domingo, 16 de outubro de 2011

Indignados

Os indignados não me representam. Tal como a mim, não representam muito mais gente. No entanto, auto-proclamam-se representantes do «povo». Ninguém os mandatou para tal. Eu fui votar, foi aí que mandatei alguém para me representar, no Parlamento. Nos Indignados, não votei, nem quero votar.

Arrogar-se o título de «representantes do povo» demonstra a pretensão de que as opiniões delas são aquelas que contam, são as opiniões «do povo». Só eles sabem o que é a «verdadeira democracia» (mas não explicam o que é), só eles têm os «olhos abertos» (por muito que não saibam o que um «credit-default swap») e só eles têm uma «verdadeira alternativa» (que varia de indignado para indignado).

Todos temos direito à manifestação. Ainda bem que a manifestação foi pacífica. Mas quem me representa é quem eu digo que me representa, não é alguém que se auto-proclama como «representante do povo». E esta tentativa de deslegitimar as eleições e a actuação do Parlamento é uma forma de deslegitimar a democracia representativa que temos vindo a construir, e que de facto precisa de reformas.

As «Assembleias Populares», «ad hoc», em que a pressão de grupo coage no sentido do pensamento único, acompanhadas de distribuição de papéis com perguntas enviesadas (vulgo, «referendo popular) poderão ser uma boa forma de, pacificamente, discutir questões que preocupem quem lá vai, mas não são uma grande novidade, uma grande conquista, uma grande revolução. Tal como acampar em praças públicas, «privatizando-as» durante esse tempo, não é uma grande vitória nem um grande passo no sentido  de resolvermos os graves problemas com os quais nos confrontamos.

Reitero que valorizo imenso a forma pacífica como os «indignados» se têm comportado em Portugal, e que não foi seguida, por exemplo, na Grécia (caso extremo) ou em Itália. Reitero que as manifestações pacíficas são perfeitamente legítimas e são uma forma saudável de manifestar desacordo com políticas seguidas pelo Parlamento ou pelo Governo. Mas confesso que ainda não vi nos «indignados» alternativas credíveis. Não vi uma visão estratégica sobre o que fazer no futuro. E é disso, mais do que tudo, que precisamos.

Quando falo em «credíveis», não me refiro a repetir o que dizem Boaventura de Sousa Santos (cujo passatempo parece ser descaracterizar as posições económicas liberais e mascarar vacuidade com jargão técnico) ou Jerónimo de Sousa (cujo discurso nacionalista e economicamente conservador é tragicamente apelidado de «esquerda»), para dar dois exemplos. É preciso que o debate seja intelectualmente honesto e não assente em chavões, que foi aquilo em que se transformaram expressões como "neoliberalismo" ou "ultra liberalismo".

É que no limite, o que me parece é que estas pessoas querem «democracia real» porque o Parlamento eleito não tem a maioria que elas desejariam, e está a implementar políticas de que elas não gostam. E portanto, os «indignados» tentam retirar legitimidade ao Parlamento e à democracia vigente. Porque se não conseguem implementar as suas medidas formando maiorias após eleições, então tentam consegui-las por outras vias, nomeadamente tentando que o poder «caia na rua».

Só que o poder cair na rua não é equivalente a democracia. O poder cair na rua, o poder das «multidões», é conferir muito realmente poder a essas multidões para ignorarem os direitos individuais de cada um. E esse tipo de democracia, para mim, não é «democracia real». É «mob rule». E se por enquanto, em Portugal, temos assistido a manifestações pacíficas, a «mob rule» tende a ser tudo menos pacífica.

P.S. Há também a pretensão dos «indignados» de dizerem representar a maioria da população, quando não dizem simplesmente que são representantes do povo. Acontece que a maioria da população que votou nas eleições, votou no PS, no PSD e no CDS-PP, todos eles partidos ligados à Troika, e tinha a hipótese de ter votado no BE, no PCP e noutros partidos. Será isso algo a ignorar? Ou vamos agora andar com a tese de que as pessoas foram «enganadas», apesar de sistematicamente lhes ter sido dito que se ia ir além da Troika, além de se terem descoberto buracos nas contas (que poderão, concedo, não justificar, só por si, um orçamento tão para além do previamente definido com a Troika)?

Eu não passo um atestado de «coitadinho» à população portuguesa. As pessoas sistematicamente votaram em partidos com programas que nos puseram nesta situação e, nas eleições passadas, votaram em partidos que disseram claramente que iriam além da Troika. E isto aplica-se ao Continente e à Madeira. Porque eu, contrariamente a uma certa Esquerda que por aí anda, não aplico um «standard» à Madeira e outro ao Continente.

