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domingo, 17 de junho de 2012

Cinco curtas num início de tarde

1. A infantilização e a vitimização ajudam tanto como nada. Mas parecem ser a forma como alguns políticos gostam de tratar pessoas (infantilização) e a si próprios (vitimização). A culpa é sempre dos outros, quando não morra pura e simplesmente solteira, e o que importa é encontrar os "bons" e os "maus" para que no fim os "bons" possam "ganhar". Tipo filme de Hollywood do mais açucarado possível.

 2. Não há só treinadores de bancada no futebol. Há também em política. Basta ver a quantidade de gente que parece achar que resolveria todos os problemas de Portugal, da Europa e do Mundo em três tempos, com um conjunto de ideias simples e milagrosas. Na realidade, é tudo muito simples: basta que toda a gente no mundo veja como essas pessoas têm (obviamente) razão, e o mundo seria, naturalmente, muito melhor. 

3. A Economia não se resume a questões de produção e ao PIB. A Felicidade Interna Bruta não transcende a forma «económica» de ver o progresso e o bem-estar. Não há uma separação estanque entre «custos sociais», «custos ambientais» e «custos económicos». O PIB sempre foi uma aproximação àquilo que se considera "bem-estar", na medida em que é algo que é mensurável. Agora, estamos a tentar arranjar forma de medir outras coisas (há quem considere que é impossível) e inclui-las na análise, o que não torna a análise menos económica.

4. Eu gosto de filmes. Gosto de poesia e de prosa. Gosto de artes plásticas. Gosto de música. Sou, até, bastante ecléctico nos meus gostos. Penso também que todos os tipos de filmes, de literatura e de música são manifestações culturais. Mas também o são o futebol, o andebol ou o hóquei em patins. Também o são as touradas (que eu, pessoalmente, abomino) ou cerimónias de matança do porco (que também considero horríveis). Também o são um sem número de cerimónias religiosas e de festas populares. Nada disso significa que estas actividades devam ser subsidiadas. E principalmente, nada disto significa que as actividades que um conjunto de auto-proclamadas elites considerem como a melhor "cultura" devam ser subsidiadas.

5. Nem todas as formas de integração europeia são federalistas. Uma UE federal não significa o puro e simples fim dos Estados Membros, subsumidos num mega-Estado unitário europeu. Uma UE federal não significa também menos democracia; aliás, antes pelo contrário. Uma UE federal significa criar uma democracia transnacional, de forma a que existam instituições formais com maior legitimidade democrática que permitam lidar com questões com as quais não é possível lidar apenas ao nível dos Estados Membros. Tem de existir uma clara divisão de competências e tem de ser garantido um nível razoável de autonomia aos Estados-Membros. Tem de ser reforçada a cidadania europeia. E é neste sentido que eu gostava de ver a UE evoluir - daí considerar-me federalista europeu.

sábado, 2 de junho de 2012

Festa do Japão é Hoje!

Começa daqui  pouco, Integrada nas Festas de Lisboa , a Festa do Japão em Belém.
É uma janela interessante para uma cultura milenar.  Adorei a Festa do ano passado.
Para todos, os que não conhecem, recomendo!

quarta-feira, 21 de março de 2012

Uma cultura de debate

Entendendo uma cultura como um conjunto de valores partilhados, uma cultura de debate será uma cultura que valorize a troca de argumentos, que a considere uma boa forma de chegar a soluções para problemas. Tenderá ainda a valorizar o espírito e o pensamento críticos, a capacidade argumentativa, bem como a lógica e a retórica e também a oratória.

Uma cultura de debate envolve capacidade de encaixe por parte dos membros dessa comunidade, que sabem que as suas posições não são as únicas que existem e que se encontram por definição em confronto com outros pontos de vista. Envolve ainda uma valorização da participação activa em debates, o que leva a que as pessoas participem nos mesmos por sua própria iniciativa.

Uma democracia liberal assente numa comunidade em que existe uma forte cultura de debate é uma democracia mais forte, porque se pode encontrar um dos seus pilares (o debate) nos valores que tendem a ser partilhados pela maioria da população. Por contraste, uma democracia assente numa população apática e pouco interventiva, que prefere delegar completamente a política nos políticos profissionais, tenderá a não ter a pujança que poderia ter.

Fomentar uma cultura de debate é importante para fomentar a própria democracia. Penso que alterações às nossas instituições formais são necessárias (reforma eleitoral, etc.) e que poderão servir para fomentar esta mesma cultura de debate. Penso também que a sociedade civil organizada tem um papel fundamental a desempenhar também, tal como os «media». Finalmente, a organização de clubes de debate nas próprias escolas, por alunos para alunos (com supervisão de professores) seria também importante.

Uma democracia alicerçada numa cultura de debate é uma democracia fortalecida. A forma mais simples de fomentar uma cultura de debate é participar activamente no debate público, fomentando-o. A blogosfera é uma forma de o fazer, como haverá outras.

Por agora, é esta que me ocupa. 

domingo, 4 de março de 2012

Direito, Investigação, Debate Público e Democracia

Apesar de para se saber verdadeiramente de Direito ser preciso saber mais do que apenas Direito, continua a ser preciso saber Direito. Para se saber Direito é preciso estudá-lo, é preciso investigar, é preciso aprender aquilo que se faz, que se fez e se estuda fazer em Portugal e no resto do mundo.

