"Deve haver um dia em que a sociedade, como os indivíduos, chegue à maioridade." - Alexandre Herculano
sábado, 10 de dezembro de 2011
Uma questão de escala (III)
Uma manifestação da interdependência actualmente existente são as Convenções Modelo da OCDE (p.ex. esta, numa matéria tão relevante para a soberania como os impostos) ou os «standards» regulatórios do Comité de Basileia. Apesar de nos encontrarmos perante «soft law», a verdade é que a interdependência gerou a necessidade de emergirem «standards» internacionais/globais que depois os Estados (ou a UE) acabam por transpor para os seus ordenamentos jurídicos (transformando-os em «hard law»). Ora, este processo é equivalente a processos muito semelhantes que existem, por exemplo, nos Estados Unidos, nos quais muitas «leis modelo» são desenvolvidas e depois transformadas em lei em vários Estados (à margem do Governo federal e em áreas da competência dos Estados federados).
Como se pode ver, este tipo de processos não põem em causa a soberania dos Estados, embora mostrem que ela funciona de forma condicionada. Mas também a nível global se coloca em causa a soberania dos Estados face à emergência de problemas que afectam todos os Estados e que precisam de uma resposta global (veja-se o terrorismo global, por exemplo, ou até questões migratórias ou comerciais). Por outro lado, o cada vez maior reconhecimento do indivíduo enquanto tal, e não como apenas uma emanação de certo Estado, serve também para minar o poder dos Estados (embora reconheça que ainda há um longo caminho a percorrer). O surgimento de empresas multinacionais e organizações não-governamentais globais têm, por sua vez, efeito semelhante.
Já existe uma comunidade política global, da qual todos fazemos parte, e sobre a qual também importa discutir o modelo de governação. A estagnação e arrastamento das negociações de Doha têm efeitos que se repercutem em cada um de nós, espalhados pelo mundo inteiro. A crise da União Europeia tem efeito nos EUA e a crise dos EUA tem efeito na União Europeia. A política monetária chinesa tem efeitos a nível global. No entanto, todos estes debates continuam a ser tratados e concebidos mediaticamente como conflitos entre Estados e as negociações de Doha nem costumam aparecer fora da comunicação social especializada, o que aliás também acontece com o debate sobre o modelo de governação a nível global.
É preciso inserir a crise que actualmente vivemos na União Europeia no contexto da crise que se vive nos EUA e também da emergência da China, da Índia e do Brasil e do ressurgimento da Rússia, entre outros processos marcantes do nosso tempo, para começar a tentar perceber as implicações do que se está a passar. Não basta pensar na perspectiva puramente interna portuguesa ou mesmo nas quezílias internas da União Europeia, que é tendencialmente aquilo que é feito.
Por outro lado, enquanto a interdependência e os benefícios que traz não forem valorizados como eu, pelo menos, penso que deviam ser, corremos o risco de que comecem a ser desvalorizados e até mesmo culpados pela crise. Daí a começarem a surgir barreiras à livre circulação, em nome da «soberania nacional», vai um passo muito pequeno, com os custos de oportunidade incalculavelmente elevados que isso traria.
Da Direita conservadora não se pode esperar que faça a defesa da liberdade e da interdependência global. Na Esquerda, ouvimos sistematicamente a palavra «estrangeiro» ser utilizada como se de um insulto se tratasse, com referência ao FMI e à UE (instituições das quais Portugal é membro, ainda por cima), bem como a defesa intransigente da «soberania nacional».
Cabe, então, aos liberais democratas fazer a defesa intransigente da interdependência global, do comércio livre, da primazia do Direito nas relações internacionais e da importância do indivíduo na política global. Enfrentando conservadores quer à Direita, quer à Esquerda, em nome da paz, da prosperidade e de um mundo melhor.
