sábado, 5 de novembro de 2011

Contra o anti-germanismo e anti-helenismo

Na Grécia, a legitimidade democrática para acumular dívida e mentir sobre ela não tem limites. Anunciar referendos depois de duras negociações terem levado a um acordo, sem ter dito nada a ninguém, é de uma majestática democraticidade, uma manifestação portentosa de "soberania democrática". E a Grécia é uma vítima, não de erros próprios, mas de forças para além da sua capacidade de resistir.

Na Alemanha, a legitimidade democrática para não querer emprestar dinheiro à Grécia até pode existir, mas é um exercício claramente ilegítimo e nada solidário da maravilhosa "soberania democrática". A Alemanha querer que haja condições para emprestar o dinheiro também é inadmissível, tal como é inadmissível o Governo alemão ter posições diferentes daquelas defendidas pelos magníficos pensadores da Esquerda radical.

As gritarias anti-Alemanha são tão perigosas e mal pensadas como as gritarias anti-EUA e têm uma origem comum: os «poderosos» só têm responsabilidades, mas os «pobres» só têm direitos. Há nuances, e a posição não tende a ser tão extrema, mas no limite, é esta a lógica. A mesma lógica que leva à defesa de políticas que redundam na criação de «armadilhas de pobreza» em geral, mas aplicada à geopolítica.

Por outro lado, as gritarias contra a Grécia também são perigosas. Transformar os gregos em estereótipos negativos, ignorar os efeitos da crise e o facto de lhes terem, também a eles, mentido tem sido, e será sempre, uma receita para o ressentimento mútuo e para o desastre. Por outro lado, transformá-los em mártires também ignora todas as suas responsabilidades e em nada ajuda o problema a ser resolvido.

Não se pode tudo exigir da Alemanha, gritar com a Alemanha, insultar a Alemanha, culpar a Alemanha e tratar o eleitorado alemão como sendo irrelevante, ao mesmo tempo que se clama pela "soberania democrática grega". Mas também não se pode exigir tudo da Grécia, gritar com a Grécia, insultar a Grécia e culpar apenas a Grécia e tratar o eleitorado grego como sendo irrelevante, ao mesmo tempo que se impede a resolução do problema do euro através de uma muito maior federalização da UE.

«With great power comes great responsability.» Mas tendo a Alemanha «great power», não é a única com «responsibility». A Grécia também a tem: o que acontece na Grécia tem repercussões por toda a Europa e, no limite, por todo o mundo. Todos temos responsabilidades nesta crise, porque estamos num Mercado Único que é importante preservar. As gritarias e os atrasos que têm pautado a tomada de decisão na UE durante esta crise só se vão suceder consecutivamente, parece-me, até a UE simplificar e integrar o seu processo de tomada de decisão numa verdadeira federação.

Mas enquanto isso não acontecer, é importante que não nos deixemos levar por anti-germanismos e anti-helenismos. Não nos deixemos levar por jogadas com referendos na Grécia, desvalorizando e retirando legitimidade, de forma implícita, aos Parlamentos, e desprezando os outros parceiros de negociação da UE, também.

Principalmente, não nos deixemos enganar pelo canto de sereia da «soberania democrática», novo nome mais politicamente correcto da «soberania nacional». É que a crise das dívidas europeias é um problema europeu e global e, para o resolvermos, precisamos de uma resposta europeia e global. Não de gritarias, insultos ou atrasos.

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