Fazer boas leis passa por dominar a legística, de forma a aplicar boas técnicas legislativas nas leis que são criadas. Melhorar o funcionamento dos tribunais passa por estudar o que é bem feito e o que é mal feito, quais as potenciais causas, e preparar soluções. E até melhorar o funcionamento das várias profissões jurídicas passa por esse tipo de estudo, de forma constante.

Não temos em Portugal centros de excelência para investigação em Direito. Infelizmente, não há ênfase em investigação e publicação nas faculdades de Direito portuguesas. Ora, seria também nas faculdades que se deveria proceder à investigação e estudo acima descritos - naturalmente que em parceria com os vários operadores jurídicos.

As faculdades de Direito não podem servir apenas para ensinar o Passado às novas gerações. Devem também servir para o estudar e procurar preparar o Futuro. Com uma abordagem multidisciplinar (ver aqui, aqui e aqui) e comparativa, naturalmente.

É de qualquer forma fundamental que surjam centros de estudos jurídicos vocacionados para analisar questões jurídicas sistémicas e propor soluções para os problemas com os quais nos encontramos. Mesmo não ligados a faculdades necessariamente - esses centros de estudos podem até ser ONG, por exemplo. E poderiam envolver especialistas de diversas áreas, não apenas juristas.

Resolver os nossos problemas com a Justiça não pode passar simplesmente por constantes reformas aos Códigos de Processo Civil e Penal promovidos pelo Estado, através do Ministério da Justiça. E o debate sobre a Justiça não pode resumir às várias corporações do sector. Tem de ser aberto, plural, informado e envolver o maior número de entidades interessadas possível.

Também aqui a sociedade civil organizar tem um papel importante a desempenhar. O Direito e a Justiça afectam-nos a todos, no nosso dia a dia, e o debate sobre esses temas não pode reduzir-se a discussões esotéricas e distantes acompanhadas apenas por peritos. Estando as pessoas já afastadas destas questões, têm de ser chamadas e incentivadas a envolver-se nestes debates.

A especialização é importante, mas em democracia, este tipo de debates não podem limitar-se a um pequeno número de especialistas. É preciso abri-lo à população em geral e também a especialistas de outras áreas com potenciais contributos, por exemplo.

Também por isto passa uma melhoria da nossa Justiça.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Feriados, Carnaval e tal

O Governo propõe-se acabar com quatro feriados, dois civis e dois religiosos. Não é matéria que me apaixone. De qualquer forma, sempre me pareceu absurdo que estivéssemos presos à Igreja Católica na decisão que podemos fazer sobre quais os feriados a manter e quais os feriados a eliminar (diga-se que, na minha opinião, quanto mais depressa a República Portuguesa se livrar da Concordata, melhor).

Mais: se o Governo queria eliminar quatro feriados, podia ter facilmente eliminado quatro feriados religiosos. Vivemos num Estado laico e o Estado não tem nada de estar a promover dias santos de uma religião em particular. Quem seja católico e queira festejar feriados religiosos que tire férias nesses dias, como toda a gente com outra religião tem de fazer para os seus dias santos. (Penso ainda, aliás, que o Natal ou a Páscoa deveriam mudar de nome, para deixarem de fazer referência a uma religião em particular, mas não é propriamente algo que considere prioritário.)

Um debate sobre feriados deveria ter sido um debate alargado sobre quais os dias que nós queremos, enquanto comunidade, celebrar, bem como as razões que levam a essa celebração. Não deveria ter sido um debate apenas sobre quantos feriados cortar. Poderia ainda ter sido um debate sobre a razão de ser dos feriados e porque não devemos abolir, pura e simplesmente, os feriados, substituindo-os por dias de férias (ou porque é que isso não pode ser uma opção num contrato de trabalho).

Mas o debate promovido pelo Governo foi limitado a quais os quatro feriados a eliminar e o resultado dependeu daquilo que a Igreja Católica aceitou. Na prática, o debate mais profundo sobre os feriados e o seu significado não teve grande impacto mediático - nem sequer o facto de um Estado laico ser forçado a ir a reboque da Igreja de uma certa religião foi tema de grande análise mediática, pelo menos que eu tenha notado. Podíamos ter aproveitado para ligar este tema com o tema da existência de um casamento católico diferente do casamento religioso não-católico, por exemplo, quando, na minha opinião, a todas as religiões, bem como à ausência de crenças religiosas, deveria ser dado tratamento igual pelo Estado.

De qualquer forma, esta medida de corte de feriados e de eliminação de pontes é apenas mais uma pequena medida num oceano de grandes medidas. Muitas delas foram discutidas em sede de concertação social, na qual o Governo debate com corporações quais as medidas a tomar. Pergunto-me se não seria melhor discuti-las no Parlamento e, pelo menos, alargar o âmbito das entidades da sociedade civil consultadas no âmbito da concertação social. Mas também isto não foi discutido, porque em Portugal não se discutem estas coisas de forma mediática.

