quem financia determinado meio de comunicação social, é importante saber quais as escolhas politicas que estão por trás daquilo que é dito em artigos de opinião e editoriais. Nada disto impediria os jornais de serem isentos no tratamento das notícias, ao mesmo tempo que melhoraria a qualidade do debate público da nossa democracia.
Preferia que as opções políticas dos meios de comunicação social, em particular dos jornais, fossem assumidas, do que a actual situação em que se encontram apenas subentendidas, escondidas sob um manto de falsa objectividade. As opiniões políticas não são dados objectivos que estão simplesmente a ser reportados, e devem ser assumidas.
Toda esta informação é importante para o cabal esclarecimento da opinião pública. É importante que os cidadãos saibam quais as perspectivas e quais as opções que enformam as tomadas de posição nos vários jornais e outros meios de comunicação social equivalentes. O que não impediria esses mesmos meios de comunicação social de continuarem a prestar um serviço imprescindível em democracia - antes pelo contrário, permitir-lhes-ia fazê-lo de forma mais transparente e clara.
Da mesma forma que é relevante saber quem financia determinado meio de comunicação social, é importante saber quais as escolhas politicas que estão por trás daquilo que é dito em artigos de opinião e editoriais. Nada disto impediria os jornais de serem isentos no tratamento das notícias, ao mesmo tempo que melhoraria a qualidade do debate público da nossa democracia.
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quinta-feira, 26 de julho de 2012
7 breves notas
1. «Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal!» Palavras medidas a dedo para aparecerem por todo o lado. Que não me interessam para nada. O que me interessa, principalmente, são os resultados e os meios utilizados para lá chegar. Mais importante para mim do que dizer que não se governa com base em sondagens e a pensar em ser reeleito é eu ver reformas estruturais a serem feitas. Quero, por exemplo, ver como é que o Governo vai lidar com a decisão do Tribunal Constitucional - que medidas vai o Governo adoptar para substituir os cortes nos subsídios de Natal e de férias? Isso, mais do que discursos, é importante para mim - principalmente porque aquele «slogan» podia perfeitamente ser um «slogan» eleitoral.
2. Da mesma forma que dizer que a austeridade não pode destruir o Estado Social não significa nada. Ainda não estamos em época de debate do orçamento, mas eu insisto que os partidos da oposição, que votem contra ou se abstenham, deviam apresentar um Orçamento Sombra, com as suas alternativas e as suas perspectivas económicas e financeiras com base nessas alternativas. O debate não pode ser só feito na base de dizer mal do Orçamento que o Governo apresente. E a melhor forma disso acontecer é apresentando um Orçamento, mesmo em formato esquematizado, alternativo.
3. Os Governos têm um programa para cumprir e podem até ter maioria parlamentar que os sustente e garanta o cumprimento desse programa. Isso não significa que possam alegremente ignorar tudo o que os rodeia quando o aplicam. Mas também não significa que tenham de governar com base em sondagens e tentando sempre maximizar os seus níveis de popularidade com a totalidade da população. Ainda vejo muita gente que parece achar que o facto de haver eleições e de haver uma maioria parlamentar que sustente um Governo só legitima as políticas com que concordem. Quanto àquelas com que discordem, parece que apenas poderão ser aplicadas por maldade ou corrupção, e nunca poderão ser de qualquer forma legitimadas.
4. Miguel Relvas usou um expediente legal para conseguir equivalência a uma quantidade imensa de cadeiras e ter uma licenciatura. Com isso conseguiu colocar sob suspeita as licenciaturas da Lusófona, cujos titulares de cargos dirigentes caem como tordos. Mas bem mais importante, a meu ver, do que esta questão da licenciatura é a questão da pressão sobre jornalistas, e tudo o que a rodeou. Não que os jornalistas sejam todos uns santos ou que os jornais não possam ser criticados, designadamente por políticos. Mas ameaças é mais grave - e um problema que vai bem para além de Miguel Relvas, e que merecia que lhe dessem outra relevância. Só que esse assunto morreu com a demissão da jornalista e o relatório da ERC, enquanto o tema da licenciatura continua. Uma questão de prioridades que, confesso, me parecem trocadas.
