terça-feira, 5 de junho de 2012

Ataques pessoais a António Borges

(A entrevista de António Borges pode ser lida aqui - basta seguir os vários «links».)

Surgiu um jornalista do Le Monde a dizer que António Borges foi corrido do FMI por incompetência. Além disso, António Borges tem ligações à Goldman Sachs, o que só por si o parece qualificar para todo o tipo de ataques de carácter. E finalmente, António Borges falou em cortar salários, pelo que caiu de imediato o carmo e a trindade.

Acontece que acusar António Borges de defender uma política de baixos salários é distorcer o que ele disse. E eu, por acaso, parece-me mais útil discutir o que ele disse do que as distorções - concorde-se ou não com o que ele disse. E o que disse António Borges? Que cortar os salários era um «urgência» mas que não era uma «política». Ou seja, que na situação actual, cortar salários deve ser feito, mas não é o que deve acontecer no longo prazo - o que é precisamente o oposto de defender uma política de baixos salários.

Mas mais. Acontece que toda a gente que defende que devemos sair da crise com inflação também está a defender cortes no valor real dos salários (e de muito mais, incluindo da poupança, já agora) como forma de sair da crise. Mas, como é evidente, ninguém que defenda a inflação como política é confrontado com estes pequenos pormenores.

António Borges diz ainda outra coisa: que o que está em causa são dois modelos diferentes de crescimento, e não uma política de crescimento e uma política de não-crescimento. (Ver também artigos de José Manuel Fernandes sobre este tema aqui e aqui.) Diz ainda que a austeridade é necessária para que se possa crescer (de forma sustentada) no futuro - e até Paul Krugman, por muito que isso custe a certa Esquerda, disse que em Portugal não havia alternativa a haver austeridade (embora Krugman já não devesse concordar com o modelo de crescimento proposto por António Borges, imagino).

Nada disto interessa. O que interessa é retirar a citação sobre cortes nos salários do contexto, acusar António Borges de querer uma política de baixos salários, citar abundantemente o jornalista do Le Monde, e falar das ligações de António Borges à Goldman Sachs. Em vez de se discutir ideias e políticas, fazem-se ataques pessoais e tenta passar-se o nome de António Borges pela lama.

É o grau zero da política. A política das insinuações, das motivações ocultas e do insulto fácil. A política da suposta superioridade moral de quem não sente qualquer problema ético em retirar afirmações do contexto ou em inventar motivações torpes em vez de apresentar argumentos para rebater o que António Borges disse defender.

E portanto, em vez de termos um debate sobre produtividade e sobre a reestruturação da economia (com algumas excepções), tivemos distorções e julgamentos morais. É pouco, muito pouco mesmo. Mas parece que é o que temos.

4 comentários:

  1. Abaixo copio o comentário que fiz, há uns dias no cachimbo de Magritte a um texto "Borges: o sonho de Louçã" O cameralista que há em mim não resiste por vezes a sair do Armario:)

    Quando surgiu há uns anos, julgava que este senhor era uma lufada de ar fresco. Stanford, INSEAD, Goldman Sachs, todo um pedigree bem.
    O que tem o Governo a ganhar com isto?
    Não se percebe a urgência da limpeza. A reforma laboral, devia ter sido há 15 anos, antes dos empregos "voarem" para outros sítios.
    Borges e Catroga na economia fazem mais dano ao Governo que toda a oposição junta. Louçã ao cubo qualquer um deles.
    Com o "epíteto" de Senadores, fazem o que lhes dá na real gana e dizem barbaridades, ao nível das de Cavaco que só mostram o quão desfasados estas pessoas estão da realidade do dia-a-dia das pessoas.
    António Borges também tem que provar que é um bom gestor e defender o interesse público nas privatizações.
    A Troika avalia Portugal, o Povo avalia o Governo em eleições, o meu chefe e Patrão avaliam-me a cada 3 meses e quem avalia o senhor consultor?
    Já dizia Juvenal "Quis custodiet ipsos custodes? " Quem guardará os guardas?

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    1. O ponto, parece-me, é que a economia está em ajustamento, e que isso é necessário para que seja possível crescer de forma sustentável. A «urgência» vem do facto de estarmos em crise - e superarmos a crise passa precisamente por reestruturarmos a nossa economia. E foi a isso que António Borges chamou "limpeza".