Aquilo que se discute, e em grande força, é o facto do Governo não ter dado tolerância de ponto para o Carnaval. Esta decisão teve honras de ser a primeira notícia no espaço noticioso da Antena 1 às 13 horas de hoje. Como sempre, a prioridade é dada a estas coisas. As questões substantivas, essas, são ou tratadas com superficialidade, ou pura e simplesmente esquecidas. Porque o que é absolutamente crítico para o país é que haja tolerância de ponto para funcionários públicos no Carnaval.

domingo, 22 de janeiro de 2012

A Tradição pela Tradição

Há quem goste de invocar o facto de algo ser uma «tradição» como argumento. Nunca considerei este tipo de argumentação muito persuasivo. Principalmente quando acompanhado, como sistematicamente acontece, com uma noção estereotipada do «povo», com base numa série de preconceitos sobre a «nação portuguesa».

Este tipo de argumentação tende a apoiar políticas de homogeneização e de manutenção do «status quo», ou a tentar legitimar que se deve subsidiar qualquer coisa. É o tipo de argumentação utilizado por quem não quer mudar nada, por quem considera que não devemos olhar para fora da nossa matriz tradicional quando queremos actuar.

Ou seja, se quisermos mudar alguma coisa em Portugal, devemos ignorar os países com os quais não temos afinidades (que curiosamente podem até variar ligeiramente consoante a pessoa com quem se fala) e devemos focar-nos nas nossas tradições. Isto é a melhor forma de nunca se mudar nada, de ficar tudo na mesma, e é a marca de uma cultura fechada sobre si mesma e, portanto, a tender para a estagnação.

Temos de substituir argumentações com base na tradição pela tradição, que vêem da esquerda à direita, por uma cultura aberta a influências externas, por uma cultura em permanente diálogo com outras culturas e, principalmente, por uma cultura definida de baixo para cima, e não de cima para baixo. A cultura vive-se no dia a dia, não é definida pelo Estado ou por académicos. Encontra-se, portanto, em constante evolução.

Enquanto ignorarmos potenciais soluções para os nossos problemas por elas virem de fora da nossa matriz, tenderemos a manter esses mesmos problemas, senão mesmo a agravá-los. A mudança passa por sairmos das nossas tradições e estarmos abertos a coisas novas.

Essas coisas novas vão ser perfeitas? Não. Nada é perfeito. Tudo tem custos e benefícios. Mas ignorar potenciais soluções por não serem portuguesas o suficiente é querer condenar o país à estagnação.

domingo, 11 de dezembro de 2011

CULTURA

Recentemente, com o frenesim que rodeou, no meio dos vários graves problemas que vamos vivendo, a nomeação do Fado como património imaterial da humanidade foi-se falando mais uma vez das políticas do actual governo em relação à produção artística e cultural que incluíram cortes bastante significativos nos apoios e a decisão de reduzir o Ministério da Cultura a uma mera Secretaria de Estado, um acto com relevância financeira, administrativa e simbólica do ponto de vista daquilo que o actual governo parece achar serem as prioridades do estado. Naturalmente que do sector e de várias outras fontes as críticas têm sido significativas. Aponto aqui apenas para um pequeno artigo de opinião publicado pelo Bloco de Esquerda que me parece resumir em grande medida a posição que tem vindo a ser defendida em relação a este sector, tanto por razões ideológicas como por questões de clientelismo. No referido artigo, o governo é acusado de querer eliminar a autonomia das entidades criadoras para manter a produção artística e cultural longe do “povo” para além de criar mais desemprego e negar o acesso à cultura e à arte a milhões.

É preciso perguntar de que autonomia é que estas entidades dependentes de apoios pagos com o dinheiro dos contribuintes verdadeiramente usufruíam. A liberdade de criação, que a autora parece achar estar aqui em jogo, já estava totalmente comprometida à partida já que a selecção de beneficiários estaria invariavelmente dependente do Ministério da Cultura e suas entidades subsidiárias que não possuindo recursos infinitos teriam de proceder a uma selecção de uns em detrimento de outros. Esta escolha está naturalmente exposta aos caprichos dos burocratas que gerem estas entidades e a toda à espécie de pressões a que estes estão sujeitos.

Na ausência de apoios estatais a criação artística tem geralmente duas possibilidades, ou se arrisca no mercado ou tem a sorte de encontrar um mecenas que a sustente. Admitamos que de facto em Portugal o mecenato tem uma expressão bastante reduzida mas o mercado não deixa de ser uma possibilidade real. Naturalmente que mesmo aqui não será possível satisfazer todo e qualquer desejo de expressão artística mas poderemos ao menos estar seguros que a decisão sobre quais as obras a ser financiadas estará em melhores mãos do que se ela residir no estado. Para além de reflectir muito melhor as preferências da população o mercado permite-nos aceder a conteúdos que muito provavelmente nunca seriam produzidos no sistema anterior.

Veja-se exemplo esta série de propostas de lei do mesmo partido e citadas aqui: A leitura da maioria destas propostas mostra uma total irresponsabilidade na elaboração do texto legislativo sendo este tudo menos geral e abstracto indo desde a criação de um regime de segurança social especial para bailarinos ao apoio à renovação das artes circenses (o futuro da nossa economia!). Estes dois casos exemplificam o tipo de favoritismos a grupos de interesse que mina a capacidade de agir do estado e aumenta ainda mais a complexidade e opacidade do sistema ao criar regimes especiais para tudo e mais alguma coisa. Acresce a isto a insistência em usar o estado como meio de sustento de sectores aparentemente insustentáveis como parece ser o caso da arte circense que segundo o próprio texto é um “sector que debate-se com um conjunto de deficiências estruturais que têm dificultado a sua recuperação e adaptação às novas procuras do público”. Naturalmente, quando uma determinada actividade não encontra públicos é o papel do estado obrigar o contribuinte a financiar a dita cuja.