5. Incentivar as pessoas a pedir factura para combater a evasão fiscal não me soa a «delação», como a Marcelo Rebelo de Sousa, nem me parece uma terrível injustiça. A forma como está a ser feito parece-me ineficaz, no entanto, e além disso parece-me que isto é uma forma de tentar tratar os sintomas e não as causas. A melhor forma de promover o cumprimento das obrigações fiscais é um sistema fiscal funcional, compreensível e estável (também ajudaria que o sistema fosse visto como justo e que houvesse uma percepção generalizada de que se paga impostos para receber alguma coisa em troca!). Gostava também de ver as taxas a baixar (de forma sustentável, assente também em cortes de despesa), mas não estou a ver isso a acontecer num futuro próximo.
6. O federalismo não se resume a «eurobonds». O federalismo traduz-se numa verdadeira união política. Reduzir o federalismo a «eurobonds» por razões tácticas é, parece-me, cometer um erro táctico. Porque temos de discutir a democracia na Europa, temos de discutir a democratização da União Europeia. Essa democratização levaria a um Orçamento europeu, financiado por impostos europeus e por dívida europeia. Não compreendo que gente que fale do défice democrático da Europa depois defenda «eurobonds» nos moldes actuais - questão que não seria resolvida simplesmente através da eleição directa do Presidente da Comissão. Os «eurobonds» devem assentar numa união política democrática, numa democracia europeia transnacional. Criá-los sem esta base torná-los-ia coxos e criaria problemas políticos importantes.
7. Parece que a privatização de um canal da RTP vai mesmo avançar. A RTP é defendida por quem defende o serviço público de televisão. Eu por vezes sinto que chegámos a um ponto, no entanto, em que a RTP é defendida com base nesse tal serviço público de televisão, mas depois tudo o que a RTP passa é, por definição, serviço público de televisão (mesmo o Preço Certo em Euros e outros concursos, ou telenovelas). Aliás, quando o famigerado grupo de trabalho presidido por João Duque quis restringir o conceito de serviço público de televisão, o seu relatório foi sumariamente ignorado (o que em muito foi ajudado por declarações menos felizes de João Duque). Portanto, na prática, a meu ver, a RTP ser pública neste momento acaba por ser auto-justificativo em algum do debate sobre este tema, uma espécie de pescadinha de rabo na boca. (O argumento de que não se pode privatizar a RTP porque vai afectar as receitas da SIC e da TVI é basicamente o mesmo que dizer que nós temos de subsidiar indirectamente a SIC e a TVI; ora, o que a SIC e a TVI têm de fazer, face a um novo competidor, é tornarem-se mais eficientes - e o Estado não deve protegê-los de novos concorrentes, que o Estado não serve para garantir receitas publicitárias à SIC e à TVI!)
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sábado, 7 de abril de 2012
Como criar um caso mediático
Alguém diz qualquer coisa.
Essa coisa é tirada do contexto e colocada em títulos de jornais de forma distorcida.
Opositores de quem disse a dita coisa são convidados a comentar e distorcem eles próprios o que foi dito, possivelmente até de forma diferente à dos títulos dos jornais.
Alguém aliado de quem disse a coisa tirada do contexto vem dizer qualquer coisa que pensa que a população em geral quer ouvir.
Opositores insistem na distorção.
Analistas debatem afincadamente interpretações várias das afirmações originais, mesmo que não as tenham lido ou ouvido, e sem necessariamente falarem do contexto.
Ao fim de uns dias, poucos, o interesse esmorece e passamos ao caso mediático seguinte.
Isto significa que todos os casos mediáticos são desprovidos de interesse? Não. Mas mesmo esses tendem a ser empolados e as descaracterizações tendem a acontecer aí também. Tudo fica pela rama e pouco ou nada de concreto se fica a saber sobre o que se passou.
Vamos criando casos mediáticos em vez de termos debates sérios sobre coisas sérias. O que ganhamos com isto? Nada. Mas há quem pense que é assim que se vendem jornais e que é assim que se faz verdadeira e boa política.
Essa coisa é tirada do contexto e colocada em títulos de jornais de forma distorcida.
Opositores de quem disse a dita coisa são convidados a comentar e distorcem eles próprios o que foi dito, possivelmente até de forma diferente à dos títulos dos jornais.