      Relativamente à reforma laboral, a tua crítica pura e simplesmente não faz sentido. De qualquer forma, se tu a achas importante, pode agora ser usada para atrair investimento para Portugal - e com ele, empregos. Admitindo que deveria ser esta reforma a reforma a fazer - o que é discutível.

      Quanto às "barbaridades" e outros comentários parecidos, são críticas vazias de conteúdo.

      E quem avalia o senhor consultor, em primeira linha, imagino, é o próprio Governo que o contratou. Que por sua vez é escrutinado directamente pelo Parlamento. Que por sua vez é eleito pelo povo.

      Pessoalmente, considero um erro a contratação de António Borges como "consultor". Não por ser António Borges, mas por ser "consultor". Mas isso é outra discussão. O ponto aqui é a baixeza dos ataques pessoais feitos a António Borges que ao mesmo tempo distorcem aquilo que ele disse. E que me parecem dizer mais sobre quem os faz do que do próprio António Borges.

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  2. Essa é a tua interpretação de "limpeza". Eu interpreto na lógica de retirar o Estado e sector público da economia.
    É uma barbaridade, um tipo com um doutoramento em Economia e que nunca criou uma empresa falar assim.
    Tal como o Catroga falar em pentelhos e aceitar ir para EDP.
    Sobre a reforma laboral, a minha crítica foi relativa ao tempo e infere-se que é uma reforma inútil. Pois não há empregos, nem irá atrair investimento.
    Isto não tem nada a ver com o modelo dos gansos voadores.

    Quanto a isto

    "E quem avalia o senhor consultor, em primeira linha, imagino, é o próprio Governo que o contratou. Que por sua vez é escrutinado directamente pelo Parlamento. Que por sua vez é eleito pelo povo."
    Na prática parece-me que isto não é bem assim. Seja, pelas deformações do sistema seja por outros fenómenos.
    O Governo avaliá-lo? Se o nomeou? Conflito de interesses...

    Há um pequeno problema que está a fazer as pessoas afastarem-se do Governo, que é o sentimento de uma falta de rumo. Isto preocupa-me visto que parece-me que o fenónemo de entrincheramento e de visão-de-túnel entre o Governo e os "outros" está a começar demasiado cedo.

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    1. Enfim, falando da tua interpretação, tirar o Estado e o sector público da economia está directamente ligado com a expansão de empresas públicas que se tem visto, com o retorno negativo que se conhece, além de nos livrarmos de coisas como as 'golden shares', o que me parece algo de positivo.

      Quanto à reforma laboral, devia ter acontecido há 15 anos porque agora não vai atrair investimento? Bom, vais ter de explicar porque é que esta reforma laboral devia ter sido feita há quinze anos - o que significa explicar a reforma laboral que foi feita, já agora. E não é a reforma laboral por si que pretende atrair investimento - e toda uma panóplia bem mais alargada de reformas (lei da concorrência, lei das rendas, futuras reformas fiscais, etc.).

      Quanto ao Governo não poder avaliar o consultor que nomeou, isso é o mesmo que dizer que o Presidente não pode avaliar o Primeiro Ministro que nomeou, ou que uma empresa não pode avaliar um trabalhador ou um prestador de serviços que contratou. Não é no interesse do Governo manter ao seu serviço um consultor que faça um mau trabalho - o custo de curto prazo de se livrar de um consultor é compensado por não haver custos de longo prazo se a dispensa for feita correctamente, de qualquer forma. (O Governo pode ser mau e manter um mau consultor - mas isso entra no capítulo da incompetência, mais do que no conflito de interesses.)

      De qualquer forma, como disse, não me parece que tenha sido boa ideia contratá-lo como consultor. O problema é que é uma figura demasiado 'grande' para ir para Secretário de Estado e o Primeiro Ministro está amarrado à promessa do número reduzido de Ministérios que vai pretender cumprir. Também não é necessariamente verdadeiro que António Borges aceitasse colaborar num cargo diferente, e a natureza da função também explica um cargo de permanência menos duradoura como 'consultor'.

      E eu não sinto falta de rumo - mas sinto que o Governo não tem conseguido explicar o que faz. Sempre que falo nisso, tu dizes-me que há muito que fazer e não há tempo. Mas parece-me que isso ajudaria muito a que se percebesse o rumo do Governo.

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