segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Todos somos estrangeiros



O conceito de «nação» impregna o nosso debate político. Os seres humanos são divididos de acordo com tradições culturais «comuns» e assim divididos em «nações».

Cada «nação» tem os seus mitos. Em Portugal, ligamos os portugueses aos lusitanos, por exemplo, e elementos da nossa História são depurados e transformados em histórias que servem para afirmar as características intrínsecas do «povo português».

A noção de que cada «nação» deve ter o seu «Estado» vê-se também em todo o lado como um ideal a atingir. Assim, cada conjunto de seres humanos culturalmente homogéneo deve gerir-se a si próprio. É nisto que redunda a «auto-determinação dos povos».

E assim surge o mito do «Estado-Nação», cujo objectivo último é «proteger» os seus membros e defendê-los dos outros. Esses «outros» são, claro, os «estrangeiros». E a vivência humana reduz-se a um confronto entre os «nacionais» e os «estrangeiros» por riqueza.

Nesta concepção do mundo, há uma guerra permanente e a paz é algo de estranho. Afinal, para que os «nacionais» tenham algum coisa, os «estrangeiros» têm de a perder, e «vice-versa». As diferenças entre estes grupos são inultrapassáveis e portanto conduzem inevitavelmente ao conflito.

Nesta visão do mundo não há grande lugar para os indivíduos enquanto tal. Estes são consumidos pela «nação» e pelo «Estado» que a suporta. São peões no grande confronto entre «nações» que ocorre a uma escala mais ou menos global.

Mas mesmo nesta visão do mundo, em que todos os seres humanos são considerados intrinsecamente diferentes por questões culturais, há algo que os une a todos: todos são «estrangeiros». Para um americano, um português é «estrangeiro». Para um português, é o americano que é «estrangeiro».

Não subscrevo esta visão do mundo que divide os seres humanos desta forma. Mais: considero o Estado Nação (e outros parecidos) um ideal nocivo, que gera, ele próprio, conflitos. Porque é um conceito que nos faz esquecer que, no fundo, todos temos algo que nos une, mesmo que seja sermos «estrangeiros».

Mas mais do que isso, o conceito de «Estado Nação» é profundamente anti-individualista e «standardiza» os indivíduos, agrupando-os de forma estanque, e colocando acima de tudo um conjunto de tradições idealizadas e não a possibilidade de cada um se definir a si próprio. É um conceito que ignora a forma orgânica como estabelecemos relações uns com os outros, independentemente da «nação» a que supostamente pertençamos.

Ontologicamente, todos os seres humanos são iguais em dignidade. E por serem todos iguais em dignidade, as diferenças que os definem enquanto indivíduos devem ser respeitadas. Cada indivíduo deve ser o mais livre possível de viver de acordo com as suas preferências e de estabelecer relações com quem bem entender.

A função do Estado não deve ser proteger um conceito abstracto de «nação», mas sim a liberdade individual de cada um dentro de uma certa comunidade. Esta liberdade deve, em particular, ser garantida a nível global, permitindo que cada um de nós estabeleça relações com quem quiser e seja parte das comunidades que quiser.

Ao Estado-Nação e à noção do «nós contra os outros» vem muitas vezes associado proteccionismo de várias estirpes, defendido para que «nós» enriqueçamos. O passo seguinte varia: ou simplesmente enriquecemos e os outros empobrecem, ou então temos de subsidiar outros «povos» mais pobres.

Eu não penso em «nós contra os outros». Sou, claro, acusado de ser «ingénuo», de não saber como funciona o mundo, de não ser «patriota». Acusações que me passam ao lado. No fim de contas, o que eu penso é que são as políticas proteccionistas que causam empobrecimento e nível global e um sem número de conflitos, não o livre comércio.

Mais: apesar de sistematicamente se acusar os liberais de promoverem o egoísmo (geralmente confundindo «egoísmo» com «individualismo»), a verdade é que eu defendo que quem vivem em África ou na América Latina deve ter a mesma hipótese de enriquecer que eu e quero implementar políticas nesse sentido, quem me chama egoísta acha que isso não é nada com ele e que os «outros» é que têm de fazer pela vida (através de medidas proteccionistas e estatistas, geralmente, claro).

Enquanto eu defendo cooperação a nível global fomentada pela existência de fácil intercâmbio comercial e cultural, outros ou defendem o conflito ou então «cooperação» através de enormes barreiras. Auto-proclamam-se «realistas», o truque habitual de quem quer apresentar as suas opiniões em algo de objectivo, e chamam-me «idealista», como se isso fosse um insulto.

Pois bem, eu sou um idealista. Um idealista pragmático. Não me escondo atrás de um manto de fingida objectividade, confundindo as minhas ideias com a realidade, ou confundindo o «ser» com o «dever ser».

Não tenho também ilusões de que o meu ideal nunca será atingido. Afinal, é um ideal. Mas isso nunca me impedirá de me bater por ele. Por muito ridículo que possa parecer.

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