Alguém aliado de quem disse a coisa tirada do contexto vem dizer qualquer coisa que pensa que a população em geral quer ouvir.
Opositores insistem na distorção.
Analistas debatem afincadamente interpretações várias das afirmações originais, mesmo que não as tenham lido ou ouvido, e sem necessariamente falarem do contexto.
Ao fim de uns dias, poucos, o interesse esmorece e passamos ao caso mediático seguinte.
Isto significa que todos os casos mediáticos são desprovidos de interesse? Não. Mas mesmo esses tendem a ser empolados e as descaracterizações tendem a acontecer aí também. Tudo fica pela rama e pouco ou nada de concreto se fica a saber sobre o que se passou.
Vamos criando casos mediáticos em vez de termos debates sérios sobre coisas sérias. O que ganhamos com isto? Nada. Mas há quem pense que é assim que se vendem jornais e que é assim que se faz verdadeira e boa política.
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sábado, 24 de março de 2012
Embebedam-nos de Propaganda!
Tive a sorte de ter grandes Professores! O Professor José Adelino Maltez foi um deles.
O seu texto, aqui no Forte Apache sobre Hiper-Informação e Anomia é lapidar.
Aproveitai!
O seu texto, aqui no Forte Apache sobre Hiper-Informação e Anomia é lapidar.
Aproveitai!
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domingo, 26 de fevereiro de 2012
Narrativas Políticas
Nós gostamos de histórias. Gostamos de narrativas, de perceber o que se passou, o que se passa e o que se passará a seguir como estando linearmente ligados por um fio condutor claro e inteligível. O mundo é assim simplificado e tornado mais facilmente compreensível.
Cada partido tem o seu discurso mediático, e o discurso mediático de cada partido tenta contar uma história. Essa história vai justificar e legitimar as suas propostas, e vai servir para apelar aos votos e à aceitação das ideias que se procuram transmitir.
A construção de uma narrativa mediática, de saber enquadrar aquilo que se diz devidamente, é algo de perfeitamente legítimo. Tentar torná-la atractiva também é expectável quando se tenta vencer um debate. Os problemas começam quando estas narrativas se transformam em algo de simplista, de caricatural ou assentam em descaracterizações da posição contrária.
Também problemático é quando estas narrativas assentam em dados manipulados ou claramente falsos. Quando se refugiam na dificuldade de interpretação de dados complexos para tentar transmitir uma visão claramente distorcida daquilo que se passa. Quando apresentam apenas os dados que interessam à visão que se pretende transmitir, e não aqueles que não interessam.
É um dever ético importante para a participação no debate público em democracia procurar intervir de forma justa nos debates. Ninguém é perfeito, toda a gente comete erros, mas pelo menos tentar - porque, geralmente, quem tenta, vai conseguir fazê-lo a maior parte das vezes.
É um dever importante da comunicação social numa democracia liberal o de escrutinar as narrativas políticas que são apresentadas de forma crítica e isenta, quaisquer que elas sejam. Isso significa uma preparação e um trabalho de pesquisa bastante exaustivos em relação a dados objectivos, bem como um domínio razoável das posições concorrentes nos vários debates políticos.
Apenas com essa preparação poderão as narrativas mediáticas ser desmontadas e avaliadas criticamente. Da mesma forma que uma boa preparação prévia significa uma maior capacidade de construir uma narrativa de qualidade, que não assenta apenas em estilo, mas também em substância.
Claro que os jogos de política pura e os «casos mediáticos» não vão ser eliminados do dia-à-dia de uma democracia liberal. Mas quanto mais forte seja a preparação dos agentes políticos e da comunicação social, melhor, a meu ver, a qualidade da democracia. Quanto menos vazias forem as narrativas que nos tentam «vender» e quanto mais forte for o escrutínio a que estas se encontram sujeitas, melhor para todos nós.
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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
Desestabilizadores automáticos (II)
Portanto, o inflamado título reduz-se a isto: o cortador de relva “motorista do Relvas” recebe, afinal, “o que equivale a 1300 euros líquidos”. Longe de mim querer defender qualquer espécie de gramado, mas o que é senão de má-fé pespegar um título como aquele à notícia?