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
Simplismo, Complexidade e Populismo
As mensagens populistas reduzem a realidade a um conjunto de proposições muito simples, fáceis de «vender» e de «captar». Jogam geralmente com o medo que as pessoas têm daquilo que é diferente e daquilo que não conhecem, envolvendo-se muitas vezes em afirmações triviais (ver aqui e aqui), chavões que ninguém questiona e que não precisam de ter grande substância. Depois, apresenta soluções também elas de simples apreensão e que fazem apelo ao «senso comum» (ver aqui e aqui) e à emoção.
Num momento de crise, as mensagens populistas apontam culpados e dizem que castigando esses culpados tudo se resolve. Prometem que, aplicando uma receita muito simples, podemos voltar a ter controlo das nossas vidas, que nos foi retirado, sem culpa nossa, por decisões que não podíamos controlar mas deveríamos poder. Prometem que, aplicando as suas ideias, podemos deixar de ter medo e de nos sentirmos inseguros, porque os problemas que nos dizem serem complexos são, na verdade, extremamente simples e simples de resolver.
Este tipo de mensagem é extremamente apelativo mesmo fora de tempos de crise, mas durante as crises torna-se particularmente sedutor. É difícil combater esta mensagem de forma eficaz sem cair em demagogias ou populismos próprios. A simplicidade atrai enquanto a complexidade afasta, dado que ninguém gosta de sentir que não é inteligente o suficiente para perceber o que lhe está a ser dito. Além disso, uma mensagem complexa que causa problemas de compreensão gera desconfiança, enquanto uma mensagem que se entende terá o efeito inverso.
Dizer que a realidade das relações humanas é uma realidade extremamente complexa e que não existem varinhas mágicas para resolver problemas, com a agravante de que todas as soluções propostas têm, elas próprias, custos não é uma mensagem apelativa. Tentar explicar conceitos complexos de forma simples mas, apesar de tudo, exacta é tarefa muito difícil, especialmente quando se luta por exposição mediática com um bombardeamento constante de mensagens demagógicas, simplistas e populistas.
Um bom debate público em democracia é fundamental para o seu bom funcionamento. Mas um debate público numa democracia liberal terá sempre uma componente populista, demagógica e simplista. Essa componente simplista aliada a elementos extremistas e anti-democráticos numa altura em que o centro não consegue arranjar soluções (e, frequentemente, se degladia com mensagens populistas próprias) mina a própria democracia.
A forma de combater este fenómeno parece-me ser conseguir que os elementos moderados em democracia (que, enfatizo, vão para além dos partidos políticos), sejam capazes de debater de forma substantiva e tenham, de facto, propostas para resolver problemas, não propostas para ganhar jogos de política pura. Isto tem sido, no entanto, aquilo a que sistematicamente temos vindo a assistir.
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Todos somos estrangeiros
O conceito de «nação» impregna o nosso debate político. Os seres humanos são divididos de acordo com tradições culturais «comuns» e assim divididos em «nações».
Cada «nação» tem os seus mitos. Em Portugal, ligamos os portugueses aos lusitanos, por exemplo, e elementos da nossa História são depurados e transformados em histórias que servem para afirmar as características intrínsecas do «povo português».
A noção de que cada «nação» deve ter o seu «Estado» vê-se também em todo o lado como um ideal a atingir. Assim, cada conjunto de seres humanos culturalmente homogéneo deve gerir-se a si próprio. É nisto que redunda a «auto-determinação dos povos».
E assim surge o mito do «Estado-Nação», cujo objectivo último é «proteger» os seus membros e defendê-los dos outros. Esses «outros» são, claro, os «estrangeiros». E a vivência humana reduz-se a um confronto entre os «nacionais» e os «estrangeiros» por riqueza.
Nesta concepção do mundo, há uma guerra permanente e a paz é algo de estranho. Afinal, para que os «nacionais» tenham algum coisa, os «estrangeiros» têm de a perder, e «vice-versa». As diferenças entre estes grupos são inultrapassáveis e portanto conduzem inevitavelmente ao conflito.