O esvaziamento dos circos resultaria “numa crise endémica com efeitos sociais e culturais profundos”, mais uma vez uma tentativa de determinar por via legal o que é e deve ser a cultura. Se a própria indústria está devota de público e com tão pequena expressão é de questionar que crise social profunda é essa que se abaterá sobre nós quando os circos se mudarem para pastagens mais férteis. São este tipo de fantasias que ocupam o tempo da Assembleia e apesar de na totalidade os financiamentos à arte e à cultura serem pequenos no total da nossa desgraça orçamental a sua existência levanta questões morais e políticas relacionadas com o modelo de financiamento estatal. Sendo este pago por impostos, assume uma natureza coerciva e implica uma imposição do estado em detrimento da liberdade de cada um de tomar as decisões que bem entende no que diz respeito a esta área. Por último, a própria existência, num estado de direito democrático, de um Ministério da Cultura que define quem é “digno” de financiamento aproxima-se perigosamente de tentações de planificação da identidade e da cultural “nacional” como instrumento de coerção e que é fundamentalmente incompatível com o desenvolvimento livre e espontâneo de uma matriz cultural que origina acima de tudo nos indivíduos ao invés da burocracia.

O corte nos financiamentos à produção artística e cultural não vai negar nem de perto o acesso à cultura a milhões. A cultura e a arte existem sempre sem que seja necessária intervenção do poder político e não são definidas de cima para baixo nem podem ser circunscritas a um ministério ou àquilo que é amigável desta ou daquela ideologia.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Uma questão de escala (I)

As comunidades consistem em indivíduos que estabelecem relações uns com os outros, criando uma rede relacional mais ou menos apertada que evolui através da interacção desses mesmos indivíduos. A escala a que estas relações se podem estabelecer é ditada pela tecnologia de comunicação e transporte a que os vários indivíduos têm acesso. A escala será maior ou menor consoante a capacidade que estes tenham de utilizar tecnologia que lhes permita realizar esse mesmo intercâmbio.

O acesso à Internet permite aos indivíduos terem acesso a uma quantidade fenomenal de informação e, também, manterem relações virtuais com outros indivíduos espalhados um pouco por todo o mundo. Por outro lado, a existência de aviões, navios, comboios e automóveis com a capacidade de se descolarem a velocidades cada vez mais elevadas de forma segura significa uma cada vez maior capacidade de nos encontrarmos, presencialmente, em espaços físicos cada vez mais longínquos daqueles em que nascemos.

Mas mais: a própria existência de telemóveis veio fortalecer a capacidade que temos de interagir mesmo com aqueles que nos são mais próximos. Estamos sempre contactáveis, sempre com capacidade de contactar alguém, quer esse alguém esteja próximo ou do outro lado do mundo. Caso seja necessário, podemos usar um meio de transporte adequado para chegarmos, fisicamente, a essa pessoa. E como se isso não bastasse, temos cada vez mais acesso a informação imediata e no preciso instante em que a queiramos.

O acesso a estas tecnologias e a sua efectiva utilização tem um impacto importante na forma de pensar e de agir dos indivíduos. Um indivíduo que tenha acesso a toda esta tecnologia viverá num mundo diferente de um indivíduo que não tenha acesso a esta tecnologia. O primeiro tem o intercâmbio cultural potenciado pelas tecnologias a que tem acesso, tendo ainda a hipótese de pertencer a uma quantidade incrível de comunidades, mais ou menos virtuais, consoante as suas preferências. O segundo, pelo contrário, terá mais tendência a conhecer a comunidade em que nasceu e, no limite, pouco mais.

De qualquer forma, o facto de existirem estas tecnologias e haver quem lhes tenha acesso significa que as tais comunidades, mais ou menos virtuais, que vão de fóruns na Internet ao «World of Warcraft» ou ao «Second Life», vão surgindo e criando as suas próprias instituições formais e formais. E, de novo, cada indivíduo terá acesso às comunidades que desejar, limitado apenas por si próprio e pelas suas preferências. Terá também acesso a mais informação sobre outras comunidades, potenciando todos os tipos de intercâmbio, que vão do intercâmbio cultural e de ideias ao intercâmbio comercial.

As novas comunidades que vão surgindo são, claro, influenciadas decisivamente pelas preferências de quem as vai formando, o que inclui toda a «bagagem» cultural das comunidades de que esses indivíduos provêm e, principalmente, todas as suas idiossincrasias pessoais. Vão ser mais ou menos homogéneas. Vão ser mais ou menos centralizadas na sua gestão. Mas vão agregar pessoas que, geograficamente, provêm de um pouco por todo o mundo. E a rede dessas comunidades vai juntar-se à rede já existente.

A forma cosmopolita de lidar com este fenómeno é a aceitação e promoção do mesmo. Fomentar o relacionamento pacífico entre indivíduos de todo o mundo é uma forma importante de fomentar a paz e de enfraquecer a distinção nacionalista entre «nós» e os «outros». Não que seja uma panaceia que acaba pura e simplesmente com o conflito, claro, mas que facilitar a compreensão mútua e diminuir o desconhecimento mútuo (factor importante no fomento do medo do «outro») ajuda a diminuir tensões acho que ninguém duvida muito.