Outro mau exemplo é o termo que a imprensa conseguiu fazer com que se banalizasse como a tradução geralmente aceite para junk – “lixo”. O significado que junk assume é normalmente bastante mais próximo da nossa “tralha”, algo que já não serve, sendo utilizado para designar “lixo” mais raramente.
Consultando o dicionário Inglês/Português da Porto Editora observamos que antes de “lixo”, aparecem os termos “1. tralha; 2. Ferro-velho, artigos em segunda mão, velharias de pouco valor”. A entrada remete até para a definição “económica”: “junk bond – obrigação de alto risco”. (Também consta o seguinte: “calão (droga) - cavalo”. Já agora, também não ficava mal nas parangonas «Portugal é o cavalo dos investidores»…)
Dir-me-ão, “bem, mas tralha não é muito melhor do que lixo. E isso não iliba as agências de rating de (inserir teoria, mais ou menos conspirativa, aqui)” Pois não, mas that’s not the point here. Compreendamos que o esquema segundo o qual os famosos “ratings da República” são atribuídos pretende, à partida, permitir a um investidor identificar de forma instantânea o risco associado a uma determinada obrigação (risk-free, o emitente é obrigado a reembolsar o seu portador no seu valor facial na data em que vence) – i.e. por oposição a acção. Daí haver uma gama de notações, abaixo de um certo nível, chamado “especulativo”, que são associadas a obrigações que o ratador considera não ser certo que possam ser reembolsadas totalmente na sua maturidade – e (isto pode ser rebuscado) das quais um investidor que pretenda manter a sua carteira risk-free se deve livrar (lembram-se da definição?).
A verdade é que a opção pelo lixo versus tralha ou eventualmente cavalo não foi arbitrária.
Faz parte das pequenas acções que contribuem, sim, para atear a fogueira da “caça as bruxas”, a das paixões patrioteiras (que contribuem, por sua vez, para um certo esbater do patriotismo, já para não falar do europeísmo). Se é verdade que esta pode ter associada uma “externalidade positiva” como válvula de escape para o stress acumulado, o que, dizem os entendidos, é fundamental neste tipo de momentos históricos “complicados”, constitui aquilo que é essencialmente uma enorme interferência no sinal entre a realidade e o seu entendimento pelas pessoas, o que, suponho, não será grandemente benéfico.
Podemos até presumir que se não fosse essa infeliz decisão, não teríamos tido a oportunidade de ouvir “senadores” tão inteligentes proferir declarações tão idiotas como “Mas quem são esses senhores para dizer que Portugal é um lixo? Lixo são V. Exas.!”.
É certo que como qualquer sector de actividade, também os media arcam com a sua quota-parte de “pontapés” da crise. E não será ninguém senão os da própria classe a ter real legitimidade para pregar sobre ética profissional por parte dos jornalistas na sua actividade, pelo menos em particular. But come on!
Outro mau exemplo é o termo que a imprensa conseguiu fazer com que se banalizasse como a tradução geralmente aceite para junk – “lixo”. O significado que junk assume é normalmente bastante mais próximo da nossa “tralha”, algo que já não serve, sendo utilizado para designar “lixo” mais raramente.
Consultando o dicionário Inglês/Português da Porto Editora observamos que antes de “lixo”, aparecem os termos “1. tralha; 2. Ferro-velho, artigos em segunda mão, velharias de pouco valor”. A entrada remete até para a definição “económica”: “junk bond – obrigação de alto risco”. (Também consta o seguinte: “calão (droga) - cavalo”. Já agora, também não ficava mal nas parangonas «Portugal é o cavalo dos investidores»…)
Dir-me-ão, “bem, mas tralha não é muito melhor do que lixo. E isso não iliba as agências de rating de (inserir teoria, mais ou menos conspirativa, aqui)” Pois não, mas that’s not the point here. Compreendamos que o esquema segundo o qual os famosos “ratings da República” são atribuídos pretende, à partida, permitir a um investidor identificar de forma instantânea o risco associado a uma determinada obrigação (risk-free, o emitente é obrigado a reembolsar o seu portador no seu valor facial na data em que vence) – i.e. por oposição a acção. Daí haver uma gama de notações, abaixo de um certo nível, chamado “especulativo”, que são associadas a obrigações que o ratador considera não ser certo que possam ser reembolsadas totalmente na sua maturidade – e (isto pode ser rebuscado) das quais um investidor que pretenda manter a sua carteira risk-free se deve livrar (lembram-se da definição?).