Nesta visão do mundo não há grande lugar para os indivíduos enquanto tal. Estes são consumidos pela «nação» e pelo «Estado» que a suporta. São peões no grande confronto entre «nações» que ocorre a uma escala mais ou menos global.
Mas mesmo nesta visão do mundo, em que todos os seres humanos são considerados intrinsecamente diferentes por questões culturais, há algo que os une a todos: todos são «estrangeiros». Para um americano, um português é «estrangeiro». Para um português, é o americano que é «estrangeiro».
Não subscrevo esta visão do mundo que divide os seres humanos desta forma. Mais: considero o Estado Nação (e outros parecidos) um ideal nocivo, que gera, ele próprio, conflitos. Porque é um conceito que nos faz esquecer que, no fundo, todos temos algo que nos une, mesmo que seja sermos «estrangeiros».
Mas mais do que isso, o conceito de «Estado Nação» é profundamente anti-individualista e «standardiza» os indivíduos, agrupando-os de forma estanque, e colocando acima de tudo um conjunto de tradições idealizadas e não a possibilidade de cada um se definir a si próprio. É um conceito que ignora a forma orgânica como estabelecemos relações uns com os outros, independentemente da «nação» a que supostamente pertençamos.
Ontologicamente, todos os seres humanos são iguais em dignidade. E por serem todos iguais em dignidade, as diferenças que os definem enquanto indivíduos devem ser respeitadas. Cada indivíduo deve ser o mais livre possível de viver de acordo com as suas preferências e de estabelecer relações com quem bem entender.
A função do Estado não deve ser proteger um conceito abstracto de «nação», mas sim a liberdade individual de cada um dentro de uma certa comunidade. Esta liberdade deve, em particular, ser garantida a nível global, permitindo que cada um de nós estabeleça relações com quem quiser e seja parte das comunidades que quiser.
Ao Estado-Nação e à noção do «nós contra os outros» vem muitas vezes associado proteccionismo de várias estirpes, defendido para que «nós» enriqueçamos. O passo seguinte varia: ou simplesmente enriquecemos e os outros empobrecem, ou então temos de subsidiar outros «povos» mais pobres.
Eu não penso em «nós contra os outros». Sou, claro, acusado de ser «ingénuo», de não saber como funciona o mundo, de não ser «patriota». Acusações que me passam ao lado. No fim de contas, o que eu penso é que são as políticas proteccionistas que causam empobrecimento e nível global e um sem número de conflitos, não o livre comércio.
Mais: apesar de sistematicamente se acusar os liberais de promoverem o egoísmo (geralmente confundindo «egoísmo» com «individualismo»), a verdade é que eu defendo que quem vivem em África ou na América Latina deve ter a mesma hipótese de enriquecer que eu e quero implementar políticas nesse sentido, quem me chama egoísta acha que isso não é nada com ele e que os «outros» é que têm de fazer pela vida (através de medidas proteccionistas e estatistas, geralmente, claro).
Enquanto eu defendo cooperação a nível global fomentada pela existência de fácil intercâmbio comercial e cultural, outros ou defendem o conflito ou então «cooperação» através de enormes barreiras. Auto-proclamam-se «realistas», o truque habitual de quem quer apresentar as suas opiniões em algo de objectivo, e chamam-me «idealista», como se isso fosse um insulto.
Pois bem, eu sou um idealista. Um idealista pragmático. Não me escondo atrás de um manto de fingida objectividade, confundindo as minhas ideias com a realidade, ou confundindo o «ser» com o «dever ser».
Não tenho também ilusões de que o meu ideal nunca será atingido. Afinal, é um ideal. Mas isso nunca me impedirá de me bater por ele. Por muito ridículo que possa parecer.
domingo, 27 de novembro de 2011
Todos somos políticos
sábado, 29 de outubro de 2011
Todos temos ideologia
Há uma mediação entre o «ser» e o «deve ser». Essa intermediação vem da nossa avaliação e interpretação da realidade. Em suma, das nossas opiniões. E as opiniões são, por natureza, subjectivas, mesmo que fundamentadas com dados empíricos. As diferenças de opinião resultam em debates que têm por pano de fundo tentar convencer os outros de que a nossa avaliação da realidade e sobre o «dever ser» é melhor.
