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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

António Borges e a RTP

António Borges devia ser Ministro das Privatizações e da Reforma do Estado, em vez de consultor. Coordenaria os processos de privatização em conjunto com os Ministros relevantes e auxiliaria o Ministro das Finanças a fazer uma reforma estrutural do Estado.

Se o Governo quer que alguém tenha poder relevante em relação a uma matéria tão importante como são as privatizações, então essa pessoa tem de ser sujeita a escrutínio público e, principalmente, a escrutínio parlamentar. Não só porque é a melhor forma de mitigar acusações de falta de transparência, como também porque tornaria tudo muito mais claro: quando António Borges falasse, falava um Ministro, falava em princípio em nome do Governo.

Como está, não se sabe bem a que título fala António Borges quando fala e qual a real autoridade das suas palavras. Isto é um problema para o país, um problema organizacional e de relações públicas para o Governo, e uma aberta para a Oposição se dedicar a falar de temas que bem poderiam ser acessórios e atirar achas para a fogueira das teorias da conspiração, desviando-se do debate substancial sobre qual o papel do Estado na área da comunicação social.

Aliás, o risível debate que houve sobre o relatório do grupo coordenado por João Duque sobre o tema do «serviço público de televisão», que deveria ter servido de base a uma nova lei através da qual o PSD cumprisse a sua promessa eleitoral de privatizar a RTP 1 e manter a RTP 2, subordinando-a a esse novo conceito de «serviço público de televisão» foi bastante elucidativo. Na prática, não houve debate. Pegou-se numas afirmações infelizes de João Duque, ignorou-se o conteúdo do relatório, e o Ministro Miguel Relvas enterrou-o e esqueceu-o.

Agora, temos um modelo de concessão da gestão da RTP 1 a privados (não vejo em que é o que o texto constitucional impede esta solução - parece-me que permite a concessão, deste que exista um serviço público). Passar-se-ia a pagar o valor arrecadado através da taxa audiovisual a uma entidade privada. E extinguir-se-ia a RTP2, em parte com o argumento de que ninguém a vê.

Ora, eu acho que se devia abolir a taxa audiovisual e privatizar os vários canais da RTP, incluindo os canais por cabo. A RTP 2 poderia funcionar como penso que funciona a PBS, através de um sistema de doações. E o Estado devia aproveitar as potencialidades do TDT para introduzir mais concorrência no canal aberto.

Neste momento, «serviço público de televisão» tornou-se sinónimo de «aquilo que dá na RTP». Quando o grupo de João Duque tentou criar um conceito mais concreto, foi sumariamente ignorado.

Foi-me dito, e eu concordo, que a cultura e o tamanho do país (mais a primeira do que a segunda) tornariam de difícil implementação o financiamento da RTP 2 através de um modelo de doações totalmente voluntárias, de gente que valoriza programação de qualidade e pretende, portanto, apoiar a existência de um canal aberto com esse tipo de programação.

Parece-me, no entanto, que as pessoas que se dizem fãs da RTP 2 e que a pretendem manter podiam juntar-se e fazer essa proposta. Tornar a RTP 2 uma verdadeira televisão da sociedade civil - na prática, uma espécie de ONG televisiva vocacionada para programas educativos e culturais, provavelmente complementadas com séries de ficção com altos valores de produção. E nada a impediria de ter um serviço informativo também de qualidade.

Diga-se, aliás, que eu não considero que o serviço informativo público seja automaticamente mais fidedigno que o serviço informativo privado. Não é por ser público que é fidedigno e não é por ser privado que é fidedigno, e eu não considero que ser dono de estações de televisão seja parte das funções do Estado. Não vejo porque é que o Estado tem de garantir este serviço quando o serviço já pode bem ser prestado por privados ou por entidades não-governamentais.

De qualquer forma, e tendo em atenção que o que diz a Constituição não vai mudar tão cedo, e que Roma não foi construída num dia, a minha solução de compromisso teria sido claramente a que foi proposta pelo PSD nas eleições. Parte das funções do Ministro Miguel Relvas devia ter sido implementá-la.

Em vez disso, o relatório do grupo de João Duque morreu, a gestão da RTP 1 vai ser concessionada, e a RTP 2 desaparece. Ou seja, não se definiu "serviço público de televisão" e acaba-se desnecessariamente com um canal, mantendo-se a taxa audiovisual para se financiar a gestão de uma RTP 1 que não se percebe bem que serviço público prestará.

E como é que o assunto tem sido debatido? Aos gritos. Claro.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Ataques pessoais a António Borges

(A entrevista de António Borges pode ser lida aqui - basta seguir os vários «links».)

Surgiu um jornalista do Le Monde a dizer que António Borges foi corrido do FMI por incompetência. Além disso, António Borges tem ligações à Goldman Sachs, o que só por si o parece qualificar para todo o tipo de ataques de carácter. E finalmente, António Borges falou em cortar salários, pelo que caiu de imediato o carmo e a trindade.

Acontece que acusar António Borges de defender uma política de baixos salários é distorcer o que ele disse. E eu, por acaso, parece-me mais útil discutir o que ele disse do que as distorções - concorde-se ou não com o que ele disse. E o que disse António Borges? Que cortar os salários era um «urgência» mas que não era uma «política». Ou seja, que na situação actual, cortar salários deve ser feito, mas não é o que deve acontecer no longo prazo - o que é precisamente o oposto de defender uma política de baixos salários.

Mas mais. Acontece que toda a gente que defende que devemos sair da crise com inflação também está a defender cortes no valor real dos salários (e de muito mais, incluindo da poupança, já agora) como forma de sair da crise. Mas, como é evidente, ninguém que defenda a inflação como política é confrontado com estes pequenos pormenores.

António Borges diz ainda outra coisa: que o que está em causa são dois modelos diferentes de crescimento, e não uma política de crescimento e uma política de não-crescimento. (Ver também artigos de José Manuel Fernandes sobre este tema aqui e aqui.) Diz ainda que a austeridade é necessária para que se possa crescer (de forma sustentada) no futuro - e até Paul Krugman, por muito que isso custe a certa Esquerda, disse que em Portugal não havia alternativa a haver austeridade (embora Krugman já não devesse concordar com o modelo de crescimento proposto por António Borges, imagino).

Nada disto interessa. O que interessa é retirar a citação sobre cortes nos salários do contexto, acusar António Borges de querer uma política de baixos salários, citar abundantemente o jornalista do Le Monde, e falar das ligações de António Borges à Goldman Sachs. Em vez de se discutir ideias e políticas, fazem-se ataques pessoais e tenta passar-se o nome de António Borges pela lama.

É o grau zero da política. A política das insinuações, das motivações ocultas e do insulto fácil. A política da suposta superioridade moral de quem não sente qualquer problema ético em retirar afirmações do contexto ou em inventar motivações torpes em vez de apresentar argumentos para rebater o que António Borges disse defender.

E portanto, em vez de termos um debate sobre produtividade e sobre a reestruturação da economia (com algumas excepções), tivemos distorções e julgamentos morais. É pouco, muito pouco mesmo. Mas parece que é o que temos.