A verdade é que a opção pelo lixo versus tralha ou eventualmente cavalo não foi arbitrária.
Faz parte das pequenas acções que contribuem, sim, para atear a fogueira da “caça as bruxas”, a das paixões patrioteiras (que contribuem, por sua vez, para um certo esbater do patriotismo, já para não falar do europeísmo). Se é verdade que esta pode ter associada uma “externalidade positiva” como válvula de escape para o stress acumulado, o que, dizem os entendidos, é fundamental neste tipo de momentos históricos “complicados”, constitui aquilo que é essencialmente uma enorme interferência no sinal entre a realidade e o seu entendimento pelas pessoas, o que, suponho, não será grandemente benéfico.
Podemos até presumir que se não fosse essa infeliz decisão, não teríamos tido a oportunidade de ouvir “senadores” tão inteligentes proferir declarações tão idiotas como “Mas quem são esses senhores para dizer que Portugal é um lixo? Lixo são V. Exas.!”.
É certo que como qualquer sector de actividade, também os media arcam com a sua quota-parte de “pontapés” da crise. E não será ninguém senão os da própria classe a ter real legitimidade para pregar sobre ética profissional por parte dos jornalistas na sua actividade, pelo menos em particular. But come on!
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terça-feira, 31 de janeiro de 2012
BANCO DE PORTUGAL VS JORNAL I
Nos últimos dias têm saído uma série de notícias no Jornal I, sobre o Banco de Portugal (BdP).
A última é esta e titula que o Banco de Portugal é dono de um picadeiro em Caneças.
Sobre se é sensacionalismo ou não, daqui a uns dias veremos.
Curiosamente temos aqui duas liberdades em choque, a saber a de Informação e a Independência do Regulador.
Pior, a ser verdade, é um desgaste da instituição escusado, visto que naturalmente depois da tomada de posição relativa à questão dos subsídios de Natal e de Férias, o BdP estaria sob um maior escrutínio público.
Pior, as situações do BPP e do BPN, fizeram erodir a confiança de muitas das pessoas no seu Banco Central e agora um Jornal em dificuldades está a fazer o seu papel de tentar vender papel.
Situação que poderia ser facilmente esvaziada com comunicação.
A última é esta e titula que o Banco de Portugal é dono de um picadeiro em Caneças.
Sobre se é sensacionalismo ou não, daqui a uns dias veremos.
Curiosamente temos aqui duas liberdades em choque, a saber a de Informação e a Independência do Regulador.
Pior, a ser verdade, é um desgaste da instituição escusado, visto que naturalmente depois da tomada de posição relativa à questão dos subsídios de Natal e de Férias, o BdP estaria sob um maior escrutínio público.
Pior, as situações do BPP e do BPN, fizeram erodir a confiança de muitas das pessoas no seu Banco Central e agora um Jornal em dificuldades está a fazer o seu papel de tentar vender papel.
Situação que poderia ser facilmente esvaziada com comunicação.
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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
Deputado Come Criancinhas (II)
O poder da comunicação social para moldar o debate público, por exemplo definindo os seus contornos, está ligado ao nível de confiança que o grande público deposite naquilo que lhe é transmitido. Ao mesmo tempo, está também relacionado com o facto de existir especialização: o cidadão médio não tem tempo para investigar toda a informação mediática que consome. (Aliás, daí a existência de meios de comunicação social especializados.)
Claro que a confiança do público na comunicação social é afectada pela sua predisposição à aceitar a mensagem que está a ser transmitida. Dito de outra forma: é bem mais fácil confiar em alguma coisa com a qual se concorda à partida ou para a qual se tem alguma predisposição em acreditar. E mais: gostando do que lêem, as pessoas tenderão a utilizar esse meio de comunicação social, qualquer que ele seja.
Daí que uma boa forma de atrair público seja repetir sabedoria convencional, dado ser informação com a qual as pessoas estão perfeitamente confortáveis. E o poder da comunicação social em disseminar sabedoria convencional é tanto maior quanto maior seja o nível de especialização e menor seja o nível de escrutínio à sua actividade. Daí também, aliás, a importância da disseminação de outros meios de acesso a informação (como os blogues, por exemplo) que se dedicam a criticar os meios de comunicação social tradicionais e da auto-crítica constante em todos os meios de comunicação social.