Por outro lado, este fenómeno pode gerar sentimentos de revolta e de entrincheiramento. A globalização e o poder que dá ao indivíduo para escolher os seus próprios valores serão vistos como um atentado à importância das tradições culturais ancestrais ou à organização comunitária a um nível mais local, o que levaria a uma forte resistência à mudança e à globalização e à criação de mais e mais barreiras para tentar impedir que a escala a que as coisas funcionam fique fora do nosso alcance, do nosso controlo e da nossa compreensão.

Parece-me, no entanto, que ou temos retrocesso tecnológico, ou teremos de aceitar, de facto, que a escala a que operamos deixou de ser a escala do séc. XVIII ou do séc. XIX. O mundo em que hoje vivemos está globalizado e a evolução tecnológica terá como efeito torná-lo mais globalizado e não menos. Não acredito, também, que a melhor forma de defender uma cultura que prezemos seja cortar-lhe o acesso a outras culturas. Penso exactamente o contrário: devemos dar a essa cultura a possibilidade de contribuir para o diálogo intercultural a nível global.

Finalmente, não devemos ter medo da complexidade. A evolução das comunidades humanas sempre foi um fenómeno bem complexo em que a interacção entre o indivíduo e os outros indivíduos que formam a comunidade e a interacção das instituições formais e informais de certa comunidade com o indivíduo são complicadas de definir e de explicar com rigor matemático. O facto de vivermos num mundo global deve ser encarado como uma oportunidade a aproveitar, não como algo a temer.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Todos somos estrangeiros



O conceito de «nação» impregna o nosso debate político. Os seres humanos são divididos de acordo com tradições culturais «comuns» e assim divididos em «nações».

Cada «nação» tem os seus mitos. Em Portugal, ligamos os portugueses aos lusitanos, por exemplo, e elementos da nossa História são depurados e transformados em histórias que servem para afirmar as características intrínsecas do «povo português».

A noção de que cada «nação» deve ter o seu «Estado» vê-se também em todo o lado como um ideal a atingir. Assim, cada conjunto de seres humanos culturalmente homogéneo deve gerir-se a si próprio. É nisto que redunda a «auto-determinação dos povos».

E assim surge o mito do «Estado-Nação», cujo objectivo último é «proteger» os seus membros e defendê-los dos outros. Esses «outros» são, claro, os «estrangeiros». E a vivência humana reduz-se a um confronto entre os «nacionais» e os «estrangeiros» por riqueza.

Nesta concepção do mundo, há uma guerra permanente e a paz é algo de estranho. Afinal, para que os «nacionais» tenham algum coisa, os «estrangeiros» têm de a perder, e «vice-versa». As diferenças entre estes grupos são inultrapassáveis e portanto conduzem inevitavelmente ao conflito.

Nesta visão do mundo não há grande lugar para os indivíduos enquanto tal. Estes são consumidos pela «nação» e pelo «Estado» que a suporta. São peões no grande confronto entre «nações» que ocorre a uma escala mais ou menos global.

Mas mesmo nesta visão do mundo, em que todos os seres humanos são considerados intrinsecamente diferentes por questões culturais, há algo que os une a todos: todos são «estrangeiros». Para um americano, um português é «estrangeiro». Para um português, é o americano que é «estrangeiro».

Não subscrevo esta visão do mundo que divide os seres humanos desta forma. Mais: considero o Estado Nação (e outros parecidos) um ideal nocivo, que gera, ele próprio, conflitos. Porque é um conceito que nos faz esquecer que, no fundo, todos temos algo que nos une, mesmo que seja sermos «estrangeiros».

Mas mais do que isso, o conceito de «Estado Nação» é profundamente anti-individualista e «standardiza» os indivíduos, agrupando-os de forma estanque, e colocando acima de tudo um conjunto de tradições idealizadas e não a possibilidade de cada um se definir a si próprio. É um conceito que ignora a forma orgânica como estabelecemos relações uns com os outros, independentemente da «nação» a que supostamente pertençamos.

Ontologicamente, todos os seres humanos são iguais em dignidade. E por serem todos iguais em dignidade, as diferenças que os definem enquanto indivíduos devem ser respeitadas. Cada indivíduo deve ser o mais livre possível de viver de acordo com as suas preferências e de estabelecer relações com quem bem entender.

A função do Estado não deve ser proteger um conceito abstracto de «nação», mas sim a liberdade individual de cada um dentro de uma certa comunidade. Esta liberdade deve, em particular, ser garantida a nível global, permitindo que cada um de nós estabeleça relações com quem quiser e seja parte das comunidades que quiser.

Ao Estado-Nação e à noção do «nós contra os outros» vem muitas vezes associado proteccionismo de várias estirpes, defendido para que «nós» enriqueçamos. O passo seguinte varia: ou simplesmente enriquecemos e os outros empobrecem, ou então temos de subsidiar outros «povos» mais pobres.

Eu não penso em «nós contra os outros». Sou, claro, acusado de ser «ingénuo», de não saber como funciona o mundo, de não ser «patriota». Acusações que me passam ao lado. No fim de contas, o que eu penso é que são as políticas proteccionistas que causam empobrecimento e nível global e um sem número de conflitos, não o livre comércio.

