António Borges devia ser Ministro das Privatizações e da Reforma do Estado, em vez de consultor. Coordenaria os processos de privatização em conjunto com os Ministros relevantes e auxiliaria o Ministro das Finanças a fazer uma reforma estrutural do Estado.
Se o Governo quer que alguém tenha poder relevante em relação a uma matéria tão importante como são as privatizações, então essa pessoa tem de ser sujeita a escrutínio público e, principalmente, a escrutínio parlamentar. Não só porque é a melhor forma de mitigar acusações de falta de transparência, como também porque tornaria tudo muito mais claro: quando António Borges falasse, falava um Ministro, falava em princípio em nome do Governo.
Como está, não se sabe bem a que título fala António Borges quando fala e qual a real autoridade das suas palavras. Isto é um problema para o país, um problema organizacional e de relações públicas para o Governo, e uma aberta para a Oposição se dedicar a falar de temas que bem poderiam ser acessórios e atirar achas para a fogueira das teorias da conspiração, desviando-se do debate substancial sobre qual o papel do Estado na área da comunicação social.
Aliás, o risível debate que houve sobre o relatório do grupo coordenado por João Duque sobre o tema do «serviço público de televisão», que deveria ter servido de base a uma nova lei através da qual o PSD cumprisse a sua promessa eleitoral de privatizar a RTP 1 e manter a RTP 2, subordinando-a a esse novo conceito de «serviço público de televisão» foi bastante elucidativo. Na prática, não houve debate. Pegou-se numas afirmações infelizes de João Duque, ignorou-se o conteúdo do relatório, e o Ministro Miguel Relvas enterrou-o e esqueceu-o.
Agora, temos um modelo de concessão da gestão da RTP 1 a privados (não vejo em que é o que o texto constitucional impede esta solução - parece-me que permite a concessão, deste que exista um serviço público). Passar-se-ia a pagar o valor arrecadado através da taxa audiovisual a uma entidade privada. E extinguir-se-ia a RTP2, em parte com o argumento de que ninguém a vê.
Ora, eu acho que se devia abolir a taxa audiovisual e privatizar os vários canais da RTP, incluindo os canais por cabo. A RTP 2 poderia funcionar como penso que funciona a PBS, através de um sistema de doações. E o Estado devia aproveitar as potencialidades do TDT para introduzir mais concorrência no canal aberto.
Neste momento, «serviço público de televisão» tornou-se sinónimo de «aquilo que dá na RTP». Quando o grupo de João Duque tentou criar um conceito mais concreto, foi sumariamente ignorado.
Foi-me dito, e eu concordo, que a cultura e o tamanho do país (mais a primeira do que a segunda) tornariam de difícil implementação o financiamento da RTP 2 através de um modelo de doações totalmente voluntárias, de gente que valoriza programação de qualidade e pretende, portanto, apoiar a existência de um canal aberto com esse tipo de programação.
Parece-me, no entanto, que as pessoas que se dizem fãs da RTP 2 e que a pretendem manter podiam juntar-se e fazer essa proposta. Tornar a RTP 2 uma verdadeira televisão da sociedade civil - na prática, uma espécie de ONG televisiva vocacionada para programas educativos e culturais, provavelmente complementadas com séries de ficção com altos valores de produção. E nada a impediria de ter um serviço informativo também de qualidade.
Diga-se, aliás, que eu não considero que o serviço informativo público seja automaticamente mais fidedigno que o serviço informativo privado. Não é por ser público que é fidedigno e não é por ser privado que é fidedigno, e eu não considero que ser dono de estações de televisão seja parte das funções do Estado. Não vejo porque é que o Estado tem de garantir este serviço quando o serviço já pode bem ser prestado por privados ou por entidades não-governamentais.
De qualquer forma, e tendo em atenção que o que diz a Constituição não vai mudar tão cedo, e que Roma não foi construída num dia, a minha solução de compromisso teria sido claramente a que foi proposta pelo PSD nas eleições. Parte das funções do Ministro Miguel Relvas devia ter sido implementá-la.
Em vez disso, o relatório do grupo de João Duque morreu, a gestão da RTP 1 vai ser concessionada, e a RTP 2 desaparece. Ou seja, não se definiu "serviço público de televisão" e acaba-se desnecessariamente com um canal, mantendo-se a taxa audiovisual para se financiar a gestão de uma RTP 1 que não se percebe bem que serviço público prestará.
E como é que o assunto tem sido debatido? Aos gritos. Claro.
Excelente texto João.
ResponderEliminarÉ interessante essa tua proposta para o futuro da RTP2, que eu acho que deveria continuar a existir, dada a qualidade da sua programação ser efetivamente superior à da RTP1 (e ainda com espaço para ser melhorada).
Nota: detesto o sistema de verificação de comentários do blogger...é preciso inserir os caracteres umas 10 vezes antes de acertar no que lá está escrito.
Tendo em conta que o espectro electromagnético é limitado e é o estado que efectua o seu licenciamento nada impede que esses contratos obriguem as entidades que alugam as ditas frequências tenham X horas de serviço público ou façam contribuições para um canal semelhante à PBS, sendo que operadores de telemóveis poderiam ser também se chamados já que também ocupam as ondas. Algo semelhante à fairness doctrine americana seria interessante neste aspecto, obrigando a uma cobertura equilibrada por parte dos canais. O SCOTUS não a considerava uma violação da Primeira Emenda em parte devido à escassez de frequências e o papel do estado na sua gestão. Entrentanto por aqueles lados essas doutrinas já desapareceram, lamentavelmente.
ResponderEliminarCom a TDT há mais espaço para mais canais, só nós é que ficámos exactamente iguais na transição, continuando a pagar com os nossos impostos canais da RTP que só são oferecidos por cabo.
O pior disto tudo acaba por ser o contribuinte a pagar uma taxa a uma empresa privada de forma obrigatória. Para não falar nas afirmações do Sr. Seguro que diz que quando o seu partido chegar ao governo volta a nacionalizar a RTP. O que um faz o outro desfaz e assim vamos tendo instituições que nunca maturam.
óptimo texto!
ResponderEliminar-Acabar com a 2? Onde fica a diversidade e o serviço público?
-O que muda para o contribuinte com esta "concessão"?
-Borges fala em nome de quem?
-Relvas não fala porquê? Será que é porque os seus ex-patrões são os favoritos?
-O que serviu o estudo de Joaõ Duque?
-Esta forma de fazer política é execrável...