Uma democracia saudável precisa de meios de comunicação social que sejam capazes de informar e de questionar tudo e todos, dentro dos limites do Estado de Direito. Precisamos ainda de meios de comunicação social que sejam capazes de fazer as perguntas difíceis a qualquer lado do debate. Finalmente, precisamos de meios de comunicação social auto-críticos e que sejam mais do que repositórios e transmissores de sabedoria convencional.
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
Deputado Come Criancinhas (I)
Por diversas vezes já se abordou aqui no blogue a importância do debate público em democracia e a importância da comunicação social nesse debate, bem como as falhas desta última (ver, por exemplo, aqui, aqui, aqui, aqui ou aqui).
O tema é particularmente importante num momento de crise como este, em que é fundamental que a informação passe de forma correcta para a população, quer seja positiva, quer seja negativa. Isto implica particular cuidado para garantir a correcção técnica dos textos jornalísticos, mas também, e particularmente, a correcção dos títulos.
Num dia atarefado, muita gente terá apenas tempo ou paciência para passar os olhos rapidamente pelas notícias, lendo algumas que atraiam a atenção particularmente, mas ficando-se pelos títulos relativamente às outras. Títulos bombásticos e enganadores, que até podem estar em contradição com o texto, levam a equívocos. Principalmente se o título for uma citação truncada de um certo indivíduo que leva a que a citação perca o seu contexto.
O que também leva a equívocos é a insistência em simplificar tudo de tal forma que se altera o sentido do que foi dito ou se, no processo, se perde informação para a compreensão do que está em causa. Porque depois, como é evidente, o que vai ser debatido vai ser o conteúdo da notícia, ou até do seu título, e não aquilo que foi dito. O que tanto pode aproveitar a quem fez ou ao seu opositor.
Os jornalistas têm um poder imenso no que toca a moldar a opinião pública, balizando os debates públicos que vamos tendo em democracia. Têm uma capacidade bastante grande de delimitar o «campo de batalha» no qual os argumentos vão ser esgrimidos e, até, para decidir como esses argumentos vão ser apresentados ao público em geral. E a esses poderes vem associada, como não podia deixar de ser, uma imensa responsabilidade.
É fundamental que os nossos meios de comunicação social se lembrem dessa responsabilidade quando preparam os seus conteúdos. Porque o bom funcionamento da democracia depende, também, disso mesmo.
O tema é particularmente importante num momento de crise como este, em que é fundamental que a informação passe de forma correcta para a população, quer seja positiva, quer seja negativa. Isto implica particular cuidado para garantir a correcção técnica dos textos jornalísticos, mas também, e particularmente, a correcção dos títulos.
Num dia atarefado, muita gente terá apenas tempo ou paciência para passar os olhos rapidamente pelas notícias, lendo algumas que atraiam a atenção particularmente, mas ficando-se pelos títulos relativamente às outras. Títulos bombásticos e enganadores, que até podem estar em contradição com o texto, levam a equívocos. Principalmente se o título for uma citação truncada de um certo indivíduo que leva a que a citação perca o seu contexto.
O que também leva a equívocos é a insistência em simplificar tudo de tal forma que se altera o sentido do que foi dito ou se, no processo, se perde informação para a compreensão do que está em causa. Porque depois, como é evidente, o que vai ser debatido vai ser o conteúdo da notícia, ou até do seu título, e não aquilo que foi dito. O que tanto pode aproveitar a quem fez ou ao seu opositor.
Os jornalistas têm um poder imenso no que toca a moldar a opinião pública, balizando os debates públicos que vamos tendo em democracia. Têm uma capacidade bastante grande de delimitar o «campo de batalha» no qual os argumentos vão ser esgrimidos e, até, para decidir como esses argumentos vão ser apresentados ao público em geral. E a esses poderes vem associada, como não podia deixar de ser, uma imensa responsabilidade.
É fundamental que os nossos meios de comunicação social se lembrem dessa responsabilidade quando preparam os seus conteúdos. Porque o bom funcionamento da democracia depende, também, disso mesmo.
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