Desconfie de quem lhe disser que não tem ideologia, de quem lhe disser que tem opiniões «objectivas» e «factuais». No limite, opiniões «correctas». Estas não existem, muito menos em política. Podemos discutir quais os resultados das políticas do Governo, mas atacá-las por serem «ideológicas» é um ataque trivial. É que as alternativas às políticas do Governo têm também subjacente uma ideologia.
Os ataques à «ideologia» têm como resultado que os actores políticos vão ser incentivados a tentar obscurecer as suas opções ideológicas. As opções políticas vão ser apresentadas, por todos os lados, não como a melhor alternativa, mas como a única alternativa. E essa apresentação tenderá a ser feita, ainda por cima, no formato de «slogans» triviais sem qualquer substância.
Em vez de se aceitar o pluralismo ideológico e promover o diálogo entre diferentes concepções do mundo, acaba a promover-se, na melhor das hipóteses, gritarias entre actores políticos que arrogam para si a Verdade e a objectividade, obscurecendo as opções ideológicas subjacentes às suas escolhas. Na pior das hipóteses, a negação de validade a opções ideológicas contrárias tem tendência para resvalar para regimes de pensamento único.
Numa sociedade livre, aberta e plural, é importante aceitar que todos temos ideologia, e que essas ideologias influenciam e condicionam as nossas opções políticas, quer exerçamos cargos públicos quer apenas escolhamos exercer, ou não, o nosso direito de voto. Essa aceitação é fundamental para que haja um defesa clara da liberdade de expressão e de opinião, sendo ainda muito importante para promover a emergência de acordos políticos.
É urgente que combater o apelo populista do discurso que se diz «a-ideológico». É urgente preservar o pluralismo e a liberdade de pensamento, e promover o debate político substantivo.
sábado, 15 de outubro de 2011
Não há debate político sério em Portugal
Mas não há debate político em Portugal. Há acusações sobre as motivações dos outros, há descaracterizações das posições dos outros, há uma completa incapacidade para ir além de demagogia e populismo descarados. E neste momento, na minha opinião, se do BE e do PCP não se podia esperar muito (leia-se: não se podia esperar nada), do PS devíamos poder esperar mais.
A verdade é que António José Seguro tem andado de acusação pífia em acusação pífia, e agora anda a demarcar-se da austeridade, fugindo das responsabilidades que o PS tem na situação actual do país. O seu discurso é consistentemente desprovido de interesse. Fala em chavões, ataca o Ministro da Economia, por lhe parecer o alvo mais fácil, e exige crescimento económico, como se o Governo criasse crescimento económico sustentável carregando num botão.
Bem sei que há quem acredite que o dinheiro cresce nas árvores, que continue a encarar as empresas como zonas de guerra entre «patrões» e «trabalhadores», que a situação financeira dos Estados é parecida com a situação que existia no tempo do Keynes (dica: não é nada parecida), que as obras públicas trazem desenvolvimento simplesmente por existirem, e que tudo o que se passa em Portugal é resultado de uma terrível crise que envolve decisões erradas de toda a gente menos da população portuguesa.
Ora bem, numa democracia representativa, não há como a população fugir às suas responsabilidades. Os votos das pessoas ajudaram a eleger maiorias parlamentares que aumentaram a dívida e criaram a situação insustentável na qual acabámos. A sociedade civil portuguesa mantém-se incipiente, pouco profissionalizada, ou muito dependente do Estado. As nossas empresas continuam a precisar de maior «know-how» a todos os níveis, não apenas para os colaboradores.