6 comentários:

  1. Olá João.

    Também não concordo com tudo o que os chamados "Indignados" proclamam. No meio das massas há sempre muita ignorância, demagogia e extremismos. Mas também não vi ninguém a apelar ao "poder na rua". Da minha leitura, o que entendo é que os Indignados querem novos instrumentos políticos que encurtem a distância participativa do cidadão em relação ao processo decisório. Querem que a atual democracia possa evoluir de modo a articular o instrumento clássico de representação (a eleição quadrianual) com outras ferramentas que permitam o cidadão participar ou influênciar no processo decisório. Ninguém está contra as eleições e o Parlamento. O que as pessoas querem é ter uma classe política responsável e com sentido de bem comum e não que se desliguem do programa eleitoral com o qual foram eleitos para depois andarem em "roda livre" sem prestar contas a ninguém. Esse comportamento é que é lesivo da democracia e da representatividade porque cria no eleitorado frustração e sensação de engano.

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  2. Acontece que já há várias formas de intervir - que tal usá-las? Claro que é difícil quando não se tem propostas, mas havendo tanta gente, acho que se consegue massa crítica para melhor do que isto, não?

    Além disso, de 4 em 4 anos há eleições, e sistematicamente o que assistimos é a um número cada vez maior de abstencionistas. Assistimos também a uma sociedade civil em geral pouco profissionalizada na sua actuação. Que tal agir aqui? Que tal agir de forma a solucionar os problemas que se encontram, em vez de simplesmente ir exigir ao Estado?

    E peço desculpa, mas há um ponto fundamental no artigo que mantenho. Ninguém mandatou os indignados para serem representantes do «povo». Arrogarem-se esse título, de forma consciente ou inconsciente, é querer retirar legitimidade ao Parlamento. E eu não lhes reconheço a legitimidade ao Parlamento.

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  3. Isto ouvi eu um responder, indignando-se em pleno 10pm slot, à pergunta "Qual é a alternativa?":

    - A alternativa, são os governantes que a têm de apresentar, mas não o fazem porque dizem que não há alternativa devido à situação económica e essa conversa toda. (...)

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  4. Sim, é verdade que já existem várias formas de intervir. Têm que ser usadas e porventura melhoradas. Mas o poder político também tem de estar predisposto à mudança. Por exemplo: porque é tão difícil encontrar informação de acesso livre sobre a gestão da administração central e local? Um caso concreto: vivo em Torres Vedras. Quero saber qual a situação financeira da câmara da minha cidade. Vou ao site e essa informação não está disponível. Isto é ou não é um exemplo de distanciamento entre o eleitor e o eleito?

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  5. E tu podes mobilizar pessoas para tentar mudar esse estado de coisas.

    Ninguém duvida que o sistema tem de melhorar. Mas a manifestação dos «indignados» resumiu-se, quase, ao que o Luís referiu no comentário dele. E isso é pouco, muito pouco.

    Mas o cerne da questão continua a ser que aquelas pessoas não são « legítimos representantes do povo».

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  6. Sim, de acordo. Aquelas pessoas não são os legítimos representantes do povo, nem eu, estando igualmente indignado com o atual estado de coisas me sinto representado por eles. Eles próprios contradizem-se quando declaram que querem uma auditoria cidadã às contas públicas e antes de saberem o resultado dessa mesma auditoria afirmam «não pagamos, a dívida não é nossa».

    Mas percebo que haja uma vontade de trazer para o cidadão a participação na vida política e isso não é fácil porque o sistema em vigor apenas se abre ao cidadão, e muito limitadamente, de 4 em 4 anos. Vê como é difícil participar: petições, iniciativas legislativas de cidadãos são instrumentos pouco ágeis. Referendos praticamente não existem. As sessões de câmara são marcadas para horários pouco acessíveis, informação não está disponível on-line, etc...vês uma imensidão de más práticas da nossa classe dirigente reveladoras de não estarem sensibilizados para a mudança, para um novo relacionamento entre representados e representantes, para maior responsabilização e exigência. A juntar a isso temos o povo ignorante e pouco interessado, que só acordou agora para a importância da participação política porque viu como os recursos foram mal geridos em seu nome e estão a sentir na pele por isso.

    Sim, é pouco o que os indignados fazem. Mas esta é uma boa oportunidade para mostrar ao povo como é importante que cada cidadão seja um político, que seja um participante nas res publica.

    Abraço.

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