Mais: apesar de sistematicamente se acusar os liberais de promoverem o egoísmo (geralmente confundindo «egoísmo» com «individualismo»), a verdade é que eu defendo que quem vivem em África ou na América Latina deve ter a mesma hipótese de enriquecer que eu e quero implementar políticas nesse sentido, quem me chama egoísta acha que isso não é nada com ele e que os «outros» é que têm de fazer pela vida (através de medidas proteccionistas e estatistas, geralmente, claro).

Enquanto eu defendo cooperação a nível global fomentada pela existência de fácil intercâmbio comercial e cultural, outros ou defendem o conflito ou então «cooperação» através de enormes barreiras. Auto-proclamam-se «realistas», o truque habitual de quem quer apresentar as suas opiniões em algo de objectivo, e chamam-me «idealista», como se isso fosse um insulto.

Pois bem, eu sou um idealista. Um idealista pragmático. Não me escondo atrás de um manto de fingida objectividade, confundindo as minhas ideias com a realidade, ou confundindo o «ser» com o «dever ser».

Não tenho também ilusões de que o meu ideal nunca será atingido. Afinal, é um ideal. Mas isso nunca me impedirá de me bater por ele. Por muito ridículo que possa parecer.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Racionalidade, Reciprocidade, Empreendedorismo

Ser racional, tentar maximizar a nossa utilidade e viver de acordo com os nossos interesses não são o mesmo que ignorar por completo os outros que nos rodeiam. O conceito de racionalidade económica e mesmo o conceito de egoísmo quando encarado neste sentido não é minimamente incompatível com o conceito de reciprocidade. Haverá alturas, muitas alturas, em que nós consideramos que é do nosso interesse ajudar os outros, tanto porque os outros depois nos tenderão a ajudar também a nós, como também por simplesmente nos sentirmos bem em ajudá-os e considerarmos ajudá-los um bem em si mesmo.

Não é de todo surpreendente, aliás, que haja comportamentos altruístas. A capacidade de ajudar os outros, de sentir empatia, de ser solidário com quem tem problemas é a base de uma qualquer comunidade sólida. É essa capacidade que gera entre-ajuda nos membros da comunidade e essa cooperação é perfeitamente racional economicamente, da mesma forma que a concorrência o será. E será ainda importante notar que nada disto coloca em causa o individualismo e a capacidade dos indivíduos se afirmarem enquanto seres específicos, irrepetíveis e autónomos.

É importante lembrar tudo isto num país em que o Estado é excessivamente visto como uma simples fonte de subsídios. É importante lembrar tudo isto perante quem tenha preconceitos contra quem ridicularize a filantropia ou a caridade, imputando más intenções a quem as pratique (geralmente por serem «ricos» e portanto, por definição, de acordo com essas pessoas, serem cínicos e incapazes de sentir verdadeira empatia). É fundamentalmente importante lembrar que a sociedade civil tem um papel importante a desempenhar em situações de crise e que essa função não se resume a organizar pessoas que queiram receber subsídios e, portanto, servir de intermediários entre o Estado e o resto da população.

O que é fundamental no que toca à solidariedade é a capacidade de cada um de nós sentir que existe mais no mundo além do nosso umbigo e que é nosso dever ajudar quem precisa. É este sentimento, é esta cultura solidária que cria comunidades sólidas. Se a esta sentimento acrescer outro, o sentido de que devemos procurar, o mais possível, resolver os nossos problemas de forma autónoma, teremos uma comunidade em que os seus membros tentam resolver os seus problemas «de baixo para cima»: primeiro tentam resolver por si, se não conseguirem falam com vizinho(s), se não der falam com a associação de moradores ou com a junta e aí por diante.

Ao invés, não teremos uma comunidade em que as pessoas tentam resolver problemas que poderiam tentar resolver sozinhas através de uma petição ao Governo ou ao Presidente da República. Uma comunidade na qual se começa a tentar resolver os problemas por cima, em vez de por baixo, e em que as pessoas não confiam umas nas outras o suficiente para pedir ajuda. Depois, ironicamente, também não confiam no Estado e nos políticos (mais ou menos profissionais), a quem, no entanto, exigem a resolução de todos os problemas e mais alguns.

Parte da resolução dos problemas que atravessamos passa por as pessoas tentarem resolver os seus problemas por si e sentirem que têm pessoas à sua volta em quem confiam no caso de precisarem de ajuda, independentemente do Estado central ou de instituições públicas em geral. Se cada um de nós tentar resolver os seus problemas por si, ajudando no que pode os outros a resolverem os deles, menos imputaremos ao Estado e às instituições públicas, que se poderão, então, focar na resolução de problemas que, de facto, seja muito mais eficiente resolver a essa escala.

Criar empregos bem remunerados e aumentar a produtividade do país passa também por aqui. Precisamos de empresas que apostem na formação e na qualificação dos colaboradores, bem como em salários razoáveis para atrair os melhores e conseguir mantê-los, e que valorizem o «know how» como um activo precioso. Precisamos de gente que esteja disposta a sair da sua zona de conforto e de arriscar, independentemente da existência de subsídios estatais e de deixar que essa gente seja capaz de o fazer sem primeiro sufocar em regulamentos desnecessários e impostos.