Enquanto continuarmos todos à espera que o Estado resolva todos os problemas, mormente com subsídios, não chegamos lá. Quando nos começarmos a organizar, mesmo a nível local, para resolver problemas, aí as coisas começarão a mudar. Aí teremos um sinal de que há uma alteração cultural, uma mudança de mentalidades na sociedade portuguesa no sentido da resolução de problemas, e não da exigência de que os nossos problemas devam ser resolvidos por outros.
Parte dessa mudança de mentalidade poderia vir de haver um debate público sério sobre os problemas do país, sobre a forma como cada um de nós individualmente, ou em grupo, pode ser parte da resolução dos nossos problemas actuais, independentemente do Estado. Que podemos fazer mais do que exigir subsídios estatais, podemos arregaçar as mangas e tentar, por nós próprios, e com outros que concordem connosco, resolver problemas.
Mas para isso, seria necessário haver debate político sério em Portugal. E não há.
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Federalismo Europeu (II)
Todos estes problemas estão interligados e, a meu ver, têm uma causa comum: a soberania nacional. A estrutura é complexa, confusa, pouco intuitiva e pouco transparente porque no seu ADN permanece uma preocupação com a defesa da soberania nacional dos Estados Membros.
É a soberania nacional que justifica regras de maioria qualificada bizantinas. É a soberania nacional que justifica a existência do Conselho Europeu. É a soberania nacional que justifica a existência de um mecanismo de controlo da aplicação do princípio da subsidiariedade que envolve os parlamentos nacionais.
A constante preocupação em salvaguardar a posição dos Estados Membros enquanto tal na estrutura da União Europeia torna-a, portanto, mais complexa. Torna também mais difícil tomar decisões enquanto União Europeia em questões fundamentais, como seja a resolução da crise das dívidas soberanas.
A União Europeia continuar a ser pensada como um conjunto de Estados, remetendo a cidadania europeia para segundo plano, dificulta a emergência de verdadeiros debates públicos a nível europeu, envolvendo directamente os cidadãos, enquanto cidadãos europeus, e a sociedade civil europeia em geral.
Os problemas europeus são sistematicamente caracterizados como competições entre os diversos Estados-Membros e as negociações como braços de ferro. O nacionalismo é louvado e promovido: os «outros» são diferentes de nós, querem fazer-nos mal, querem dominar-nos e nós não podemos deixar.
No debate político, as pessoas são enjauladas em «nações», corporizadas num «Estado-Nação», e perdem a sua identidade individual. O conceito de «Estado-Nação», assente numa «soberania nacional», que existe para defender um «interesse nacional», tornou-se tão enraizado que é difícil fazer-lhe frente.
Neste momento de crise, a União Europeia está a ser posta à prova, incluindo a sua estrutura institucional. Os soberanistas defendem que o problema é integração a mais e não têm tido resposta suficiente de federalistas que digam, preto no branco, que não. Que o problema é integração a menos.
A falta de integração política leva a que seja mais difícil tomar decisões porque o sistema encoraja a cooperação, mas não o suficiente. Problemas europeus são «nacionalizados» e tratados como se fossem problemas de cada Estado Membro, quando na realidade o que se passa num Estado-Membro afecta todos os outros.
A falta de integração política leva à existência de uma estrutura complexa que, se para algumas áreas já consegue dar resposta, para áreas fundamentais ainda não o consegue fazer. Simplificar o sistema torná-lo-ia mais capaz de lidar com problemas complexos e delicados e também mais compreensível para os cidadãos.
Tornando o sistema mais compreensível, seria mais fácil aos cidadãos exercer o seu direito de escrutínio. Da mesma forma que financiar a UE primordialmente através de impostos europeus tornaria mais fácil aos cidadãos aperceberem-se quer do custo da UE, e pedir contas, quer do facto de estarem a contribuir directamente para o funcionamento da mesma com o seu dinheiro.
Um sistema federal deveria assentar primordialmente, na minha opinião, nos cidadãos europeus e nos seus representantes do Parlamento Europeu, bem como na sociedade civil europeia. A União Europeia não estaria assente numa «nação» mas sim em «cidadãos», cada qual com as suas preferências e ideias.
O «Estado-Nação», mito com raízes oitocentistas que ainda hoje nos persegue, tem de ser posto em causa. Os ideais proteccionistas e nacionalistas que lhe estão assentes servem para fomentar conflitos, não para os resolver. Servem também para categorizar indivíduos e reduzi-los a meras manifestações de um certo colectivo.
A União Europeia deve servir para ultrapassar este modelo de organização social. Bem sei que existe o risco de emergir um nacionalismo europeu para substituir os nacionalismos dos Estados Membros, provavelmente caracterizado por um anti-americanismo primário. É preciso, também, resistir a que isso aconteça.
A evolução da União Europeia para uma federação que garantisse liberdade de circulação de pessoas, bens, capital, serviços e tecnologia, que respeitasse o princípio da subsidiariedade e assente num corpo de cidadãos encarados enquanto tal, seria uma solução estrutural para os problemas que nos assolam. Cada passo nesse sentido é importante. Combater o nacionalismo típico das crises, por sua vez, é urgente.
quinta-feira, 19 de maio de 2011
Sempre a aprender
Viver em comunidade e ser interventivo não é apenas uma oportunidade de melhorar o que está à nossa volta. É também uma oportunidade de nos melhorarmos a nós próprios.
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
A democracia não é uma economia de mercado: cidadania e descentralização precisam-se!
Num mercado que funcione bem, os interesses do indivíduo alinham-se com os interesses do colectivo. Do mérito e do trabalho, o indivíduo terá normalmente a sua recompensa. E do mérito e do trabalho desse indivíduo, a sociedade beneficia. Todos ficam satisfeitos. É sabido que existem limitações a este modelo um pouco utópico de funcionamento da economia, mas ele é suficientemente próximo da realidade para reconhecermos que esta é a melhor forma de ter uma economia a funcionar, com alguns ajustes.
A democracia política não funciona assim. A probabilidade de algum dia um voto nosso fazer a diferença numas eleições é pouco maior do que nada. Para quê o aborrecimento, então? Ainda assim muitos de nós vão votar, por uma questão de consciência cívica. Se isto por um lado prova que a assunção homo economicus de egoísmo puro no comportamento humano tem mesmo limites, por outro lado indica-nos que o esforço e o mérito da acção do cidadão, na política, serão tremendamente menos estimulados do que numa economia de mercado...
Para votar bem não é suficiente saír do sofá no Domingo à tarde e fazer uma cruz. Para votar bem (e ser exigente e justo com quem votamos) é necessário estar atento, passar da análise superficial, perceber a complexidade da política e escrutinar em consciência dos factos. Isto dá muito trabalho, e requer mérito, ao cidadão. Os nossos media de horário nobre, essencialmente superficiais e inúteis, são um resultado do oposto. O cidadão médio português em geral aprofunda pouco a sua análise política, e não é exigente com os políticos (queixume não é exigência, para se ser exigente é preciso conhecer a realidade, e ser crítico na crítica).
Em democracia, temos que contar com a exigência do voto uns dos outros. Mas porque a democracia não funciona como uma economia de mercado, isso só poderá acontecer através de uma maior consciência cívica*. Mais Cidadania, precisa-se!
E uma democracia torna-se mais parecida com uma economia de mercado se as pessoas tiverem mais influência nas decisões tomadas. As pessoas terão também melhor informação sobre os políticos – e com ela poderão ser mais exigentes – se estiverem próximas das acções deles. Por isso, Descentralização, precisa-se!
* Não ir votar pode ser entendido como um sinal de desresponsabilização do cidadão, e de fraca exigência para com os políticos (e eles sentem isso). Um colega deste blog argumentava que qualquer cidadão tem a liberdade de não votar. É verdade, mas nesse caso pode fazer sentido criticá-lo, porque entre outros a cidadania também pode ser estimulada pelo poder da crítica.