Tudo isto, parece-me, já existe em Portugal, embora não corresponda ao estereótipo a que nos fomos habituando de Portugal. Acontece que estas pessoas estão demasiado ocupadas a inovar e a trabalhar para terem tempo de aparecer constantemente na comunicação social. Mesmo assim, vamos tendo notícias de bons exemplos em Portugal. São as «pessoas completamente loucas» de que o Hugo Garcia já aqui falou. É muito por essas pessoas que, parece-me, passa o futuro desenvolvimento económico português, aquele que poderá aos poucos ir substituindo a crise em que vivemos (e que irá perdurar). Se lhes retirarmos barreiras e deixarmos explorar todo o seu potencial, quem sabe o nível de progresso que atingiremos?


terça-feira, 16 de agosto de 2011

Literatura, Cultura e Cosmopolitismo

Imaginemos um sistema em que havia mais autonomia curricular ao nível das escolas, e mais autonomia na escolha das escolas.

Num sistema como este, eu escolheria escolas em que as pessoas aprendessem literatura (além de textos não-literários) como parte do estudo da língua. Não porque os programas definissem o que é "boa" literatura ou "má" literatura, ou que definissem que se tem de gostar de certos livros ou não gostar de outros (isso é com cada um), mas porque a língua não é apenas um conjunto de regras de gramática. É uma emanação cultural, sendo a literatura uma aplicação da língua cujo estudo ajuda a aprender a cultura da qual a língua é uma emanação, e que portanto ajuda a compreendê-la melhor.

Em casa, exporia também os meus filhos a outros livros, a outras ideias, e quereria contar com a escola como um aliado na minha tentativa de lhes expandir os horizontes para além, se possível, daqueles que eu próprio tenha conseguido atingir. Mas claro, eu tenho os meus gostos e as minhas preferências, o que tenderia a toldar aquilo a que os meus filhos estariam expostos. E eu considero que os meus filhos têm direito a ter acesso a conhecimento que eu não tenha, não sendo limitados pelos meus gostos e pelas minhas preferências.

Em suma, quereria que a escola fosse minha aliada no meu propósito de que os meus filhos adquirissem a capacidade de compreender e criticar obras literárias e não-literárias, além da capacidade de escrever textos de ficção e de não-ficção, expandindo-lhes os horizontes, se possível, até para além dos meus.

Quereria isso por dois motivos principais:
1) Considero que o conhecimento e a capacidade de processar conhecimento são importantes por si só;
2) Nos tempos que correm, as pessoas precisam cada vez mais de se diferenciar das outras para conseguirem um emprego e a vida que desejarem, e para isso precisam de vantagens comparativas; esta capacidade de raciocínio é uma vantagem comparativa importante.

Mesmo que os meus filhos fossem para algo que pouco tivesse a ver com literatura, a capacidade de interpretação e de elaboração de textos de qualidade continuaria sempre a jogar a seu favor. Da mesma forma que a lógica matemática me ajudou, e me tem ajudado, enquanto jurista.

(Nota: tudo o que eu disse está pensado para toda e qualquer língua, e eu quereria que os meus filhos aprendessem mais do que português, claro está.)

De um ponto de vista da comunidade como um todo, considero que maximizar o nível de literacia da população tem impactos relevantes ao nível da qualidade de vida e dos empregos que se criam e aos quais se tem acesso. Tem ainda impacto relevante na capacidade que a comunidade tem de se reinventar. E tem, finalmente, impacto ao nível da capacidade que os filhos têm de se emancipar, enquanto indivíduos, das restrições colocadas pelo «background» dos pais.

Isto, combinado com a aprendizagem de diversas línguas, o que significa exposição a várias culturas diferentes, promove o diálogo cultural e a abertura de espírito. Promove um certo cosmopolitismo que eu considero desejável, e que tem faltado nos dias que correm.

Entre os mil e um projectos que me correm pela cabeça, e que um dia gostaria de implementar, um deles é precisamente fundar, ou auxiliar, uma associação vocacionada para este tipo de fins. Mas o tempo, infelizmente, não dá para tudo.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Apresentação/Um povo contra si mesmo

Antes mesmo de me apresentar, vejo-me na obrigação de agradecer ao João pelo amável convite para este desafio de participar no Cousas que, concordarão, vem atingindo um nível geral em todos os artigos muito elevado, o que ganha relevo em particular ao compararmo-lo com outros blogs bem mais reputados...

Chamo-me Luís, estou a versar Economia, no ISEG e sou um liberal em formação, em dois sentidos: um, estou ainda a moldar o meu próprio framework ideológico; dois, a aprender sobre o liberalismo, as ideias, autores, mitos e desmitos associados. Se acredito que toda a abordagem séria e não-sofística não passa deste ponto, espero que a falta de sofisticação da minha não dê demasiado peso ao outlier que representarei na minha contribuição para o blog.

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Macroeconomia 101: Uma definição para uma economia eficiente: é aquela em que “todas as oportunidades para melhorar a situação de alguém sem piorar a de outrém são aproveitadas”. Urge não misturar este conceito de eficiência com o de produtividade, principalmente a do trabalho...

Uma das propaladas putativas razões para termos chegado a esta crise é a nossa produtividade muito baixa, que confere uma desvantagem competitiva à nossa economia inserida nos vários mercados globais. Parece óbvio que tudo está por melhorar nesta matéria - é a dita e redita história:

- Não, frau Merkel, o Zé trabalha bem mais do que vós!
- Und? A questão é que arbeitam pior.

E mesmo se olharmos apenas para algo tão redutor como a proxy variable para a produtividade do trabalho, produto/homem-hora, e mesmo se esquecermos milhares de outros factores que contribuem, no nosso caso, para o seu desvalor... não é preciso puxar muito pela cabeça para se lembrar de uns quantos exemplos de conhecidos seus peritos em gerar “homem-horas” perdidas, não é assim?

Isto é, a nossa ética de trabalho, parte integrante da nossa cultura, apresenta-se, ainda que discutivelmente, como uma de muitas causas para este défice de produtividade, o que, importa sublinhar, é sustentado por ser um “problema” comum às culturas ditas mediterrânicas, mais semelhantes à nossa - curiosamente ou talvez não, salvo o caso da Irlanda, as que se vêem mais “aflitas” neste período. Ainda mais curioso é que os próprios dados para o referido e redutor produto/homem-hora são relativamente sugestivos: Grécia, Portugal, Itália e Espanha apresentam todos valores abaixo da média da zona euro e excepto no caso hermano, também da OCDE, cujo valor se situa acima de países como o Reino Unido e a Finlândia.

No fundo, tudo isto vai ao encontro do estéril discurso do “Temos que trabalhar mais, produzir mais e melhor(...)”, também pela brigada do bolo-rei aventado...

“Que monstruoso animal é aquele que se causa horror a si mesmo, que é manchado pelos seus prazeres, como se condena à desdita!”

- Voltaire

(Um dos bónus que traz ler Savater, essa espécie de Carl Sagan, ou já agora, Nuno Crato da filosofia, é que cada capítulo é uma colecção de interessantes citações...)

Agora, convém aferir se é efectivamente “mudar” uma parte de uma forma de estar na vida aquilo que, de um modo geral, a psique do povo português almeja, aliás, if it all came down to this, seria mais que legítimo não ser o caso (na minha opinião, seria até salutar, se não do ponto de vista ético, pelo menos do estético). O que não podemos ter é o que actualmente, mais do que noutras ocasiões, se verifica, que é uma certa existência esquizofrénica - estamos, como um todo, constantemente a surpreender-nos com certas coisas que nada de novo têm, sem querer perceber que cada efeito tem a sua causa.

Queremos passar a ponte para ir à praia sem nos dignarmos a pagar portagem como quem o faz por obrigação. Queremos que nos emprestem dinheiro a juros simbólicos sem nos dignarmos pagar o que já emprestaram. Queremos bons políticos sem nos dignarmos a votar. Queremos ter saúde “à borla”, transportes quase, água e luz baratas, sem nos dignarmos a pagar o básico de impostos. Queremos emprego (direitos), mas não queremos trabalhar (deveres)? Et cetera.

Mais, exigimos.

Basicamente, estamos convictos de que as omoletes têm a obrigação, no mínimo moral, ou até, por vezes, legal, vide a divina lei de St.ª Constituição, de aparecer na frigideira, independentemente de lá pormos ovos ou não. E se por um lado censuramos veemente certas atitudes, principalmente quando limitadas a grupos restritos, temos dificuldade em não compactuar com elas no quotidiano, em consonância com o seu enraizamento cultural.

A génese deste tipo de atitude parece-me a mesma da tal “work ethic” à portuguesa. Ouve-se muito, no entanto, a teoria de que isso é imutável, porque não podemos perder a nossa identidade como povo, somos quem somos e não queremos imitar a “ética protestante”, nem a “ambição americana”, ou a “dedicação oriental”. I don’t buy this - acho que podemos ampliar os numerosos exemplos bem portugueses de trabalho em quantidade e em qualidade, a uma fatia maior da nossa sociedade, sem perder a nossa identidade... mas o facto é que me soa lógico que a nossa situação pode ser melhorada independentemente da propalada melhoria da produtividade.

Isto é, por um lado, seria importante caminhar no sentido de apaziguar a esquizofrenia de expectativas, isto é, não tem mal nenhum sermos, como levemente referi, “assim e pronto”, desde que aceitando o que isso acarreta, ou vivendo apenas com o que isso permite.

Por outro, é sobretudo no aumento da eficiência da nossa small open economy que devemos pensar. Parece óbvio, mas a verdade é que, embrulhando-nos noutras discussões, amiúde este ponto a meu ver essencial é esquecido. O próprio “triunvirato” referiu isto como fundamental (simbolicamente falando, o termo eficiência aparece 20x no memorando de entendimento, vs. 1x produtividade). Sob uma lógica de maior abertura e transparência dos mercados, aumentando simultaneamente a liberdade de escolha não no demagógico-conservador, mas no verdadeiro sentido do termo, dos consumidores e empresas, para as quais as guidelines para as reformas em sectores como o da justiça e o da supervisão, o energético, ou o dos transportes apontam, o aumento da eficiência na nossa economia, ou daquilo que conseguimos ganhar e fazer com o que ganhamos, atendendo ao que a nossa work ethic e cultura, que se traduzem, também, em demasiados free riders, nos permitem.

Naturalmente, mesmo por aqui, alguns velhos hábitos se atravessam no caminho...